FACULDADE PITÁGORAS DISCIPLINA: HOMEM, CULTURA E SOCIEDADE



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Transcrição:

FACULDADE PITÁGORAS DISCIPLINA: HOMEM, CULTURA E SOCIEDADE Prof. Ms. Carlos José Giudice dos Santos cpgcarlos@yahoo.com.br www.oficinadapesquisa.com.br

Objetivo: Ao final desta unidade, o aluno deverá ser capaz de: Conhecer um pouco da cultura do povo brasileiro a partir de nossa origem indígena;

TEXTO BASE O texto atual é um resumo comentado do documentário Matriz Tupi, baseado no livro cuja referência é mostrada abaixo: RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Disponível em: <http://www.iphi.org.br/sites/filosofia_brasil/darcy_ Ribeiro_-_O_povo_Brasileiro-_a_forma_e_o_sentido_do_ Brasil.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2013. É importante ressaltar que este texto jamais substituirá o texto original. Darcy Ribeiro foi um dos maiores antropólogos brasileiros. Sua obra é leitura obrigatória para aqueles que querem saber mais sobre a origem de nosso povo.

Darcy Ribeiro chama a atenção para o fato de que não sabemos como será o mundo daqui a cinquenta anos. Então, ele ressalta que, o mais importante é nós [...] inventarmos o Brasil que nós queremos. Somos um povo sincrético, fruto da fusão de europeus portugueses com índios silvícolas e negros africanos. Apesar destas diferentes matrizes, nos comportamos como um povo único, sem nenhum apego ao passado. Darcy Ribeiro ressalta mais uma vez: Estamos abertos é para o futuro!. O Brasil nasce como uma utopia, uma terra sem males, a morada de Deus. Existem documentos datados do ano 1000 que falam de uma ilha chamada Brasil. Isto significa que o nome Brasil não vem do Pau-Brasil. Isto aqui era a Ilha Brasil.

Darcy Ribeiro diz que muitos navegantes já sabiam da existência da Ilha Brasil, mas que um belo dia, em 1500, os portugueses se acharam no direito de descobrir oficialmente o Brasil, com um escrivão de cartório para poder atestar o fato. Entretanto, o fato real é que o Brasil já existia, biotericamente, biologicamente e humanamente, a partir de uma nação indígena. Um povo bonito, que agradecia por um luar de sertão bonito, que gozava a vida, que vivia a vida. Para esse povo, a finalidade da vida era viver. Os vários brasis eram representados por numerosos povos indígenas, separados por suas línguas e costumes (cultura). Em 1500, estes povos totalizavam algo entre um a oito milhões de habitantes.

Aziz Ab Saber declara que um dia vieram os tupis-guaranis, que a partir do noroeste da Amazônia, colonizaram praticamente todo o país, expulsando ou escravizando os antigos povos indígenas que aqui viviam. Esta foi a situação encontrada pelos portugueses em 1500. Darcy Ribeiro afirma que esses povos viviam aqui há, pelo menos, dez mil anos. Conheciam a natureza em detalhes. Comungavam com a natureza. Sabiam para que servia diversas plantas e bichinhos. Retiraram da natureza dezenas de plantas selvagens e a domesticaram, criando sua própria agricultura. Não eram uma só nação. Viviam em aldeias, que eram unidades sociais distintas e autossuficientes. Cada cultura indígena tem esta característica: a autossuficiência.

Washington Novaes afirma que um índio, na força de sua cultura, ele se basta a si mesmo, ele é autossuficiente, ele sabe fazer tudo o que ele vai precisar ao longo de sua vida. Sabe fazer a sua casa, sabe fazer a sua roça, plantar e colher, sabe fazer os seus instrumentos de trabalho, seu arco, sua flecha, sua canoa. Sabe fazer esteira, sabe fazer rede, e sabe identificar as espécies do seu ambiente que servem como alimento ou como medicamento. As nações dos índios Tupinambás, que entraram em contato direto com os portugueses, eram índios que se dedicavam principalmente às festas e à guerra. Aziz Ab Saber afirma que a função social da guerra era a ocupação do espaço, e que em todos os lugares por onde os tupisguaranis passaram, deixaram nomes para todos os acidentes geográficos (trechos de matas, rios, faces de escarpas, etc).

Desse modo, quando os portugueses aqui chegaram, já encontraram um país cheio de referências dadas pelos nossos índios. Os índios acreditavam em vida após a morte, dentro da sua cultura. Washington Novaes declara que para o índio, não existe muita diferença entre a realidade acordada e a realidade dos sonhos. Para os índios, há espíritos em todos os lugares e situações: nas árvores, nos bichos, no plantio, na colheita, nas doenças, nas festas. Uma aldeia Tupinambá típica é formada por 3 ou 4 malocas, às vezes com mais de cem metros de comprimento. Em cada maloca podem chegar a morar mais de 600 índios. Por dentro a casa é um labirinto com as mais diversas atividades. Mas apesar dessa proximidade, não há uma só peleja durante todo o ano, e por ser tudo aberto, também não há furtos.

A aprendizagem da convivência e da sobrevivência era feita a partir do exemplo dos mas velhos. A liberdade sexual era grande. É certo que o adultério feminino podia acabar em espancamento, mas o fim do casamento, por iniciativa do homem ou da mulher, era simples e sumário. A homossexualidade era comum, sem a preocupação em se fazer dela um segredo. A divisão de tarefas entre homens e mulheres era nítida e marcada desde a primeira infância. Quando a criança é um menino, o orgulho do pai é colocar, na beira da rede do filho, um arco e flecha em miniatura, para mostrar que ele vai ser um guerreiro, um caçador. Para a menina, põe-se uma tanguinha, bonitinha, pequenininha, que é para induzir na menina a ser uma tecelã, uma mulher trabalhadora.

As mulheres cuidavam da roça, do preparo da comida e do cauim, o vinho que animava as festas rituais da tribo tupi. Aos homens cabia a fabricação de arcos, flechas, bordunas e canoas. Entre os indígenas, não há uma delimitação clara entre trabalho e arte. Darcy Ribeiro declara que os índios são perfeccionistas em tudo que fazem, pois cada coisa que eles fazem são um retrato daquilo que são. Ele ainda afirma que poucas coisas são mais resistentes do que uma etnia: Mais do que aço, do que qualquer bobagem material. É duro! Uma etnia dura. Se o pai pode criar os filhos, se o filho se cria na língua dos pais, ele permanece sendo ele, ele. É assim, com ciganos e judeus [...] por um identificação íntima, secreta, um judeu sabe que é um judeu. E é por esta mesma convicção, que um índio sabe que é um índio.

A poesia, a música, a dança e o vinho permeavam toda a vida social dos Tupinambás, mas a mais honrada das atividades era a guerra. Entre eles, a convivência era pacífica e amigável, mas com os inimigos eles eram implacáveis. Havia uma ética na guerra. Se um inimigo caia na mão de alguém, aquele que o aprisionava batia em seu ombro e dizia: Faço-te meu escravo!. Fugir, nem pensar. O prisioneiro tupinambá está preparado pra ser devorado fisicamente, mas não moralmente, pelo estigma da covardia. Suas técnicas bélicas surpreendem até hoje. A habilidade dos guerreiros lhes permitiam flechar o olho de um pássaro em pleno voo. Havia uma estética na guerra. Passavam, às vezes, todo um dia se exibindo para os inimigos, para mais tarde cairem em um corpo a corpo feroz.

No mar se fazia guerra também. As flotilhas tupis eram compostas de cem ou cento e vinte canoas. Em poucos dias era possível ir de Bertioga até a Baía da Guanabara. Os prisioneiros que os tupinambás faziam em suas guerras eram sacrificados e comidos. Era o momento máximo da vida da aldeia, a sua grande festa. O prisioneiro é levado à aldeia de seu amo. As mulheres e crianças são os que primeiro gritam, saltam, dançam e batem. Cobrem o seu corpo de cinzas, raspam suas sobrancelhas. Prendem-no e dão-lhe uma índia para seus serviços, inclusive sexuais. Tudo pronto, é marcado o dia da festa. Os índios levam consigo o prisioneiro, de sorte que bebam e se divirtam juntos. No dia seguinte, antes do amanhecer, já estão todos de pé, cantando e dançando em volta da ibirapema, o tacape executor.

O prisioneiro está com a muçurana, uma grossa corda amarrada sobre todo o corpo. A seguir, toma o tacape aquele que vai executar a vítima e diz: Quero matar-te, pois tua gente também matou e comeu muito dos meus amigos. Responde o prisioneiro: Quando estiver morto, terei ainda muitos amigos que saberão vingar-me!. Depois, golpeiam o prisioneiro na nuca, de modo que lhes saltam os miolos, e imediatamente, as mulheres levam o morto para o fogo. Raspam-lhe a pele e tapam-lhe o ânus com um pau. A esposa provisória do prisioneiro chora um choro ritual. O corpo é cortado em pedaços e assado. As vísceras são dadas às mulheres que as fervem e preparam uma papa, que chamam mingau. Quando toda a carne é repartida, voltam para casa, levando cada um o seu quinhão.

O matador se recolhe em sua rede, durante dias. Sem participar do banquete, vai ele digerir o ato da morte. As coisas do mundo retomam seus lugares. Darcy Ribeiro estudou os índios Caapós. Eles se chamam a si mesmos de Caapós. Caa é mata e pós é morador. Eles se consideram como moradores das florestas e são os índios mais parecidos com os tupinambás da época dos portugueses. Ele queria estudar o povo de quem nós herdamos a forma de sobreviver nos trópicos. Washington Novaes declara que os índios brasileiros possuem muitas diferenças de línguas e costumes, mas que também possuem muita coisa em comum. Cada um tem a sua roça, cada um tem a sua casa, mas ninguém é dono da terra. A terra é um bem comum de cada aldeia.

Em um grupo indígena, tudo que um índio sabe, a tribo inteira também pode saber. Ninguém se apropria da informação para transformá-la em poder político ou econômico para dominar outras pessoas ou pra ganhar dinheiro. Em um grupo indígena, o chefe é o representante da tradição, da experiência, da cultura daquele povo, o grande mediador. O chefe não dá ordens a ninguém. Um chefe índio não dá ordens. Um índio iria achar muito engraçado se alguém desse ordens a ele. Darcy Ribeiro viveu durante meses com os Caapós. Ele conheceu Anacampoku, descrito como o homem mais sábio que ele já tinha conhecido. Este índio foi capaz de ditar toda a sua árvore genealógica, com um total de mil e cem nomes. Para estes índios, é muito importante a sua herança genética, e é por isso que eles guardam estes nomes que compõem a sua genealogia.

Herdamos dos índios um vasto e complexo arsenal de técnicas para se deslocar neste imenso território. Herdamos centenas de frutos, árvores, ervas, seu trato e seu uso. Herdamos o hábito do banho diário. Mas a herança nobre e profunda que os índios nos legaram é o testemunho de que é possível um povo viver magnificamente integrado à natureza, numa trama secreta de coexistência pacífica e amistosa. Washington Novaes nos dá uma importante declaração: Um índio, desde que nasce, ele aprende a se relacionar com tudo de formas bonitas. Tudo tem rituais. O índio festeja o plantio, festeja a colheita, festeja o nascimento e a morte, ele não festeja mas cultua a morte. O índio se enfeita muito. O índio canta muito. O índio dança muito. O índio brinca muito. O índio ri muito. Eu acho que é muito difícil para a nossa cultura suportar tanta beleza!.

Um trecho do livro nos mostra a maravilhosa e inocente visão dos índios sobre a vida: Para os índios que ali estavam, nus na praia, o mundo era um luxo de se viver, tão rico de aves, de peixes, de raízes, de frutos, de flores, de sementes, que podia dar as alegrias de caçar, de pescar, de plantar e colher a quanta gente aqui viesse ter. Na sua concepção sábia e singela, a vida era dádiva de deuses bons, que lhes doaram esplêndidos corpos, bons de andar, de correr, de nadar, de dançar, de lutar. Olhos bons de ver todas as cores, suas luzes e suas sombras. Ouvidos capazes da alegria de ouvir vozes estridentes ou melódicas, cantos graves e agudos e toda a sorte de sons que há. Narizes competentíssimos para fungar e cheirar catingas e odores. Bocas magníficas de degustar comidas doces e amargas, salgadas e azedas, tirando de cada qual o gozo que podia dar. E, sobretudo, sexos opostos e complementares, feitos para as alegrias do amor. Os recém chegados eram gente prática, experimentada, sofrida, ciente de suas culpas oriundas do pecado de Adão, predispostos à virtude, com clara noção dos horrores do pecado e da perdição eterna. Os índios nada sabiam disso. Eram, a seu modo, inocentes, confiantes, sem qualquer concepção vicária, mas com claro sentimento de honra, glória e generosidade, e capacitados, como gente alguma jamais o foi, para a convivência solidária.