ATMOSFERA ANÓXIA: UM MÉTODO ATÓXICO PARA A DESINFESTAÇÃO DE PRAGAS E DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO DOCUMENTAL



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ATMOSFERA ANÓXIA: UM MÉTODO ATÓXICO PARA A DESINFESTAÇÃO DE PRAGAS E DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO DOCUMENTAL Eduardo de Araújo Fróes Memorial dos Governadores Republicanos da Bahia-MGRB Introdução A preservação dos acervos arquivísticos de natureza permanente representa uma questão de importância relevante para assegurar a permanência do conteúdo informacional responsável pela constituição de uma memória registrada, ativa, fundamental para as sociedades humanas. representa mais uma alternativa para garantir a salvaguarda do nosso patrimônio documental. É preciso preservar como patrimônio esses conjuntos orgânicos de informações e respectivos suportes, por motivos de transmissão cultural e visando a constituição/reconstituição incessante das formas de identidade de um grupo social como tal; por outro lado é imprescindível assegurar aos historiadores os testemunhos de cada geração, o modo de pensar e de atuar de seus elementos quando de sua contemporaneidade. (BELLOTO, 2007, p. 263). A organização e a conservação adequada dos documentos de caráter histórico adquirem uma dimensão de cidadania quando nos conscientizamos de que os arquivos são instituições que colaboram na formação de valores tais como: patrimônio público, memória e identidade. O reconhecimento governamental desse patrimônio cultural é decisivo para garantir a sua salvaguarda. Diante de tamanha importância social, são relevantes os questionamentos sobre a forma como esses acervos depositados nos arquivos históricos estão sendo tratados e quais recursos tecnológicos estão sendo adotados para a manutenção da existência física desses documentos. Sabe-se que muitos arquivos permanentes não dispõem de condições climáticas controladas, estrutura arquitetônica adequada para a preservação do acervo e, por isso, frequentemente, é possível detectar o processo de biodeterioração dos acervos documentais ocasionados por bactérias, fungos, insetos. As pragas são uns dos principais responsáveis por danos causados à propriedade cultural, tendo se tornado um dos principais agentes comprometedores da preservação, principalmente em arquivos, bibliotecas e museus. (SCHÄFER, 2002, p. 1). O método de atmosfera anóxia pode ser considerado, atualmente, como um tratamento adequado para a conservação do nosso patrimônio cultural, pois erradica xilófagos (organismos que degradam a madeira) e bibliófagos (insetos que se alimentam da matéria orgânica que constitui livros e documentos), sem efeitos colaterais para o acervo, o profissional do arquivo, pesquisadores e o meio ambiente. Estimular a pesquisa dessa técnica para o aprimoramento, divulgação e utilização pelas instituições arquivísticas é fundamental, pois Fig.1 Instalação de anóxia para tratamento de bem cultural. Fonte: HANLON et al., 1993, p.6 Preservação do Patrimônio Documental Todo o trabalho de preservação dos documentos deve estar orientado para identificar os agentes que causam os danos aos documentos e encontrar medidas preventivas e curativas para impedir ou combater o ataque destes agentes. A partir desses conhecimentos, é possível desenvolver ações de preservação que ofereçam aos documentos as condições mais próximas do aceitável, proporcionando uma vida longa, sua integridade física e, consequentemente, a preservação da informação nele registrada, sem perder a sua identidade como objeto e como registro da informação. (CASSARES, 2008, p. 43). A conservação do patrimônio histórico documental é um constante desafio para as instituições e para os profissionais responsáveis pela sua custódia. Entre as mais importantes agressões causadas aos acervos arquivísticos de caráter permanente estão aquelas determinadas pela biodeterioração, provocada, muitas vezes de modo irreversível, por agentes biológicos como fungos e insetos bibliófagos. A natureza orgânica do material que compõe o acervo dos arquivos permanentes, caracterizada por sua alta higroscopicidade, implica um aumento significativo do teor de umidade do substrato,

especialmente quando os objetos estão expostos a ventilação inadequada e uma umidade relativa do ar acima de 65%, condição facilmente encontrada nos arquivos históricos do Brasil. Sob estas condições típicas de clima tropical, os arquivos tornam-se ambientes propícios para o desenvolvimento de espécies de microorganismos e insetos que podem contribuir para a perda irreparável de documentos históricos em um curto período de tempo ao afetarem quimicamente os materiais e comprometerem sua resistência mecânica. A biodegradação e seus mecanismos de ação provocam alterações físico-químicas, mecânicas e estéticas nos materiais, sendo, muitas vezes, utilizada a aplicação de tratamentos tóxicos para a sua eliminação e controle. Entre os principais agentes de biodeterioração de acervos documentais e bibliográficos, encontram-se os microorganismos (ex.: fungos e bactérias), os insetos e os macroorganismos (ex.: roedores mamíferos). Flaeschen (2009, p. 16) evidencia que os materiais orgânicos que formam os acervos documentais e bibliográficos são fonte de alimentação para esses seres vivos, os quais são capazes de digerir a celulose do papel e dos tecidos, as proteínas e gorduras dos couros e o amido das colas. O acervo pode ser utilizado como fonte de energia pelo organismo ou pode ser deteriorado pela ação de seus produtos metabólicos. As condições ambientais e a escassez de medidas de conservação preventiva e o mau estado de conservação dos prédios dos arquivos históricos também favorecem a proliferação. controverso, quando utilizado pesticidas. A ação destrutiva dos insetos é maior nas regiões de clima tropical, cujas condições de calor e umidade relativa elevadas provocam numerosos ciclos reprodutivos anuais e desenvolvimento embrionário mais rápido. (TEYGELER, 2007). Flaeschen (2009, p. 18) aponta cinco grupos de insetos como os principais responsáveis pelo ataque aos acervos bibliográficos e documentais. Eles podem ser divididos em duas categorias: os que atacam a superfície das obras (Baratas da família Blattoideas; Traças ordem dos Tisanuros; Piolho de livro ordem dos Psocopteros) e os que atacam o interior dos volumes (Cupins ordem dos Isópteros; Brocas ordem dos Coleópteros). Fig.3 Broca ou Caruncho. Fonte: VIVA TERRA, 2010 Os arquivos históricos, bibliotecas, museus têm, tradicionalmente, recorrido a pesticidas para a prevenção de infestações por pragas e, também, como resposta a infestações já estabelecidas. Contudo, os pesticidas, frequentemente, não previnem o aparecimento de pragas e não corrigem os danos por elas já provocados. Schäfer (2002, p. 1) afirma que, usualmente, tais produtos são empregados de maneira indiscriminada: [ ] ampliando o problema da proliferação dessas pragas por proporcionar sua resistência e tolerância, além de aumentar a concentração de agentes tóxicos no ambiente e o risco de contaminação em seres humanos, animais e plantas, gerando um problema de saúde pública e ambiental. Fig.2 Documento deteriorado por traças e pelo tempo. Fonte: ARQUIVO HISTÓRICO DE PITANGUI, 2010 Como biodeterioradores de documentos, os insetos merecem atenção especial. Além de muito comuns e abundantes, são também muito resistentes. Sua capacidade de reprodução é alta e a prole é numerosa. Alguns fatores favoráveis para a proliferação de insetos bibliófagos são: temperatura elevada e umidade; ventilação escassa; ausência de luz; pó e sujeira; cantos e áreas escondidas; acesso direto para o exterior; materiais contaminados. O tratamento dos danos causados pelos insetos é uma tarefa complicada e dispendiosa e o seu combate é Além dos riscos à saúde a ao meio ambiente, os produtos químicos tóxicos possuem substâncias nocivas aos acervos arquivísticos, bibliográficos e museológicos. Alguns desses efeitos nocivos são: oxidação dos materiais, corrosão de metais, esmaecimento e escurecimento de certos pigmentos, além de contaminação das áreas de guarda, exposição e manuseio do acervo, deixando resíduos reativos. (SCHÄFER, 2002, p. 01).

Convênio AERPA - CFDD do Ministério da Justiça - n o 748319/2010 monitoramento e execução de controle. Quando as próprias instituições tomam parte do trabalho de controle de pragas, o sucesso permanente do tratamento estará assegurado. Assim sendo, é importante exigir explicações e relatórios detalhados dos controladores de pragas, especificando o que será tratado (identificação de pragas), como será tratado, quais as substâncias que serão aplicadas. (SCHÄFER, 2002, p. 2). Graf.1 Pesticidas usados nos acervos de museus (levantamento mundial, 1990). Fonte: LINNIE, 2001, p. 256. O gráfico demonstra o percentual de museus, através de um levantamento mundial realizado na década de 90, que utilizavam produtos químicos na conservação do seus acervos. Nota-se que mais de 60% dos museus entrevistados faziam uso de naftaleno e diclorobenzeno. Os riscos à saúde humana vão desde o envenenamento agudo até subagudo e crônico, dependendo da exposição ocupacional a que se está sujeito, do tipo e da classe toxicológica dos compostos. A contaminação do meio ambiente afeta águas superficiais, subterrâneas e solos e pode atingir a cadeia alimentar. Entre os grupos profissionais que tem mais contato com os agrotóxicos, destacam-se os trabalhadores do setor agropecuário. Mas conservadores e responsáveis pelos acervos arquivísticos ou de instituições culturais também se apropriam largamennte do uso de tais substâncias. Apesar da tradição do uso de pesticidas nas rotinas de prevenção em bibliotecas e arquivos, muitos profissionais da área de conservação já estão criando a consciência crescente de que as substâncias químicas são perigosas para a saúde e podem causar danos ao acervo. Por isso, é uma tendência atual que as instituições adotem cada vez mais a estratégia internacionalmente recomendada conhecida como Controle Integrado de Pragas CIP. Por ser um protocolo que necessita qualificação, periodicidade e adoção de determinados procedimentos, é fundamental que o CIP seja produzido como um documento institucional gerado por pessoal técnico competente, sustentado em paradigmas científicos e práticas comprovadas, o mais simples e próximo da realidade institucional para que se torne efetivamente exequível. O CIP tem como principal objetivo a prevenção de infestação através de procedimentos rigorosos de manutenção, limpeza e monitorização, uma vez que os tratamentos de desinfestação e desinfecção, sejam eles tóxicos ou atóxicos, não evitam a infestação. Na área museológica e de arquivos, este conceito tem como base um conhecimento maior dos problemas de pragas pelas próprias instituições e ainda maior envolvimento no sentido de Um programa de Controle Integrado de Pragas bem planejado e executado irá evitar problemas ou crises que ocorram, além de reduzir a utilização de pesticidas e ser muito mais viável economicamente para os arquivos históricos, bibliotecas e museus. Mas o CIP não é solução para o tratamento de acervos já infestados. Alguns métodos amplamente empregados são capazes de obeter resultados satisfatórios, a exemplo do método atóxico de Atmosfera Anóxia que representa uma excelente alternativa. Resultados: O Método de Atmosfera Anóxia A investigação e o desenvolvimento de técnicas de desinfestação por meio de atmosferas modificadas iniciam-se a partir de meados do século XX, em produtos alimentares armazenados, estendendo-se, posteriormente, a bens culturais. A aprovação, em 1980, da utilização do nitrogênio e do dióxido de carbono para o controle de pragas em produtos alimentares, pelo governo americano, abriu caminho à investigação desta metodologia e à sua aplicação em outras áreas, especificamente no âmbito da cultura. (SELWITZ e MAEKAWA, 1998). O método de atmosfera anóxia (ambiente livre de oxigênio) é uma técnica de erradicação e controle de pestes, realizada com a retirada do oxigênio do interior, utilizando um gás inerte, de um espaço confeccionado com barreiras especiais onde fica o bem tratado. Resulta na morte, por desidratação e asfixia, dos microorganismos e insetos em qualquer um de seus estágios evolutivos (ovo, pupa, larva e adulto). É aplicável em qualquer bem ou acervo confeccionado com matéria-prima orgânica, tal como: papel, couro, madeira, tecido, e também em materiais inorgânicos. Por se caracterizar como um tratamento atóxico para as pessoas e para as coleções (acervos), a anóxia tem se difundido como uma alternativa adequada dentro do conceito de conservação de acervos e bens móveis. Este processo é monitorado por equipamentos com alto nível de sensibilidade e precisão que controlam, basicamente, temperatura, umidade, concentrações de oxigênio e teor de gases inertes. Schäfer (2002, p. 8) considera que é importante ressaltar que a execução de tratamentos de anóxia é relativamente complexa e altamente especializada, pois necessita de técnicas e materiais específicos. O método é patenteado e tem sua eficácia cientificamente comprovada. Não modifica as propriedades físico-químicas do bem tratado, ficando o bem absolutamente inalterado da sua forma original, mesmo a nível microscópico. Com equipamento

portátil, pode ser realizado in situ e moldado na forma e tamanho necessário para o tratamento. Três pesquisadores foram responsáveis pela invenção do tratamento com atmosfera anóxia: Robert J. Koestler (Hasbrouck Heights, NJ); Richard Sheryll (New York, NY); William Louche (Tappan, NY). A cessão de uso e comercialização foi concedida à Art Care International, Inc. (Orangeburg, NY). O processo da invenção é descrito na patente estabelecendo algumas etapas. A primeira, compreende o teste para determinar se existe infestação no objeto a ser tratado. Caso a infestação seja visível, procede-se imediatamente a etapa de colocação do objeto em um recipiente fechado (flexível ou não), selando-o hermeticamente e em seguida enchendo-o com um gás inerte para deslocar o oxigênio ou o ar. Outra etapa importante é o controle e manutenção das condições selecionadas de pressão, temperatura e umidade por um período de tempo previamente determinado até que os organismos sejam exterminados. Após o período estabelecido para o tratamento, aplica-se um novo teste para a medição de subprodutos dos sistemas de respiação dos insetos ou microorganimos, verificando se todos os organismos vivos foram eliminados do objeto. Caso seja detectada a preseça de organismos vivos, o tratamento deve ser repetido. nível de 0,3% a 0,1% de concentração de oxigênio. A partir desse parâmetro, mantém-se o fluxo reduzido durante todo o período de tratamento. Esse protocolo exige uma quantidade razoável de equipamentos como: cilindros de gás, válvula reguladora, sistema de umidificação do gás inerte, monitores de temperatura e de umidade relativa. Para Schäfer (informação verbal)1 esse protocolo é cem vezes mais complexo que os dois outros sistemas. Schäfer também indica o uso de ventiladores no interior das embalagens de grandes dimensões, para que o ar possa se misturar e atingir todos os níveis dos objetos em tratamento. O dióxido de carbono também é utilizado no sistema dinâmico de anóxia, sendo mais indicado na aplicação de grandes quantidades de objetos. A figura 5 mostra a preparação da câmara para o tratamento de desinfestação com uso de nitrogênio, utilizando o sistema dinâmico. Desumidificador de ar e ventilador são colocados no interior da câmara para controlar a umidade e misturar o ar, respectivamente. Fig.5 Preparo da Câmara de Anóxia para desinfestação de livros da Biblioteca Mário de Andrade SP. Fonte: Acervo pessoal Stephan Schäfer Fig.4 Método de tratamento de materiais contaminados utilizando uma atmosfera anóxia. Fonte: VALENTIN; PREUSSER, 2001, p. 41 A figura 4 representa o esboço de um procedimento de desinfestação de um objeto com atmosfera modificada de nitrogênio. O esquema é representado com os principais equipamentos utilizados pelo método (Cilindro contendo o gás inerte, sistema de umidifcação de gás, câmara, monitores de temperatura e umidade relativa, detector de oxigênio). Protocolos O procedimento para a realização do método de atmosfera anóxia pode ser realizado com três variações de protocolo: sistema dinâmico, sistema estático e sistema dinâmico-estático. (SELWITZ e MAEKAWA, 1998). No Sistema Dinâmico um gás inerte é utilizado para purgar (expulsar) o oxigênio contido dentro de um ambiente hermeticamente selado (bolsas, bolhas de alta barreira), com uma vazão inicial elevada até atingir um Outro protocolo é o Sistema Estático que não utiliza gases inertes nem aparelhos tecnológicos sofisticados, portanto, economicamente mais barato e mais prático de ser desenvolvido. É utilizado para tratamentos em menor escala, utilizando-se bolsas confeccionas com plásticos de alta barreira com volume menor que 100 litros. O Sistema consiste, basicamente, em colocar os objetos infestados num ambiente hermeticamente selado com a presença de absorvedores de oxigênio em quantidade suficiente para garantir o nível abaixo de 0,3% durante todo o tratamento. Também é utilizado um indicador visual de oxigênio (Ageless-Eye), uma cartela indicadora de umidade e sachês com sílica gel. Esse processo não exclui o uso de equipamentos eletrônicos para monitorar a temperatura, umidade e concentração de oxigênio, caso opte por essa escolha. Sobre os absorvedores de oxigênio, Flaeschen (apud BECK, 2009, p.52) descreve como: 1 Informação fornecida ao autor em entrevista realizada nos dias 05 e 06 de outubro de 2010, na Empresa Stephan Schäfer Conservação e Restauro, na cidade de São Paulo.

Sachês compostos basicamente por óxido de ferro em pó, ácido ascórbico e água. O invólucro é confeccionado por um plástico microporoso que permite a absorção do oxigênio e faz com que este reaja em seu interior, causando a oxidação do pó de ferro. Esta reação consome todo o oxigênio de forma rápida e exotérmica, isto é, liberando calor. O calor liberado não causa um aumento significativo da temperatura ambiental; no entanto, não é recomendável que os sachês de absorvedor fiquem diretamente sobre os objetos, para não lhes causar danos. Fig.8. Fonte: BECK, 2010 Fig.6 Sachês de absorvedores de oxigênio (AgelessTM). Fonte: BRANDON; HANLON, 2003, p.2 O sensor indicador de oxigênio terá a função de sinalizar a baixa concentração do gás no ambiente. Funciona da seguinte forma: quando exposto ao ar, possui cor violeta, conforme ocorre a queda de concentração de oxigênio vai ficando rosado e, por volta de 0,1%, torna-se completamente rosa. Fig.7 Desempenho do indicador de oxigênio AgelessEye. Fonte: Mitsubishi Gas Chemical Company, 2010 As figuras 8 e 9 registram livros encapsulados com absorvedores de oxigênio para o tratamento anóxico com sistema estático. O Sistema Dinâmico-Estático é uma variação que segue os mesmos protocolos dos outros dois sistemas. O procedimento ocorre basicamente da seguinte forma: cria-se uma embalagem (bolsa) hermeticamente selada, combinando o uso de um gás inerte para purgar o oxigênio até uma concentração entre 0,5 a 0,1%. Em seguida, o fluxo do gás é interrompido, deixando apenas os absorvedores de oxigênio agirem na proporção adequada para manter a concentração de O2 no período estipulado para o tratamento. Esse tempo será determinado pelo tamanho do objeto e o tipo de praga. Fig.9. Fonte: BECK, 2010 Esta técnica é recomendada para bolsas entre 100 e 1000 litros de volume. Flaeschen (2009, p. 55) ressalta que é necessário avaliar as condições do objeto e verificar como deve ser feito corretamente o insuflamento com o nitrogênio, que poderá ser aplicado umidificado ou não e o controle de UR da bolsa. As figuras 10 e 11, respectivamente, registram o início do sistema dinâmico estático com insuflamento de nitrogênio e o tratamento após a interrupção com o gás, usando o absorvedor de oxigênio. Fig.10 Tratamento com o sistema dinâmico estático (fase inicial com insuflamente de N2). Fonte: VALENTÍN, [2009?]

Fig.11 Tratamento com o sistema dinâmico estático utilizando absorvedor de O2. Fonte: VALENTÍN, [2009?] Cada um desses sistemas tem suas vantagens, desvantagens, necessidades específicas e necessidades críticas em comum. As principais observações e cuidados para que se obtenha sucesso na realização de cada protocolo estão na escolha dos materiais e equipamentos. É importante que as embalagens sejam confeccionadas em material de alta barreira com baixa permeabilidade ao oxigênio; que utilize absorvedores de oxigênio com alta capacidade e boa absorção potencial; que haja adequado fornecimento de gás inerte para purgar e atingir baixas concentrações de oxigênio, além de métodos eficazes para a contenção do gás e monitoramento constante. Materiais e Equipamentos Para conceber um ambiente propício ao tratamento de atmosfera anóxia, é preciso dispor de um conjunto de materiais e equipamentos tecnológicos. Os principais materiais, segundo Selwitz e Maekawa (1998), são: 1) Filmes de Alta Barreira A maioria dos trabalhos com atmosfera modificada no controle de insetos é feita, atualmente, com contentores flexíveis, ou seja, com bolsas ou bolhas em película de plástico. Essas películas são confeccionadas por camadas de diferentes plásticos como o politireftaleno de etileno PET (possui elevada resistênica mecânica, transparência, flexibilidade e oferece barreira a gases); o policloreto de vinilideno PVDC (excelente barreira ao vapor de água e gases, boa resistência química, alta resistência a tração, é termoselável e aplicável ao revesttimento de PET); a poliamida e o poliéster unidos por coextrusão, ou seja, a extrusão de dois ou mais termoplásticos para produzir filmes laminados). A preferência por esse tipo de material para criar ambientes com ausência de O2 está na praticidade de ser facilmente construídos para o tamanho exigido, não ocuparem instalações fixas e poderem ser projetados nos próprios espaços onde se encontram os acervos infestados. Além dos filmes transparentes, existem também os aluminizados Fig.12 Anóxia com filme aluminizado. INDIANÁPOLIS MUSEUM OF ART, 2008 Fonte: 2) Absorvedores de Oxigênio Já mencionamos os absorvedores de oxigênio, quando abordamos os sistemas estático e dinâmicoestático. Algumas informações adicionais são relevantes como: a capacidade de absorção de oxigênio de cada saquinho é representada pelo seu número (Ex.: Z-100, Z-1000), indicando os mililitros de oxigênio com o qual vai reagir. É recomendado o uso de duas a três vezes a quantidade de absorvedor do que o realmente calculado. Isso impedirá que ocorra falha durante o processo. O absorvedor é menos efetivo em climas muito secos, e mais eficaz em uma umidade relativa entre 35% e 85%. Um cálculo básico é utilizado para determinar a quantidade de saquinhos de absorvedores de O2 necessários para volumes específicos de microambientes. Calcula-se da sequinte forma: Volume do saco em cm (L C A) - peso do objeto em gramas / 5 ml = de oxigênio no saco, ou cerca de seis saquinhos Z/1000 por pé cúbico. (BURKE, 1996). 3) Indicadores de Oxigênio Os indicadores de oxigênio também já foram abordados, pois representam a ferramenta mais simples para monitorar a concentração de oxigênio presente no tratamento com o sistema estático. Ele não é 100% seguro, pois pode se esgotar com presença prolongada do oxigênio ou devido à exposição ao calor e à luz. Tem uma vida útil de apenas seis meses em baixas temperaturas. Por estas razões, o indicador de oxigênio deve ser armazenado em um saco de barreira ao oxigênio e mantido em geladeira ou freezer até que seja utilizado. Durante a utilização, se o ambiente de anóxia se apresentar muito iluminado, eles devem ser protegidos da exposição indevida.

Fig.14 Selador térmico com mandíbula. Fonte: SORBENT SYSTEMS, 2010 Fig.13 Pacote individual com Ageless EyeTM (indicador de oxigênio). Fonte: DAY, 2005, p. 437 4) Instrumentos de Vedação A parte mais importante do microambiente anóxico é a impermeabilidade do sistema. Portanto, microambientes precisam ser cuidadosamente projetados e construídos. Os sacos ou recipientes devem ter vedações eficazes. As embalagens com filmes de alta barreira precisam de uma selagem com largura, a fim de evitar vazamentos laterais através da parte interna. A escolha de um modelo de selador confiável de largura (mínimo 1cm) é essencial para os sistemas de longo prazo. Existem excelentes seladores, inclusive manuais, fáceis de usar, com capacidade de vedação adequada para manter uma largura de segurança. A utilização de fechos de plástico, ou zipfechamentos, é outra forma de selar um filme de alta barreira. Estes prendedores são fabricados separadamente e depois selados a quente em um recipiente. Eles aparecem em duas aplicações: o encerramento em sacos de anoxia, e como portais para câmaras flexíveis de permanência. Apesar de zíperes serem convenientes, eles permitem uma fuga do ar, portanto só podem ser utilizados em sacos de anóxia de tratamento dinâmico. Assim, o vazamento através do zíper permite o constante fluxo de nitrogênio umidificado através do saco. (SELWITZ e MAEKAWA, 1998). Outro recurso de vedação são os grampos para sacos de anóxia. Apresentam-se como tiras de plástico de até 183 cm de comprimento e cerca de 1,25 centímetro de largura, geralmente semelhantes a uma ferradura na seção transversal. Existe algum desacordo quanto à sua eficácia, mas a maioria dos conservadores que trabalharam com estes grampos garantem que eles podem fornecer o encerramento à prova de vazamentos. 5) Gases Inertes Um microambiente anóxico pode ser otimizado com o recurso dos gases inertes para purgar o oxigênio e atingir mais rapidamente os níveis desejados e sua manutenção. Para esse recurso, é necessário um tanque de gás comprimido, um regulador para controlar a pressão, uma mangueira e algum tipo de bocal pelo qual se irá introduzir o gás dentro do saco (embalagem). Praxair Portugal Gases SA (2010, p. 10) define os gases inertes como aqueles que nas suas condições normais de pressão e temperatura não reagem nem se combinam com outros produtos, ou que o fazem em quantidades insignificantes, evitando alterações materiais indesejáveis. São inócuos para as pessoas, não tem cheiro, sabor, nem cor, no entanto apresentam riscos graves de acidente por provocar deslocamento do oxigênio na atmosfera. Segundo Koestler, Tavzes e Pohleven (2004, p. 8), os principais gases inertes, que têm sido utilizados no campo museológico para restringir ou erradicar os insetos são hélio, nitrogênio e argônio. Fig.15 Ilustração de cilindros indicativos dos principais gases inertes utilizados em tratamentos de atmosfera anóxia. Fonte: criação do autor Entre os equipamentos, existe uma variação tecnológica de acordo com o fabricante, mas é imprescindível que haja uma alta precisão na obtenção dos dados, pois serão responsáveis pelo monitoramento constante durante todo o processo de desinfestação. Esse aparato tecnológico envolve basicamente: Monitor eletrônico de oxigênio; Monitor de temperatura; Monitor de umidade relativa;

Desumidificador; Umidificador de gás; Gerador de gás, caso a empresa ou instituição avalie como uma alternativa viável; Computadores para processar os dados e manter um controle sobre os equipamentos, ou o conjunto desses equipamentos compondo a Câmara de Desinfestação por gases inertes, equipamento de estrutura rígida com controle e registro automatizados com assistência técnica remota através de ligação via modem instalado na câmara. Fig.16 Caixa idealiza por Stephan Schäfer contendo os principais equipamentos para monitoramento. Fonte: Arquivo Pessoal, 2010 O Mecanismo de Mortalidade dos Insetos No processo de tratamento de atmosfera anóxia, é importante entender os mecanismos biológicos dos insetos quando são exterminados através da aplicação dos gases inertes e da ausência do oxigênio. A bioquímica da mortalidade por nitrogênio e argônio difere um pouco da por dióxido de carbono, mas todos esses gases são eficazes na ação de dessecação, ou seja, desidratação. Outro aspecto de extrema relevância para a compreensão e sucesso do método de atmosfera anóxia é a adequação de fatores como temperatura e umidade aliados à aplicação dos gases para a otimização e eficiência no tratamento de desinfestação e, consequentemente, atingir a meta de 100% da mortalidade dos organismos biodeteriorantes. Selwitz e Meakawa (1998, p. 1) evidenciam que a privação de oxigênio (anóxia) provoca um aumento da mortalidade, mas a dessecação é a melhor explicação para os resultados obtidos com os procedimentos e as condições utilizadas na erradicação de pragas em acervos culturais com o tratamento anóxico. Ainda referenciando Selwitz e Meakawa (1998), os insetos são capazes de controlar dois importantes processos de intercâmbio de oxigênio e dióxido de carbono e a conservação da água por uma série de orifícios conhecidos como espiráculos, que fazem parte de um sistema de transporte de gás. Uma camada de cera epicuticular nos espiráculos impede a perda de água e mantém baixa a permeabilidade de oxigênio, colocando, assim, os espiráculos no controle do abastecimento destas substâncias essenciais. Os espiráculos se encontram ao longo do abdômen e do tórax, onde estão localizados os órgãos reguladores. Normalmente, são mantidos fechados para minimizar a perda de água e são abertos apenas o suficiente para o inseto levar o oxigênio necessário. Quando o oxigênio é escasso, são obrigados a abrir com mais freqüência e mais amplamente, provocando, assim, a desidratação. Fig.18 Desenho de larva de traça com espiráculos ao longo do corpo. Fonte: Modified Atmosphere Technology Portugal, 2010 Fig.17 Tratameno de anóxia (sistema dinâmico) com todos os equipamentos necessários. Fonte: Acervo pessoal Stephan Schäfer Em condições anóxicas, qualquer diminuição do peso é provocado quase que exclusivamente através da perda de água. No caso dos insetos, são mais vulneráveis ao tratamento os adultos e larvas que os relativamente inativos, como as pupas e os ovos. Estudos demonstraram que os insetos são capazes de

restaurar toda a função do corpo após uma exposição de até um dia, mas morrem se o tempo da exposição for prolongado. Segundo observações de Elert e Maekawa (2003, p. 10), em condições de anóxia abaixo de 0,3%, temperatura na faixa de 30% e umidade relativa superior a 50%, pode-se considerar suficiente a exposição anóxia por 15 dias. Entretanto, em regiões de clima quente e úmido, a umidade relativa do ar é sempre mais elevada. Por esta razão, recomenda-se ampliar o prazo de tratamento para 22 dias. Maekawa e Selwitz (1998) concluem que a eficácia do método para eliminar os insetos depende da sensibilidade das espécies às baixas concentrações de oxigênio, do estágio de desenvolvimento (ovo, larva, pupa e adulto) e das circunstâncias ambientais a que os insetos foram expostos durante o tratamento com anóxia. A meta para uma efetiva desinfestação de pragas é 100% de mortalidade. Portanto, é muito mais importante atingir a mortandade total do que tentar ganhar tempo encurtando o tratamento. Armazenamento de Documentos em Anóxia O princípio de atmosfera anóxia não se limita apenas aos processos de desinfestação de pragas. O método também pode ser aplicado de outras formas, objetivando a preservação do patrimônio cultural. A eficácia de ambientes de nitrogênio para o armazenamento de longo prazo dos objetos sensíveis orgânicos foi estudado primeiramente no Getty Conservation Institute, entre 1987 e 1989, como parte de um projeto para desenvolver um processo de armazenamento para as múmias reais no Museu Egípcio do Cairo. (MAEKAWA, 1998). A criação de ambientes anóxicos oferece a perspectiva de preservação a longo prazo de materiais vulneráveis. São produzidos microambientes capazes de impedir ou retardar as reações químicas e biológicas que envolvem o oxigênio. Para Schäfer (2002, p. 12), essas outras abordagens tem tudo a ver com o conceito da cápsula do tempo que isola o objeto dos agentes nocivos. A cápsula do tempo elimina justamente os principais agentes e processos de degradação: a umidade excessiva e variações da mesma, o oxigênio, poluentes e a radiação ultra-violeta (UV). Em grande parte é uma questão química: sem oxigênio não há oxidação! Sem umidade excessiva muitos outros fatores, como a proliferação de microorganismos (fungos e bactérias) e processos de degradação hidrolítica da celulose, são completamente impedidos. (SCHÄFER CONSERVAÇÃO, 2010). Child (2002, p. 172) sinaliza que a atmosfera anóxia também é eficaz em outras áreas que incluem a prevenção contra a corrosão e oxidação de metais, como ferro, prata, chumbo; a preservação dos tecidos e das cores de obras de arte em aquarelas e fotografias coloridas, onde as reações foto-oxidativa podem estar envolvidas na deterioração. Cita também a prevenção contra reações oxidativas responsáveis pela decomposição de alimentos e degradação de plásticos. Assim, os objetos que se deterioram com a presença do oxigênio podem ser melhor preservados se expostos ou armazenados em condições de anóxia. Hansen (1998) descreveu algumas experiências importantes realizadas com objetos artísticos e históricos de composição material heterogênea (pinturas, múmias, pergaminho, papel, metais) que foram acondicionados em ambientes com baixa concentração de oxigênio. Exemplos significativos são: A Declaração de Idependência e a Constituição dos EUA e os manuscritos preliminares em papel da Proclamação de Emancipação de Abraham Lincoln. Em fevereiro de 2000, o Arquivo Nacional dos EUA, entidade responsável pela custódia das Cartas de Liberdade, entrou em processo de reforma, incluindo a renovação da Rotunda e das vitrines de exposição das Cartas de Liberdade, de modo a expor todas as quatro páginas da Constituição. A nova concepção das vitrines configurou-se num recipiente hermeticamente fechado, em atmosfera de argônio, confeccionado em alumínio, titânio e vidro. Cada invólucro apresenta um micorambiente com 19,4 C, gás argônio, com a adição de 2% de hélio e uma umidade relativa de 40%. Segundo os cientistas e engenheiros que projetaram o novo sistema, ele deve garantir a preservação dos documentos por 100 anos ou mais. (THE NATIONAL ARCHIVES, 2010). Fig.19 Conservadoras do National Institute for Standards and Technology NIST, entidade responsável pelo novo projeto de preservação das Cartas de Liberdade iniciado em 1999. Elas removem cuidadosamente o vidro que acondicionava o documento desde 1952. Fonte: THE NATIONAL ARCHIVES, 2010 Fig.20 Constituição do EUA em exposição na rotunda do Arquivo Nacional dos EUA, Washington. Fonte: THE NATIONAL ARCHIVES, 2010

Convênio AERPA - CFDD do Ministério da Justiça - n o 748319/2010 Conclusões Os microambientes em condições de anóxia são alternativas já comprovadas na prática como um método de preservação capaz de evitar a oxidação, degradação biológica e microbiológica dos documentos. É possível criar embalagens simplificadas com atmosfera anóxia, utilizando o sistema estático e clips seladores, para acondicionar documentos sensíves dos arquivos históricos brasileiros. Além de proteger de perigos atmosféricos, os envelopes de alta barreira também são resistentes à àgua e a alguns produtos químicos. Apesar dos custos elevados com o material para a confecção de embalagens ou envelopes, absorvedores de oxigênio, clips especiais de vedação hermética, a preservação desse patrimônio cultural deve ser uma prioridade dentro da política de gestão dos arquivos permanentes. A conservação e a preservação do patrimônio documental garantem o imprescindível acesso à informação tanto em arquivos quanto em outras unidades informacionais. Qualquer tratamento aplicado a esse patrimônio não deve alterar sua integridade visual, estrutural ou científica. É incontestável que a destruição causada por agentes biológicos em acervos arquivísticos de natureza permanente e bibliográficos gera um grande impacto negativo para o patrimônio histórico e cultural de um país com clima tropical como o nosso. Ao planejar uma proteção contra qualquer forma de biodeterioração, é preciso considerar, principalmente, alguns fatores: o material (objeto alvo do ataque), o ambiente e o organismo deteriorante. A capacidade de identificar os agentes ativos de degradação possibilita uma avaliação mais adequada para estabelecer ações que visam curar, monitorar e controlar o acervo. Muitas dessas ações, atualmente, ainda apontam para a aplicação de produtos químicos como uma alternativa para a desinfestação e desinfecção dos acervos. Embora apresentem eficácia na erradicação, esses produtos apresentam alto grau de toxidade, interferindo na saúde dos seres humanos, no meio ambiente, além de reagir quimicamente com a matéria em tratamento. É evidente que existe uma necessidade de investir em ações de conservação preventiva, ou seja, estabelecer procedimentos rigorosos de manutenção, limpeza, higienização dos espaços de salvaguarda do nosso patrimônio. O programa de Controle Integrado de Pragas tem se estabelecido como uma estratégia internacionalmente recomendada no âmbito da preservação. Outra questão observada refere-se à ampliação das opções de tratamentos não tóxicos para atuar na conservação do patrimônio documental. Novos métodos já se apresentam aplicáveis e fundamentados cientificamente, a exemplo da utilização de atmosferas modificadas. As investigações realizadas nos últimos 15 anos tem mostrado que a utilização de ambientes com pouco oxigênio no controle de pragas de insetos em museus, arquivos e bibliotecas e na preservação de objetos sensíveis a longo prazo parece extremamente promissora. Este processo é seguro, atóxico, não inflamável, não apresenta efeito nocivo ao operador e meio ambiente e é totalmente inerte ao material em tratamento. Embora simples em termos de conceito, cada etapa do método de atmosfera anóxia requer entendimento dos fatores ambientais, físicos e biológicos que podem afetar o processo. Para Koestler e Charola (2007), a mais importante das etapas é o isolamento dos objetos, o que requer a construção de uma barreira adequada. Schäfer (2002) também demonstra preocupação quanto ao acondicionamento, pois qualquer falha na produção ou mesmo um pequeno furo provocado por alfinete pode comprometer um tratamento de anóxia. O controle e o monitoramento contínuo são pré-requisitos fundamentis para se obter sucesso. Outros problemas enfrentados por esse tipo de procedimento são: custo, equipamentos e pessoal capacitado. Estima-se que muitos arquivos históricos públicos, no Brasil, enfrentam uma carência na dotação de recursos financeiros, materiais e humanos, condição determinante para inviabilizar ações de preservação e conservação através do método de atmosfera anóxia, por isso o desenvolvimento das ações que visam à preservação dos acervos depende de decisões administrativas que promovam os serviços da instituição às novas tecnologias de acesso e preservação. Referências (1) BECK, Ingrid. Desinfestação de Coleção usando anóxia. Boletim eletrônico ABRACOR, n 1, jun. 2010. (2) BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivos Permanentes: Tratamento Documental. Rio de janeiro: FGV, 2007. (3) BRANDON, Jon; HANLON, Gordon. A low tech method for insect eradication using Ageless. [2003?]. 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Convênio AERPA - CFDD do Ministério da Justiça - n o 748319/2010 (8) ELERT, Kerstin; MAEKAWA, Shin. The Use of Oxygen-Free Environments in the Control of Museum Insect Pests. Los Angeles: The Getty Conservation Institute, 2003. (9) FLAESCHEN, Jandira Helena Fernandes. O método de atmosfera anóxia: tratamento para a desinfestação de acervos bibliográficos. 2009. 83 f. Monografia de final de curso (Pós-Graduação em Preservação de Acervos de Ciência e Tecnologia). Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2009. (10) HANLON, Gordon;DANIEL, Vinod; RAVENEL, Nancie; MAEKAWA, Shin. Dynamic System for Nitrogen Anoxia of Large Museum Objects: A Pest Eradication Case Study. Second International Conference on Biodeterioration of Cultural Property, Oct 5-8, Japan, 1992. Disponível em: <http://cool.conservationus.org/coolaic/sg/wag/1993/wag_93_hanlon.pdf>. Acesso em: 20 out. 2010. (11) HANSEN, Eric F. Protection of objects from Environmental Deterioration by Reducing their Exposure to Oxygen. In: Oxygen-free Museum cases. Los Angeles: The Getty Conservation Institute, 1998. (12) KOESTLER, Robert J.; TAVZES, Crtomir; POHLEVEN, Franc. A new approach on conservation of wooden heritage. Disponível em: <http://www.museumpests.net/wg/projects/treatments /Koestler_Slovenia_2004.pdf> Acesso em: 26 out. 2010 (13) LINNIE, Martyn. J. Controle de Pragas em Museus: a utilização de produtos químicos e os problemas de saúde correlatos. In: Conservação: conceitos e práticas. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001. (14) MAEKAWA, Shin. (org.). Oxygen-free Museum cases. Los Angeles: The Getty Conservation Institute, 1998. (15) MAEKAWA, Shin; HANLON, Daniel G. V. Eradication of insect pests in museums using nitrogen. WAAC Newsletter, n 3, 1993. MITSUBISHI GAS CHEMICAL COMPANY. Disponível em: <http://www.mgc.co.jp /eng/products/abc/ageless/eye.html>. Acesso em: 13 nov. 2010. (16) SCHÄFER, Stephan. Desinfestação com métodos alternativos, atóxicos e Manejo Integrado de Pragas (MIP) em museus, arquivos e acervos & Armazenamento de objetos em atmosfera modifica. Associação Brasileira de Encadernação e Restauro, São Paulo, 2002. Disponível em:<http://www.aber.org. br/pdfs/artigo_anoxia_aber.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2010. (17) SELWITZ, Charles; MAEKAWA, Shin. Inert gases in the control of museum inset pests. Los Angeles: The Getty Conservation Institute, 1998. (18) TEYGELER, René. Conservação preventiva da herança documental em climas tropicais: uma bibliografia anotada. Maria Teresa Costa Guerra (trad.). Lisboa: Biblioteca Nacional, 2007. E-Mail do Autor eafroes@gmail.com