Valências Verbais no Português Clássico

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Transcrição:

Valências Verbais no Português Clássico Projeto de Pesquisa Maria Clara Paixão de Sousa maio, 2007 [ 1 ]

Valências Verbais no Português Clássico Projeto de Pesquisa para estágio de pós-doutorado Maria Clara Paixão de Sousa sob a supervisão de Esmeralda Vailati Negrão Departamento de Lingüística Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo Conteúdo Apresentação... 3 I. Objetivos e Resultados Esperados... 4 II. Justificativas... 5 III. Procedimentos e Cronograma... 12 IV. Anexo: Projeto A Sintaxe da Ordem no Português, 1400-1900... 16 [ 2 ]

Apresentação Apresenta-se aqui o plano de trabalho para um estágio de pós-doutorado a ser realizado entre outubro de 2007 e outubro de 2008 junto ao Departamento de Lingüística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, sob supervisão da Professora Esmeralda Vailati Negrão, como parte do projeto Alternâncias de diátese em português brasileiro: possíveis influências do contacto com povos africanos (Viotti & Negrão, em curso). A pesquisa a ser realizada ao longo do estágio é também parte do projeto A Sintaxe da Ordem no Português, 1400-1900 (Paixão de Sousa, em curso), cuja primeira etapa está sendo realizada desde 2004 junto ao Departamento de Lingüística da Universidade Estadual de Campinas (com término em setembro de 2007). Ao longo deste ano de estágio, será desenvolvida uma sistematização descritiva das valências verbais em textos portugueses escritos entre os séculos 15 e 19, produto que interessa centralmente aos objetivos dos dois projetos maiores citados acima, como se mostrará aqui. Na seção I, apresenta-se um resumo pontual dos Objetivos e Resultados Esperados do estágio; na seção II, Justificativas, indicam-se os pontos de confluência entre os dois projetos envolvidos na pesquisa proposta; a seção III delineia os Procedimentos e o Cronograma da pesquisa; por fim, a seção IV, Anexo, reproduz o projeto A Sintaxe da Ordem no Português, 1400-1900 em sua íntegra. [ 3 ]

I. Objetivos e Resultados Esperados 1. Objetivos 1. Conferir uma fundação teórica na área de semântica para o projeto A Sintaxe da Ordem no Português, 1400-1900, favorecendo assim o desenvolvimento da hipótese central ali trabalhada quanto à mudança gramatical que sela o fim do Português Clássico; 2. Contribuir para a linha de investigação diacrônica do projeto Alternâncias de diátese em português brasileiro: possíveis influências do contacto com povos africanos, trazendo à luz dados representativos do estágio de língua que, por hipótese, teria sofrido mudanças em razão do contato com as línguas africanas ao longo do período colonial; 3. Estabelecer parâmetros para estudos comparados entre as gramáticas do Português Clássico e do Português Brasileiro quanto à estruturação das diáteses, com base nos resultados da generalização descritiva a ser formulada para as valências verbais atestadas em textos selecionados do período 1400-1900. 2. Resultados Esperados 1. Dicionário das Valências Verbais no Português Clássico (1400-1700) - Versão Piloto 2. Artigo: Ordem de Constituintes e Promoção Argumental no Português Clássico e no Português Brasileiro: um Estudo Comparado. [ 4 ]

II. Justificativas Este projeto se constituiu na confluência de duas pesquisas em andamento: o projeto Alternâncias de diátese em português brasileiro: possíveis influências do contacto com povos africanos (Viotti & Negrão, em curso), e o projeto A Sintaxe da Ordem no Português, 1400-1900 (Paixão de Sousa, em curso). O objetivo de Viotti & Negrão (em curso) é analisar algumas caraterísticas da inferface sintaxe-semântica do português brasileiro, que o diferenciam do português europeu. Essas características estão associadas ao comportamento de certos verbos que apresentam uma alternância de diátese particular. A hipótese a ser explorada é a de que esse comportamento pode estar associado ao contacto do português com certas línguas africanas. O objetivo de Paixão de Sousa (em curso) é demonstrar que a evolução diacrônica dos padrões de ordem atestados em textos escritos em português entre os anos 1400-1900 refletem uma mudança gramatical que remete, centralmente, à codificação das relações entre sintaxe e discurso na frase abstrata. Dois pontos de contato entre os dois projetos se destacam. O primeiro é o interesse pela mudança gramatical na língua portuguesa e a época estudada o período colonial. O segundo ponto de contato é o interesse central em construções sintáticas ligadas ao fenômeno da promoção argumental abordadas por Viotti & Negrão (em curso) como possibilidades estruturais ligadas à codificação da semântica argumental, e por Paixão de Sousa (em curso) como construções derivadas de deslocamento de constituintes focalizados/topicalizados. Essa dupla confluência motivou a iniciativa de colaboração entre os dois projetos, sob forma da pesquisa inicial de curta duração aqui delineada. Antes de tudo, importa situar a importância de um estudo sobre o português do período clássico para os objetivos do projeto Alternâncias de diátese em português brasileiro.... No artigo Estratégias de impessoalização no Português Brasileiro (Negrão & Viotti, em curso), que explora a hipótese das mudanças gramaticais sofridas pelo português graças ao contato com as línguas africanas, as autoras trazem como principais elementos de análise dados de natureza sintático-semântica que mostram certas estratégias de impessoalização e reordenação dos argumentos na sentença do português brasileiro, que o diferenciam sensivelmente em relação ao Português Europeu. A partir da observação já clássica de Withaker- Franchi(1989), no sentido de que a classe de verbos que aceita alternância causativa parece estar se alargando no Português Brasileiro, elas relacionam certos fenômenos característicos da gramática brasileira a mudanças na estrutura temática dos verbos, afirmando que: Em português brasileiro, diferentes tipos de verbo sofrem mudanças em sua estrutura temática e permitem certas realizações sintáticas de sua estrutura argumental que, em português europeu, ou não são possíveis, ou são restritas a uma classe específica e limitada de verbos. Um dos verbos que estaria incluido nesta classe ampliada de alternância de diátese no Português Brasileiro seria o verbo dar, que aceita, como mostram as autoras, formas especiais de [ 5 ]

impessoalização. Nos exemplos (1) a seguir reproduzo três usos de dar em construções transitivas exemplificados pelas autoras; em (2), as formas possíveis de passivização: (1) (a) O Pedro deu este livro para a Regina (b) Aquela firma deu bons brindes no natal (c) Minha chácara está dando estas jaboticabas deliciosas (2) (a) Este livro foi dado pelo Pedro para a Regina / Deu-se este livro para a Regina (b) Bons brindes foram dados por aquela firma no natal / Deu-se bons brindes naquela firma no natal (c) * Essas jaboticabas deliciosas estão sendo dadas na minha chácara / * Está-se dando essas jaboticabas deliciosas na minha chácara Como observam as autoras, no uso exemplificado em (1c) e (2c) o verbo dar não aceita construções passivas. Entretanto, nesta mesma acepção, ele aceita outras estratégias de impessoalização, não disponíveis inteiramente para os usos (1a, b) e (2a, b): (3) (a) Minha chácara está dando estas jaboticabas deliciosas (b) Está dando estas jaboticabas deliciosas na minha chácara. (c) Essas jaboticabas deliciosas estão dando na minha chácara (4) (a) Aquela firma deu bons brindes no natal (b) Deu bons brindes naquela firma no natal. (c) *Bons brindes deram naquela firma no natal. (sem a interpretação de eles oculto) (5) (a) O Pedro deu este livro para a Regina (b) * Deu este livro para a Regina (c) * Esse livro deu para a Regina ( mas Deu este livro para a Regina) (sem a interpretação de eles oculto) Negrão & Viotti (em curso) salientam que sentenças como (3 b) e (4 b), com o sujeito apagado e sem a marca morfológica de passivização; e (3 c), com promoção do argumento interno para posição de sujeito, não fazem parte da gramática do Português Europeu. Justamente sentenças como essas sugerem, conforme as autoras, que: o verbo dar aceita passar por um processo de impessoalização no qual os argumentos internos do verbo, com papéis temáticos mais baixos na hierarquia temática, são realizados na posição de sujeito, quando argumentos com papéis temáticos mais altos, como o de agente, por exemplo, não estão presentes na diátese verbal. Em [Minha chácara está dando estas jaboticabas deliciosas], um argumento-fonte (minha chácara), mais alto na hierarquia temática, ocupa posição de sujeito, enquanto um argumento-resultativo, mais baixo na hierarquia temática, ocupa a posição de complemento do verbo. A sentença [ Está dando estas jaboticabas deliciosas na minha chácara ] mostra que é possível demover-se o argumento externo para uma posição periférica, deixando a posição de sujeito desocupada. Com isso, o argumento interno pode passar a ocupar a posição de sujeito. É isso o que mostra a sentença [Essas jaboticabas deliciosas estão dando na minha chácara]. Esse processo é o que tipicamente acontece com verbos da classe de alternância causativa. O que chama a atenção é que nem o verbo dar, nem seus equivalentes em várias línguas européias, fazem parte dessa classe de verbos [meu grifo]. [ 6 ]

Assim, para Negrão & Viotti (em curso), as estratégias de impessoalização do Português Brasileiro podem ser expressas pela flexibilidade das diáteses nesta gramática, e são um fator central a diferenciála do Português Europeu. Esta hipótese faz surgir uma pergunta fundamental, do ponto de vista dos estudos históricos sobre a língua portuguesa: se as diáteses do Português Brasileiro se diferenciam das diáteses do Português Europeu, como elas se comparam com as diáteses do português falado no período colonial ou seja, do Português Clássico? A pergunta é relevante uma vez que diversos estudos (Ribeiro 1998; Galves 2001; Paixão de Sousa 2004; Galves & Paixão de Sousa 2005; Galves, Namiuti & Paixão de Sousa 2005; Galves, Britto & Paixão de Sousa 2006) têm demonstrado que o português brasileiro tem como antecedente diacrônica uma gramática muito distinta da gramática do português europeu atual. Noutros termos: é na gramática do Português Clássico que o estado original da língua trazida para o Brasil deve ser pesquisado. Se voltarmos, então, à pergunta sugerida acima (como as diáteses características do Português Brasileiro se comparam às diáteses do Português Clássico?), verificaremos ser impossível respondê-la, uma vez que não temos à disposição, no estágio atual das pesquisas na área, uma descrição sistemática da estrutura temática dos verbos neste período da língua portuguesa. Esta é a tarefa a que o trabalho aqui proposto se lança. O estudo das diáteses no Português Clássico pode demonstrar três cenários possíveis. No primeiro cenário, a semântica argumental nos textos clássicos poderiam revelar-se semelhantes ao Português Europeu, com menor flexibilidade de alternância em relação ao Português Brasileiro. Num segundo cenário, os verbos nesses textos poderiam se apresentar semelhantes ao que se observa para o Português Brasileiro, mais flexíveis quanto à alternância que os verbos do Português Europeu. Num terceiro cenário, a sintaxe e a semântica dos verbos nos textos clássicos seria distinta tanto do Português Europeu como do Português Brasileiro. Qualquer um dos três cenários representaria, entretanto, a base diacrônica sobre a qual as hipóteses de mudança podem ser desenvolvidas no projeto Alternâncias de diátese em português brasileiro: possíveis influências do contacto com povos africanos. Algumas indicações quanto aos três cenários potenciais podem ser buscadas nos trabalhos sobre a ordem relativa entre verbos e seus argumentos realizados em Paixão de Sousa (2004) e Paixão de Sousa (em curso). Venho demonstrando, nesses trabalhos, que a gramática do Português Clássico, tal como representada nos textos escritos entre 1500-1700, apresenta uma propriedade central: a organização da frase em torno de uma posição sintática codificadora da saliência informacional, que acarreta a promoção do termo mais saliente, entre os participantes da diátese verbal, para uma posição de destaque à esquerda do verbo. Essa propriedade distingue sensivelmente a ordem superficial dos constituintes nos textos clássicos da ordem atestada nos textos escritos depois de meados do século 18. Como defendi em Paixão de Sousa (2004), a mudança gramatical ocorrida entre o Português Clássico e o Português Europeu pode ser explicada pelo desativamento desta propriedade de saliência à esquerda, [ 7 ]

determinada pela pragmática, em favor da fixação de uma ordem SVO sintaticamente determinada. Em meu atual projeto de pesquisa (cf. Seção IV), estou defendendo que a passagem do Português Clássico para o Português Brasileiro, ao contrário, se dá como uma radicalização da propriedade de deslocamento à esquerda dos elementos discursivamente salientes: as construções de promoção argumental no PB seriam diacronicamente derivadas das construções de fronteamento{xvs} nopc. (...) O PB refletiria do PC não uma ordem superficial particular, mas sim uma propriedade abstrata: a de sempre posicionar o tópico sentencial à esquerda do verbo. No PC, quando o tópico sentencial não coincide com o sujeito gramatical, superficializa-se a ordem {XVS} simplesmente porque {S} permanece em IP. No PB, quando o tópico sentencial não coincide com o sujeito gramatical, ele é promovido a sujeito gramatical. De certa forma, no PB a propriedade de se deslocar o tópico sentencial à esquerda se radicaliza, em relação ao PC O que chamo de fronteamento, no Português Clássico, é a construção na qual um elemento discursivamente saliente aparece à esquerda do verbo (exemplos de Gandavo, 1557): (6) (a) A quarta capitania, que é a dos Ilhéus se [deu] a Jorge de Figueiredo Correa (b) Os mesmos sinais lhes [deram] estoutros dos Castelhanos do Peru (c) A de guerra se [faz] desta mesma raiz, e depois de feita fica muito seca (d) Desta mesma Mandioca, [fazem] outra maneira de mantimentos que se chamam beijus A ordem {XVS} é muito freqüente nos textos portugueses até o início do século 18, e eu a tenho interpretado como sinal de que na gramática do Português Clássico, a ordem de constituintes é governada primordialmente por requerimentos pragmáticos, que obrigam o elemento discursivamente saliente a ocupar a posição à esquerda do verbo (cf. IV. Anexo, seção 1). A freqüência de {XVS} decai sensivelmente a partir dos anos 1700, dando lugar à predominância da ordem {SVX} no Português Europeu (cf. Paixão de Sousa, 2004), em uma evolução que eu interpreto como sinal do fim da gramática clássica do português. Note-se, entretanto, que nos meus trabalhos anteriores conferi uma perspectiva puramente sintática para esta comparação diacrônica não tendo abordado sistematicamente a questão da semântica verbal. Nesses trabalhos explico o fronteamento como uma operação de tipo movimento de focos, para uma posição sintática acima dos núcleos funcionais organizadores da estrutura argumental (VP) e de caso/concordância (IP) (no esquema abaixo, essa posição é o especificador da categoria F): (7) [ CP [C] [ FP X [ F-V ][ IP [ I-t ] [ vp [ v-t ] [ VP [ V-t ] ] ] ] ] Nessa hipótese (cf. Anexo, seção 1), a organização superficial da ordem decorreria do movimento de um dos constituintes de VP para a posição de especificador de FP, independente da estrutura argumental projetada inicialmente em VP. Entretanto, à luz do trabalho de Negrão & Viotti (em curso) sobre as estratégias de promoção argumental no Português Brasileiro, e do que afirmam as autoras [ 8 ]

sobre a relação estreita entre a semântica do verbo e o potencial de flexibilidade de sua diátese, essa hipótese pode ser reavaliada, perguntando-se: a produtividade da construção de fronteamento se mostra diferente a depender da semântica do verbo? Noutros termos: verbos de diferentes classes semânticas apresentam diferentes probabilidades de aparecer em uma construção de fronteamento ou seja, com a ordem {XVS}? Se a resposta a esta pergunta for positiva isto é, se observarmos uma diferença no comportamento dos verbos de diferentes classes quanto à superficialização da ordem {XVS} a hipótese do fronteamento como movimento de focalização deverá ser repensada, para que se possa formular a natureza da interferência da semântica do verbo nessas construções. Para sabê-lo, faz-se necessário realizar um levantamento dos padrões de ordem em relação aos tipos de verbo nos textos clássicos do português, como o que proponho neste estágio de pesquisa. É portanto desta forma que se configuram os dois pontos de confluência principal entre os projetos de pesquisa envolvidos no trabalho aqui proposto. De um lado, o estudo das diáteses no Português Clássico contribuirá para os objetivos de investigação diacrônica do projeto de Viotti & Negrão (em curso). De outro lado, o estudo sistemático da semântica argumental permitirá uma abordagem mais refinada da hipótese sobre os padrões de ordem no Português Clássico trazida por Paixão de Sousa (em curso), ao incluir neste projeto uma abordagem semântica, até o momento não contemplada. Alguns dados preliminares 1 confirmam o interesse desse projeto conjunto exemplifica-se aqui o caso do verbo dar, cuja diátese no Português Brasileiro é estudada detalhadamente em Negrão & Viotti (em curso). Em uma observação inicial, já se nota que algumas construções características do Português Clássico com este verbo se distanciam de diáteses esperada hoje no Português Europeu; veja-se, abaixo, o uso de dar no sentido de acontecer : (8) (a) E sendo já entre as ilhas do Cabo Verde (as quais iam demandar para fazer aí aguada), deu-lhes um temporal, que foi causa de as não poderem tomar, e de se apartarem alguns navios da companhia. (b) A Rainha, que ia algumas jornadas diante, deram-lhe as dôres do parto de noite, e dizem algumas pessoas, que parira uma filha Esses exemplos mostram uma estrutura argumental diferente da estrutura transitivo-ativa de dar em Português Europeu, ou seja, com Agente, Tema e Alvo; aqui, parece-nos, não há um argumento agentivo controlador. Outras construções com dar mostram diferentes diáteses, como as exemplificadas abaixo, em que tampouco há um argumento agentivo controlador: (9) (a) Uma planta se dá também nesta província, que foi da ilha de São Thomé 1 Os dados preliminares foram colhidos em um estudo das estruturas argumentais atestadas no texto de Pero Magalhães de Gandavo (1502), História da Província Santa Cruz, realizado como atividade didática junto aos alunos do curso Seminário Temático em Gramática, que estou ministrando desde março de 2007, na Pós-graduação em Lingüística do IEL -Unicamp. [ 9 ]

(b) Algumas deste Reino se dão também nestas partes, convém a saber, muitos melões, pepinos, romãs, e figos de muitas castas. Embora não se tenha atestado, nessas observações preliminares, construções equivalentes a (3c) acima (ou seja, do tipo Essas jaboticabas deliciosas estão dando na minha chácara, onde um argumento interno ocupa a posição de sujeito, e o argumento principal está apagado), os dois exemplos em (9) acima mostram um uso que poderia ser analisado como bastante próximo a isso: o argumento interno está fronteado, e o uso de SE indica uma estratégia de impessoalização (impossível no Português Brasileiro nesse contexto, como mostram Viotti & Negrão). Exemplos como esse mostram que a comparação diacrônica entre os verbos que apresentam alternância de diátese no Português Brasileiro atual e seus antecedentes nos textos clássicos podem ser reveladores de contrastes sintáticos distintos daqueles observados ao se comparar o Português Brasileiro com o Português Europeu atual. Essas observações iniciais provém de um estudo preliminar realizado no sentido de verificar a hipótese central do projeto de Paixão de Sousa (em curso), segundo a qual a descrição dos padrões de ordem no Português Clássico depende da compreensão do estatuto discursivo de cada elemento da sentença, mais que de seu estatuto em termos de função sintática (sujeito, objeto). Essa idéia levou à realização de uma descrição inicial do texto História da Província Santa Cruz levando em conta o estatuto temático dos argumentos. Esse estudo, em andamento, vem mostrando que a ordem {V-Complemento} é freqüente quando o argumento externo não está expresso e quando não há um argumento estativo; mas que, quando há mais de um argumento expresso, a ordem entre eles varia, não sendo possível generalizar-se em termos de SV, VS, etc. É uma sistematização dessa observação inicial que o projeto A Sintaxe da ordem no Português busca com a construção do dicionário de valências verbais. Outros procedimentos serão combinados com este no prosseguimento do projeto; notadamente, um estudo sistemático do estatuto discursivo dos constituintes nas construções de fronteamento (Castro Alves e Paixão de Sousa, em curso), e uma análise teórica da estrutura envolvida na construção de fronteamento. Reproduz-se, abaixo, o plano de trabalho completo de Paixão de Sousa (em curso); a construção do dicionário de valências está prevista no item 2.2.2. Em seguida, na seção III, detalham-se os procedimentos a serem seguidos no desenvolvimento da descrição das valências, como parte do estágio de pesquisa a ser realizado junto ao Departamento de Lingüística da FFLCH-USP. [ 10 ]

Projeto A Sintaxe da Ordem no Português, 1400-1900: Plano de Trabalho Resumido 1. Formação da Base Documental 1.1 Objetivo: Formar uma base documental para o período em estudo, representativa do ponto de vista de volume de dados e qualidade filológica das fontes. 1.2 Principais Procedimentos 1.2.1 Desenvolver técnicas de pesquisa relativas a processamento de textos e busca de dados (data-mining) que favoreçam o trabalho ágil e preciso com o material empírico de trabalho. 1.2.2 Desenvolver uma reflexão historiográfica crítica sobre a representatividade dos textosfonte em relação às propriedades gramaticais em análise. 1.3 Resultados Preliminares e Trabalhos em Andamento 1.3.1 Corpus Inicial cf. http://www.ime.usp.br/~tycho/corpus 1.3.2 Projeto Memórias do Texto: Aspectos tecnológicos na construção de um corpus histórico do português, cf. http://www.ime.usp.br/~tycho/participants/psousa/memorias/ 2. Descrição e Análise dos Dados Empíricos 2.1 Objetivo: Descrever e analisar a ordem de constituintes da sentença em textos portugueses clássicos e modelar a dinâmica da evolução diacrônica dos padrões de ordem atestados. 2.2 Principais Procedimentos 2.2.1 Desenvolver um quadro metodológico rigoroso que oriente o trabalho de identificação e classificação dos dados: Desenvolver uma reflexão sobre a participação das propriedades sintáticas e semântico-pragmáticas na atividade de descrição gramatical; Pesquisar as teorias sobre a relação entre o componente informacional e o compoente computacional na arquitetura da gramática; 2.2.2 Desenvolver produtos de referência para estudos históricos e teóricos da sintaxe da língua portuguesa, a partir dos resultados dos levantamentos de dados, com alcance na comunidade de pesquisa: Dicionário das valências verbais no Português Clássico (1400-1700); Gramatica Descritiva da Ordem de Constituintes no Português (1400-1700). 2.2.3 Desenvolver a modelagem e quantificação estatística dos dados empíricos, nos termos de Kroch 1989 (Constant Rate Effect). 2.3 Resultados Preliminares e Trabalhos em Andamento 2.3.1 Desenho da Estrutura Descritiva 2.3.2. Castro Alves, F. & Paixão de Sousa, M.C. Continuidade do Tópico e Ordem de Constituintes em Textos Portugueses do Século 16. 3. Reflexão Teórica e Modelagem da Mudança: 3.1 Objetivo: Analisar estruturalmente a ordem superficial atestada nos dados, explicar as propriedades gramaticais em jogo em cada etapa, e modelar a interpretação da evolução diacrônica dos dados modelados como reflexos de uma mudança gramatical. 3.2 Principais Procedimentos 3.2.1 Desenvolver a hipótese de trabalho sobre a estrutura da frase no Português Clássico: {TOP } [ CP... C [ FP... F [ IP... I [ vp...v [ VP...V ]]]] Formalizar a natureza do núcelo funcional FP e modelar a derivação da operação de fronteamento ( movimento para FP); Formalizar a relação entre o elemento externo {TOP} e a sentença, em particular quanto ao estabelecimento de co-referencialidade, no discurso, entre este elemento e constituintes internos. 3.2.2 Pesquisa teórica sobre sobre a relação entre o componente informacional e o compoente computacional na arquitetura da gramática, e sobre a teoria da Mudança Gramatical no quadro gerativo: motivações e instanciamentos; o lugar da variação diacrônica na arquitetura da gramática. 3.3 Resultados Preliminares e Trabalhos em Andamento 3.3.1 Levantamento Bibliográfico (Teoria da Mudança: Motivações e Instanciamentos; Formulação conceitual para saliência, foco, tópico ; Desenvolvimento da hipótese estrutural abstrata). 3.3.2 Paixão de Sousa, M.C.: Uma posição à esquerda para tópicos sentenciais no Português Clássico. [ 11 ]

III. Procedimentos e Cronograma 1. Procedimentos 1.1 Universo de Pesquisa Para desenvolver a descrição sistemática das valências verbais, serão escolhidos cinco textos para serem descritos exaustivamente ou seja, com todos os seus verbos levantados e classificados segundo sua estrutura temática, a expressão de seus argumentos e sua ordem relativa. A previsão é que esta vertente dos trabalhos leve cinco meses para ser completada, em sua primeira versão 2. O levantamento realizado neste Corpus Principal (cf. 1.1.1) indicará quais verbos mercem uma pesquisa mais extensa, por apresentarem maior complexidade e variedade de construções. Os verbos assim identificados serão investigados, em seguida, num corpus mais extenso, para que se possa ter maior segurança da generalidade dos usos encontrados. Tanto os textos do Corpus Principal como os textos do corpus complementar foram preparados e editados na primeira fase do projeto de Paixão de Sousa (em curso), como parte do Corpus Histórico do Português Tycho Brahe. O material se encontra disponível em formato eletrônico, podendo ser processado com facilidade em planilhas de processamento comuns (de aplicativos do tipo Excell), conferindo bastante agilidade ao trabalho, conforme se constatou no estudo preliminar. 1.1.1 Corpus Principal (a) Duarte Galvão, 1435: (b) Pero Magalhães de Gandavo, 1502: (c) Manuel dos Santos, 1672: (d) José Daniel Rodrigues da Costa, 1757: (e) Marquês de Alorna, 1802: Crônica del-rei Afonso Henrique (53.500 palavras) História da Província Santa Cruz (22.944 palavras) História Sebástica (54.000 palavras) Entremezes de Cordel Memórias 1.1.2 Corpus Complementar Corpus Histórico do Português Tycho Brahe - 40 textos, 2 O estudo preliminar com base no texto História da Província Santa Cruz mostra ser possível analisar até 15 verbos em uma hora de trabalho. Um texto de cerca de 30.000 palavras possui em média 600 orações principais (ou seja, 600 verbos a serem analisados); o conjunto dos cinco textos a serem levantados exaustivamente (o Corpus Principal da pesquisa, cf. 1.1.1 acima) totaliza 276.550 palavras, podendo-se calcular cerca de 5.500 verbos no total. Assim, o processamento dos cinco textos deve tomar no mínimo cerca de 360 horas de trabalho (cerca de 60 dias úteis, considerando-se seis horas de trabalho diário). [ 12 ]

http://www.ime.usp.br/~tycho/corpus (cf. Detalhamento em Anexo, seção 3) 1.2 Procedimento de Descrição das Valências O procedimento básico a ser seguido na descrição das valências será a classificação das construções atestadas com cada verbo em termos de expressão da semântica argumental (papéis temáticos/propriedades semânticas) e ordem. No estudo preliminar, isso está sendo feito da maneira esquematiza em (10) abaixo 3 : (10) n. V ordem ocorrência [534] dar (desencadeador + c) afetado estativo AFET_ESTAT_V E tanto que o matador vê tempo oportuno, tal pancada lhe [dá] na cabeça, que logo lha faz em pedaços. Nesta primeira abordagem, usei como padrão de descrição os critérios de Cançado (2001) para a semântica argumental do Português Brasileiro: desencadeador, afetado, estativo, com [ + ou controle ]. Entretanto, um dos pontos centrais desta fase do projeto é refinar e discutir esses critérios de descrição. Isto será possível graças à inserção do projeto numa instituição com forte tradição de estudos na interface sintaxe-semântica, como é o caso do Departamento de Lingüística da FFLCH-USP. Neste sentido, prevê-se que o estágio seja complementado com a realização de cursos na área de semântica oferecidos na pós-graduação daquele departamento, além de sessões de consultoria semanais junto à supervisora dos trabalhos. A sistematização desses critérios de descrição permitirá dois desdobramentos futuros: a continuidade da descrição das valências no Português Clássico, formando o dicionário completo, e a continuidade dos trabalhos comparativos entre Português Brasileiro, Português Clássico e Português Europeu. 1.3 Produtos Os cinco textos a serem descritos neste ano resultarão no Piloto do Dicionário de Valências do Português Clássico. Esse piloto, em formato eletrônico, será apresentado à comunidade de pesquisa ao final do estágio. O retorno possibilitado por este primeiro lançamento possibilitará a absorção de avanços e modificações que vierem a ser sugeridas; o plano para o futuro é expandir essa versão piloto, de modo a formar o Dicionário completo, este a ser colocado à disposição também em forma impressa. O segundo produto será um artigo onde se apresentarão os principais resultados do estágio de pesquisa, 3 A classificação é feita em uma planilha de cálculos; assim, o conjunto dos dados classificados pode ser ordenado conforme a coluna desejada por tipo de verbo, por argumentos expressos, etc., possibilitando um mapeamento ágil da análise a cada ponto do trabalho. [ 13 ]

com o título provisório Ordem de Constituintes e Promoção Argumental: um Estudo Comparado do Português Brasileiro com o Português Clássico. A seguir, apresenta-se o cronograma para a realização dessas atividades ao longo do ano de estágio. 3. Cronograma Outubro, 2007 Fevereiro, 2008 Descrição Inicial dos cinco textos do Corpus Principal Consultoria Semanal com a Supervisora Realização de um Curso na área de Semântica, na pós-graduação do DL-FFLCH-USP Março, 2008 Julho, 2008 Apresentação da versão inicial do trabalho para o DL-FFLCH-USP Revisão da Descrição Inicial Descrição do Corpus Complementar Consultoria Semanal com a Supervisora Realização de um Curso na área de Semântica, na pós-graduação do DL-FFLCH-USP Agosto, 2008 Setembro, 2008 Apresentação do Dicionário Piloto para o DL/FFLCH/USP Redação do Artigo [ 14 ]

Referências Bibliográficas Cançado, M. (2003). Hierarquia Temática: Uma proposta para o PB. Revista Letras, Curitiba, n. 61, especial, p. 17-43. Editora UFPR. Castro Alves, F. e Paixão de Sousa, M.C. (em curso). Continuidade do Tópico e Ordem de Constituintes em Textos Portugueses do Século 16. Unicamp, Ms. Galves, C. (2001). Ensaios sobre as gramáticas do português. Campinas: Editora da Unicamp. Galves, C. & Paixão de Sousa, M.C. (2005). Clitic placement and the position of subjects in the history of European Portuguese. Em T. Geerts, I. Van Ginneken & H. Jacobs (orgs.) Romance Languages and Linguistic Theory: selected papers from Going Romance 2003. John Benjamins, pp. 93-107. Galves, C., Britto, H. & Paixão de Sousa, M.C. (2006). The Change in clitic placement from Classical to Modern European Portuguese: Results from the Tycho Brahe Corpus. Em: Journal of Portuguese Linguistics, Vol 4, n.1, Special Issue on variation and change in the Iberian languages: the Peninsula and beyond. Galves, C., Namiuti, C. & Paixão de Sousa, M.C. (2006). Novas perspectivas para antigas questões: revisitando a periodização da língua portuguesa. Em: A. Endruschat, R. Kemmler e Schäfer-Prieß (Orgs). Grammatische Strukturen des europäischen Portugiesisch: Synchrone und diachrone Untersuchungen zu Tempora, Pronomina, Präpositionen und mehr. Tübingen: Calepinus Verlag. Negrão, E.V. & Viotti, E. (em curso). Estratégias de Impessaoalização no Português Brasileiro. FFLCH-USP, ms. Paixão de Sousa (em curso). A Sintaxe da Ordem no Português, 1400-1900. Projeto de Pesquisa, Unicamp. Paixão de Sousa, M.C. (2004). Língua Barroca: Sintaxe e História do Português nos 1600. Tese de Doutorado, Unicamp. Ribeiro, I. (1998). A mudança sintática do PB é mudança em relação a que gramática?. In: A. Castilho (org.), Para a história do português brasileiro, vol I: Primeiras idéias. São Paulo: Humanitas. Viotti, E. & Negrão, E.V. (em curso). Alternâncias de diátese em português brasileiro: possíveis influências do contacto com povos africanos. Projeto de Pesquisa, FFLCH-USP. Withaker-Franchi, R.C. (1989). As Construções Ergativas. Um estudo semântico e sintático. Dissertação de Mestrado, Unicamp. [ 15 ]

IV. Anexo: Projeto A Sintaxe da Ordem no Português, 1400-1900 [ 16 ]

A Sintaxe da Ordem no Português, 1400-1900 Resumo Esta pesquisa tem por objetivo principal demonstrar que a evolução diacrônica dos padrões de ordem atestados em textos escritos em português entre os anos 1400-1900 refletem uma mudança gramatical que remete, centralmente, à codificação das relações entre sintaxe e discurso na frase abstrata, conforme entendidas no quadro teórico gerativista, em sua versão minimalista. Neste plano teórico, as mudanças gramaticais consituem-se como alterações nas propriedades lexicais dos núcleos funcionais (ou seja: nos planos não-universais da arquitetura da gramática), que serão refletidas na produção lingüística de gerações diacronicamente subsequentes de falantes de uma língua particular. O fator central na mudança gramatical envolvida no fim do assim chamado Português Clássico (1500-1600) seriam as propriedades lexicais do núcleo funcional responsável pela articulação entre a sintaxe e o discurso nas línguas naturais. Proponho como hipótese inicial para a sentença abstrata na gramática representada nos textos até o século 17 a estrutura [ CP... [ C ] [ FP... [F]] [ IP... [ I ] [ vp...[ v ] [ VP...[ V ] ]]]], onde F (lócus de codificação das relações entre sintaxe e discurso) tem traços [+φ]. Essa hipótese estrutural corresponde satisfatoriamente às condições de interpretação contextual das diferentes ordens superficiais dos constituintes (em especial, quanto aos sujeitos referenciais), e descreve satisfatoriamente a variação empírica detectada nos textos quanto aos constituintes que podem ocupar a posição pré-verbal interna. Defenderei que uma mudança nas propriedades lexicais do núcleo F (de traços [+φ] para traços traços [-φ] noportuguês Europeu; e a desativação do traço [afetivo]/[afetivo] no Português Brasileiro) é o fator central responsável pela reorganização da sintaxe da ordem a partir dos textos representativos do século 18. O desenvolvimento dessa hipótese fundamenta-se em uma análise que articula as propriedades computacionais e as propriedades semântico-discursivas envolvidas no ordenamento de constituintes, tal como essas podem ser investigadas em textos escritos. O trabalho inclui portanto a descrição e análise de dados, a reflexão sobre as condições de interpretação de dados documentais no quadro metodológico autorizado pela teoria gerativa da gramática, e a reflexão sobre os mecanismos responsáveis pelas mudanças gramaticais nesse quadro teórico. [ 17 ]

1. Introdução Nos textos portugueses escritos até o século 17 é bastante freqüente a ordem superficial {XVS} 4 (onde X é um complemento do verbo): (1) (a) Uma carta de Vossa Reverência me deu o padre Frei Ene perto de Cascais (Chagas, 1631) (b) A este livro chamão elles: Quid pro quo : quer dizer, huma couza por outra (Costa, 1601) (c) Na Côrte andou este Rei dous anos (Couto, 1554) As ordens {XVS} são epecialmente representativas de uma propriedade gramatical central da língua representada nos textos do Português Clássico: a organização da frase em torno de uma posição sintática codificadora da saliência informacional na periferia esquerda. Essa propriedade gramatical promove o termo mais saliente, entre os participantes da diátese verbal, para essa posição de destaque à esquerda. Na estrutura abstrata refletida nos padrões em (1) acima, {X} especifica um núcleo funcional localizado acima de I, ao qual o verbo (V-I) está integrado. Esse núcleo (F) codifica sintaticamente as relações discursivas que podem ser expressas no interior da frase por meio de traços abstratos morfológicos. O verbo é o núcleo lexical que compartilha este traço [+φ] com F, e que portanto deve (sempre) se integrar a F, e constituintes que compartilhem este traço [+φ] podem especificar F-V: (2) [ CP [C] [ FP X-[+φ] [ F-V-[+φ] ][ IP [ I-t ] [ vp [ v-t ] [ VP [ V-t ] ] ] ] ] onde F [+φ] Demonstrarei nesta pesquisa que esta formalização para a estrutura da frase permite explicar todas as ordens superficiais atestadas nos textosdo Português Clássico, e as proporções relativas entre elas (inclusive quanto à variação empírica na posição de pronomes clíticos). Além disso, a hipótese se adequa às interpretações contextuais correspondentes às construções nos textos: os dados preliminares desta pesquisa indicam que as ordens {XVS} no Português Clássico remetem à maior saliência contextual de {X} em relação aos demais constiuintes da frase 5. A adequação intepretativa é uma 4 Nesta apresentação usarei a marca {...}, colchetes, para indicar a ordem superficial dos termos; ou seja, a seqüência{xvs}, por exemplo, não faz referência à posição estrutural de {X}, de {V} ou de {S}. 5 Fundamentalmente, os sujeitos pós-verbais nos textos da época não aceitam inequivocamente a interpretação de focos, como acontece com os sujeitos invertidos no Português Europeu Moderno. Isso já indica ser mais adequado analisar {XVS}, no Português Clássico, como análogo às assim chamadas inversões germânicas que não são, a rigor, inversões de {S}, mas fronteamentos de {X}-{V}; e não às inversões românicas, que são focalizações de sujeito. Além do contraste interpretativo quando ao estatuto de S, as inversões românicas e germânicas diferenciam-se por subconfigurações específicas da porção pós-verbal das sentenças: as germânicas são tipicamente {XVSX}, como em (1a-c) acima; as românicas, tipicamente {(X)VXS}. Os dados preliminares mostram que a configuração específica {XVSX} é a [ 18 ]

propriedade importante da hipótese, por dois motivos: primeiro, porque a interpretação dos dados permitirá formalizar as propriedades abstratas de F. Segundo, porque a interpretação é um dos aspectos centrais a diferenciar as ordens {XVS} no Português Clássico das ordens {XVS} do Português Europeu moderno e a aproximá-las das ordens {XV} do Português Brasileiro onde {X} é um tópico sentencial. No detalhamento que segue apresentarei os dados iniciais que fundamentam essa interpretação dos constituintes pré-verbais nos textos representativos do Português Clássico (em contraste com sujeitos e outros elementos pós-verbais). Esses dados indicam que nesta língua, a organização da sentença gravita em torno de uma posição pré-verbal discursivamente saliente, que me parece poder ser adequadamente formalizada como a projeção FP proposta em URIAGERAKA (1998), RAPOSO & URIAGEREKA (2005). FP, para esses autores, é a categoria funcional onde se codifica a relação sintaxe-discurso no interior da frase na línguas românicas; a realização do verbo em F e sua especificação por um de seus complementos modela na frase o ponto de vista da proposição. A propriedade abstrata de F marca a saliência relativa ao ponto de vista a ser codificado na frase; os constituintes que especificam F são os mais salientes em relação aos demais participantes da diátese verbal tanto tópicos sentenciais, como focos e operadores de ênfase. RAPOSO & URIAGEREKA (2005) sugerem que o caso abstrato realizado em F é o caso citativo ; assumirei, inicialmente, esta formulação, pois ela parece adequada à observação da possibilidade de se encontrarem tanto focos como tópicos nesta posição nos textos clássicos 6. Precisar formalmente a natureza da saliência codificada em F, detalhando seus condicionantes discursivos e formais, será uma das tarefas centrais no desenvolvimento dessa pesquisa. Nesta Introdução, quero indicar como a hipótese estrutural (2) acima, considerada a análise preliminar de {X} em spec-fp como saliente (foco/tópico), se associa a uma perspectiva diacrônica interessante, especialmente no que se refere às estruturas de deslocamento e apagamento de argumentos nas variantes modernas do português: o Português Europeu (PE) e o Português Brasileiro (PB). De um lado, o contraste interpretativo (e certas diferenças sintáticas) que observei entre {XVS} no Português Clássico e {XVS} no Português Europeu mostrariam que a mudança para o PE incide numa reorganização dos mecanismos de codificação entre sintaxe e discurso na frase abstrata, onde a ordem {VS} cuja freqüência cai mais agudamente nos textos com o fim do período clássico. 6 Parece-me adequado sugerir que, uma vez que F codifica ponto de vista, a importância relativa entre os constituintes pode estar ligada à topicalidade em alguns casos, e à saliência informacional em outros. Isso explicaria, portanto, a possibilidade de se encontrarem tanto focos como tópicos nesta posição: se o importante é salientar a topicalidade, o tópico sentencial é movido à esquerda. Se o importante é salientar a referencialidade, há um foco ( informação nova ), e este deve ser movido à esquerda. O caso citativo reflete também a idéia de aboutness, delineada em VALLDUVÍ (1993) para encompassar as propriedades de topicalidade e saliência referencial que se mesclam em diferentes medidas nos elementos focais e tópicos. [ 19 ]

propriedade de saliência à esquerda parece ficar desativada. De outro lado, no que se refere à mudança do Português Clássico para o PB, também se abre uma perspectiva diacrônica interessante: se a posição estrutural à esquerda no Português Clássico codifica a saliência informacional de tal modo a poder abrigar focos e tópicos sentenciais (e se a extensão do levantamento de dados comprovar a indicação preliminar da elevada freqüência de ocorrência de {XV} onde {X} é um tópico sentencial no Português Clássico), forma-se um quadro interessante para interepretar os antecedentes diacrônicos das construções de topicalização e promoção argumental no PB. Comecemos por notar que no Português Europeu moderno, a ordem superficial {XVS} ainda é atestada: (3) PE: (a) A sopa comeu o Paulo onde foco: o Paulo (Costa 1998:109) (b) A esse teu amigo tem dado atenção só o Pedro onde foco: o Pedro (Ambar 1992:81) (c) Em Lisboa mora o Pedro onde foco: o Pedro (Ambar 1992:78) As ordens {XVS} no PE e no PC, embora superficialmente semelhantes, apresentam diferenças interpretativas importantes: no PE, {S} recebe aí a interpretação de foco (segundo Ambar, 1992, e Costa, 1998, entre outros); no Português Clássico, como demonstrarei mais adiante, não recebe. No PE, portanto, essas ordens derivam da demoção do sujeito para uma posição pós-verbal ou seja, são aí, de fato, inversões da ordem canônica {SV} (que, defendo, não é canônica no PC). Coerentemente, enquanto no PE {XVS} é menos atestado que {SVX}, nos textos clássicos há um equilíbrio entre as duas ordens superficiais. A principal diferença de {XVS} no PC e no PE, portanto, é que no PC esta ordem deriva de uma operação sintática sobre {X}, e no PE, em geral, de uma operação sintática sobre {S}. Proponho que isso corresponde a uma mudança gramatical na qual a propriedade morfológica de F como [+CITATIVO] se perdeu no PE. Por outro lado, a propriedade que permite {XVS} como operação de {X} (e não de {S}) no PC tem como contraparte, no PE, uma construção muito especial, o chamado movimento afetivo : (4) Muito uísque bebeu o capitão! (Raposo, 1998) As construções de movimento afetivo são também atestadas nos textos clássicos: (5) Muito estimara eu que fôsse tal o meu desembaraço (Chagas, 1631) A possibilidade do movimento afetivo no PE indica que a associação de F a um traço (não- [ 20 ]

morfológico) [afetivo] se manteve nesta gramática 7. Assim, enquanto no PC F é morfológico e sempre presente nas derivações (podendo ou não carregar o traço adicional [afetivo]), no PE F cumpre exclusivamente a função de abrigar o traço [afetivo], e portanto só participa das derivações em que há um constituinte marcado com este traço. Já no Português Brasileiro, a construção {XVS} com com valor afetivo de {X} não é gramatical o que seria uma indicação inicial de que no PB o traço [afetivo] de F não está mais ativo: (6) PB: * Muito uísque bebeu o capitão! De fato, no PB ordens {XVS} não parecem naturais nem com a associação de um valor afetivo para {X}, nem como focalizações do sujeito, como acontece no PE: (7) PB: (a) * A sopa comeu o Paulo (b) * A esse teu amigo tem dado atenção só o Pedro (c) * Em Lisboa mora o Pedro Segundo importantes estudos (cf. Kato 2000, sobretudo), apenas ordens {VS} com verbos monoargumentais são possíveis e naturais no PB: (8) (a) Chegou a encomenda. (b) Apareceu a menina. Entretanto, os estudos também indicam que o estatuto de {a encomenda} ou {a margarida} nas sentenças acima como sujeitos é discutível; tais elementos, apesar de poderem ser analisados como sujeitos semânticos do verbo, parecem se comportar, de fato, como complementos sintáticos: (9) (a) Chegou as encomendas. (b) Apareceu as meninas. Inversamente, no PB os complementos semânticos do verbo (argumentais e outros, como locativos, circunstanciais), quando são tópicos sentenciais, podem aparecer em posição pré-verbal. Mas, nessa configuração, esses complementos semânticos parecem comportar-se como sujeitos gramaticais: 7 Talvez esta manutenção reflita, de fato, um resquício conservador do PE em relação à gramática clássica; encontro, por exemplo, em Costa (1998), a seguinte possibilidade para a posição dos sujeitos em construções afetivas (portanto, sujeitos não focalizados: (i) Muito vinho o João bebeu! A ordem acima ({X-afetivo SV}) está mais de acordo com a descrição do PE moderno proposta por Costa, em que a ordem {VS} só se explica por focalização de {S}. [ 21 ]

(10) (c) O filé acompanha fritas. (d) A máquina está lavando os tapetes. Uma boa hipótese para comparar PB e PC quanto à ocupação da posição esquerda FP seria a seguinte: no PB, o traço abstrato de caso [CITATIVO] não se perdeu; daí a produtividade das construções {XV} onde {X} é um topico sentencial, nessa gramática. Assim, no PB a propriedade morfológica que permite {XVS} como operação sobre {X} (caso abstrato [CITATIVO]) permanece. Entretanto, em associação a outras propriedades da gramática do PB (essencialmente, no que respeita as possibilidades de apagamento dos argumentos), a operação do caso [CITATIVO] sobre {X} complemento não resulta em inversão dos constituintes sujeitos mas sim na promoção de {X} a sujeito sintático (como indica a concordância entre {o filé} e {acompanha}, {a máquina} e {está}, nos exemplos acima). Ou seja: as construções de promoção argumental no PB seriam diacronicamente derivadas das construções de fronteamento{xvs} nopc: (11) (e) A esse livro chamam eles Quid pro quo (A esse livro: complemento fronteado) (f) Esse livro chama Quid pro quo (Esse livro: complemento promovido) Assim, o PB refletiria do PC não uma ordem superficial particular, mas sim uma propriedade abstrata: a de sempre posicionar o tópico sentencial à esquerda do verbo. No PC, quando o tópico sentencial não coincide com o sujeito gramatical, superficializa-se a ordem {XVS} simplesmente porque {S} permanece em IP. No PB, quando o tópico sentencial não coincide com o sujeito gramatical, ele é promovido a sujeito gramatical. De certa forma, no PB a propriedade de se deslocar o tópico sentencial à esquerda se radicaliza, em relação ao PC; mas nos dois casos, o traço morfológico de F pode ser o mesmo. A questão da da perda de {VS} no PB estaria relacionada a propriedades que governam IP (como a impossibilidade de categorias vazias no especificador de I), não com as propriedades abstratas de F. Na minha hipótese, portanto, o fim da gramática clássica estaria relacionado fundamentalmente a mudanças nas propriedades lexicais de F. No PE, F fica associado exclusivamente ao traço [afetivo] e portanto só aparece quando há um X com traço [afetivo], perdendo o traço morfológico de caso [CITATIVO]. No PB, o traço [afetivo/afetivo] se desativa, e o traço morfológico [CITATIVO] permanece ativo. Com relação às propriedades de F (ou seja: com relação às propriedades sintáticas que codificam valores discursivos no interior da frase), estes seriam os contrastes centrais entre PC, PB e PE. Entretanto, as ordens {XV} superficias, nas três gramáticas, podem envolver outras propriedades, que [ 22 ]

não analiso como relacionadas às propriedades de F: centralmente, os casos em que o {X} pré-verbal superficial não é um tópico sentencial (nem um foco), mas sim um tópico do discurso. Sob a rubrica tópicos do discurso compreendo os elementos {X} em {XV} que não fazem parte da diátese verbal e portanto, não participam da derivação da sentença no plano sintático. O estatuto de {X} enquanto tópico do discurso ou tópico sentencial é ambíguo em muitos casos, como discutirei mais à frente; considerarei que {X} é inequivocamente um tópico do discurso (e não um constituinte do interior da frase) quando não for possível atribuir a {X} um estatuto de argumento do verbo, estando todos os argumentos já representados na frase. Ou seja: incluo aqui os assim chamados tópicos pendentes, e também os assim chamados tópicos retomados (que na minha perspectiva apenas coincidem referencialmente com um constituinte que, na sentença, participa da diátese verbal): (12) (a) O ir para o Natal, como lá se disse, eu o tenho quási por impossível...(chagas, 1631) (b) A Rainha, deram-lhe as dores do parto (Couto, 1554) (c) Esses rapazes, dêem-lhe muitos recados (Mão Inábil, 1691) (d) A gente, parte dela se afogou, por se querer lançar a nado à terra, e a outra, que se deixou ficar na náo, toda se salvou, porque da terra lhe acudiram logo muitas almadias (Couto, 1554) Minha análise para {XV} em exemplos como (2) acima seria a de {X} como adjunto da frase: (13) {TÓPICO DO DISCURSO} [CP... ] Considerando que construções deste tipo são comuns no PE moderno e no PB, a construção {TOP}[frase] poderia ser analisada como diacronicamente estável (e universal): (14) (a) PE: Os gerentes, trata-os como se foram míseros contínuos REF (b) PB: A Patrícia, ela não faz nada o dia inteiro. REF Diferenças importantes são observadas: no PC e no PE, quando o tópico do discurso coincide referencialmente com o argumento objeto, este é representado lexicalmente no interior da frase (é a assim chamada retomada clítica ). No PB, quando o tópico do discurso coincide referencialmente com o argumento sujeito, este é representado lexicalmente no interior da frase (é a assim chamada retomada pronominal ). Essa diferença, entretanto, se explica plenamente pelas diferentes condições quanto ao apagamento de argumentos em cada caso (cf. Kato & Negrão, 2000; Cyrino, 1994). Se levarmos isso em conta, construções acima no PC, no PE e no PB são paralelas. Podemos então resumir da seguinte forma os contrastes preliminares entre as três variantes, quanto às [ 23 ]