Modelos Hidrológicos para Gestão Ambiental



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Transcrição:

Programa de Ciência e Tecnologia para Gestão de Ecosistemas Ação "Métodos, modelos e geoinformação para a gestão ambiental Modelos Hidrológicos para Gestão Ambiental Camilo Daleles Rennó João Vianei Soares Relatório Técnico Parcial Dezembro, 2000

SUMÁRIO Pág. LISTA DE FIGURAS... iii CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO...1 CAPÍTULO 2 CONCEITOS BÁSICOS DE MODELAGEM HIDROLÓGICA...4 2.1 UMA VISÃO GERAL SOBRE MODELOS...4 2.2 CLASSIFICAÇÃO DOS MODELOS...6 2.3 MODELAGEM HIDROLÓGICA...8 2.3.1 PRECIPITAÇÃO...10 2.3.2 DINÂMICA DA ÁGUA NO SOLO...13 2.3.3 BALANÇO DE ENERGIA E EVAPOTRANSPIRAÇÃO...19 2.3.4 ESCOAMENTO SUPERFICIAL...23 2.4 DISCRETIZAÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL E MODELO DE DADOS...25 CAPÍTULO 3 DESCRIÇÃO DO MODELO HIDROLÓGICO PROPOSTO...32 3.1 DISCRETIZAÇÃO DA BACIA HIDROGRÁFICA...32 3.2 COMPARTIMENTALIZAÇÃO DO SOLO...36 3.3 MODELAGEM DINÂMICA DA ÁGUA...38 CAPÍTULO 4 APLICAÇÃO DO MODELO...44 4.1 DESCRIÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO...44 4.2 DISPONIBILIDADE DE DADOS...47 4.2.1 DADOS CARTOGRÁFICOS...47 4.2.2 DADOS CLIMATOLÓGICOS/HIDROLÓGICOS...48 4.2.3 DADOS EDAFOLÓGICOS...50 4.2.4 DADOS RELATIVOS À USO DA TERRA...52 4.3 CALIBRAÇÃO DO MODELO E ANÁLISE DE SENSIBILIDADE...53 4.4 RESULTADOS PRELIMINARES...53 CONSIDERAÇÕES FINAIS...56 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...57 ii

LISTA DE FIGURAS Pág. Figura 2.1 Representação de um modelo hipotético... 6 Figura 2.1 Diagrama dos principais componentes do ciclo hidrológico... 9 Figura 2.2 Componentes do balanço de água no solo considerando o declive do terreno... 10 Figura 2.1 Processo de formação de chuva por movimento ascendente de massa de ar úmida... 12 Figura 2.1 Curvas de retenção considerando as fases de secamento e molhamento... 15 Figura 2.2 Relação entre o coeficiente b e a fração argila do solo... 16 Figura 2.3 Curvas típicas de capacidade de infiltração para solos arenosos e argilosos.... 18 Figura 2.4 Perfis de umidade mostrando a redistribuição da água ao longo do perfil de solo em 5 tempos diferentes... 19 Figura 2.1 Variação da capacidade de infiltração real de um solo e distribuição de chuva.... 24 Figura 2.1 Representação de uma bacia hidrográfica dividida em sub-bacias e diagrama esquemático mostrando os percursos da água até a saída da bacia... 26 Figura 2.2 Representação do MNT para uma bacia hidrográfica. (a) grade regular; (b) TIN; (c) curvas de nível... 27 Figura 2.3 Definição de um elemento típico construído a partir de linhas de fluxo com base num MNT representado por curvas de nível... 28 Figura 2.4 Representação matricial dos atributos.... 29 Figura 2.5 Representação dos atributos na forma de tabelas relacionais... 29 Figura 2.6 Utilização de tabelas relacionais interligadas... 30 Figura 2.7 Direções de fluxo obtidas a partir de MNT em grade regular... 31 Figura 2.8 Relação topológica entre elementos definida pela direção dos fluxos.... 31 Figura 3.1 Determinação de linhas de fluxo em curvas de nível com pontos irregularmente espaçados... 33 Figura 3.2 Métodos de determinação de linhas de fluxo: (a) mínima distância; (b) mínimo ângulo médio normal... 34 Figura 3.3 Simplificação das linhas de fluxo baseada na diferença angular... 35 iii

Figura 3.2 Tipos de elementos.... 36 Figura 3.1 Representação esquemática da compartimentação do solo dada 4 situações de dinâmicas de água no solo: (a) z s > z r ; (b) z s = z r ; (c) z s < z r ; (d) z s = 0.... 38 Figura 3.1 Representação esquemática do modelo... 39 Figura 4.1 Localização da área de estudo.... 44 Figura 4.2 Mapa de solos.... 46 Figura 4.1 Modelo Numérico de Terreno da bacia do Rio Corumbataí... 48 Figura 4.1 Estações fluviométricas da bacia do rio Corumbataí... 49 Figura 4.2 Estações meteorológicas da bacia do rio Corumbataí e entornos... 50 Figura 4.1 Condutividade hidráulica de solos saturados e teor de argila para 5 pontos amostrais da bacia do rio Corumbataí.... 51 Figura 4.2 Umidade volumétrica obtida pelo método de Richard para as profundidades de 0,20 e 0,80 m.... 52 Figura 4.1 Mapa de uso da terra para os anos de 1978 e 1993... 53 Figura 4.1 Janela principal do programa... 54 Figura 4.2 Inclinação média para os elementos da bacia de Corumbataí.... 55 Figura 4.3 Aspecto médio para os elementos da bacia de Corumbataí... 55 iv

LISTA DE TABELAS Tabela 3.1 Variáveis do modelo... 39 Pág. v

1 CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO A realização de estudos hidrológicos em bacias hidrográficas vem da necessidade de se compreender o funcionamento do balanço hídrico, os processos que controlam o movimento da água e os impactos de mudanças do uso da terra sobre a quantidade e qualidade da água (Whitehead e Robinson, 1993). A importância de se adotar a bacia como unidade hidrológica está ligada ao fato de que suas características estão intimamente relacionadas com a produção de água. Segundo Zakia (1998), a área de uma bacia hidrográfica tem influência sobre a quantidade de água produzida. Já forma e o relevo atuam sobre a taxa ou sobre o regime desta produção de água, assim como sobre a taxa de sedimentação. O padrão de drenagem, por sua vez, afeta a disponibilidade de sedimentos e a taxa de formação do deflúvio. Durante muito tempo, os estudos hidrológicos eram basicamente avaliações de apenas dois componentes do ciclo hidrológico: a precipitação e o deflúvio. A precipitação representava a entrada e o deflúvio a saída do sistema, sendo a evaporação e armazenamento quase sempre desconsideradas na análise. Entretanto, a compreensão do conjunto de processos físicos que ocorrem na bacia é imprescindível para interpretação dos resultados obtidos, suas limitações e sua aplicabilidade a outras regiões (McCulloch e Robinson, 1993). Na natureza, a manutenção dos recursos hídricos, no que diz respeito ao regime de vazão dos cursos d água e da qualidade de água, decorre de mecanismos naturais de controle desenvolvidos ao longo de processos evolutivos da paisagem. Um destes mecanismos, por exemplo, é a relação íntima que existe entre a cobertura vegetal e a água, especialmente nas cabeceiras dos rios onde estão suas nascentes. Esta condição natural de equilíbrio dinâmico vem sendo constantemente alterada pelo homem através do desmatamento, expansão da agricultura, abertura de estradas, urbanização e vários outros processos de transformação antrópica da paisagem, que alteram os ciclos biogeoquímicos e o ciclo da água. Levando em conta as projeções de crescimento da população mundial, não há dúvida de que os impactos ambientais destas transformações começam a ameaçar a sustentabilidade dos recursos hídricos (Lima, 2000). O monitoramento da microbacia hidrográfica pode fornecer indicações a respeito de mudanças desejáveis ou indesejáveis que estejam ocorrendo com os recursos hídricos como conseqüência de práticas de manejo. Pode-se identificar várias práticas que prejudicam a sustentabilidade, podendo estas práticas ocorrer em diferentes escalas. Na escala micro, ou seja, na escala da propriedade rural, a compactação, a destruição da matéria orgânica e a destruição da microbiologia do solo são alguns exemplos de conseqüências de práticas de manejo inadequado que degradam o mais importante fator hidrológico da manutenção dos recursos hídricos, que é o processo de infiltração de água no solo. Na escala meso, que é a própria escala da microbacia hidrográfica, pode-se identificar outros indicadores de sustentabilidade dos recursos hídricos. Por exemplo, o

2 traçado de estradas que não leve em conta as características da bacia, sempre constitui um foco permanente de erosão, degradando tanto o potencial produtivo do solo, como a qualidade da água. Finalmente, numa escala macro ou regional, um indicador de sustentabilidade dos recursos hídricos seria, por exemplo, a própria disponibilidade natural de água, a qual pode ser quantificada pelo balanço hídrico (Lima, 2000). O modelo hidrológico é uma ferramenta extremamente útil que permite, através da equacionalização dos processos, representar, entender e simular o comportamento de uma bacia hidrográfica (Tucci, 1998). Entretanto, é impossível ou inviável traduzir todas as relações existentes entre os diferentes componentes da bacia hidrográfica em termos matemáticos. De fato, ou essas relações são extremamente complexas a ponto de não existir uma formulação matemática capaz de descrevê-las completamente, ou apenas uma parte dos processos envolvidos nessas relações é parcialmente conhecida. Assim, na maioria dos casos, a modelagem hidrológica torna-se somente uma representação aproximada da realidade. É com o objetivo de fornecer ferramentas cada vez mais poderosas, buscando compreender os processos hidrológicos envolvidos no balanço de água de bacias hidrográficas, que este trabalho está sendo proposto. Espera-se que, com o desenvolvimento de um protótipo de modelo hidrológico distribuído, possa-se simular situações e antecipar soluções para os problemas, já considerados alarmantes, de fornecimento de água principalmente para grandes cidades.como objetivos secundários, mas não menos importantes, pode-se enumerar: a) testar uma metodologia de determinação de linhas de fluxo adaptada do modelo TOPOG; b) propor uma compartimentalização do solo a fim de simplificar as relações entre as camadas do solo, conservando-se a idéia de que a zona radicular é a região mais importante para a manutenção da produtividade da bacia; c) simular algumas situações críticas de uso da terra para antecipar seu efeito no ciclo hidrológico da bacia estudada; d) enumerar as necessidades estruturais de dados para que este modelo possa ser incorporado a um sistema de informação geográfica; e e) testar a viabilidade da utilização de dados de sensores orbitais na estimação do IAF, observando a sensibilidade do modelo a esse parâmetro IAF); Além deste capítulo, que introduz a problemática e importância em se fazer modelagem hidrológica, este documento possui mais 3 capítulos. No segundo capítulo são tratados assuntos relacionados aos conceitos básicos que envolvem a modelagem hidrológica tendo como enfoque principal o balanço de água no solo. O capítulo 3 apresenta os métodos e variáveis propostos para representar os processos hidrológicos da bacia. Por fim, o capítulo 6 traz uma descrição da área de estudo e apresenta os dados disponíveis para a calibração e teste do modelo proposto. Também alguns resultados

3 preliminares a respeito da discretização espacial da área de estudo é apresentada neste capítulo.

4 CAPÍTULO 2 CONCEITOS BÁSICOS DE MODELAGEM HIDROLÓGICA Neste capítulo serão abordados questões básicas relacionadas à modelagem hidrológica. Inicialmente são apresentados conceitos gerais de modelagem, definindo-se as variáveis envolvidas e os tipos de modelos existentes. Por fim, são discutidas detalhadamente cada um dos processos envolvidos na modelagem hidrológica. 2.1 UMA VISÃO GERAL SOBRE MODELOS Um modelo pode ser considerado como uma representação simplificada da realidade, auxiliando no entendimento dos processos que envolvem esta realidade. Os modelos estão sendo cada vez mais utilizados em estudos ambientais, pois ajudam a entender o impacto das mudanças no uso da terra e prever alterações futuras nos ecossistemas. Os processos ambientais no mundo real são geralmente bastante complexos e são tipicamente tridimensionais e dependentes do tempo. Tal complexidade pode incluir comportamentos não lineares e componentes estocásticos sobre múltiplas escalas de tempo e espaço. Pode-se haver um entendimento qualitativo de um processo particular, mas o entendimento quantitativo pode ser limitado. A possibilidade de expressar os processos físicos como um conjunto de equações matemáticas detalhadas pode não existir, ou as equações podem ser muito complicadas, exigindo simplificações para seu uso (Goodchild, 1993). Além disso, limitações computacionais ou a maneira na qual as equações matemáticas são convertidas em processos numéricos discretos leva à parametrização de processos complexos em escalas muito detalhadas que podem não ser explicitamente representadas no modelo. Em alguns casos, esses conjuntos de equações podem ser vistos como uma coleção de hipóteses, relativo a processos físicos, do qual entradas e saídas estão conectadas. Esse conjunto de equações parametrizadas representa a melhor aproximação do modelador para explicar esses processos, dado essas restrições coletivas. Entretanto, é importante reconhecer que modelos ambientais são usualmente, no melhor caso, apenas uma representação dos processos do mundo real (Goodchild, 1993). Um mesmo processo pode ser representado de diferentes maneiras, sendo algumas mais apropriadas para determinados casos. Nesse caso, não existe um modelo único que seja o melhor e sim pode existir aquele que melhor descreve um fenômeno. De maneira geral, um modelo é um sistema de equações e procedimentos compostos por variáveis e parâmetros. Os parâmetros mantém seu valor inalterado durante todo o processo estudado. Assim, um parâmetro possui o mesmo valor para todos os intervalos de tempo, o que não significa que ele não possa variar espacialmente. Já as variáveis podem mudar ao longo do tempo que o modelo estiver sendo executado. Pode-se distinguir 3 tipos de variáveis num modelo. A primeira, chamada variável de estado, é o

5 foco de estudo do modelo. Haverá sempre uma equação diferencial relacionada a esta variável. O estado de um sistema pode ser descrito apenas checando-se o valor de cada variável de estado. Como exemplo, na modelagem do balanço de água no solo, uma variável de estado pode ser o conteúdo de água no solo. O segundo tipo de variável num modelo é a variável processo ou simplesmente processo, também chamada de fluxo. Os fluxos serão as entradas e saídas das variáveis de estado. Tipicamente, os fluxos são calculados como função das variáveis de estado e das variáveis impulsionadoras ou forçantes (descritas a seguir). Também os parâmetros serão utilizados no cálculo dos fluxos. Exemplificando, a taxa de infiltração do solo pode ser considerada uma variável processo que alterará o conteúdo de água no solo. O terceiro e último tipo é a variável forçante que é usada no modelo mas não é calculada por ele e, dessa forma, a variação desta variável deve ser explicitada para o modelo. Esta variável pode representar um fluxo (fluxo forçante) ou um estoque externo ao modelo (estoque forçante) que alimentará o modelo funcionando como um propulsor. A chuva e o aqüífero não confinado são respectivamente típicos exemplos de fluxo e estoque forçante em modelos de balanço de água no solo. A variável forçante pode atuar ainda como um modulador/controlador de fluxos no modelo, como acontece, por exemplo, com o vento que pode influenciar na taxa de evaporação do solo. A Figura 2.1 mostra uma representação esquemática de um modelo hipotético bastante simples. Neste esquema pode-se observar 2 variáveis de estado (E 1 e E 2 ), 4 processos (P 1, P 2, P 3 e P 4 ) e 3 variáveis forçantes (F 1, F 2 e F 3 ). A variável E 1 recebe um fluxo F 1 que impulsiona o modelo. E 1 transfere parte de seu estoque para E 2 e P 1 representa esse fluxo de transferência. E 2 retorna parte de seu estoque novamente para E 1 mas com um fluxo P 2 controlado por F 3. Além disso, um estoque forçante F 2 transfere uma quantidade (P 3 ) de seu estoque ilimitado para E 2. Considera-se também que parte do estoque de E 2 é perdido para fora do sistema, o que acontece segundo um fluxo P 4. Várias relações podem ser estabelecidas entre os componentes deste modelo. Considerando-se uma variação no tempo dt, a variação no estoque das variáveis de estado é dada por de1 = F1 P1 + P2 (2.1a) dt, de2 = P (2.1b) 1 P2 + P3 P4 dt. Pode-se considerar ainda que F = f ( ), 1 t F = f ( ), 2 t F = f ( ), 3 t P 1 = f ( E1, E2 ), (2.2a) (2.2b) (2.2c) (2.2d)

6 P 2 = f ( E1, E2, F3 ), P 3 = f ( E2, F2 ), P = f ( 2). 4 E (2.2e) (2.2f) (2.2g) F 2 P 3 F 1 P 1 E 1 E 2 P 2 P 4 F 3 Figura 2.1 Representação de um modelo hipotético. A importância em se identificar cada tipo de variável presente num modelo está no fato de que esta definição influenciará a escolha da estrutura de dados durante a implementação deste modelo. Dessa forma, apenas as variáveis de estado precisam ser armazenadas a cada iteração do modelo caso se deseje fazer o acompanhamento desta variável ao longo do tempo. Por outro lado, os fluxos são recalculados a cada instante e seus valores históricos (memória temporal) são quase sempre permanentemente perdidos após cada cálculo. 2.2 CLASSIFICAÇÃO DOS MODELOS Discussões sobre aspectos relacionados à classificação de modelos podem ser encontrados em Maidment (1993), Vertessy et al. (1993) e Tucci (1998). Os modelos podem ser classificados sob diferentes aspectos. Comumente, os modelos são classificados, dentre outras formas, de acordo com o tipo de variáveis utilizadas na modelagem (estocásticos ou determinísticos), o tipo de relações entre essas variáveis (empíricos ou conceituais), a forma de representação dos dados (discretos ou contínuos), a existência ou não de relações espaciais (pontuais ou distribuídos), e a existência de dependência temporal (estáticos ou dinâmicos). Um modelo é dito estocástico quando pelo menos uma das variáveis envolvidas tem comportamento aleatório. Caso os conceitos de probabilidade sejam negligenciados durante elaboração de um modelo, este será denominado determinístico. Note, no entanto, que uma variável de entrada pode ser aleatória mas o modelo ainda assim é determinístico quando cada valor de entrada produz um único valor de saída. Sistemas

7 multivariados não-lineares podem levar a resultados caóticos que erroneamente são interpretados como variáveis aleatórias. Os modelos podem ser empíricos, quando utilizam relações baseadas em observações. Em geral, estes modelos são bastante simples e úteis no dia a dia. No entanto, são pouco robustos, uma vez que são específicos para aquela região para qual as relações foram estimadas. Além disso, os modelos empíricos não possibilitam fazer simulações de mudanças em condições para os quais o modelo não previu, tais como, chuvas extremamente altas, mudança de uso do solo, etc. Os modelos podem ser também baseados em processos (modelos conceituais) e, em geral, são mais complexos que os empíricos, uma vez que procuram descrever todos os processos que envolvem determinado fenômeno estudado. Por exemplo, o cálculo da variação do nível do lençol freático é bastante complexo e tem a necessidade de envolver o uso de modelos detalhados e multivariados, que geralmente requerem um bom conjunto de informações e uma parametrização cuidadosa antes que eles possam ser executados. Apesar dos fenômenos naturais variarem continuamente no tempo, na maioria das vezes, estes fenômenos são representados por modelos discretos. A escolha do intervalo de tempo (passo) no qual o modelo será executado depende basicamente do fenômeno estudado, da disponibilidade de dados e da precisão desejada nos resultados. Em geral, quanto menor o intervalo de tempo maior será a precisão dos resultados, aumentando também o custo computacional para geração destes resultados. Os modelos podem ainda ser classificados como pontuais (concentrados ou agregados) ou distribuídos. Em modelos pontuais, considera-se que todas as variáveis de entrada e saída são representativas de toda área estudada. Por outro lado, os modelos distribuídos consideram a variabilidade espacial encontrada nas diversas variáveis do modelo. De maneira geral, alguma discretização do espaço é feita e consequentemente cada elemento pode ser tratado como um ponto que representa homogeneamente toda sua área. Modelos distribuídos mais realísticos consideram também a existência de relação espacial entre elementos vizinhos. Finalmente, os modelos podem ser estáticos quando, com um conjunto de dados de entrada produz-se um resultado oriundo da resolução das equação do modelo em um único passo. Já modelos dinâmicos utilizam o resultado de uma iteração como entrada para uma próxima iteração. Os modelos geralmente descrevem processos com diferentes níveis de detalhamento e diferentes escalas de tempo. Um modelo pode ser detalhado, apropriado a pequenos intervalos de tempo e espaço, ou ser mais simples e genérico, podendo simular o comportamento de regiões inteiras e/ou períodos de tempo mais longos (décadas, séculos). De fato, muitos modelos trabalham em diferentes escalas espaciais e temporais. Alguns processos podem ser simulados considerando-se intervalos de tempo bastante pequenos (minutos, horas e dias) e escalas espaciais muito detalhadas (estômato, folha, planta), mas os resultados serem gerados para intervalos de tempo maiores (dias, meses, estações, anos, décadas) e escalas espaciais menos detalhadas

8 (dossel, comunidade, região). A generalização espacial dos resultados pode ser conseguida através do uso de técnicas de geoprocessamento e com o uso de dados de sensoriamento remoto (Steyaert, 1993). 2.3 MODELAGEM HIDROLÓGICA Um modelo hidrológico pode ser definido como uma representação matemática do fluxo de água e seus constituintes sobre alguma parte da superfície e/ou subsuperfície terrestre. Há uma estreita relação entre a modelagem hidrológica, a biológica e a ecológica pois o transporte de materiais pela água é influenciado por atividades biológicas que podem aumentar ou diminuir a quantidade desses materiais na água, e o regime do fluxo de água pode afetar diversos habitats. Além disso, a hidrologia está estreitamente relacionada às condições climáticas e portanto modelos hidrológicos e atmosféricos deveriam estar acoplados, sendo que, na prática, um estreito acoplamento torna-se bastante dificultado, uma vez que modelos atmosféricos trabalham com resoluções espaciais muito maiores que as utilizadas na modelagem hidrológica (Maidment, 1993). A bacia hidrográfica é o objeto de estudo da maioria dos modelos hidrológicos, reunindo as superfícies que captam e despejam água sobre um ou mais canais de escoamento que desembocam numa única saída. A bacia pode constituir a unidade espacial para modelos agregados que consideram as propriedades médias para toda a bacia. Diversas abordagens podem ser consideradas na subdivisão da bacia a fim de considerar suas características espacialmente distribuídas (veja Seção 2.4). Para melhor entender os modelos hidrológicos, é necessário analisar os componentes envolvidos no ciclo hidrológico. A água é agente essencial no processo produtivo, aqui entendido como fixação do carbono atmosférico pelas plantas superiores. A folha de uma planta é o principal órgão responsável pela fotossíntese e é também o responsável pelo controle sobre o ciclo hidrológico através dos estômatos. Pode-se verificar uma estreita relação entre os ciclos da água e do carbono. A Figura 2.2 mostra esquematicamente os principais componentes envolvidos no ciclo hidrológico.

9 precipitação transpiração evaporação (interceptação) evapotranspiração evaporação infiltração escoamento superficial zona de aeração fluxo ascendente drenagem profunda lençol freático zona radicular aquífero não confinado rocha de origem Figura 2.2 Diagrama dos principais componentes do ciclo hidrológico. Do ponto de vista hidrológico, o solo pode ser entendido como um reservatório, cujo volume de água armazenado pode ser bastante variável no tempo, dependendo de muitos fatores. O balanço de água no solo pode ser resolvido computando-se todas as entradas e saídas do sistema. A principal entrada de água no sistema é feita através da precipitação. Considerando a existência de uma cobertura vegetal sobre o solo, a água da chuva poderá ser primeiramente interceptada pelo dossel (a água poderá também atingir diretamente o solo ou corpos d água). Esta água interceptada pode então ser evaporada. Da água que chega até a superfície do solo, parte é infiltrada (entra no perfil de solo) e parte pode escoar superficialmente. A água infiltrada irá se redistribuir ao longo do perfil de solo. Aspectos relacionados ao movimento de água no solo serão tratados na Seção 2.3.2. Simultaneamente à entrada de água no solo, a água pode estar sendo evaporada pela superfície ou retirada do solo pelas raízes e transpirada pelas folhas do dossel. O processo que envolve a perda de água do sistema pela evaporação do solo e transpiração das plantas é denominado evapotranspiração (veja Seção 2.3.3). A água ainda pode ser perdida por drenagem profunda (além da zona radicular) e em algumas situações específicas pode haver um fluxo ascendente de água no solo.. Em terrenos declivosos, pode ocorrer também um fluxo lateral subsuperficial devido a ação gravitacional. Este processo é ilustrado na Figura 2.3. No terreno, pode se formar canais ou cursos por onde a água escoa preferencialmente. Estes canais podem escoar água somente durante um evento de chuva ou durante algum tempo depois, cessando o escoamento tão logo a água infiltre no solo (curso influente). Outros canais, por sua vez, localizados abaixo do nível do lençol freático, permanecem constantemente escoando água (curso efluente) a menos que, por algum motivo, o nível do lençol freático venha a baixar fazendo que o canal fique acima deste nível.

10 precipitação evapotranspiração curso influente fluxo superficial zona de aeração zona de saturação drenagem profunda lençol freático fluxo ascendente fluxo subsuperficial curso efluente Figura 2.3 Componentes do balanço de água no solo considerando o declive do terreno. Em geral, a variação de umidade dentro do perfil de solo é resolvido através de um balanço de massa, onde são computadas as entradas e saídas de água no sistema. Este balanço de massa é comumente chamada de balanço de água no solo. De modo bastante simplista, o balanço de água no solo pode ser resumido em P I ET Q ext θ = 0, (2.3) onde P é a precipitação (chuva, neve ou neblina), I é a água interceptada pelo dossel que posteriormente é evaporada, ET é a evapotranspiração, Q ext é o escoamento de água para fora do sistema e θ é variação do estoque de água no solo. A equação de balanço pode ser utilizada para eventos simples de precipitação ou para uma série temporal, embora as escalas temporais de cada um dos processos possam ser consideravelmente diferentes. A fim de entender melhor cada um dos processos envolvidos no balanço de água no solo, serão discutidos a seguir alguns aspectos relativos às principais variáveis envolvidas neste balanço. 2.3.1 PRECIPITAÇÃO A precipitação representa a principal entrada de água no sistema. Em geral, a precipitação é representada em termos de lâmina d água (1 milímetro de chuva equivale a 1 litro de água distribuídos em 1 metro quadrado do terreno). A precipitação caracteristicamente apresenta grande variação temporal e espacial. As principais formas de precipitação são chuva, neve, garoa, granizo, orvalho e geada. Desconsiderando a neve, característica de região de altas latitudes e/ou altas altitudes, a chuva representa a principal forma de precipitação. Basicamente, a chuva pode ser classificada em três tipos

11 básicos: convectiva, frontal e orográficas. A chuva convectiva é causada pelo aquecimento diferenciado da superfície e das camadas mais baixas da atmosfera, provocando a ascensão de massas de ar quente e úmido. Este tipo de chuva é em geral concentrado e de grande intensidade, e muitas vezes está associada à ocorrência de granizo. A chuva frontal ou ciclônica ocorre quando uma massa de ar frio entra em contato com uma massa de ar quente, fazendo com que esta última suba carregando a umidade para altas altitudes, provocando precipitação. Chuvas ciclônicas ocorrem mais distribuídas temporal e espacialmente. Finalmente, a chuva orográfica é causada por movimentos laterais de massas de ar quente e úmido que, encontrando uma barreira física (montanha), são forçadas a se elevar. Este tipo de chuva é particularmente importante em regiões costeiras que apresentam cadeias de montanhas. A condensação do vapor d água ocorre sempre que a umidade relativa do ar atinge 100%. A umidade relativa é a razão entre a pressão de vapor d água observado (e) e a pressão de vapor quando o ar está saturado (e s ). e s é uma função direta da temperatura do ar, ou seja, quanto maior for a temperatura maior será e s e consequentemente maior quantidade de vapor esse ar conseguirá armazenar. Com a subida de uma massa de ar na atmosfera, a temperatura da mesma tende a diminuir a uma taxa constante (razão de lapso adiabático seco) até que a umidade relativa atinja 100%. A massa de vapor permanece inalterada durante a subida, mas com a diminuição da temperatura, diminui-se também e s, o que resulta no aumento da umidade relativa. Com a continuação do movimento ascendente da massa de ar, agora saturada, a temperatura diminui a uma taxa menor. Como e s tende a diminuir ainda mais, o ar perde água em forma de precipitação mantendo-se saturado (Figura 2.4). umidade relativa 100% 100% elevação 100% razão de lapso adiabático seco 80% 50% 30% temperatura do ar

12 Figura 2.4 Processo de formação de chuva por movimento ascendente de massa de ar úmida. Fonte: Baseado em Hewlett (1982) Assim como é importante conhecer a quantidade de chuva que entra no sistema, é também importante conhecer a velocidade com que isto acontece. É sabido que chuvas de grandes intensidades (grandes volumes de água em curtos intervalos de tempo) provocam grandes escoamentos superficiais, mesmo em solos não saturados, já que, nesses casos, o volume de água que atinge a superfície do solo pode ser superior a taxa de infiltração do mesmo (Hewlett, 1982). Outro problema relacionado com a chuva é a estimação de sua distribuição espacial. Tucci (1998) alerta para o fato de que a distribuição temporal e espacial da precipitação pode embutir erros superiores a qualquer refinamento de metodologia que simule os processos físicos numa bacia hidrográfica. A chuva é caracteristicamente um fenômeno contínuo no espaço, mas no entanto, medidas pluviométricas são feitas apenas em alguns pontos do terreno. A extrapolação dos dados observados para toda a área deve ser feita de maneira bastante criteriosa. Reichardt et al. (1995) observaram que um ponto de observação não representou áreas distantes a 1000m dele quando considerou-se as médias pluviométricas diárias, mensais ou mesmo trimestrais. Os mesmos autores concluíram, no entanto, que médias pluviométricas anuais poderiam ser extrapoladas até 2500m distante do ponto de observação. Diversas técnicas podem ser utilizadas para se extrapolar medidas pontuais de chuva para toda a área, destacando-se: médias ponderadas pelo inverso da distância, polígonos de Thiessen e técnicas geoestatísticas (krigeagem). Independente da técnica de interpolação utilizada, os resultados da espacialização de dados pontuais é influenciado basicamente pela quantidade e distribuição destes pontos de observação. Radares meteorológicos têm sido utilizados na detecção e quantificação de precipitação (Atlas, 1987). Através de uma relação empírica existente entre a precipitação e a refletividade do radar, pode-se inferir a taxa de precipitação (volume por unidade de tempo). Esta relação é dada por b Z = ar, (2.4) onde Z é o fator de refletividade (obtido a partir do sinal recebido pela antena do radar), R é a taxa de chuva, e a e b são parâmetros que devem ser estimados. Calheiros e Zawadzki (1981), citados por Atlas (1987), conseguiram bons resultados quando utilizaram estimativas de chuva provenientes de radares meteorológicos como entrada de modelos hidrológicos. Nem toda a água da precipitação atinge o solo. A água da chuva que cai sobre uma região pode ser interceptada pela vegetação que cobre a superfície do solo. Parte desta água é evaporada e retorna à atmosfera e parte escorre pelos galhos e troncos até atingir o solo. A água interceptada e evaporada não contribui na alteração da umidade

13 do solo e portanto deve ser subtraída da quantidade total de chuva que cai sobre a área. A liteira, restos vegetais que cobrem o solo, pode também impedir que a água da chuva chegue até o solo (Landsberg e Gower, 1997). As perdas de água por interceptação são muito variáveis de acordo com a estrutura e massa do dossel. A quantidade de água retida no dossel depende também da quantidade e intensidade da chuva, assim como da radiação disponível. Se quantidade de chuva for pequena e sua intensidade for baixa pode-se ter até mesmo a retenção de toda água da chuva no dossel. Da mesma forma, um dossel consegue reter até uma determinada quantidade, acima do qual, toda água é transferida para o solo. A quantidade de água retida no dossel e posteriormente evaporada (E int ) pode ser calculada através da equação proposta por Gash (1979): E [ P' ( 1 p p ) S ] + E / R( P P' ) [ ] S, int = f g + (2.5) onde P' é a quantidade de chuva necessária para saturar o dossel, P é a quantidade de chuva num determinado evento, p f e p g são as frações de chuva que chegam à superfície do solo através de respingos das folhas e escorrimento pelos galhos, R é a intensidade média de chuva durante o evento, E é a taxa de evaporação durante eventos de chuva e S é a perda de água estocada no dossel após o evento de chuva. Esta equação tem sido amplamente adotada e aplicada em muitos estudos (Landsberg e Gower, 1997). Alguns modelos mais simples podem considerar a intercepção da água da chuva pelo dossel apenas como uma fração da precipitação total ou como um valor proporcional a quantidade de folha no dossel. Running e Coughlan (1988) e, Zhang e Dawes (1998) definem que a quantidade máxima de chuva interceptada pelo dossel (E int max ) é dada por E int max = kiaf, (2.6) onde k é o coeficiente de interceptação de chuva e IAF é o índice de área foliar. É importante observar que E int max representa a quantidade de água que é evaporada caso haja energia disponível para o processo de evaporação, ou seja, representa uma evaporação potencial. 2.3.2 DINÂMICA DA ÁGUA NO SOLO Do ponto de vista hidrológico, o perfil de solo pode ser dividido em duas zonas. A primeira é a zona de aeração ou zona não saturada que compreende desde a superfície do solo até o lençol freático abaixo do qual está a segunda zona denominada saturada, também chamada de aqüífero não confinado, estendendo-se até a rocha (Figura 2.2). Os poros presentes no solo, representados pelos espaços entre as partículas (mineral e orgânica) que constituem o solo, podem estar totalmente preenchidos com água, como na zona saturada, ou estar parcialmente preenchidos por ar, como na zona não saturada. Os poros da zona de aeração podem ficar temporariamente saturados por ocasião da

14 chuva ou irrigação, mas, deixados em repouso, retornarão à condição não saturada. É importante notar que esta divisão em duas zonas é dinâmica, ou seja, varia com o tempo, uma vez que o nível do lençol freático tende a ser alterado ao longo do ano, de acordo com o regime das chuvas da região. Para entender o processo de movimentação da água no solo, desde a infiltração até a redistribuição ao longo do perfil, é importante compreender conceitos relativos a energia da água no solo. Toda partícula de água no solo está sujeita a uma série de forças que determinarão o sentido e velocidade de deslocamento desta partícula dentro do solo. A energia com a qual o solo retém a água é medida em termos de potencial de água (ψ), que tem unidades de pressão, ou energia por unidade de volume, que equivale a força por unidade de área. O potencial de água no solo é a soma dos potenciais gravitacional, de pressão e osmótico. O movimento da água será sempre orientada para a região de menor potencial. O potencial gravitacional (ψ g ) é baseado simplesmente na posição da partícula de água dentro do campo gravitacional. Considerando como superfície de referência o nível do mar, a força gravitacional é sempre positiva e orientada para baixo, o que faz que a água, desconsiderando os outros potenciais, tenha a tendência de mover-se verticalmente para baixo ao longo do perfil do solo. Por convenção, a pressão exercida na linha do lençol freático é nula, sendo positiva abaixo (zona saturada) e negativa acima deste nível (zona não saturada). O potencial de pressão negativo é chamado de potencial matricial (ψ m ) e o positivo é denominado simplesmente de carga (ψ c ). Uma partícula sob pressão nula significa, de fato, que esta partícula está sujeita à pressão atmosférica padrão (1 atm ou 1013 mbar). Em solos não saturados, o potencial matricial representa a força de adesão da água às partículas do solo. Quanto menor for a umidade, mais fortemente a água será retida pelas partículas do solo. Cada solo, dependendo de sua textura e porosidade, possui uma curva de retenção característica que relaciona o conteúdo de umidade e o potencial matricial deste solo. A Figura 2.5 ilustra uma curva de retenção típica. É importante observar que a relação entre a umidade e potencial matricial é diferente se este solo estiver recebendo ou perdendo água. A diferença entre estas curvas é denominado histerese.

15 conteúdo de umidade molhamento histerese secamento -0,1-1 -10-100 -1000 potencial matricial Figura 2.5 Curvas de retenção considerando as fases de secamento e molhamento. O terceiro potencial, o osmótico, em geral pode ser negligenciado para a maioria dos solos. Apenas em solos salinos este potencial pode tornar-se importante fazendo com que a água mova-se de regiões de menor concentração de solutos para regiões com altas concentrações de solutos. O movimento da água no solo depende do gradiente de potencial existente entre dois pontos e da condutividade hidráulica, o que pode ser descrito pela lei de Darcy (Zhang e Dawes, 1998): ψ ψ qv = K = K 1 m, (2.7) z z onde qv é o fluxo vertical de água que passa numa unidade de área da seção transversal por unidade de tempo na direção de menor potencial, K é a condutividade hidráulica, ψ é o potencial hidráulico total, obtido pela soma de ψ g e ψ m, e z é a distância vertical a partir da superfície do solo (profundidade). A lei de Darcy foi originalmente formulada para descrever o fluxo em meios saturados. No entanto, esta lei também pode ser aplicada em solos não saturados fazendo K uma função do potencial de água no solo, uma vez que K decai rapidamente com a diminuição da umidade. Campbell (1974) formulou uma relação bastante prática para o cálculo da condutividade hidráulica: 2 b+3 K( ψ ) θ K = =, (2.8) K s θ s onde K s é a condutividade hidráulica de solos saturados, θ é a umidade volumétrica do solo não saturado, θ s é a umidade volumétrica do solo saturado e b é um coeficiente empírico. Clapp e Hornberger (1978) determinaram valores do coeficiente b para solos com diferentes texturas, cujos resultados podem ser vistos na Figura 2.6. Note que há uma relação muito forte entre o coeficiente b e o teor de argila do solo.

16 coeficiente b 13 12 11 10 9 8 7 6 5 4 3 b = 13,517arg + 3,5264 r 2 = 0,9646 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 Fração argila (arg) Figura 2.6 Relação entre o coeficiente b e a fração argila do solo. Fonte: Baseado em Clapp e Hornberger (1978) A lei de Darcy considera que o solo é homogêneo, estruturalmente estável, incompressível, isotérmico e não histerético. No entanto, esta lei é válida para a grande maioria das velocidades de fluxos observados em solos (Zhang e Dawes, 1998). Para se entender a variação da umidade do solo, há que se considerar também a equação de continuidade do fluxo de água dado por θ qv + = q 0, (2.9) t z onde θ é o conteúdo volumétrico de água, t é o tempo e q 0 representa fluxos de entrada (precipitação, fluxos laterais de entrada, etc) ou saída (evapotranspiração, fluxos laterais de saída, etc) de água no perfil de solo. Combinando-se as equações (2.8) e (2.9) chega-se a uma equação geral: θ ψ K K m = + q 0. t z z Esta equação é uma forma mista da equação de Richards, que pode ser rescrita para θ U = K + q 0, (2.11) t z z onde U é uma variável transformada de Kirchhoff definida por U = ψ Kdψ m = q. Ddθ, 0 (2.10) (2.12) onde D é a difusividade da água no solo. A equação (2.11) é a forma mais eficiente de se calcular a variação de umidade, uma vez que exige um menor número de variáveis e minimiza o número de operações aritméticas envolvidas no cálculo (Dawes, 1998).

17 Maiores esclarecimentos a respeito do uso da equação de Richards na dinâmica da água no solo podem ser encontradas em Ross (1990). Warrick et al. (1990) e Short et al. (1998) discutem aspectos relativos à solução da equação de Richards. Certos modelos, como por exemplo o TOPMODEL, consideram que a condutividade hidráulica decai exponencialmente com relação à profundidade, ou seja K s = K 0 exp( fz), (2.13) onde K 0 é a condutividade hidráulica do solo saturado à superfície e f é um fator de forma que controla o grau de decaimento da função. O fluxo vertical de água entre uma zona não saturada e uma saturada pode então ser expresso por U qv = K e s, (2.14) D s onde U e representa a quantidade de água armazenada na zona não saturada e D s é o déficit da zona saturada que representa a capacidade de armazenamento da zona não saturada (Vertessy e Elsenbeer, 1999). Também a infiltração, processo no qual a água passa pela superfície do solo, é função de ψ m e ψ g, considerando-se solos não saturados. Caso haja empoçamento da água, ψ c passa a ter importância no processo de infiltração. Inicialmente, ψ m domina o processo mas, com a percolação (movimento da água ao longo do perfil do solo), a umidade tende a aumentar e ψ m perde progressivamente a importância. Próximo à saturação, ψ g torna-se predominante. A taxa máxima na qual a água entra no solo é denominada capacidade de infiltração. As taxas de infiltração são influenciadas por muitos fatores: presença de elementos químicos e partículas na água, textura e estrutura do solo, conteúdo de água no solo, conteúdo de matéria orgânica no solo, entre outros (Landsberg e Gower, 1997). Com relação a textura e estrutura do solo, há uma tendência de solos arenosos apresentarem taxas de infiltração superiores ao solos argilosos, uma vez que o primeiro, por ser constituído de partículas de maior dimensão, apresentam poros maiores, o que facilita a entrada da água. A Figura 2.7 apresenta curvas da capacidade de infiltração típicas para solos arenosos e argilosos. Note que a capacidade de infiltração de solos argilosos decai mais rapidamente de que a de solos arenosos. Atividades que levem a compactação desse solo, como por exemplo atividades agropastoris, reduzem a capacidade do solo em absorver água, já que promovem uma diminuição da porosidade dos mesmos.

18 solo seco velocidade de infiltração máxima capacidade de infiltração arenoso argiloso solo saturado velocidade de infiltração constante tempo Figura 2.7 Curvas típicas de capacidade de infiltração para solos arenosos e argilosos. Fonte: Baseado em Hewlett (1982) Durante e após a infiltração, a água é redistribuída ao longo do perfil do solo. A Figura 2.8 ilustra o processo de redistribuição da água em 5 tempos distintos. Supondose que não haja perdas por evaporação superficial nem tampouco retirada de água por raízes de plantas, um solo homogêneo em equilíbrio poderia possuir a forma apresentada pela curva a. Num primeiro momento, durante a chuva, a taxa de infiltração é alta, aumentando o conteúdo de água nas camadas mais superficiais (curva b). As camadas mais superficiais podem atingir umidade próxima à saturação caso a chuva continue (curva c). Simultaneamente, a água percola para camadas mais profundas mesmo quando a chuva cessa, o que resulta na diminuição da umidade nas primeiras camadas (curva d). Se não ocorrer uma nova chuva, a água continua a percolação e a curva resultante tende para a curva original (curva e). Em estado natural, um solo é formado por camadas (horizontes) com características que podem ser muito distintas, como por exemplo, teor de matéria orgânica, textura e porosidade, ou ainda podem existir camadas de impedimento (camadas compactadas) que dificultam o movimento vertical da água. Nestes casos, a simulação de perfis de umidade pode se tornar muito complexa.

19 seco umidade do solo saturado a b c profundidade do solo e d lençol freático Figura 2.8 Perfis de umidade mostrando a redistribuição da água ao longo do perfil de solo em 5 tempos diferentes. Fonte: Baseado em Hewlett (1982) Todo solo tem uma quantidade máxima de água que consegue armazenar (comumente associados a ψ m médios próximos a 0,01 MPa), sendo que água excedente é perdida por drenagem profunda através da ação do ψ g. A água que percola além da zona radicular pode então alimentar os aqüíferos não confinados. Além dos fluxos verticais, fluxos laterais podem surgir em solos saturados. Esses fluxos laterais podem ser considerados constantes ou variáveis de acordo com a disponibilidade da água na zona saturada (Tucci, 1998). Alguns modelos hidrológicos, adotando a relação de decaimento exponencial entre K e z, consideram que o fluxo lateral de água que sai da zona saturada pode ser calculado por ql = K tan( β) e 0 D s m, (2.15) onde β é o ângulo de inclinação local e m é um coeficiente de decaimento da condutividade no solo que relaciona-se com o fator f por θ f = θ m onde θ r representa a umidade volumétrica residual do solo. 2.3.3 BALANÇO DE ENERGIA E EVAPOTRANSPIRAÇÃO s r, (2.16) Grande parte da água que chega ao solo através da chuva é perdida através da evapotranspiração que engloba tanto a evaporação pela superfície do solo como a

20 transpiração pelas plantas. Quando o solo está com sua máxima capacidade de armazenamento, não há restrições no uso da água e a evapotranspiração é máxima, considerando-se determinada condição climática, e é denominada evapotranspiração potencial. Por outro lado, se as condições hídricas do solo oferecem resistência à evapotranspiração, esta será inferior a evapotranspiração potencial, sendo denominada evapotranspiração real. Todo o processo de evapotranspiração depende da radiação líquida disponível no sistema. A radiação líquida ( ϕ l ) pode ser dividida em duas componentes, uma relacionada com a radiação em ondas curtas e outra relacionada com a radiação em ondas longas, podendo ser calculada por ϕ l = L ( 1 α) ϕc + ( ϕl ϕ ), (2.17) onde α é o albedo da superfície que representa a fração da radiação incidente em ondas curtas ( ϕ C ) que é refletido pela superfície, ϕ L é o fluxo de radiação em ondas longas descendente (que chegam à superfície vindas do céu) e ϕ L é o fluxo de radiação em ondas longas ascendente (que parte da superfície em direção ao céu). O valor de ϕ L depende basicamente das condições atmosféricas, tais como a quantidade e tipo de nuvens, e a quantidade de vapor d água e outros gases na atmosfera. Em condições de céu encoberto, ϕ L e ϕ L tendem a se balancear. Por outro lado, o balanço líquido de radiação em ondas longas é negativo quando se observa céu limpo, ou seja, a superfície perde mais radiação do que recebe (Landsberg e Gower, 1997). Estimativas de ϕ l são o primeiro passo para o cálculo das taxas de perda d água, tanto por evaporação quanto por transpiração. A equação de conservação relaciona ϕl com o calor latente (λe, λ é o calor latente de vaporização da água e E é o fluxo de vapor d água), o calor sensível (H) e o calor armazenado (G) no dossel, no solo e no ar incluso dentro destes dois componentes. Esta relação é dada por ϕl + G = λe + H. (2.18) Para análises com intervalo superior a um dia, pode-se ignorar G, já que este tende a um valor nulo quando analisado numa base diária (Landsberg e Gower, 1997). O cálculo das taxas de evaporação e transpiração é baseado em princípios de balanço de energia e transporte de massa. As densidades de fluxo de calor sensível e latente podem ser expressas como o produto de gradientes de temperatura e umidade específica (massa de água por unidade de massa de ar), e um coeficiente de difusão. Este coeficiente de difusão, que é o inverso do coeficiente de resistência, depende do estado de turbulência do ar que por sua vez depende da velocidade do vento e da rugosidade da superfície. O fluxo de calor sensível é definido por H = ρc p ( T T0 ) / ra, (2.19)

21 onde ρ é a densidade do ar, c p é o calor específico do ar sob pressão constante, T é a temperatura num nível (altura) qualquer, T 0 é a temperatura no nível de referência e r a é a resistência aerodinâmica que reflete a resistência à difusão turbulenta do calor e do vapor pelo ar a partir das folhas e da superfície do solo. O fluxo de calor latente pode ser calculado por λe = λρ( u u 0 ) / ra, (2.20) onde u é a umidade específica num nível qualquer e u 0 é a umidade específica no nível de referência. A taxa de perda de água do dossel é determinado a partir das taxas de transpiração das folhas desse dossel. O vapor d água move-se da cavidade estomatal, onde o ar é saturado, para a superfície foliar através da abertura estomatal. Este processo pode ser descrito pela equação: E = ρ( us u f ) / re, (2.21) onde u s é a umidade específica do ar saturado, u f é a umidade específica no nível da superfície foliar e r e é a resistência estomatal, que é um parâmetro fisiológico no qual a planta pode facilitar ou dificultar a difusão de vapor em resposta a estímulos tais como luz, concentração de CO 2 atmosférico, umidade atmosférica e condições de umidade no solo. Este processo de perda de água pelas folhas pode ser integrado para todo o dossel, ficando a taxa de perda de água do dossel dado por E = ρ( us u)/ rd, (2.22) onde r d representa a resistência do dossel que além de incluir a resistência estomatal das folhas, considera também os fluxos do solo, a turbulência e a variação de r e dentro do dossel. Este processo de mudança de escala, onde processos que ocorrem em níveis muito detalhados (estômato) são extrapolados para escalas com várias grandezas de diferença (dossel) é exaustivamente discutido em Jarvis e McNaughton (1986). Métodos de estimação da evapotranspiração, em geral, requerem informações de dois ou mais níveis acima da superfície, o que, na prática, é difícil de se obter (Zhang e Dawes, 1998). A fim de facilitar os cálculos de evapotranspiração usando medidas de um nível somente, Penman (1948), citado por Choudhury e Monteith (1988), desenvolveu uma equação que combinava princípios de balanço aerodinâmico e de energia para superfícies de água livre ou solos cobertos com vegetação baixa. Este método foi aperfeiçoado por Monteith (1965), citado por Zhang e Dawes (1998), quem combinou parâmetros aerodinâmicos e da superfície (dossel) com o balanço de energia numa equação conhecida atualmente como equação de Penman-Monteith: ϕl + ρc pdv / ra λe =, (2.23) + γ (1 + r / r ) d a