CONDICIONANTES GEOLÓGICO - GEOTÉCNICOS DE PROJETO DE DISPOSIÇÃO DE REJEITOS EM CAVA EXAURIDA DE MINERAÇÃO

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Transcrição:

CONDICIONANTES GEOLÓGICO - GEOTÉCNICOS DE PROJETO DE DISPOSIÇÃO DE REJEITOS EM CAVA EXAURIDA DE MINERAÇÃO R. C. Gomes W. L. de O. Filho L. G. de Araújo S. G. S. Ribeiro C. de L. Nogueira RESUMO: Nos estudos para a implantação de um sistema de deposição de rejeitos sob a forma de uma pilha de grandes dimensões, em antiga lavra exaurida de mineração da Samarco Mineração, localizada na sua unidade industrial de Germano no município de Mariana /MG, várias questões associadas ao complexo geológico da cava e às propriedades geotécnicas dos rejeitos tiveram profundo impacto sobre a concepção e o desenvolvimento do projeto final. O trabalho discute estes condicionantes, de natureza geológica e geotécnica, em termos das análises relativas à capacidade de carga do material carreado para o fundo da cava, às análises de estabilidade global do empilhamento e às condições de drenabilidade dos rejeitos, visando a otimização dos sistemas de drenagem interna da pilha. 1. INTRODUÇÃO No município de Mariana /MG, a Samarco Mineração S.A. possui a sua unidade de lavra e beneficiamento do minério de ferro (unidade de Germano), com reservas estimadas em mais de 5 bilhões de toneladas (Mina de Alegria). No processo de beneficiamento, o minério bruto é submetido a etapas sucessivas de peneiramento, britagem, moagem, deslamagem e flotação em colunas, obtendo-se o ferro concentrado e eliminando-se as impurezas, principalmente a sílica. O rejeito de flotação é lançado diretamente no reservatório da Barragem do Germano, gerando uma descarga anual da ordem de 6,5 x 1 6 toneladas. Ao longo de um período de 18 anos, a exploração do itabirito a partir das jazidas da Mina do Germano (hoje exauridas), resultou em uma cava de grandes dimensões (1,3km de comprimento, 8m de largura e 22m de altura), delimitada por taludes de itabirito e filito, atualmente em franco processo de erosão. Este processo resultou em intenso carreamento de material e assoreamento do fundo da cava. Por outro lado, o sistema de alimentação da planta, representado por um sistema de correias transportadoras de longa distância, possui um trecho que acompanha quase todo o contorno leste da base da cava, por uma extensão aproximada de 1,5 km e cujos custos de relocação imediata são proibitivos. Estas feições interferiram diretamente na concepção de compatibilizar a disposição dos rejeitos atuais (das novas jazidas da Mina de Alegria) e a recuperação da área degradada, no entorno imediato da planta de beneficiamento de Germano, por meio do empilhamento dos rejeitos na cava (Gomes et al., 1999a). A geometria e o arranjo geral da pilha foram condicionados, em larga escala, pelas condições de instabilidade dos taludes da cava, drenabilidade dos rejeitos e pelas características do material de assoreamento do fundo da cava. Estes condicionantes geológico - geotécnicos do projeto são discutidos em detalhe nos itens subsequentes. 153

2. ANÁLISES DA ESTABILIDADE DOS TALUDES DA CAVA A cava do Germano constitui o arcabouço final resultante das atividades de exploração do minério de ferro por um período ininterrupto de quase 2 anos e os estudos relativos à estabilidade dos seus taludes remontam às fases iniciais da exploração. O complexo litológico da área é caracterizado por uma seqüência de itabiritos e filitos, com intercalações locais de quartzito e coberturas de solo laterítico / canga junto ao topo dos taludes. Em termos gerais, os itabiritos apresentam boas condições de estabilidade, mesmo quando alterados mas, sendo friáveis, tornam-se extremamente susceptíveis à erosão. A foliação é sempre muito bem desenvolvida, com mergulhos tipicamente entre 3º e 4º para leste (Sérgio Brito Consultoria Ltda,1997). Os filitos representam a feição litológica crítica da Cava do Germano, pois associam seu estado de elevada alteração a um processo contínuo e muito rápido de desagregação superficial, acompanhados de escorregamentos generalizados embora limitados em profundidade, particularmente nos taludes em condições desfavoráveis da foliação (3º a 4º para o sul). As ocorrências de quartzito são de caráter local e não interferem na estabilidade global do maciço; tipicamente, apresentam-se bastante decompostos como intercalações nos filitos e, eventualmente, como placas em lentes adjacentes aos filitos. As coberturas de laterita / canga apresentam-se praticamente inalteradas e sem quaisquer problemas de instabilização. O mapeamento geológico geotécnico em detalhe dos taludes da Cava do Germano mostra a interação entre estas litologias e as feições geotécnicas mais relevantes no maciço (erosões e escorregamentos de pequeno porte), compartimentados em zonas designadas como setores norte, oeste, sudoeste e sul, respectivamente (Pimenta de Ávila Consultoria, 1999) Figura 1. Mapeamento Geológico da Cava do Germano (Pimenta de Ávila Consultoria Ltda) 154

Ainda nas fases iniciais da exploração, adotou-se a sistemática de não se lavrar totalmente o corpo de itabirito existente nas partes inferiores do talude, de tal forma que estas feições remanescentes pudessem atuar como contrafortes para suporte, proteção e estabilização dos filitos superiores e adjacentes. Tais medidas mostraram-se bastante oportunas, não se registrando, durante toda a vida útil do empreendimento, quaisquer escorregamentos que comprometessem a continuidade/segurança das operações de lavra na Cava do Germano. Com o término da exploração, porém, os taludes ficaram expostos às intempéries por um período de quase cinco anos, sucedendo-se, então, processos de intensa desagregação superficial dos filitos e erosão dos itabiritos. Como conseqüências diretas destes processos, ocorreram a desestruturação completa do sistema de drenagem superficial, o solapamento das bancadas, a formação de ravinas nos contrafortes de itabirito e o desconfinamento dos filitos, que induziram escorregamentos generalizados ao longo dos taludes da cava. Estas feições geotécnicas são mais relevantes ao longo do setor oeste da cava (figura 1), que tem uma altura máxima de 23m e com a foliação do itabirito totalmente desfavorável em relação à declividade da encosta, com direção paralela à face do talude e mergulho para leste, ou seja, para dentro da cava. Os contrafortes de itabirito foram severamente erodidos nesta área, formando-se ravinas bastante profundas (da ordem de 3m de profundidade), através das quais grandes volumes dos filitos das zonas superiores do talude foram carreados para dentro da cava. O solapamento dos contrafortes de iatabirito foi tão intenso nesta área que propiciou um movimento de massa de grandes proporções nas zonas dos filitos superiores, feição única de ocorrência no maciço da cava. O deslocamento é caracterizado por uma fenda que percorre praticamente toda a crista do talude e por um abatimento vertical de cerca de 5,m. A massa de material potencialmente instável, no entanto, é mascarada ao longo do talude pela ação dos processos erosivos, pela desagregação superficial dos filitos, pela variação do seu estado de alteração em profundidade e pelas deformações lentas e progressivas (fluência) que os mesmos apresentam, pela ação crescente de desconfinamento. Estes aspectos enfatizam que os filitos da cava estão submetidos a dois tipos de alteração: desagregação superficial e perda gradual de resistência em profundidade, pelos efeitos de deformações lentas que ocorrem ao longo de uma superfície potencial de ruptura (qualquer superfície de descontinuidade préexistente), mobilizando, então resistências residuais ao longo da mesma e induzindo um mecanismo local de ruptura progressiva. Problemas similares, porém, de menor amplitude, ocorrem ao longo do setor norte do talude, que apresenta altura máxima de 85m, com escorregamentos de pequeno a grande porte subordinados aos processos erosivos. Os setores sul e sudoeste, embora apresentando feições erosivas e escorregamentos de pequeno a médio porte, constituem zonas menos susceptíveis a processos de instabilização. Este comportamento é devido principalmente às características de resistência e à orientação da foliação dos itabiritos em relação a declividade dos taludes. As principais interferências das condições geotécnicas dos taludes da cava em relação ao projeto estão associadas aos efeitos de uma eventual ruptura sobre a estabilidade da pilha. A estabilidade global do maciço é condicionada basicamente pelo comportamento geotécnico dos contrafortes de itabirito e, uma vez que, em muitas seções, a erosão destruiu por completo estas estruturas, torna-se viável a mobilização de deslocamentos de grande porte dos filitos, então desconfinados, fora do contexto genérico de escorregamentos pouco profundos, ditados pelos mecanismos de desagregação superficial dos filitos. Além dos efeitos do escorregamento em si, há que se considerar ainda a natural interferência desta deposição nas características de drenabilidade da pilha na região afetada pelo escorregamento. Secundariamente, as análises da estabilidade dos taludes são especialmente importantes para a definição mais adequada da locação dos tubos tipo flauta, estrutura proposta para atuar como sistema extravassor da drenagem externa da superfície de lançamento dos rejeitos. 155

3. ANÁLISES DO COMPORTAMENTO DO MATERIAL DO FUNDO DA CAVA Ao final do processo de lavra, foi mantido um dique de proteção, estendendo-se do setor noroeste até o setor norte dos taludes, visando preservar a fundação de itabirito não lavrado no fundo da escavação. Entretanto, a intensa ação erosiva sobre os taludes e o carreamento de grandes volumes de material, através das ravinas de grande porte formadas localmente nos contrafortes de itabirito, acabaram por destruí-lo completamente e a própria estrutura passou, assim, a contribuir adicionalmente para o processo de assoreamento da cava. Todo este material acumulou-se de forma aleatória no fundo da cava, formando um espesso depósito de cerca de 1,m de espessura, com SPT variando de 4 a 1, em média. Em termos gerais, o comportamento do material está intimamente associado à litologia de sua origem. Assim, os materiais erodidos dos contrafortes de itabirito foram acumulados nas vizinhanças imediatas do talude, formando um maciço de elevadas características de resistência e drenabilidade. Em contrapartida, os materiais provenientes da desagregação dos filitos foram carreados a distâncias maiores no fundo da cava, formando um maciço saturado, de baixas características de permeabilidade e resistência. Dois aspectos principais estão relacionados às interferências diretas do material do fundo da cava sobre a concepção da pilha de rejeitos. Em primeiro lugar, a análise deve abordar a própria estabilidade da pilha, considerando os potenciais problemas de baixa resistência dos filitos, a partir da avaliação do comportamento insatisfatório destes materiais mesmo in situ. Estas análises tornam-se particularmente importantes em função da impossibilidade de relocação do trecho de correias transportadoras no entorno imediato da cava, nas fases iniciais do processo de empilhamento dos rejeitos. Desta forma, a exigência de maiores fatores de segurança do projeto implica a adoção de um talude temporário para a pilha inicial, sensivelmente mais abatido que o previsto para a pilha final, já sem a presença do circuito de alimentação da planta de beneficiamento do Germano. Em segundo lugar, em função das virtuais diferenças entre as características de drenagem dos itabiritos e dos filitos, há que se considerar a necessidade de controle das subpressões no fundo da cava, em presença de um depósito de material misto, muito menos permeável que os itabiritos da fundação. No projeto, este aspecto é considerado mediante a implantação de um tapete drenante junto à fundação. Com o objetivo de se avaliar concretamente as condições hidrogeológicas da fundação da cava, foram instalados dois piezômetros duplos pneumáticos, com células localizadas a 5,m abaixo e 5,m acima do topo da camada de itabirito da fundação (inseridas no itabirito e na massa de material assoreado, respectivamente). A partir do monitoramento sistemático destes instrumentos, particularmente ao longo das próximas estações chuvosas, proceder-se-á a uma reavaliação e posterior redimensionamento da geometria e locação do tapete drenante. Ambos os aspectos estabilidade da pilha e drenagem do fundo da cava condicionam as análises relativas às hipóteses de remoção ou não do material assoreado. A proposta de remoção deste material, ao menos na área de influência direta da fundação da pilha, tem como fatores críticos, além dos custos elevados, as inúmeras incertezas relativas aos procedimentos operacionais de uma escavação deste porte. Admitida a hipótese de não remoção do material, ou seja, uma concepção da pilha executada sobre este material, uma alternativa viável seria o reforço da fundação, utilizando, por exemplo, interfaces de geossintéticos. A efetivação ou não de alternativas deste tipo vai depender de uma série de análises de estabilidade e de tensões deformações a serem implementadas para o sistema pilha fundação, a partir de parâmetros de resistência e de compressibilidade obtidos em ensaios de laboratório, reproduzindo com fidelidade as condições de campo (Znidarcic, 1998). Os resultados preliminares das investigações de campo evidenciam que, na região central dos sedimentos depositados e crítica em termos da locação da pilha, não ocorre uma partição clara e/ou sistemática do depósito em horizontes de itabirito e filito, mas a formação de uma matriz complexa destes 156

materiais, com características geotécnicas relativamente invariáveis, tanto em extensão como em profundidade. As figuras 2 e 3 mostram alguns resultados de ensaios de laboratório, expressos em termos das envoltórias de resistência obtidas para o material do fundo da cava, para os casos de amostras indeformadas e reconstituídas, coletadas a uma profundidade de,5m. Adicionalmente, foram feitos ensaios pressiométricos no depósito de material assoreado e séries de ensaios triaxiais em amostras indeformadas do material acumulado, coletadas em profundidade por amostradores tipo shelby. As análises dos resultados estão em curso, bem como propostas de projetos alternativos considerando as hipóteses de remoção ou não do material assoreado. Adicionalmente, visando eliminar a acumulação adicional de material na estação chuvosa de 1999/2, reativou-se a concepção do dique de proteção, mediante a construção de um novo dique, limitado, porém, à zona mais crítica da cava e posicionado ao longo da base do setor oeste do talude. 4. ANÁLISES DA DRENABILIDADE DOS REJEITOS O conhecimento objetivo das características reais de drenabilidade dos rejeitos da planta de beneficiamento de Germano, no domínio de uma pilha de grandes dimensões e no contexto de uma dado sistema de disposição, constitui o parâmetro-índice do projeto (Znidarcic, 1998). As observações de campo, obtidas a partir do lançamento dos rejeitos em área-teste de empilhamento, mostram um comportamento rapidamente drenante dos rejeitos poucos dias após disposição. Esta abordagem, entretanto, é essencialmente qualitativa e restrita aos horizontes mais superficiais de um depósito de poucos metros de espessura e não pode ser extrapolada ao domínio total de uma pilha que deve atingir uma altura final de 16m. Uma verificação adicional mostrou que, seja devido às variações de gênese e granulometria dos minérios brutos, provenientes das jazidas diferentes que alimentam o complexo de Germano, seja devido às próprias variações do processo de beneficiamento, o depósito de rejeitos apresenta uma estratificação em horizontes com variações de cor, espessura e compacidades bem diferenciadas. q (Kpa) 16 14 12 1 8 6 4 2 sig3=1kpa sig3=2kpa sig3=4kpa sig3=8kpa do fundo da Cava) 2 4 6 8 1 12 14 16 p' (kpa) Figura 2. Envoltórias de resistência do material assoreado (amostra indeformada). q (kpa) 16 14 12 1 8 6 4 2 sig3=1 kpa sig3=2 kpa sig3=4 kpa sig4=8 kpa 2 4 6 8 1 12 14 16 p' (kpa) Figura 3. Envoltórias de resistência do material assoreado (amostra reconstituída) Numa abordagem quantitativa, procedeu-se preliminarmente a um conjunto de ensaios triaxiais em amostras do rejeito, em condições drenadas e não-drenadas, sob diferentes estados de compacidade (fofo, medianamente compacto e compacto). As figuras 4 e 5 mostram resultados típicos destes ensaios, realizados para amostras com densidade in situ (índice de vazios de,86) e coletadas a,5m 157

de profundidade e a 5m do ponto de lançamento, na área-teste de empilhamento. q (Kpa) 14 12 1 8 6 4 2 sig3=1kpa sig3=2kpa sig3=4kpa sig3=8kpa 2 4 6 8 1 12 14 16 18 2 22 p'(kpa) Figura 4. Ensaios CD em amostra dos rejeitos q (Kpa) 14 12 1 8 6 4 2 sig3=1kpa sig3=2kpa sig3=4kpa sig4=8kpa 2 4 6 8 1 12 14 16 18 2 22 p'(kpa) Figura 5. Ensaios CIU em amostra dos rejeitos Em geral, as metodologias convencionais aplicadas a problemas de fluxo em sistemas particulados consideram a hipótese de meio saturado. Na situação da pilha real, entretanto, com grandes espessuras dos rejeitos lançados, as condições de drenagem são governadas caracteristicamente por condições de fluxo em meios não saturados. Para a implementação destas análises, tornase necessário estabelecer as chamadas curvas características do fluxo nestas condições, expressas em termos das relações sucção x grau de saturação e sucção x permeabilidade relativa (Machado Jr. & Oliveira Filho, 1999). Estas relações podem ser estabelecidas a partir de ensaios de laboratório ou de campo. No caso dos rejeitos de Germano, adotou-se o ensaio de controle do fluxo em dois ciclos, utilizando uma bomba de fluxo. No primeiro ciclo, procede-se à retirada contínua da água de um corpo de prova previamente saturado (ciclo de drenagem ou de secagem) e, num segundo ciclo, executa-se o processo inverso, ou seja, injeta-se continuamente água a um corpo de prova inicialmente seco (ciclo de saturação ou de umidecimento). A correlação entre os parâmetros de retenção de água obtidos nos dois ciclos do ensaio permite obter a relação sucção x grau de saturação para o material. A partir desta relação, pode ser estabelecida a curva sucção x permeabilidade relativa do material, utilizando-se o modelo analítico proposto por Burdine, 1953 e desenvolvido por Van Genuchten, 198. As figuras 6 e 7 mostram resultados típicos destes ensaios, obtidos com amostras típicas de rejeitos de minério de ferro da Mina de Alegria, coletadas a,5m de profundidade (identificada por T3A, com 3% de areia média, 63% de areia fina, 26% de silte e 8% de argila, de acordo com a norma ABNT NBR652/95). Sucção (kpa) 3 25 2 15 1 5-5 T3A (sucção-saturação) -1,2,4,6,8 1 Valores Medidos Saturação Método Analítico Figura 6. Curva sucção x grau de saturação Com base nestas curvas características dos rejeitos, análises de percolação mais realistas podem ser implementadas, simulando fases distintas da execução da pilha, variações das condições de lançamento dos rejeitos e chuvas de diversas magnitudes. As análises estão sendo implementadas através do programa SEEP/W, considerando fluxo em regime permanente. Os resultados obtidos consistem em valores das poropressões, positivas ou negativas, induzidas nas zonas saturadas e não saturadas da pilha, que servirão de base para as análises de estabilidade subsequentes. Por outro lado, a interpretação das condições de fluxo para as 158

diferentes hipóteses de projeto permitem inferir condições ótimas de lançamento e disposição dos rejeitos na pilha. Permeabilidade Relativa (m/s) 1,E-1 1,E-3 1,E-5 1,E-7 1,E-9 1,E-11 T3A (Permeabilidade Relativa / Molhagem) 1,E-13-3 -25-2 -15-1 -5 Poropressão (kpa) Figura7. Curva sucção-permeabilidade relativa. 5. CONCLUSÕES E COMENTÁRIOS FINAIS O projeto da disposição dos rejeitos de minério de ferro da unidade industrial de Germano (Samarco Mineração S. A.), situada no município de Mariana/MG, está baseado no empilhamento destes materiais em antiga cava exaurida de mineração. Os estudos implementados a partir do projeto básico revelaram que a concepção da pilha está condicionada por três processos geológico geotécnicos principais: estabilidade dos taludes da cava, natureza e comportamento geotécnico do material assoreado no fundo da cava e características de drenabilidade dos rejeitos. Estes condicionantes foram resumidamente expostos neste trabalho, a partir da descrição dos seus aspectos básicos e a discussão dos mecanismos de interferência direta de cada um deles sobre o projeto final do empilhamento dos rejeitos. As análises atuais evidenciam a necessidade de estudos adicionais e bem mais detalhados destes problemas, no sentido de superar as incertezas ainda pendentes. Além dos estudos adicionais em andamento, pretende-se instrumentar e monitorar a pilha desde as suas fases iniciais, visando obter dados de campo para correlação com os resultados dos ensaios e das análises numéricas realizadas, bem como para obter informações adicionais que possam contribuir significativamente para um completo domínio dos fenômenos associados ao processo de empilhamento destes rejeitos. Tais parâmetros servirão de elementos de referência para manter ou estabelecer novas diretrizes do sistema de disposição de rejeitos de minério de ferro na Cava do Germano. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Burdine, N.T. (1953). Relative Permeability Calculations from Pore-size Distribution Data. American Institute of Mining Engineering, 198, 71 77. Gomes, R.C., Araújo, L.G, Oliveira Filho, W.L, Ribeiro, S.G.S. & Nogueira, C.L. (1999a). Concepção e Projeto Básico de Disposição de Rejeitos em Pilhas de Rejeitos de Minério de Ferro em Cava Exaurida de Mineração. REGEO 99, 4 O Congresso Brasileiro de Geotecnia Ambiental (em anexo). Machado Jr., J. C. & Oliveira Filho, W. L. (1999). Methodology for Drenability studies of Stacked Mining Coarse Tailings. REGEO 99, 4 O Congresso Brasileiro de Geotecnia Ambiental (em anexo). Pimenta de Ávila Consultoria Ltda (1998).Relatório do Projeto Básico de Disposição de Rejeitos por Empilhamento na Cava do Germano. Relatório Técnico, 28p. (+ anexos). Sérgio Brito Consultoria Ltda (1997). Taludes Adjacentes à Correia Transportadora Condições de Estabilidade. Relatório Técnico, 13p. (+ anexos). Van Genuchten, M. T. (198). A Closed-form Equation for Predicting the Hydraulic Conductivity of Unsaturated Soils. Soil Science Society of America Journal, 44, 892 898. Znidarcic, D. (1998). Report of the Review of the Germano Exhausted Open Pit Project. Relatório Técnico de Consultoria. 159