Estudo do tema equilíbrio químico nos livros aprovados pelo PNLEM a partir da análise seqüencial *Keila Bossolani Kiill 1 (PG), Gustavo Bizarria Gibin 1 (PG), Luiz Henrique Ferreira 1 (PQ) 1 Departamento de Química da UFSCar, São Carlos, SP, Brasil. Email: kbossolani@yahoo.com.br Palavras Chave: livro didático, seqüência didática, equilíbrio químico. RESUMO: ESTE ESTUDO APRESENTA UMA ANÁLISE DAS SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS REFERENTE AO CONTEÚDO DE EQUILÍBRIO QUÍMICO NOS SEIS LIVROS APROVADOS NO PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO PARA O ENSINO MÉDIO (PNLEM). A COLETA DE DADOS FOI REALIZADA POR MEIO DE UMA ANÁLISE EM ESQUEMA DE DUPLO-CEGO PELOS PESQUISADORES, SEGUIDA DE ANÁLISE CONJUNTA. O OBJETIVO DO TRABALHO É RECONHECER NA ESTRUTURA DO TEXTO, POR MEIO DA ANÁLISE DAS SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS, AS CONCEPÇÕES EPISTEMOLÓGICAS DOS AUTORES E AS TENDÊNCIAS METODOLÓGICAS DAS OBRAS. A ANÁLISE DOS DADOS REVELA QUE OS LIVROS: QUÍMICA NA ABORDAGEM DO COTIDIANO, QUÍMICA (RICARDO FELTRE ), UNIVERSO DA QUÍMICA E QUÍMICA (NÓBREGA) APRESENTAM TEXTOS MAIS TRADICIONAIS, EQUANTO QUE QUÍMICA (MORTIMER) E QUÍMICA E SOCIEDADE SÃO TEXTOS APRESENTAM TENDÊNCIAS METODOLÓGICAS MAIS MODERNAS POR CONSIDERAREM O ALUNO NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO SEU CONHECIMENTO. INTRODUÇÃO Os livros didáticos tem sido objeto de diversas pesquisas, principalmente no que concerne à discussão de seu conteúdo. O mesmo acontece para a área de Ensino de Química, onde diferentes trabalhos (Pascual, 2005; Mortimer 1988) revelam a presença de erros conceituais e falhas na estrutura metodológica de algumas obras, tornando-as ineficazes para a instrumentação conceitual de professores e alunos. Com base nas premissas de Freitag (1993), o livro texto não exerce o papel de auxiliar no processo de ensino, e sim, muitas vezes, é a autoridade absoluta, tornando o seu conteúdo representativo daquilo que, pelos professores, é ministrado em sala de aula. O livro didático é entendido aqui como um texto elaborado com a finalidade de organizar didaticamente o conhecimento para fins escolares e/ou com o propósito de formação de valores, com as funções de referencial curricular, de instrumentalização de métodos de aprendizagem, ideológica e cultural e, mais restritamente, documental (Abreu, 2005). Neste sentido, o livro é apresentado como guia curricular que visa apresentar uma seleção de saberes e uma forma de organização, revelando tendências epistemológicas. O conceito de equilíbrio químico tem sido apontado por muitos autores e professores como um conceito problemático para o ensino e a aprendizagem (Machado, 1996; Quílez, 2004). Uma das características do equilíbrio químico, a sua natureza dinâmica, cria certas dificuldades para os alunos já que eles encontram o termo equilíbrio em outros contextos. Por exemplo, o
equilíbrio em física significa paragem e em química está associado à idéia de movimento (Pereira, 1989). O estado de equilíbrio químico está algumas vezes relacionado à ausência de alterações no sistema, o que inclui a concepção de que a reação não acontece mais. Diante deste fato, os alunos tendem a conceber o equilíbrio químico como um estado em que nada mais ocorre, ficando a concepção de equilíbrio limitada ao equilíbrio estático. A aprendizagem do conceito de equilíbrio químico, devido à sua complexidade, tem sido objeto de inúmeras investigações. Algumas destas pesquisas têm se proposto a conhecer se os estudantes apresentam erros conceituais (Wheeler, 1974; Johnstone et al., 1977; Furió, 1983; Hackling, 1985; Gorodetsky, 1986). Outros têm se preocupado em buscar explicações para esses erros (Banerjee, 1991; Garnet et al., 1995; Quílez, 1995; Van Driel et al., 1998; Furió et al, 2000). Existem trabalhos que atribuem à falta de compreensão do conceito de equilíbrio químico à superposição dos níveis de representação macroscópica e sub-microscópica. Entretanto, o conceito em questão apresenta uma grande riqueza e potencial, uma vez que articula outros conceitos, tais como reação química, cinética, reversibilidade das reações, etc. Em geral a abordagem encontrada nos livros didáticos tende a enfatizar aspectos quantitativos (matemáticos) relacionados ao conceito, em detrimento a uma abordagem qualitativa. Ou seja, percebe-se que ao final do estudo muitos alunos têm mais habilidade em calcular constantes de equilíbrio a partir das concentrações de reagentes e produtos do que de compreenderem o que ocorre em um sistema no estado de equilíbrio no nível atômico-molecular. A influência do livro didático no ensino de Química deverá se tornar ainda maior a partir de 2008, quando as escolas públicas receberão, pela primeira vez, exemplares para todos os alunos, integrando assim ao Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM). Ao longo do tempo, os livros textos têm sua forma e estrutura modificadas mediante necessidades inerentes aos processos de desenvolvimento científico-tecnológicos. Portanto, uma análise rigorosa das obras é uma tarefa imprescindível para a tomada de decisão que conduza a sua escolha (seleção). Nesta perspectiva, este trabalho tem como objetivo analisar as seqüências didáticas (seqüências de parágrafos) a fim de reconhecer, na organização seqüencial dos autores, as tendências epistemológicas dos livros didáticos em geral e de cada obra individualmente.
METODOLOGIA Para a pesquisa foram selecionados os seis livros didáticos de Ensino Médio aprovados pelo PNLEM-2007 e analisados os capítulos referentes ao conceito de equilíbrio químico. O tema equilíbrio químico foi escolhido por ser um conteúdo de difícil compreensão pelos alunos. Na tabela 1 estão elencados os livros didáticos utilizados para o desenvolvimento do trabalho. Tabela 1: Lista de livros aprovados pelo PNLEM e utilizados neste trabalho. Obra Editora Volume Autor (A) Química na Abordagem do Cotidiano Moderna 1, 2 e 3 Ano/ Edição Eduardo L. Canto e Francisco M Peruzzo 2005/3ª (B) Química Moderna 1, 2 e 3 Ricardo Feltre (C) Universo da Química FTD Único José Carlos de Azambuja Bianchi, Carlos Henrique Abrecht e Daltamir Justino Maia 2005/6ª 2005/1ª (D) Química Ática Único (E) Química Scipione Único Olímpio S. Nóbrega, Eduardo R. Silva e Ruth H. Silva Eduardo Fleury Mortimer e Andréa Horta Machado 2005/1ª 2005/1ª (F) Química e Sociedade Editora Nova Geração Único Wildson L. P. Santos e Gerson S. Mól (coords.) 2005/1ª Para a análise da seqüência didática, o texto foi fragmentado em unidades e estas classificadas de acordo com a taxonomia de Perales e Jimenez (2001). A metodologia utilizada nesta etapa da pesquisa foi o esquema de duplo-cego, onde cada autor, individualmente, realizou a classificação e posteriormente os mesmos discutiram os resultados individuais. Exemplos desta categorização estão contidos na tabela 2.
Tabela 2: Categorias utilizadas na classificação da função das unidades didáticas. Categoria Descrição Evocação Definição Aplicação Descrição Interpretação Problematização O texto faz referência a um fato cotidiano ou a um conceito que se supõe conhecido pelo aluno. Ex.: Você já estudou a dissolução de um sólido em um líquido e a evaporação de um líquido. (Livro D) É estabelecido o significado de um termo novo. Ex: Estado de equilíbrio: situação de um sistema caracterizada pela constância das propriedades macroscópicas e processos microscópicos ocorrendo à mesma velocidade. (Livro D) É um exemplo que estende ou consolida uma definição. Ex.: Um exemplo dessas variações de equilíbrio pode ser dado por um sistema de vasos comunicantes contendo água. (Livro B) O texto faz referência a um fato com objetivo de criar um contexto necessário para discutir determinado conceito. Ex.: Os químicos encontraram uma maneira esquemática para representar as reações: a equação química. (Livro C) O texto usa os conceitos teóricos para explicar os eventos experimentais. Ex.: Ao adicionarmos ácido ao sistema de cor amarela, conseguíamos obter um aumento da concentração do dicromato, fazendo com que a cor da solução ficasse laranja. Ou seja, aumentando a concentração de H +, o sistema reagiu no sentido de neutralizar essa alteração, consumindo o H + adicionado e produzindo o dicromato, de cor laranja. (Livro E) O texto lança questões que não podem ser resolvidas utilizando os conceitos já discutidos. Ex.: Por que bebemos soluções de alguns ácidos (ácido acético e ácido cítrico) e outros são tão corrosivos (ácido sulfúrico e ácido clorídrico) que não podem ser ingeridos? (Livro F) RESULTADOS A análise dos livros didáticos aprovados pelo PNLEM nos revelou algumas diferenças entre os diversos textos com relação às seqüências didáticas. A tabela 3 mostra os resultados de um total de 1372 unidades de seqüência de didáticas (USD) categorizadas e nela observa-se um predomínio da função descrição (39%), seguida de definição (19%) e interpretação (16%). Essa tendência apresentada pelos dados avaliados acima é própria de um texto mais autoritário e que não permite a participação dos alunos, apresentando os conceitos como verdades indiscutíveis.
Portanto, pode-se concluir que dentre as seqüências didáticas analisadas, a maioria das seqüências estão contidas no conjunto descrição, sendo também esta a categoria a qual pertencem grande parte das unidades didáticas. Por outro lado, uma organização didática que busca privilegiar o papel do aluno na recontextualização do conhecimento deveria privilegiar seqüências didáticas de natureza problematizadoras, evocativas e aplicativas, o que para os livros analisados não ocorre, pois estas categorias aparecem com as menores freqüências. Tabela 3: Distribuição de freqüência para as funções. USD Total Porcentagem* Evocação 166 12,10 Definição 264 19,24 Aplicação 134 9,77 Descrição 532 38,78 Interpretação 224 16,33 Problematização 52 3,79 Total 1372 100,00 * Valores aproximados Quando as obras são analisadas individualmente, observa-se que, ao contrário da tendência observada pelo conjunto de obras, é possível distinguir claramente a tendência epistemológica por autor. A figura 1 revela as freqüências relativas das funções para os livros didáticos em análise e na tabela 4 são apresentados os valores absolutos destas funções para cada unidade. Nas obras A e B o conteúdo de equilíbrio químico é discutido em três capítulos, enquanto que D em dois e nos outros textos em apenas um. Tabela 4: Valores Absolutos das funções para cada livro didático. USD A B C D E F Evocação 50 46 18 8 10 34 Definição 56 78 34 40 17 39 Aplicação 14 53 23 10 12 22 Descrição 172 109 80 55 36 80 Interpretação 60 60 19 28 19 38 Problematização 6 3 1 1 14 27
Figura 1: Distribuição de freqüências das unidades didáticas para os livros aprovados no PNLEM
Observando a distribuição das funções de cada livro texto na figura, é possível perceber que, em geral, a maioria dos eventos concentra-se na categoria descrição em cada obra, entretanto, é na obra A que o número de seqüências descritivas é maior, seguida de B. Contudo em relação à definição de conceitos, deve-se destacar o livro B como aquele que mais privilegia esta categoria. Ao comparar as obras A e B, nota-se que ambas apresentam uma quantidade considerável de interpretações em seus textos, porém com reduzido número de problematizações, o que nos leva a pensar em uma organização textual mais tradicionalista, ficando o leitor aquém das interpretações dos fatos. Nos livros didáticos E e F, a categoria problematização é bastante explorada se comparada com as outras obras, além de revelar uma distribuição mais homogênea para as funções na organização do texto. A função aplicação é mais encontrada no livro B, o que é coerente com o fato de que é esta a unidade que mais utiliza as seqüências didáticas para definir conceitos, uma vez que é classificada como aplicação aquela seqüência que exemplifica ou estende uma definição. CONCLUSÃO Por fim, considerando um livro didático como um documento que relata fatos (contém informações), propõe questionamentos, interpreta fenômenos, define conceitos e assumindo que a sua organização seqüencial revela as opções epistemológicas das obras, A, B, C e D são livros que resistem as mudanças metodológicas. Estes livros textos adotam seqüências de ensino mais tradicionalistas e caracterizam-se por um elevado número de descrições, definições e aplicações, enquanto que os outros dois livros (E e F) nos dão indícios de mudanças e mostram-se mais flexíveis e adeptos as novas tendências educacionais, descrevendo situações, definindo conceitos e exemplificando-os, mas, sobretudo, inserindo problemas e evocando situações reflexivas. REFERÊNCIAS Abreu, R. G.; Gomes, M. M.; Lopes, A. C. Contextualização e tecnologias em livros didáticos de biologia e química. Disponível em < http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/revista.htm> Acesso em: 02 de abril de 2008. Banerjee, A. C. Misconceptions of students and teachers in the chemical equilibrium. International Journal of Science Education, 13, 4, 487-494, 1991. Brasil. Ministério da Educação e do Desporto. Edital de convocação para inscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas a serem incluídas no catálogo do programa nacional do livro para o ensino médio- PNLEM/2007. Brasília: MEC/SEF, 2005.. Ministério da educação e do Desporto. Química: catálogo do Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio: PNLEM/2008. Brasília: MEC/SEF, 2006.
Driel, J. H. V. et al. Developing secondary students conceptions of chemical reactions: the introduction of chemical equilibrium. International Journal of Science Education, 20, 4, 379-392, 1998. Freitag, B.; Costa, W. F.; Motta, V. R. O livro didático em questão. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1993. Furió, C. y Furió, C. Dificultades conceptuales y epistemológicas en el aprendizaje de los procesos químicos. Educación Química, 11, 3, 300-308, 2000. Furió, C. y Ortiz, E. Persistencia de errores conceptuales en el estúdio del equilíbrio químico. Enseñanza de las Ciências, 1, 1, 15-20, 1983. Gorodetsky, M. y Gussarsky, E. Misconceptualization of the chemical equilibrium concept as revealed by different evaluation methods. European Journal of science education, 8, 4, 427-441, 1986. Hackling, M. W. y Garnett, P. J. Misconceptions of chemical equilibrium. European Journal of Science Education, 7, 2, 205-214, 1985. Johnstone, A. H. et al. Chemical equilibrium and its conceptual difficulties. Education in Chemistry, 14, 169-171, 1977. Machado, A. H. y Aragão, R. M. R. Como os estudantes concebem o estado de equilíbrio. Química Nova na Escola, 4, 18-20, 1996. Mortimer, E. F. A evolução dos livros didáticos de química destinados ao Ensino Secundário. Em Aberto, 40, 24-41, 1988. Pascual, M. A. C.; Sánchez, M. M. Análisis de la adaptación de los libros de texto de ESO al currículo oficial, em El campo de la química. Enseñanza de las Ciências, 23, 1, p. 17-32, 2005. Pereira, M. P. B. A. Dificuldades de aprendizagem. I - Revisão de opiniões não apoiadas em pesquisa. Química Nova, 12, 1, 76-81, 1989. Quílez, J. Changes in concentration and in partial pressure in chemical equilibria: students and teachers misunderstandings. Chemistry Education: Research and Practice, 5, 3, 281-300, 2004. Quílez, J. y Solaz, J. J. Students and teachers misapplication of Le Chatelier principle: implications for teaching of chemical equilibrium. Journal of Research in Science Teaching, 32, 9, 939-957, 1995. Valladares, J. D. J. y Palacios, F. J. P. (2001). Aplicación del análisis secuencial al estúdio del texto escrito e ilustraciones de los libros de física y química de la ESO. Enseñanza de las Ciencias, 19, 1, 3-19. Wheeler, A. E. y Kass, H. Student s misconceptions in chemical equilibrium. Science Education, 62, 2, 223-232, 1978.