DISCURSO PROFERIDO PELO DEPUTADO GERALDO RESENDE (PPS/MS), NA SESSÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, EM 17/03/2005 Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados, Acho de suma importância, Senhor Presidente, fazer um relato preocupante. A construção de estradas, causa e conseqüência da aproximação dos povos, hidrelétricas e a expansão da agropecuária extensiva impulsionam o desmatamento, as queimadas e migrações, e tudo isso contribui para aumentar a ocorrência de doenças. Essa tendência tem sido observada com relação a dezenas de doenças como a gripe, tuberculose e tantas outras doenças infecciosas, inclusive a malária, mas poderia ser ainda mais grave no caso da bartonelose, dada a falta de experiência com a doença no Brasil. Trata-se de uma doença praticamente desconhecida dos profissionais de saúde brasileiros e que está se aproximando de nossa fronteira, e seu impacto pode ser agravado pelo modelo de desenvolvimento adotado na Amazônia.
A bartonelose, originária dos Andes, causada pela bactéria Bartonella Bacilliformis é transmitida pelos mesmos mosquitos vetores da leishmaniose. Estudos na África e na Amazônia já mostraram que o maior dano à saúde das pessoas e aos ecossistemas acontece ao longo das estradas, principalmente daquelas recentemente asfaltadas. É uma doença comum nos vales interandinos peruanos e que infelizmente se aproxima furtivamente do Brasil. Na última década a bactéria atingiu áreas mais extensas do Peru, incluindo altitudes mais baixas. Em 2003, chegou ao Departamento de Loreto (fronteira com o estado do Amazonas) e, em 2004, infectou 19 pessoas em Madre de Diós, que faz fronteira com o Acre e a Bolívia. Existe o perigo de que, caso a bartonelose entre na Amazônia brasileira, sua disseminação seja acelerada pela falta de treinamento específico dos profissionais de saúde do país. Os sintomas da bartonelose, também conhecida como doença de Carrión, aparecem após um período médio de incubação de 61 dias. O doente com bartonelose apresenta inicialmente sintomas inespecíficos como mal-estar geral, sensação febril com calafrios leves e dores nos músculos, articulações e cabeça, podendo chegar a náuseas e vômitos. Em sua fase mais avançada, a doença
causa fraqueza, febres e calafrios, e as vezes é confundida com a malária. O diagnóstico clínico diferencial se faz pela intensa palidez, resultante de forte anemia. O doente pode ainda apresentar a chamada bartonelose verrucosa, que se assemelha a tumores de pele, à leishmaniose tegumentar americana ou a algumas formas de hanseníase (lepra). No Peru, onde é mais comum, entre 1% e 17% dos pacientes morrem, dependendo do grau de pobreza local. Estudiosos da Universidade Federal do Acre e sanitaristas atentos da região do Acre, Rondônia e do Amazonas, alertam para a possibilidade de surtos iminentes de bartonelose, uma vez que hoje, a Amazônia sul-ocidental está sujeita a alterações socioambientais sem precedentes: três novos eixos de rodovias a serem asfaltadas vão se somar a três usinas hidrelétricas (propiciando 4 mil km de hidrovias) e à expansão da agropecuária extensiva - um futuro pólo de produção e transporte de matérias-primas -, transformando uma região historicamente isolada em um corredor que ligará o centro-sul brasileiro ao oceano Pacífico. Mais de 20 milhões de pessoas, que vivem num raio de 1.000 km do Acre, devem ser afetadas pelas mudanças ambientais e migrações causadas por esses megaprojetos.
A bartonelose também mudou de comportamento na última década, segundo informe recente das autoridades sanitárias peruanas. No Equador tem-se encontrado casos procedentes da zona costeira, a oeste dos Andes e a apenas 150 metros acima do nível do mar. No Peru, há evidências laboratoriais de comunidades nativas da floresta amazônica infectadas a leste dos Andes, também a apenas 120 metros de altitude. A Amazônia sul-ocidental brasileira reúne muitas das condições necessárias para que a bartonelose passe a engrossar a lista das enfermidades endêmicas na região, incluindo o mosquito vetor. Esses insetos são os mesmos que transmitem de 26 mil a 38 mil casos de leishmaniose tegumentar por ano. Os mosquitos podem mudar de hábitat e, provavelmente, passar a transmitir mais de um microrganismo - e mais de uma doença. Já estão sendo observadas mudanças ambientais e fluxos migratórios crescentes na região, e o que é mais grave, Senhor Presidente: os profissionais de saúde do Brasil não estão treinados para fazer frente à bartonelose. Para evitar e combater as doenças, principalmente aquelas intensificadas pela degradação do ambiente e pelas migrações associadas, seria preciso usar as ferramentas mais
modernas disponíveis, como a modelagem de sistemas complexos e o desenvolvimento de sistemas de alerta precoce. Quero informar, que diante desses fatos que não deixam de ser alarmantes, pois indicam a aproximação de uma grave enfermidade que poderá afetar nosso território, estou solicitando ao Ministério da Saúde informações sobre o treinamento e capacitação de pessoal, sobretudo nas regiões de fronteira onde o risco de infecção é maior. E também sobre as medidas que estão sendo tomadas para evitar, na medida do possível, não que a bartonelose chegue ao Brasil, pois parece que isso é inevitável, dada a nova realidade de aproximação dos povos, da construção de estradas e do crescente fluxo migratório. Mas sobretudo para minimizar os danos, os riscos para a população, bem como a capacitação de agentes, a aquisição de medicamentos e o combate aos vetores, para fazer face a esse novo risco para a saúde dos brasileiros. Sala das Sessões, em de março de 2005. DEPUTADO GERALDO RESENDE PPS/MS