ITINERÁRIO TERAPÊUTICO DA PESSOA COM DIAGNÓSTICO



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Transcrição:

ITINERÁRIO TERAPÊUTICO DA PESSOA COM DIAGNÓSTICO DE CÂNCER: CUIDADO COM A ALIMENTAÇÃO THERAPEUTIC ITINERARY OF THOSE WITH A CANCER DIAGNOSIS: NUTRITIONAL CARE ITINERARIO TERAPÉUTICO DE LA PERSONA COM DIAGNÓSTICO DE CÁNCER: CUIDADO CON LA ALIMENTACIÓN Luciana Martins da Rosa I Telma Búrigo II Vera Radünz III RESUMO: Pesquisa qualitativa exploratório-descritiva para identificar se o cuidado com a alimentação está inserido no itinerário terapêutico da pessoa com diagnóstico de câncer durante o período do tratamento quimioterápico. Os referenciais teóricos utilizados foram o Autocuidado de Orem e o Sistema de Cuidados à Saúde de Kleinman e, para tratamento dos dados, a análise de conteúdo de Bardin. A coleta de dados aconteceu de outubro 2006 a junho 2007, através de entrevista semiestruturada com 13 sujeitos atendidos em instituição oncológica, de Santa Catarina/Brasil. Mudanças na alimentação ou inclusões de alimentos na dieta alimentar, após o diagnóstico de câncer, foram referidos por 84,61% dos sujeitos. Os resultados evidenciaram que os profissionais de saúde necessitam estar preparados para compreender as crenças alimentares de cada pessoa, adotando políticas de saúde e de educação voltadas para uma alimentação saudável, consequentemente contribuindo para a diminuição do câncer. Palavras-chave: Enfermagem; nutrição; oncologia; cuidado. ABSTRACT: Exploratory, descriptive qualitative research aiming at identifying if nutritional care was inserted in the therapeutic itinerary of those with a cancer diagnosis during chemotherapy treatment. Theoretical framework used was Orem s Self-care Theory and Kleinman s Health Care System. Data were collected from October 2006 to June, 2007, through semi-structured interviews with 13 subjects from an oncology institution, in Santa Catarina, Brazil, and were analyzed according to Bardin s content analysis. Diet changes after a cancer diagnosis have been mentioned by 84.61% of the subjects. Results showed that health professionals have to be prepared to understand personal nutrition beliefs, adopting health and educational policies focused on healthy diets, thus helping decrease cancer. Keywords: Nursing; nutrition; oncology; care. RESUMEN: Investigación cualitativa exploratoria-descriptiva para identificar si el cuidado con la alimentación es insertado en el itinerario terapéutico de la persona con diagnóstico de cáncer durante la quimioterapia. Se utilizó el referencial teórico del Autocuidado de Orem y el Sistema de Cuidados a la Salud de Kleinman y análisis de contenido de Bardin. La recolección de información fue de octubre 2006 a junio 2007, a través de entrevista semiestructurada con 13 sujetos. Los cambios o adiciones de los alimentos en la dieta, después del diagnóstico de cáncer, fueron adoptadas por 84,61% de los sujetos. Los resultados evidenciaron que los profesionales de salud necesitan estar preparados para comprender las creencias alimentares de cada persona, adoptando políticas de salud y de educación orientadas para la alimentación saludable, consecuentemente contribuyendo para la disminución del cáncer. Palabras clave: Enfermería; nutrición; oncología; cuidado. INTRODUÇÃO A cultura é um sistema simbólico que se configura por uma teia de significados, valores, crenças, códigos morais e hábitos, construídos, transmitidos e aprendidos por meio de signos e símbolos sociais e que governa o comportamento das pessoas 1. As experiências de vida que se iniciam desde o nascimento possibilitam a formação de uma rede de conhecimentos, adquirida por cada indivíduo e/ou grupo. Os conhecimentos advindos das experiências vividas no cotidiano dão a sustentação para a defini- I Doutora em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Enfermagem Oncológica. Enfermeira da Secretaria de Estado da Saúde/Centro de Pesquisas Oncológicas. Membro do Grupo de Pesquisa Cuidando & Confortando. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. E-mail: ensino@cepon.org.br. II Mestre em Nutrição. Especialista em Nutrição Clínica pela Universidade Federal de Santa Catarina. Nutricionista da Secretaria de Estado da Saúde/Centro de Pesquisas Oncológicas. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. E-mail: tmo@cepon.org.br. III Doutora em Enfermagem. Docente do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Líder do Grupo de Pesquisa Cuidando & Confortando. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. E-mail: radunz@ccs.ufsc.br. Recebido em: 21/09/2010 Aprovado em: 06/05/2011 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2011 jul/set; 19(3):463-7. p.463

Itinerário terapêutico: alimentação e câncer ção/escolha de estratégias de cuidados e de tratamentos, conhecidas como itinerário terapêutico. O itinerário terapêutico se constitui por essa rede de relações estabelecidas entre o indivíduo e familiares, vizinhos, terapeutas populares, organizações religiosas, serviços de saúde e os vários e diferentes grupos com que cada pessoa se inter-relaciona ao longo de sua existência. As escolhas de cuidados resultam então de operações racionais baseadas na lógica e na avaliação do custo-benefício para os momentos de saúde e/ou doença, isto é, para manutenção e resgate da saúde ou combate à doença 2. Enfrentar um diagnóstico de câncer exige de cada pessoa a reavaliação do próprio itinerário terapêutico, novas inter-relações e a própria reflexão sobre a existência, o autoconhecimento e o autodesenvolvimento. O câncer é uma doença crônica degenerativa de genes vulneráveis à mutação. No entanto, apenas uma pequena parcela dos cânceres é herdada. Evidências mostram que a incidência do câncer pode decorrer, principalmente, de fatores ambientais, entre eles a dieta 3. Os fatores ambientais são os fatores mais determinantes para o surgimento do câncer e podem ser modificados pela ação do homem. Entre esses fatores estão o uso de tabaco, agentes infecciosos, radiação, produtos químicos industriais, alimentos, nutrição, atividade física, composição corporal e riscos ocupacionais. 80% dos casos de câncer estão relacionados aos fatores de risco ambiental 3. Estima-se que, se a humanidade não alterar os hábitos de vida, em 2020, o número de casos novos chegará a 15 milhões, sendo que em 2002 eram 10 milhões, e o número de casos prevalentes crescerá em 50%, sendo que no ano de 2002 existiam aproximadamente 25 milhões de casos 4. No Brasil, para o ano de 2011, foram estimados 489.270 casos novos, sendo os cânceres mais incidentes os de pele (exceto melanoma), de próstata, de mama, de pulmão e de colo de útero 5. As projeções indicam que as taxas de câncer, em geral, tendem a aumentar se não houver modificações significativas no estilo de vida 3. Estudos e pesquisas no âmbito da alimentação revelam um conjunto de preocupações sobre o desenvolvimento da sociedade. O gosto pelos alimentos, como muitas outras preferências, não é natural, e sim aprendido. Nós não desejamos uma coisa porque ela é boa, ela é boa porque a desejamos 6. As razões pelas quais come o homem, o que come e por que gosta daquilo que come são tão complexas que se criaram ramos específicos da ciência para investigá-las. Entre elas, a ecologia explica a existência dos alimentos em determinado lugar; a antropologia analisa o comportamento humano em seu contexto social e econômico na escolha dos alimentos; e a nutrição Artigo de Pesquisa estuda as exigências nutricionais específicas para a sobrevivência humana 6. Dessa forma, nos cruzamentos dos diversos saberes, como biológico, nutricional, cultural, histórico, antropológico, social, político, econômico e tecnológico, o alimento constitui um fato social total. Ele representa as atitudes ligadas aos usos, costumes, protocolos, condutas e situações, em que os padrões de permanências e mudanças dos hábitos e práticas alimentares têm referências na própria dinâmica imposta pela sociedade. No câncer, os fatores dietéticos estão associados à prevenção ou à promoção 3,6,7. Diante do exposto anteriormente, questionamos se o cuidado com a alimentação está inserido no itinerário terapêutico da pessoa com diagnóstico de câncer em tratamento quimioterápico. Conhecer os cuidados à saúde adotados pelas pessoas com diagnóstico de câncer possibilita aos profissionais de enfermagem e aos demais profissionais da área da saúde o reconhecimento de estratégias de cuidados individuais e familiares adotadas, que podem ser incentivadas e acrescidas de informações profissionais para transformar tais práticas numa ação mais eficaz para a saúde. O reconhecimento de crenças, valores e hábitos de vida favorece o estabelecimento de um plano de cuidado mais eficaz e transformador da realidade de saúde e social, diminuindo as dificuldades para compreensão e adoção de novos hábitos de saúde. Assim, este estudo objetivou identificar se o cuidado com a alimentação está inserido no itinerário terapêutico da pessoa com diagnóstico de câncer durante o período do tratamento quimioterápico. REFERENCIAL TEÓRICO Para dar sustentação teórica ao desenvolvimento da pesquisa foram utilizados dois referenciais: a Teoria do Autocuidado, de Dorothéa Orem 8,9 (norteadora da sistematização dos cuidados de enfermagem no local de estudo ), e o Sistema de Cuidado à Saúde, do antropólogo Arthur Kleinman 10. A Teoria do Autocuidado aborda o autocuidado como necessidade universal dos seres humanos, ação deliberada que possui propósito, padrão e sequência nos objetivos almejados. Quando o indivíduo não consegue se autocuidar, a enfermagem assume tal ação e oferece condições para que este possa aprender as noções para o autocuidado 8,9. O Sistema de Cuidado à Saúde auxilia na compreensão dos cuidados adotados para a saúde, da influência cultural sobre esses cuidados e das interfaces sociais existentes em cada ser humano, interligando os fatores culturais, políticos, socioeconômicos e históricos de uma sociedade 10. p.464 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2011 jul/set; 19(3):463-7. Recebido em: 21/09/2010 Aprovado em: 06/05/2011

Esse sistema é formado por três subsistemas sobrepostos: setor familiar (basicamente determina os cuidados à saúde, o autotratamento definido pelo indivíduo e/ou pela família, sendo a primeira intervenção terapêutica em diversas culturas); setor profissional (constitui-se pela rede oficial de assistência à saúde); setor popular (formado pelos especialistas da cura, curandeiros, benzedeiras, rezadores, especialistas em ervas, profissionais não reconhecidos legalmente) 10. METODOLOGIA Pesquisa de abordagem qualitativa exploratóriodescritiva desenvolvida com pessoas com diagnóstico de câncer, atendidas numa instituição pública do Estado de Santa Catarina especializada no atendimento oncológico. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (parecer n o 034/2006, sob o registro 019/2006, de 20/10/2006) e seguiu os preceitos legais que orientam o desenvolvimento de pesquisas com seres humanos 11. A seleção dos sujeitos obedeceu aos seguintes critérios: homens ou mulheres em tratamento quimioterápico ambulatorial, sem dificuldade de comunicação verbal e que tivessem realizado pelo menos três ciclos de tratamento (por estarem mais familiarizados com as toxicidades e os efeitos adversos decorrentes do tratamento, com a convivência institucional e sem estar vivenciando o impacto inicial do diagnóstico e do início da terapêutica). O número dos sujeitos foi definido a partir da saturação dos dados. Como estratégia para localização dos sujeitos, foi adotada a verificação através do sistema de agendamento dos tratamentos quimioterápicos, sendo os critérios de inclusão confirmados com os profissionais de enfermagem, com os dados registrados nos prontuários e com os próprios sujeitos. As técnicas utilizadas para coleta de dados foram a entrevista semiestruturada, gravada e transcrita, e o uso de diário de campo. A questão central da entrevista enfocou os cuidados à saúde adotados a partir do diagnóstico de câncer durante o período de tratamento quimioterápico. O cenário do estudo foi a Central de Quimioterapia da instituição, que atende exclusivamente pessoas encaminhadas pelo Sistema Único de Saúde. Essa instituição realiza cerca de 4.900 atendimentos mensais, entre os quais 1.000 se referem a tratamento quimioterápico 12. Para garantir o anonimato dos sujeitos, foi adotada a codificação I, de itinerário, seguida por uma letra do alfabeto, ordenação sequencial alfabética, conforme seleção dos informantes. Para o desenvolvimento das entrevistas no consultório de enfermagem, foi aplicado inicialmente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A análise dos resultados seguiu o método de análise de conteúdo proposto por Bardin, que se constitui pela fase de pré-análise, codificação, categorização e inferência dos conteúdos das mensagens coletadas 13. O período de coleta dos dados ocorreu de outubro de 2006 a junho de 2007. RESULTADOS Os sujeitos foram sete homens e seis mulheres, com idades que oscilaram entre 28 e 71 anos, com escolaridade variando desde o nível fundamental até o nível superior e oriundos da Grande Florianópolis, Vale do Itajaí, Meio-Oeste e Sul do Estado de Santa Catarina. Foram identificados 12 cuidados à saúde no itinerário terapêutico da pessoa com diagnóstico de câncer em tratamento quimioterápico 12, entre os quais o cuidado com a alimentação foi o citado com maior frequência pelos sujeitos deste estudo. Mudanças ou inclusões de alimentos na dieta alimentar após o diagnóstico de câncer foram adotadas por 84,61% dos sujeitos entrevistados. As principais mudanças incluíram o aumento do consumo de frutas e verduras, a redução de gorduras no preparo dos alimentos e do consumo de carne vermelha. A principal influência para a mudança do hábito alimentar foram as crenças pessoais e familiares, acrescidas das orientações dos profissionais, principalmente enfermeiros e médicos. Optei por uma alimentação mais saudável: salada, frutas, legumes, sucos, deixando de lado as gorduras, a batata frita.[...]. Esta iniciativa foi pessoal e sem orientação específica, defini a partir do que conhecia e acreditava ser certo. (IA) A partir do diagnóstico da doença [...] resolvi cuidar da alimentação, comendo mais frutas e verduras, evito comer muita carne vermelha, dou preferência à carne branca. (IJ) [...] como bastante vitamina, espinafre, brócolos [...] sigo o que já sabia, o que a enfermeira orientou e o que está no manual de orientação que a enfermeira me deu. (IM) DISCUSSÃO A opção por alteração do hábito alimentar foi embasada pelos conhecimentos adquiridos ao longo da vida familiar e social dos sujeitos, de modo que, na vigência de um agravo à saúde, neste caso o câncer, as pessoas buscaram em seus próprios conhecimentos, crenças e valores uma alternativa para o auxílio à cura, para conquista de mais saúde e para o equilíbrio do corpo. Por outro lado, os profissionais da saúde, com os quais cada sujeito e sua família convivem durante o diagnóstico e tratamento do câncer, constituíram outra fonte de informações, conhecimentos e de incremento às crenças já existentes. Os profissionais possibilitaram a complementação científica, o incen- Recebido em: 21/09/2010 Aprovado em: 06/05/2011 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2011 jul/set; 19(3):463-7. p.465

Itinerário terapêutico: alimentação e câncer tivo, a qualificação da escolha de cuidado e a sua legalização, sendo os enfermeiros, neste estudo, os maiores influenciadores do subsistema profissional. A adoção de uma alimentação mais equilibrada e saudável evidenciou a prontidão para o autocuidado, reforçada pelo sistema de apoio e educação. Esse sistema foi oriundo principalmente da inter-relação com os profissionais enfermeiros, conforme dados coletados. As relações interpessoais, entre a pessoa doente, seus familiares e os profissionais de saúde, possibilitam que novos cuidados possam fazer parte do cotidiano da vida familiar, modificando, assim, ao longo do tempo, os constituintes dos sistemas de cuidados à saúde. O diagnóstico de câncer é marcado pela introdução de um plano de tratamento que pode incluir desde cirurgias, quimioterapia ou radioterapia até a combinação destas ou outras modalidades terapêuticas. Essas intervenções trazem na maioria das vezes efeitos adversos no estado nutricional da pessoa com diagnóstico de câncer. Instituições e diversos autores se empenham em evidenciar a importância da terapia nutricional antes, durante e após o tratamento do câncer. Ressaltam que as recomendações são bastante específicas, muitas vezes diferindo de informações nutricionais usuais 14,15. Estudos antropológicos confirmam que os cuidados oriundos do setor familiar se compõem através das relações sociais e são definidos pelas crenças e valores sobre a doença. Os cuidados adotados a partir da orientação do setor profissional se valorizam socialmente pela legalidade do conhecimento científico 10. Evidenciou-se neste estudo, como nos estudos de Kleiman 10, que o setor familiar é o maior influenciador, determinador e avaliador dos cuidados estabelecidos. Por esse motivo, deve merecer ênfase para os estudos de pesquisa e para definições das práticas de saúde, para que estas configurem alternativas que possam ser compreendidas e aceitas pela comunidade cuidada. As crenças culturais afirmam que, para enfrentar o adoecimento e para combater o inimigo, é necessária a adoção de um modo de vida adequado, natural, para que se possa isolar a doença 16. Além disso, a pessoa percebe frequentemente o ato alimentar como uma decisão interior, isto é, de sua exclusiva responsabilidade, não podendo culpar outros pela decisão que venha a tomar e consequentemente pelos efeitos dessa escolha 17. Então, a utilização de instrumentos e orientações planejadas previamente pelos profissionais, profissionais capacitados em oncologia, contribui para a aproximação entre quem aprende e quem ensina, o que também favorece as diversas formas de se realizar o cuidado, neste caso o cuidado para uma alimentação mais saudável 18,19. CONCLUSÃO Artigo de Pesquisa Neste estudo evidencia-se o valor dos cuidados familiares e dos profissionais no itinerário terapêutico da pessoa com diagnóstico de câncer, sendo que a lógica do ser busca a solução dos problemas. Assim, a prática do diálogo nas inter-relações, a observação e a educação para o autocuidado podem transformar o cuidado em práticas mais saudáveis. A alimentação significa, no vivenciar do câncer, um cuidado indispensável, diante da necessidade de mudanças que a própria doença traz na busca de mais saúde. Antes do adoecimento por câncer não se fazia urgente a adoção de dieta alimentar equilibrada, apesar do conhecimento prévio dessa necessidade. No entanto, diante do risco de vida, a mudança na alimentação parece ser um dos caminhos mais conscientes e racionais para a manutenção da vida. Reconhecendo os resultados deste estudo e refletindo sobre o significado da alimentação nos rituais sociais e sobre as limitações dos atendimentos de saúde no Sistema Único de Saúde, é imprescindível que a enfermagem e a nutrição, bem como o sistema de saúde como um todo, estejam preparadas para ouvir e entender as crenças alimentares, na prevenção e no combate ao câncer. Pautados na importância da nutrição e dos hábitos alimentares, dentro da escolha de um novo estilo de vida, é urgente que sejam traçadas metas de cuidado em saúde, de orientação e de acompanhamento das pessoas com diagnóstico de câncer, bem como para a prevenção do câncer reincidente, a fim de que elas possam incorporar hábitos alimentares mais saudáveis e mais adequados às realidades sociais. Também é indispensável a adoção de políticas de saúde e de educação voltadas para a alimentação saudável, contribuindo consequentemente para a diminuição dos casos de câncer, além de outras doenças crônicas. A prevenção do câncer no mundo é um dos desafios mais urgentes enfrentados por cientistas e por gestores de saúde pública, entre outros. Concluíu-se que os profissionais da área da saúde devem adotar e orientar a alimentação saudável como hábito crucial se quiserem viver com mais saúde, com qualidade de vida e se desejarem ser atores transformadores da realidade social e de saúde. REFERÊNCIAS 1.Geertz C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1989. 2.Scholze AS, Silva YF. Riscos potenciais à Saúde em itinerários de cura e cuidado. Cogitare Enferm. [site de internet] 2005 [citado em 16 jul 2006]. 10: 9-16. Disponível em: http:/ /ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/cogitare/article/view/5008/ 3786. p.466 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2011 jul/set; 19(3):463-7. Recebido em: 21/09/2010 Aprovado em: 06/05/2011

3.World Cancer Research Fund. Food, nutrition and the prevention of cancer: a global perspective. 2 a ed. Washington (EUA): American Institute for Cancer Research; 2007. 4.Ministério da Saúde (Br). Coordenação de Prevenção e Vigilância. A situação do câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2006. 5.Ministério da Saúde (Br). Secretaria de Atenção à Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Coordenação de Prevenção e Vigilância de Câncer. Estimativa 2010: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2009. 6.Ornellas LH. A alimentação através dos tempos. 3 a ed. Florianópolis (SC): Editora da UFSC; 2003. 7.Bingham S. Nutrição e câncer: avaliando a dieta em estudos de longa duração. Rev Nutrição em Pauta. 2005; 73:12-6. 8.Orem DE. Nursing concepts of practice. 2 a ed. New York (EUA): Mc Graw-Hill Book Company; 1980. 9.Orem DE. Nursing concepts of practice. 3 a ed. New York (EUA): Mc Graw-Hill Book Company; 1985. 10. Kleinman A. Patients and healears in the context of culture: an exploration of the borderland between anthoropology, medicine, and psychiatry. Berkeley (EUA): University of California; 1980. 11. Ministério da Saúde (Br). Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196 de 10 de outubro de 1996. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas com seres humanos. Brasília (DF): Conselho Nacional de Saúde; 1996. 12.Rosa LM. O cuidado de enfermagem no itinerário terapêutico das pessoas com diagnóstico de câncer [dissertação de mestrado]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 2007. 13.Bardin L. Análise de conteúdo. Tradução de Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro, Lisboa (Po): Edições 70; 2006. 14. Souza TT. Terapia nutricional específica no tratamento oncológico-como facilitar a alimentação destes pacientes? Rev Nutrição em Pauta. 2007; 82:23-6. 15. Gonçalves MCD. Repercussão da terapia nutricional em quimioterapia e radioterapia. In: Waitzberg DL, organizador. Dieta, nutrição e câncer. São Paulo: Editora Atheneu; 2006. p. 450-60. 16. Gazzinelli MF, Gazzinelli A, Reis DC, Penna CMM. Educação em saúde: conhecimentos, representações sociais e experiências da doença. Cad Saúde Pública. 2005; 21: 200-6. 17.Radünz V. Uma filosofia para enfermeiros: o cuidar de si, a convivência com a finitude e a evitabilidade do burnout. Florianópolis (SC): Editora da UFSC; 2001. 18.Rosa LM, Mercês NNA, Santos VEP, Radünz V. As faces do conforto: visão de enfermeiras e pacientes com câncer. Rev enferm UERJ. 2008; 16:410-4. 19. Gonçalves LLC, Lima AV, Brito ES, Oliveira MM, Oliveira LAR, Abud ACF et al. Mulheres com câncer de mama: ações de autocuidado durante a quimioterapia. Rev enferm UERJ. 2009; 17: 575-80. Recebido em: 21/09/2010 Aprovado em: 06/05/2011 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2011 jul/set; 19(3):463-7. p.467