TUMOR ODONTOGÊNICO QUERATOCÍSTICO E CONSIDERAÇÕES DIAGNÓSTICAS KERATOCYSTIC ODONTOGENIC TUMOR AND DIAGNOSTIC CONSIDERATIONS

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Transcrição:

TUMOR ODONTOGÊNICO QUERATOCÍSTICO E CONSIDERAÇÕES DIAGNÓSTICAS KERATOCYSTIC ODONTOGENIC TUMOR AND DIAGNOSTIC CONSIDERATIONS Cassiano Costa Silva Pereira 1, Abrahão Cavalcante Gomes de Souza Carvalho 2, Ellen Cristina Gaetti Jardim 3, Élio Hitoshi Shinohara 4 e Idelmo Rangel Garcia Júnior 5 1 Doutorando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, pela Faculdade de Odontologia de Araçatuba da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho FOA/Unesp. 2 Doutor em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, pela Faculdade de Odontologia de Araçatuba da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho FOA/Unesp; coordenador e professor de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Curso de Odontologia do da Faculdade Católica Rainha do Sertão FCRS, Quixadá, Ceará. 3 Mestre em Estomatologia e Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, pela Faculdade de Odontologia de Araçatuba Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho FOA/Unesp. 4 Doutor em Odontologia, pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Unesp; professor orientador do Programa de Pós-Graduação (área de Cirurgia Bucomaxilofacial) da Faculdade de Odontologia de Araçatuba da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho FOA/Unesp; professor da Universidade Nove de Julho Uninove, na Faculdade de Odontologia (Cirurgia Bucomaxilofacial) e na Faculdade de Medicina (Anatomia Craniocervical). 5 Doutor em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Unesp; professor adjunto do Departamento de Cirurgia e Clínica Integrada das disciplinas de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial e Implantodontia, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Unesp. RESUMO Data de entrada do artigo: 07/01/2012 Data de aceite do artigo: 06/08/2012 O tumor odontogênico queratocístico (TOQ) é uma patologia benigna, que apresenta controvérsias em seu diagnóstico e tratamento. Ocorre principalmente em região de ângulo mandibular, podendo estar ou não relacionada a um elemento dentário e cuja importância deve-se ao seu comportamento agressivo e alta taxa de recorrência. As causas dos altos índices de recidiva observados nesta lesão estão na dependência de fatores como: faixa etária, localização e tamanho da lesão, gênero, tipo de tratamento e variante histológica. A cápsula delgada e friável de tecido conjuntivo dos TOQ pode favorecer a permanência de restos epiteliais responsáveis pela elevada capacidade proliferativa dessa entidade clínica. Em decorrência da agressividade assim como de sua recorrência, o presente trabalho tem como objetivo realizar uma revisão bibliográfica abordando aspectos clínico-imaginológicos e histopatológicos que compõem o diagnóstico do TOQ. Palavras-chave: neoplasia; recidiva; histologia; tecido conjuntivo; tratamento. ABSTRACT Keratocystic odontogenic tumor (KCOT is benign, featuring controversies in diagnosis and treatment. It occurs mainly in the region of the mandibular angle, which may or may not be related to a tooth and whose importance is due to its aggressive behavior and high recurrence rate. The causes of high rates of relapse observed in this lesion are dependent on factors such as age, location and size of lesion, gender, type of treatment and histological variant. The thin capsule and friable connective tissue of KCOT may favor the retention of epithelial debris responsible for the high proliferative capacity of this clinical entity. Due to the aggressiveness with its recurrence this paper aims to conduct a literature review addressing clinical and imaging aspects, composes the histopathological diagnosis of KCOT. Keywords: neoplasm; recurrence; histology; connective tissue; treatment. 73

SAÚDE 1. INTRODUÇÃO Os tumores odontogênicos (TO) são considerados lesões neoplásicas raras, de difícil diagnóstico e terapêutica desafiadora. O tumor odontogênico queratocístico (TOQ) é uma lesão intraóssea dos maxilares de comportamento invasivo-destrutivo com alta taxa de recorrência, sendo predominante em região posterior de mandíbula e em pacientes do sexo masculino na segunda década de vida (1, 2). Sua fase inicial geralmente é assintomática, sendo detectada em exames radiográficos de rotina. Em fases mais avançadas, podem apresentar sintomas como tumefação, alterações no posicionamento dental, dor, trismo e parestesia. Radiograficamente, podem ser uni ou multiloculares e têm, em sua maioria, aspecto radiolúcido, bem delimitado, com limite esclerótico fino, radiopaco, podendo ou não envolver um dente retido. Como diagnóstico diferencial, podem ser citados o cisto dentígero, o cisto periodontal lateral e o ameloblastoma, dentre outros (2). Em sua fase inicial, o TOQ geralmente não possui sintomatologia, sendo assim detectado por meio de exames de imagem, tanto as radiografias quanto os exames tomográficos (3). Em fases mais avançadas, costumam apresentar determinados sintomas, como tumefação, alterações no posicionamento dental, dor, trismo e parestesia (4, 5, 6, 7, 8). Radiograficamente, aparecem como uni ou multiloculares e têm, em sua maioria, aspecto radiolúcido, bem delimitado, com limite esclerótico fino, podendo ou não envolver um dente incluso. Como diagnóstico diferencial, podem ser citados o cisto dentígero, o cisto periodontal lateral e o ameloblastoma, dentre outros (9). Macroscopicamente, o TOQ apresenta uma cápsula cística fina e friável, com conteúdo líquido ou material caseoso, que, ao exame microscópico, consiste em restos de queratina. Esse exame é indispensável ao diagnóstico, já que suas características são peculiares (10). O tratamento de eleição é a enucleação completa do tumor, com minuciosa curetagem óssea, porém, em alguns casos, podem ser utilizadas outras técnicas cirúrgicas, tais como a descompressão e a marsupialização. Procedimentos como crioterapia, aplicação da solução de Carnoy e escarificação podem ser empregados como adjuvantes a fim de minimizar o elevado potencial de recorrência dessa patologia (4). Deste modo, é objetivo do trabalho realizar uma revisão de literatura a cerca do tema supracitado, sobretudo no tocante às características diagnósticas. 2. REVISÃO DE LITERATURA Para a identificação dos estudos incluídos ou considerados nesta revisão, foi realizada uma estratégia de busca detalhada junto aos bancos de dados pesquisados: PubMed 1, ISI 2, Bireme 3, SciELO 4, Cochrane, Dentistry Oral Science de 1975-2010. Os critérios de inclusão foram os seguintes: artigos clínicos e de revisão que abordassem o tema proposto queratocisto odontogênico e tumor odontogênico queratocístico, sendo considerados tanto estudos do idioma inglês quanto em português. Foram escolhidos, para a confecção desta revisão, 24 artigos a fim de que a mesma abrangesse adequadamente o tema proposto, mas não ficasse demasiadamente grande. Para tal, os dados foram analisados, cruzados e debatidos. Neste tocante, o tumor odontogênico queratocístico (TOQ) possui uma natureza neoplásica, agressiva e alta taxa de recorrência. Esse tumor odontogênico tende a recorrer após enucleação e, se sua ocorrência estiver associada com a síndrome do carcinoma nevoide basocelular (síndrome de Gorlin-Goltz), a chance de reaparecimento é ainda maior. Graças à sua característica infiltrativa, o TOQ dificilmente gera grandes abaulamentos, produzindo nenhum ou pouco aumento de volume, além de, maior parte dos casos, ser assintomático. Na grande maioria das incidências, a tumoração sob estudo relaciona-se com um terceiro molar incluso, cujas características em muito se assemelham a cistos dentígeros (11), embora seja fato que o TOQ apresenta um potencial infiltrativo muito maior, o que gera alta recorrência. Em termos histomorfológicos, o TOQ forma uma cavidade cística revestida por epitélio estratificado escamoso e paraqueratinizado, epitélio com células basais em paliçada, hipercromáticas, com formato colunar ou cuboidal, que delineia um limite nítido com o tecido conjuntivo. Apesar dessa estrutura epitelial, raramente mostra desenvolvimento de displasias epiteliais e/ou transformação em carcinoma de células escamosas (12). O TOQ em muito se assemelha a lesões como o ameloblastoma, além do cisto dentígero e, até mesmo, os cistos inflamatórios. Nem todos os TOQ mostram abundância de queratina de tal 1 Publicações Médicas. 2 Institute for Scientific Information. 3 Biblioteca Regional de Medicina (hoje, Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde). 4 Scientific Electronic Library On-line. 74

forma que facilite o diagnóstico pela punção aspirativa (Figura 1) ou, ainda, a biópsia incisional. Este fato consolida a importância de serem colhidos todos os possíveis métodos diagnósticos. A tomografia computadorizada, em estudos, demonstra melhor qualidade para interpretação do alcance da lesão e de sua relação com estruturas anatômicas adjacentes. A importância desse método complementar nos casos de TOQ dáse como protocolo pré e pós-operatório, assim como seguimento de possíveis sítios de recidiva da lesão. A utilização da tomografia e da reconstrução em três dimensões configura-se como um ótimo método de análise sem, contudo, ser enfático, e sim auxiliar na presunção diagnóstica (15) (Figura 3). Figura 1: Fluído sanguinolento com precipitado queratinoide 2.1 Aspectos imaginológicos Radiograficamente, o TOC apresenta-se como uma lesão radiolúcida uni ou multilocular, bem circunscrita, que pode envolver dentes não erupcionados, exibindo ainda deslocamento de dentes impactados ou erupcionados, reabsorção radicular e extrusão dos dentes envolvidos (13). A radiografia panorâmica, apesar de utilizada em inúmeros casos, não se mostra específica, pois a área radiotransparente bem evidenciada com cortical marginal satisfatoriamente definida pode ser reflexo de lesões grandes e multiloculares, assemelhando-se a ameloblastomas, além de ser também similar ao cisto dentígero, ao cisto radicular, ao cisto residual, ao cisto periodontal lateral ou, mesmo, a lesões de origem endodôntica (14) (Figura 2). Figura 2: Radiografia panorâmica evidenciando lesão radiolúcida em ramo mandibular Figura 3: Tomografias computadorizadas evidenciando lesões osteolíticas em corpo mandibular 75

SAÚDE 2.2 Aspectos histológicos Os queratocistos são constituídos por delgada cápsula fibrosa, revestida por um epitélio escamoso e estratificado orto ou paraqueratinizado, com cerca de cinco a dez camadas de células cuboidais ou colunares em paliçada, apresentando núcleos voltados para a lâmina basal (16), de superfície epitelial corrugada e camada basal disposta em paliçada, que evidenciava células com hipercromatismo nuclear. O estroma da lesão demonstra escasso infiltrado inflamatório composto por tecido conjuntivo fibroso frouxo. A superfície paraqueratinizada constitui aproximadamente 85% a 95% de todos os TOQ. A distinção histológica entre as variantes celulares orto e paraqueratinizadas decorre da sua diferença de comportamento, já que o primeiro é menos agressivo com índice menor de recidiva (17). Dos exames complementares, o diagnóstico preciso de TQO é dado pela biópsia. No diagnóstico diferencial, deve-se incluir, por conseguinte, o cisto dentígero, o ameloblastoma, o cisto odontogênico calcificante, o tumor odontogênico adenomatoide e o fibroma ameloblástico, além de cistos inflamatórios, lesão central de células gigantes e tumores ósseos benignos. Portanto, um diagnóstico pré-operatório não pode ser conclusivo apenas utilizando-se informações clínicas e radiográficas, sendo de fundamental importância a realização de um exame histopatológico para o estabelecimento de um diagnóstico preciso (18, 19) (Figura 4). Figura 4: Aspecto histológico da lesão, apresentando camada basal bem definida, com células de núcleo hipercromático dispostas em paliçada (HE: 40x) 3. DISCUSSÃO Nos primórdios da década de 1950, foi introduzido o termo queratocisto odontogênico, mas, em 1972, a Organização Mundial de Saúde (OMS) adotou o termo cisto primordial No entanto, esta mesma organização, em 1992, considerou o termo queratocisto odontogênico o mais adequado. O queratocisto odontogênico foi, durante muito tempo, considerado um cisto odontogênico de desenvolvimento com características especiais, já que apresenta comportamento clínico e histopatológico específicos (1). Em contrapartida, novamente a OMS, em 2006, considerou a referida patologia um tumor odontogênico, e não simplesmente uma lesão cística. O TOQ evidencia um alto índice de recorrência, tendo predileção pelo gênero masculino, cujas características clínicas possuem relevância, tendo em vista que pode se manifestar com grande aumento volumétrico e dor associada (5). O caso relatado apresenta características compatíveis com o que é descrito na literatura no que concerne à faixa etária e ao gênero mais frequentes, ao local mais atingido e às manifestações clínicas. A mandíbula é a região afetada, e, segundo Neville (2), esta é a área envolvida em 60% a 90% dos casos, com elevada tendência de envolvimento da região posterior e ramo ascendente, o que auxilia a distinguir o melhor tratamento para cada caso. A técnica da osteotomia periférica foi aplicada com o objetivo de promover a retirada completa dos elementos celulares associados ao tumor, visando a minimizar o potencial de recorrência. Schultz et al. (5) citaram outras terapias utilizadas como métodos adjuvantes, dentre as quais podem ser citadas a cauterização com agentes químicos (solução de Carnoy) e a osteotomia periférica, assim como a crioterapia com nitrogênio líquido. No caso relatado, os aspectos clínicos e, principalmente, a possibilidade de obtenção de exame tomográfico da lesão justificam a conduta adotada, haja vista a ausência de fenestração óssea e comunicação do tumor com os tecidos moles adjacentes. A integridade da loja cirúrgica observada guiou o planejamento operatório e descartou a necessidade de exérese de tecidos moles adjacentes. Além disso, os aspectos macroscópicos da lesão com integridade da cápsula fibrosa durante a curetagem levaram à opção pela ostectomia periférica, corroborando os dados da literatura. O emprego de técnicas adjuvantes como a solução de Carnoy e a crioterapia não se fez necessário, minimizando a ocorrência de deiscência de sutura, comum quando do emprego dessas terapias. Por se tratar de patologia recidivante e com capacidade de atingir grandes extensões, o TOQ necessita de uma abordagem específica após planejamento minucioso, sendo 76

sempre coadjuvado por um exame de imagem, como a radiografia panorâmica. O acompanhamento dos pacientes portadores de TOQ deve ser sistemático e cuidadoso por meio de exames clínicos e imaginológicos. O caso apresenta prognóstico favorável de acordo com os aspectos transoperatórios observados e o protocolo de acompanhamento pós-operatório empregado. A maioria das recidivas é clinicamente evidente após cinco anos da cirurgia; contudo, podem se manifestar em até dez anos ou mais, sendo assim de máxima importância um acompanhamento dessas lesões por longo prazo (4). O queratocisto odontogênico, por muito tempo, foi considerado um cisto odontogênico de desenvolvimento de características especiais com padrões histológicos e comportamento clínico distintos dos outros cistos (20). O TOQ apresenta um alto índice de recorrência associado à paraqueratinização e predileção pelo sexo masculino, sendo o aumento de volume e a dor manifestações clínicas variáveis conforme a extensão da lesão (20, 21). A realização de um exame histopatológico é fundamental para conduzir a identificação precisa da lesão e a prática cirúrgica adequada a fim de diminuir a possibilidade de permanência de remanescentes da lesão. Dentre as regiões mais afetadas, a mandíbula é preponderante, envolvendo de 60% a 90% dos casos, com elevada tendência de envolvimento da região posterior e ramo ascendente (21, 22). Por se tratar de patologia recidivante e com capacidade de atingir grandes extensões, o TOQ necessita de uma abordagem específica após planejamento minucioso (23). Nesse sentido, um exame diagnóstico acurado e preciso se faz extremamente necessário. A radiografia panorâmica é muito importante para o diagnóstico inicial de patologias ósseas do complexo maxilomandibular. Contudo, a obtenção de tomografia computadorizada tridimensional de excelente qualidade possibilita um planejamento preciso da técnica cirúrgica, suficiente para a resolução do caso elucidado. Nos dias atuais, com a redução do custo e maior acessibilidade de exames de imagem mais efetivos e minuciosos, a radiografia panorâmica vem sendo utilizada mais como método de controle pós-operatório. A tomografia computadorizada, sobretudo com reconstrução 3-D, mostra detalhes mais precisos sobre a expansão da lesão, a localização de dentes envolvidos e a topografia de suas margens (espessura e perfuração das corticais ósseas) do que as radiografias convencionais (2, 14), o que justifica a realização do exame tomográfico no caso aqui relatado, através do qual foi possível verificar a destruição da cortical óssea lingual e da alveolar (Figura 5). Figura 5: Reconstrução 3D denotando ausência de expansão óssea vestibular O acompanhamento dos pacientes portadores de TOQ deve ser sistemático e cuidadoso por meio de exames clínicos e imaginológicos. O caso apresenta prognóstico favorável de acordo com os aspectos transoperatórios observados e do protocolo de acompanhamento pós-operatório empregado. A maioria das recidivas é clinicamente evidente após cinco anos da cirurgia (11), mostrando-se, por vezes, evidente com sete anos (24) e, ainda, podendo se manifestar em até dez anos ou mais. Sendo assim, é de extrema importância um longo acompanhamento dessas lesões. 4. CONCLUSÃO Em virtude dos achados da literatura, podese crer que os TOQ são tumores que possuem como característica principal o seu alto índice de recidiva. Trata-se de uma lesão assintomática quando pequena, sendo descoberta através de exames radiográficos rotineiros ou, mesmo, de tomografias computadorizadas tridimensionais. As lesões de maior tamanho podem causar dor, tumefação, edema e até drenagem espontânea quando reabsorvem as corticais ósseas. O diagnóstico definitivo somente ocorre após a confecção de exames histopatológicos. 77

SAÚDE REFERÊNCIAS (1) Thosaporn W, Iamaroon A, Pongsiriwet S. A comparative study of epithelial cell proliferation between the odontogenic keratocyst, orthokeratinized odontogenic cyst, dentigerous cyst, and ameloblastoma. Oral Dis. 2004 Jan; 10(1):22-6. (2) Marques JAF, Neves JLN, Alencar DA, Lemos IM, Marques LC. Ceratocisto odontogênico: relato de caso. Sitientibus. 2006 jan/jun; 34:59-69. (3) Varoli FP, Costa E, Buscatti MY, Oliveira JX, Costa C. Tumor odontogênico queratocístico: características intrínsecas e elucidação da nova nomenclatura do queratocisto odontogênico. J Health Sci Inst. 2010; 28(1):80-3. (4) Lima GM, Nogueira RLM, Rabenhorst SHB. Considerações atuais sobre o comportamento biológico dos queratocistos odontogênicos. Rev Cir Traumatol Buco-Maxilo-Fac. 2006 abr/jun; 6(2):9-16. (5) Barnnon RB, Colonel L. The odontogenic keratocyst. A clinicopatologic study of 312 cases. Part I. Clinicl features. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1976 Jul; 42(1):54-72. (6) Chow HT. Odontogenic keratocyst: a clinical experience in Singapore. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 1998 Nov; 86(5):573-7. (7) Sapp JP, Eversole LR, Wysocki GP. Contemporary oral e maxillofacial pathology. New York: Mosby; 1997. (8) Zachariades N, Papanicolaou S, Triantafyllou D. Odontogenic keratocysts: review of literature and report of sixteen cases. J Oral Maxillofac Surg. 1985 Mar; 43(3):177-82. (9) Piattelli A, Fioroni M, Santinelli A, Rubini C. Expression of proliferating cell nuclear antigen in ameloblastoma and odontogenic cysts. Oral Oncol. 1998 Sep; 34(5):408-12. (10) Fonseca EV, Franzi SA, Marcucci M, Almeida RC. Fatores clínicos, histopatológicos e tratamento do tumor queratocisto odontogênico. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço. 2010 jan/fev/mar; 39(1):57-61. (11) Pagotto SR, Carvalho MB, Cardoso W, Curcio R. Queratocisto odontogênico: revisão de literatura e relato de caso. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço. 2004 abr/mai/jun; 33(2):99-102. (12) Takagi R, Ohashi Y, Suzuki M. Squamous cell carcinoma in the maxilla probably originating from a nasopalatine duct cyst: report of case. J Oral Maxillofac Surg. 1996 Jan; 54(1):112-5. (13) Habibi A, Saghravanian N, Habibi M, Mellati E, Habibi M. Keratocystic odontogenic tumor: a 10- year retrospective study of 83 cases in an Iranian population. J Oral Sci. 2007 Sep; 49(3):229-35. (14) Fetter F, Grasselli S, Batista FC, Schneider LE, Krause RGS, Smidt R. Ceratocisto odontogênico envolvendo corpo e ângulo mandibular de paciente jovem: relato de caso clínico. Stomatos. Canoas 2004 jan/jun; 10(18):53-9. (15) Lira AAB, Cunha BB, Brito HBC, Godoy GP, Queiroz LMG. Tumor odontogênico ceratocístico. Rev Sul-Bras Odontol. 2010 mar; 7(1):95-9. (16) Katz JO, Underhill TE. Multilocular radiolucencies. Dent Clin North Am. 1994 jan; 38(1):63-81. (17) Regezi SA, Sciubba JJ. Lesões vermelho azuis. In: Regezi AS. Patologia bucal: correlações clínicopatológicas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1991. (18) Meara JG, Shah S, Li KK, Cunningham MJ. The odontogenic keratocyst: a 20 year clinicopathologic review. Laryngoscope. 1998 Feb; 108(2):280-3. (19) Santos AMB. Ceratocisto odontogênico: avaliação das variantes histológicas paraceratinizada e ortoceratinizada. Rev Odonto Ciência. 1999; 14(27):61-8. (20) Lopes MWF, Souza GFM, Carvalho EJM, Gondola AO. Aspectos clínico-morfológico do queratocisto odontogênico: relato de caso. Odontologia Clín-Científ. 2004 jan/abr; 3(1):61-6. (21) Myoung H, Hong SP, Hong SD, Lee JI, Lim CY, Choung PH et al. Odontogenic keratocyst: review of 256 cases for recurrence and clinicopathologic parameters. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2001 Mar; 91(3):328-33. (22) Anand VK, Arrowod JP Jr, Krolls SO. Malignant potential of the odontogenic keratocyst. Otolaryngol Head Neck Surg. 1994 Jul; 111(1):124-9. 78

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