REFLEXÕES SOBRE A UNIDADE FAMILIAR: UMA PROPOSTA DIDÁTICA SOBRE VIDAS SECAS Igor Duarte Ismael Moreira Jardim 1. APRESENTAÇÃO Partimos do ponto comum que literatura é toda forma de manifestação poética, dramática ou ficcional criada pelo homem. Logo, compreendemos que a literatura, ao passar dos tempos, inclinou-se à representação de uma época, de uma cultura ou mesmo de um momento histórico de uma sociedade. Graças a ela, então, tornam-se claras todas as manifestações culturais dos homens de todos os tempos. O conjunto cultural brasileiro contemporâneo, por vezes, pede um olhar diferenciado sobre as obras produzidas atualmente, um olhar que estimule novas leituras e interpretações do quadro que a literatura brasileira vem representando. Cosson (2006), em seu texto A Literatura e o Mundo, escreve: a literatura serve tanto para ensinar a ler e a escrever quanto para formar culturalmente o indivíduo. Podemos compreender, então, que toda a literatura, por si só, já traz pressupostos de uma realidade que ainda vive-se ou que já foi vivida. As Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM, 2006), em sua parte dedicada a linguagens e códigos e suas tecnologias, reafirma o papel da literatura, e de outras artes, em sala de aula: [...] como meio de educação da sensibilidade; como meio de atingir um conhecimento tão importante quanto o científico embora se faça por outros caminhos; como meio de pôr em questão (fazendo-se crítica, pois) o que parece ser ocorrência/decorrência natural; como meio de transcender o simplesmente dado, mediante o gozo da liberdade que só a fruição estética permite; como meio de acesso a um conhecimento que objetivamente não se pode mensurar; como meio, sobretudo, de humanização do homem coisificado [...]. (BRASIL, 2006. p.52) paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº 2 2016 369
Nossa proposta, assim, torna-se colocar o aluno como parte da literatura, apropriando-se e tomando para si a obra. Não apenas isso, mas também reconhecer o quanto é possível compreender do mundo e, por consequência, de nós mesmos por meio da obra de Graciliano Ramos, Vidas Secas. 2. O ROMANCE Vastos são os romances que ao longo do tempo descreveram e ainda descrevem a vida áspera e pobre dos sertanejos que viveram e andaram conforme a vontade da natureza. Entre pequenas e grandes propriedades, e por vezes nulas, a vida no sertão quase sempre se fez nômade em busca de melhores condições de vida. Entende-se, aqui, como melhores condições de vida aquilo que contemple o básico para (sobre)viver no mundo rural ainda não vestido com os ruidosos trajes da urbanização brasileira. Nesse contexto, consagra-se Vidas Secas, romance de Graciliano Ramos que tem seu enredo ditado pela ecologia sertaneja que a todo instante desencaminha o vaqueiro Fabiano, Sinhá Vitória, os dois meninos, o mais novo e o mais velho, e a cadela Baleia. Bruta e reflexa do mundo que habita, ao longo da narrativa, em curtos capítulos, a família é verdadeiramente atacada pelas mãos da natureza que em um ciclo contínuo a castiga, quando deveria lhe dar sustento. 3. A ESCOLHA DO TEXTO Nos últimos anos, muitos são os debates que envolvem a unidade familiar e, assim, consequentemente seus membros que possuem características singulares. Em Vidas Secas, por exemplo, a família de retirantes é marcada por uma insuficiência linguística que torna escassos os momentos de diálogos entre seus membros. Desta maneira, entre esse e demais exemplos da narrativa de Graciliano Ramos, pretendemos realizar uma série de atividades que façam o aluno refletir sobre sua relação familiar através da assimilação de elementos do plano ficcional da literatura. Assim, esperamos que, ao término de algumas tarefas e respostas aos paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº 2 2016 370
questionamentos levantados pelo professor, o aluno apresente uma visão mais ampla sobre o núcleo familiar e as características que constituem sua união. 4. RESUMO DAS ATIVIDADES Atividade 1 - Introdução ao assunto Apresentação de alguns dos modelos de família através de alguma imagem, como abaixo (anexo 1): Submeter aos alunos as seguintes perguntas: a) Como é a sua família? b) O que família significa para você? c) O que constitui uma família? Após isso, introduzir a imagem a seguir (anexo 2) e realizar as seguintes perguntas: a) Pela expressão facial do desenho, você considera essa uma família feliz? Por quê? b) Essa família representa alguma região brasileira? Você acha que ela vive no mundo rural ou urbano? paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº 2 2016 371
Agora, o professor deve comunicar aos alunos que o desenho se refere aos personagens do livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos, e apresentar a obra. Atividade 2 - Apresentando o espaço da obra Apresentar anexo 3 e dialogar com os alunos sobre a seca no Nordeste. Também inserir o primeiro trecho da narrativa: paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº 2 2016 372
Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos (RAMOS, 2008, p. 5). Atividade 3 - Leitura do capítulo VII Distribuir aos alunos o capítulo VII e, após leitura, discutir as impressões sobre a família no momento de dificuldade pelo o qual passavam. É importante encorajar os alunos a dividir situações nas quais a família se mostrou, de alguma forma, decisiva para enfrentar alguma situação - criando, assim, uma relação mais tênue entre aluno e obra. Pedir para que os alunos destaquem partes da narrativa do capítulo onde o receio pela possível inundação não foi maior que a segurança de estar em família. 5. PRODUTO FINAL É importante pensar que a proposta deve ter um tema e uma produção final que agrade aos alunos de forma geral, possibilitando, assim, o real envolvimento no processo. Portanto, recuperando a discussão feita sobre o capítulo Inverno, de Vidas Secas, o professor deve pedir para que os alunos reescrevam esse capítulo colando como a unidade familiar dele(a) auxiliou para enfrentar o inverno. Ao professor, é importante lembrar que os alunos podem trazer histórias marcantes para eles. Portanto, antes de qualquer tipo de publicação das produções finais, o professor deve discutir com os alunos essa possibilidade. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº 2 2016 373
REFERÊNCIAS: BRASIL. Orientações curriculares para o ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC, Secretaria da Educação Básica, 2006. COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006. RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. 107ª edição, Rio de Janeiro: Record, 2008. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº 2 2016 374
Igor Duarte Graduando em Letras Licenciatura: Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Também é bolsista de Iniciação Científica PROBIC/FAPERGS no projeto LinguaPoa, que trata da variação fonéticofonológica e classe social na comunidade de fala de Porto Alegre (RS). Tem interesse por estudos interdisciplinares, sobretudo no que tange a Linguística e suas afinidades com a Biologia, Sociologia e Psicologia. Ismael Moreira Jardim Licenciando em Letras Português, Inglês e respectivas literaturas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Participou do Projeto de Iniciação à Docência oferecido pela Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Atualmente é professor de Língua Inglesa e Literatura pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul e coordenador do Projeto Trajetórias Criativas na Escola Escola Estadual de Ensino Médio Rafaela Remião. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº 2 2016 375