Avaliação radiográfica do desvio apical de canais radiculares curvos após emprego da instrumentação manual e rotatória

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Transcrição:

ISSN: Versão impressa: 1806-7727 Versão eletrônica: 1984-5685 Artigo Original de Pesquisa Original Research Article Avaliação radiográfica do desvio apical de canais radiculares curvos após emprego da instrumentação manual e rotatória Radiographic evaluation of apical deviation of curved root canals after the use of manual and rotary instrumentation Lais Bittencourt PIRES* Silvio José ALBERGARIA** Flávia Sens FAGUNDES TOMAZINHO*** Luiz Fernando TOMAZINHO**** Endereço para correspondência: Address for correspondence: Flávia Sens Fagundes Tomazinho Rua Mal. José Bernardino Bormann, 1.492 ap. 1.104 Bigorrilho CEP 80730-350 Curitiba PR E-mail: flavia.tomazinho@gmail.com * Especialista em Endodontia. ** Professor Titular Livre-Docente da disciplina de Endodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia (FO-UFBA). *** Professora da disciplina de Tratamento Endodôntico da Universidade Positivo. Mestre em Endodontia (CPO São Leopoldo Mandic/SP) e Doutoranda em Endodontia (Unaerp/SP). **** Coordenador do curso de especialização em Endodontia da Uningá-AC. Recebido em 15/1/09. Aceito em 18/3/09. Received on January 15, 2009. Accepted on March 18, 2009. Palavras-chave: instrumento endodôntico manual; instrumento endodôntico mecânico; tratamento do canal radicular. Resumo Introdução: O preparo do canal radicular destaca-se por ser responsável pela limpeza e desinfecção do sistema de canais e pela modelagem que permitirá a adequada acomodação do material obturador, favorecendo o selamento endodôntico. Objetivo: Este trabalho objetivou estudar a ocorrência do desvio apical de canais radiculares curvos instrumentados com uma técnica manual e dois sistemas rotatórios (Profile e Race). Material e métodos: Utilizaramse 30 canais mesiovestibulares de molares inferiores, que foram divididos em três grupos e instrumentados com a técnica mista,

Pires et al. 280 Avaliação radiográfica do desvio apical de canais radiculares curvos após emprego da instrumentação manual e rotatória preconizada por Holland et al. (1991), com o sistema Profile e com o sistema Race. Para avaliar o desvio apical foi empregado o método da plataforma radiográfica desenvolvido por Sydney et al. (1991), que permite obter imagens superpostas do primeiro e do último instrumento utilizado no preparo do canal radicular numa mesma radiografia. Resultados: A análise dos resultados demonstrou não haver diferença estatisticamente expressiva entre os três grupos em relação à quantidade de canais desviados, entretanto, quando se avalia a qualidade do desvio, há uma diferença significante apenas entre o grupo 1 (técnica manual) e o grupo 2 (sistema Profile). Conclusão: Quando houve o desvio, ele foi significativamente menor no grupo instrumentado pelo sistema Profile. Keywords: manual endodontic instrument; mechanical endodontic instrument; root canal treatment. Abstract Introduction: Preparation of root canal is notable because it is responsible for the cleaning and disinfection of the canal system and for the modeling that will allow adequate accommodation of filling material, favoring the endodontic sealing. Objective: The objective of this research was to study the occurrence of the apical deviation of curved root canals instrumented with a manual technique and two rotary systems (Profile and Race). Material and methods: Thirty mesiovestibular canals of inferior molars were used; they were divided into three groups and instrumented with the mixed technique defended by Holland et al. (1991), with the Profile system and with the Race system. For the evaluation of apical deviation the radiographic platform method developed by Sydney et al. (1991) was used, which allows to obtain overlapped images of the first and the last instrument used in the root canal preparation in the same x-ray. Results: The analysis of the results showed that there is no statistically significant difference among the three groups in their relation to the amount of deviated canals; however, when the quality of the deviation is evaluated, there is a significant difference only between group 1 (manual technique) and group 2 (Profile system). Conclusion: When the deviation occurred, it was significantly smaller in the group instrumented with the Profile system. Introdução O preparo do canal radicular tem como objetivo a correta limpeza e desinfecção do sistema de canais, como também a obtenção de uma forma adequada que propicie boa obturação, ou seja, uma forma cônica uniforme e contínua do canal radicular, com a parte mais estreita do cone voltada para o ápice, mantendo a posição espacial original do forame [15]. Uma dificuldade existente durante o preparo endodôntico é fazer o instrumento ampliar o canal e se adaptar à sua forma sem causar deformações. Canais com variados graus de curvatura, muitas vezes confinados num espaço pequeno, cercado por paredes dentinárias com alto coeficiente de dureza, favorecem o aparecimento de acidentes iatrogênicos como desvio do trajeto original do canal, formação de degrau e perfuração. Com o intuito de melhorar a qualidade do preparo dos canais radiculares, diversas técnicas têm sido apresentadas e instrumentos com design inovador com diferentes ligas metálicas têm sido propostos, conferindo maior flexibilidade, capacidade de corte e menor risco de fratura durante o preparo do canal radicular. Com o objetivo de facilitar as condições de preparo do canal radicular, Clem (1969) [3] foi o primeiro a introduzir o escalonamento na fase do preparo biomecânico dos canais radiculares. Indicou a técnica step preparation para o tratamento de canais radiculares em pacientes adolescentes. O autor observou que os instrumentos de menor calibre tinham maior facilidade em atingir a porção apical, vencendo facilmente as curvaturas. Os instrumentos de maior calibre, por não apresentarem flexibilidade para transpor curvaturas,

RSBO v. 6, n. 3, 2009 281 somente deveriam ser utilizados nas regiões média e cervical do canal radicular. Para diminuir os acidentes observados na técnica convencional, Marshal e Pappin (1980) [8] desenvolveram na Universidade de Oregon (EUA) a técnica coroa-ápice, que tem como princípio o alargamento cervical antes do preparo do terço apical do canal. Demonstrando a preocupação com a qualidade do preparo do canal radicular, principalmente nos casos que apresentam curvatura acentuada, Abou- Rass et al. 1980 [1] propuseram o termo anticurvatura para caracterizar um preparo direcionado no sentido contrário à curvatura; dessa maneira, evita-se debilitar ou até mesmo perfurar a parede mais delgada do canal. Em 1991 Holland et al. [6] apresentaram duas técnicas de instrumentação denominadas mista e mista invertida, em que são aplicados conhecimentos adquiridos por meio das técnicas step-down e stepback, aliados ao emprego de ampliadores de orifício e brocas Gates-Glidden. Com os ampliadores de orifício e brocas Gates-Glidden se ampliam os terços coronário e médio; com o preparo convencional se define bem o batente apical para o cone principal e se amplia o terço apical do canal, enquanto com a técnica escalonada se realiza um acabamento ao preparo. Um dos grandes desafios da Endodontia continua sendo a instrumentação de canais curvos com um mínimo de alteração do seu trajeto original. A grande maioria dos erros de procedimento que podem ocorrer durante o preparo de canais curvos tem uma origem comum: a rigidez das ligas de aço inoxidável [19]. Constatando que a liga de níquel titânio era maleável e flexível, Walia et al. (1988) [19] introduziram-na na Endodontia. Confeccionaram instrumentos protótipos em níquel titânio e demonstraram que eles possuíam flexibilidade 2 a 3 vezes maior que os de aço inoxidável e eram mais resistentes à fratura tanto em torque horário como em anti-horário. Pareciam ter um futuro promissor para a instrumentação de canais curvos. O desenvolvimento tecnológico possibilitou a confecção de novos instrumentos, fabricados em níquel titânio, de reconhecida flexibilidade, que são comercializados para manuseio ou acoplados ao motor elétrico. Apresentam uma boa capacidade de modelagem, reduzindo o tempo de trabalho e o estresse profissional. O sistema ProFile foi o primeiro disponível em níquel titânio rotatório no mercado brasileiro. Antes do lançamento dos orifice shapers, as dificuldades foram muitas, em função do risco de fratura dos instrumentos. Com a introdução dos orifice shapers os instrumentos passaram a trabalhar mais livremente na região apical, de forma a reduzir as forças de tensão e compressão às quais eles ficavam sujeitos na porção da curvatura, permitindo que fossem utilizados mais vezes [16]. O sistema ProFile é fabricado em níquel-titânio, apresenta secção transversal em forma de U e uma guia radial, fazendo com que o instrumento se mantenha centralizado em relação ao eixo do canal radicular durante o corte. Um novo sistema rotatório denominado Race foi lançado no mercado. Trata-se de instrumentos que apresentam área seccional triangular, com lâminas de corte alternadas, diminuindo o efeito de rosqueamento em rotação contínua. Possuem um acabamento superficial eletroquímico antifadiga, o que exige menor torque de trabalho e reduz o risco de fratura. Apresentam também, como inovação, o chamado disco memória de segurança (safety memo disc), para monitorar a fadiga do instrumento por intermédio da remoção de uma ou mais pétalas, dependendo da complexidade do canal radicular que está sendo tratado, mediante uma tabela fornecida pelo fabricante [16]. Nos últimos anos novas técnicas e materiais surgiram com o intuito de melhor preparar o sistema de canais radiculares, principalmente daqueles que possuem graus variados de curvatura. Técnicas manuais escalonadas, manuais coroa-ápice e técnicas rotatórias são largamente utilizados nos dias de hoje. Com base nessas informações, o presente estudo teve como objetivo avaliar a ocorrência do desvio apical empregando uma técnica manual e duas técnicas rotatórias no preparo do canal radicular. Material e métodos Foram utilizados 30 primeiros e segundos molares inferiores humanos, com ápices fechados e com curvatura severa. As aberturas coronárias foram efetuadas, e o comprimento de trabalho dos canais radiculares foi determinado por inspeção visual, introduzindo-se uma lima tipo K de calibre 8 ou 10 (Maillefer, Ballaigues, Suíça), apenas no canal mesiovestibular, ficando esta 1 mm aquém do ápice radicular. O grau de curvatura dos canais foi calculado de acordo com o método de Schneider (1971) [12], selecionando apenas as unidades que apresentavam curvatura severa, ou seja, acima de 25. Os dentes foram divididos aleatoriamente em 3 grupos distintos, da seguinte maneira: Grupo 1 10 dentes preparados com limas Flexofile (Dentsply/Maillefer, Ballaigues, Suíça) pela técnica mista preconizada por Holland et al. (1991) [6]; Grupo 2 10 dentes preparados com o sistema rotatório ProFile (Dentsply/ Maillefer, Ballaigues, Suíça);

Pires et al. 282 Avaliação radiográfica do desvio apical de canais radiculares curvos após emprego da instrumentação manual e rotatória Grupo 3 10 dentes preparados pelo sistema Race (FKG, Dentaire Co., Dental Products, Suíça). As raízes foram inseridas em um bloco de resina acrílica autopolimerizável, utilizando como molde uma fôrma para cubos de gelo (figura 1). Para avaliar a presença do desvio, foi empregado o método da plataforma radiográfica de Sydney et al. (1991) [18]. A plataforma radiográfica foi elaborada com auxílio de um posicionador radiográfico e de uma unidade da fôrma de gelo usada para a confecção do bloco de resina. Assim, esses blocos encaixavam-se perfeitamente na plataforma, permitindo que diferentes tomadas radiográficas fossem realizadas sempre na mesma angulação (figura 2). radicular, mantendo a película em posição para que a segunda tomada radiográfica fosse realizada, com o último instrumento do preparo apical em posição. Obtiveram-se imagens superpostas do primeiro e do último instrumento utilizado, as quais foram montadas em moldura para diapositivos projetados sobre uma tela para avaliação dos resultados. A determinação de um ângulo no terço apical representou a ocorrência do desvio apical, que foi medida de acordo com a metodologia de Cimis et al. (1988) [2]. Os valores encontrados foram analisados estatisticamente. O teste exato de Fischer e o teste t de Student foram utilizados para avaliar a quantidade e a qualidade, respectivamente, do desvio apical verificado. Resultados Os resultados do grupo 1, em que foi usada a técnica mista de Holland, do grupo 2, que foi instrumentado com o Sistema ProFile, e do grupo 3, no qual foi empregado o sistema Race, encontram-se nos gráficos 1 e 2. Figura 1 Molar inferior com as raízes inseridas em bloco de resina acrílica autopolimerizável Gráfico 1 Avaliação do desvio apical Figura 2 Plataforma radiográfica Primeiramente uma lima de número 15 foi introduzida no comprimento de trabalho e uma tomada radiográfica com exposição de 0,4 segundo foi feita. A seguir, iniciou-se a instrumentação do canal Gráfico 2 Média de desvio

RSBO v. 6, n. 3, 2009 283 Em todos os grupos avaliados houve a presença de desvio apical. Na análise quantitativa do desvio em cada amostra, verificou-se que o percentual com desvio apical foi de 20% no grupo 1 e no grupo 3 e de 10% no grupo 2. Para avaliação estatística foi utilizado o teste exato de Fischer, que demonstrou não haver diferença significante entre os três grupos (tabela I). Ao analisar qualitativamente o valor médio do desvio apical, observou-se que o grupo 1 apresentou uma média de 0,294 mm, o grupo 2, 0,117 mm, e o grupo 3, 0,205mm. Para análise estatística das médias do desvio apical foi empregado o teste t de Student, que demonstrou haver uma diferença expressiva apenas entre o grupo 1 e o grupo 2, com p = 0,000, indicando que quando houve o desvio ele foi significantemente menor no grupo instrumentado pelo sistema ProFile quando comparado com o grupo instrumentado pela técnica manual (tabela II). Tabela I Avaliação quantitativa do desvio apical Tabela II Avaliação qualitativa do desvio apical Discussão Durante o preparo endodôntico há a preocupação em promover uma adequada limpeza e desinfecção do sistema de canais radiculares por meio da atuação das soluções irrigadoras e da ação dos instrumentos endodônticos. Para alcançar tais objetivos, diversas técnicas foram introduzidas e grandes modificações ocorreram, aumentando a qualidade do preparo dos canais radiculares. A existência de diferentes técnicas de modelagem justifica-se em decorrência das variações anatômicas presentes, não havendo, porém, solução que traduza consenso geral. A seleção da técnica e do instrumento ideais depende do conhecimento da anatomia interna, da técnica operatória e das características do instrumento, o que evita acidentes e erros que podem ser incorrigíveis. No presente estudo, a técnica manual e dois diferentes tipos de sistemas rotatórios foram empregados em função da ampla utilização dessa técnica e das inovações ocorridas no campo dos instrumentos endodônticos. Em relação à metodologia empregada, tem-se observado uma grande quantidade de trabalhos que utilizam os canais artificiais para avaliação do desvio apical [4, 13, 14, 17]. Com o uso de canais simulados se consegue uma padronização da amostra, visto que variações anatômicas, como dureza dentinária, diâmetro do canal radicular e grau de curvatura, são eliminadas. Mesmo cientes de que tais variações estariam presentes, optou-se pelos dentes naturais, em função da maior proximidade com a realidade clínica. A utilização de uma plataforma radiográfica desenvolvida por Sydney et al. (1991) [18], que fica acoplada ao cilindro do aparelho de raios X, possibilitou que duas tomadas radiográficas fossem feitas numa mesma película radiográfica. Isso resultou numa sobreposição de imagens, o que levou à visualização da posição inicial e final dos instrumentos, avaliando a presença ou não do desvio apical [2, 5]. Antigamente os instrumentos endodônticos eram fabricados de maneira empírica. Diversas modificações ocorreram com o intuito de superar dificuldades durante o preparo endodôntico. Roane et al. (1985) [10] introduziram os instrumentos com ponta inativa para evitar o transporte do canal radicular. No presente estudo, a lima K-flexofile foi utilizada para o preparo manual dos canais radiculares por apresentar em sua ponta um cone liso, sem ângulo de transição, e por possuir uma secção reta transversal triangular, características que induzem a um menor deslocamento do preparo em relação à forma original do canal radicular [7]. O desenvolvimento tecnológico fez com que novos instrumentos fossem confeccionados com diferentes tipos de ligas nas mais variadas formas. Os sistemas ProFile e Race, exemplos dessas inovações, foram empregados no estudo por causa do bom desempenho durante o preparo de canais curvos em diversos trabalhos [5, 11, 9, 17]. A presente pesquisa teve como objetivo analisar a ocorrência do desvio apical utilizando uma técnica manual e duas técnicas rotatórias, e constatou-se que todos os grupos obtiveram amostra com desvio. Esses resultados foram semelhantes aos encontrados por Gomes e Albergaria (2002) [5], Schafër e Vlassis (2004) [11], Paqué et al. (2005) [9] e Steffen et al. (2006) [17], em que, independentemente da técnica aplicada, manual ou rotatória, sempre houve a presença de desvio. Quando se compararam, no atual estudo, as técnicas rotatórias com as manuais não houve

Pires et al. 284 Avaliação radiográfica do desvio apical de canais radiculares curvos após emprego da instrumentação manual e rotatória diferença estatisticamente significante quanto à presença de desvio, demonstrando que as técnicas rotatórias não são superiores às manuais quando executadas segundo os princípios mecânicos de preparo do canal radicular. Esses resultados estão de acordo com os verificados por Gomes e Albergaria (2002) [5], quando compararam a técnica mista preconizada por Holland com o sistema ProFile; os autores concluíram que não houve diferença estatisticamente significante entre as duas técnicas. Já Steffen et al. (2006) [17] afirmaram que o sistema rotatório (ProFile) levou a preparos mais centralizados e cônicos, mantendo a posição espacial original do forame, e que a técnica manual resultou em frequentes alterações do canal radicular. Provavelmente esses achados diferem dos obtidos no presente estudo pelo fato de a técnica manual, no trabalho citado, ser utilizada por estudantes, que comumente ainda não possuem um treinamento adequado. Ao comparar as técnicas rotatórias ProFile e Race neste estudo, não foi observada diferença estatisticamente significante, pois, de acordo com o gráfico 1, apenas um dente apresentou desvio pelo sistema ProFile e houve dois casos para o Race. Paqué et al. (2005) [9] compararam o sistema rotatório Race com o Protaper e também não encontraram diferença expressiva. Esses autores notaram que em ambos a curvatura foi mantida adequadamente. Os canais desviados no atual trabalho apresentaram diferentes graus de desvio. A técnica manual obteve em média 0,294 mm de desvio da posição inicial do instrumento, e as técnicas rotatórias ProFile e Race, 0,117 e 0,205 mm, respectivamente. Ao comparar a técnica manual com a ProFile, os resultados demonstraram uma melhor qualidade de preparo da técnica rotatória de maneira estatisticamente expressiva, contudo, quando se comparou a manual com a Race, tal diferença não foi significante. Por outro lado, entre as técnicas rotatórias também não se verificaram diferenças estatísticas. Tal resultado também foi encontrado por Paqué et al. (2005) [9], quando avaliaram os sistemas rotatórios Race e Protaper e observaram que a média dos desvios foi menor que 1,0 em ambos. Os resultados dos estudos demonstraram o bom desempenho dos sistemas rotatórios no preparo de canais radiculares curvos. A essa vantagem pode se associar a redução do tempo de trabalho e do estresse profissional, sendo este último, muitas vezes, responsável por acidentes na prática clínica. Conclusão Com base na metodologia empregada e nos resultados alcançados, conclui-se que: em nenhum grupo houve total manutenção da curvatura original do canal radicular; em relação à proporção das amostras que apresentaram desvio, não houve diferença estatisticamente significante entre os três grupos; a média de desvio apical foi expressivamente maior no grupo 1 em relação ao grupo 2. Entre os outros grupos, não houve diferença estatisticamente significante. Referências 1. Abou-Rass M, Frank AL, Glick DH. The anticurvature filling method to prepare the curved root canal. J Am Dent Assoc. 1980 Nov;101(5): 792-4. 2. Cimis GM, Boyer TJ, Peleu GB. Effect of three files types on the apical preparations of moderately curved canals. J Endod. 1988 Sep;14(9):441-6. 3. Clem WH. Endodontics: the adolescent patient. Dent Clin North Am. 1969;13(2):483-93. 4. Estrela C, Figueiredo JAP, Pesce HF. Avaliação da ocorrência de desvio apical, quando do emprego da técnica escalonada. Rev Bras Odontol. 1993;50(5):3-6. 5. Gomes RMP, Albergaria SJ. Avaliação comparativa do desvio apical de canais radiculares curvos após emprego da instrumentação manual e rotatória. Rev Fac Odontol UFBA. 2002 Jul/Dec;25:12-6. 6. Holland R, Souza V, Otoboni-Filho JA, Nery MJ, Bernabé PFE, Mello W. Técnicas mistas de preparo do canal radicular. Rev Paul Odontol. 1991 Jul/ Aug;13(4):17-23. 7. Lopes HP, Elias CN, Siqueira-Junior JF. Endodontia: biologia e técnica. Rio de Janeiro: Medsi; 2004. 8. Marshal FJ, Pappin JA. A crown-down pressureless preparation root canal enlargement technique. Portland, Oregon: Oregon Health Sciences University; 1980. 9. Paqué F, Musch U, Hülsmann M. Comparison of root canal preparation using RaCe and ProTaper rotary Ni-Ti instruments. Int Endod J. 2005 Jan;38(1):8-16.

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