DESEMPENHO DE UM FORNO DE CARBONIZAÇÃO SEMI-CONTÍNUO TIPO CONTAINER PARA PRODUÇÃO DE CARVÃO VEGETAL 1

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Transcrição:

183 DESEMPENHO DE UM FORNO DE CARBONIZAÇÃO SEMI-CONTÍNUO TIPO CONTAINER PARA PRODUÇÃO DE CARVÃO VEGETAL 1 Performance of a Semi-Continuous, Container - Type Carbonization Oven for Charcoal Production Daniel Camara Barcellos 2, Alexandre Santos Pimenta 3, Juarez de Souza e Silva 4 e Luiz Carlos Couto 5 Resumo: O objetivo deste trabalho foi avaliar o desempenho do forno container e a qualidade do carvão nele produzido. O forno foi construído basicamente com chapa metálica, tijolos comuns e tijolos refratários. Construiu-se em conjunto uma fornalha do tipo celular, para queimar a fumaça do processo de carbonização. O ciclo médio de carbonização foi de 9h30, contra as 168 horas dos sistemas tradicionais O rendimento em carvão mostrou-se aceitável entre 28% e 38%, contra os 25% a 33% dos sistemas tradicionais. O teor de cinzas, variável de grande importância para alguns usos do carvão, como para produção de ligas metálicas, foi inferior a 1%. A porosidade do carvão, variável importante na reatividade do carvão em processos siderúrgicos, foi de 79,25%. As variáveis avaliadas neste tipo de forno indicam promissoras vantagens deste sistema. Palavras-chave: Forno container, forno de carvão, carbonização e qualidade do carvão. Abstract: This work aimed to evaluate the performance of a container type oven and the quality of the charcoal produced. The oven was basically made of a metallic plate and common and refractory bricks. A cellular type furnace was also built in order to burn the smoke originated from the carbonization process. Average carbonization cycle was 9 h and 30 min in contrast to 168 h under the traditional systems. Charcoal yield was found to be acceptable, between 28% to 38%, compared to 25% to 33% obtained in the traditional systems. Ash content, an important variable for some charcoal uses, such as the production of metallic alloys, was lower than 1%. Charcoal porosity, an important variable in charcoal reactivity in metallurgic processes, was 79.25%. The variables evaluated in this type of oven indicate promising advantages in the use of this system. Key words: Container type-oven, charcoal oven, carbonization, charcoal quality. 1 INTRODUÇÃO O carvão é uma fonte energética de grande importância no Brasil, não só pelo fato de ser um recurso renovável, mas também pela sua importância histórica e econômica no País. O Brasil é o maior produtor e consumidor mundial de carvão vegetal, sendo responsável por cerca de um quarto da produção mundial. Este insumo energético é em grande parte utilizado pelo setor industrial brasileiro, principalmente pelo segmento 1 Trabalho convidado. 2 M.S., Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciência Florestal, Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa DEF/UFV, <camara@uai.com.br>; 3 D.S., Prof. do Departamento de Engenharia Florestal DEF/UFV; 4 Ph.D., Prof. do Departamento de Engenharia Agrícola DEA/UFV. 5 Ph.D., Prof. da Universidade Estadual do Centro Oeste UNICENTRO.

184 BARCELLOS, D.C. et al. siderúrgico (Abracave, 2000), sendo o Estado de Minas Gerais o maior consumidor e produtor nacional (Pinheiro & Sampaio, 2001). O uso de carvão vegetal como redutor do minério de ferro, no Brasil, data de 1591, em fundições artesanais para produzir ferramentas de uso agrícola na colôni (Rocha et al., 2001). Segundo dados da Abracave (2000), o setor siderúrgico brasileiro respondia, em 1999, por quase 130.000 empregos diretos. O carvão pode ser definido como um material sólido, poroso, de fácil combustão e capaz de gerar grandes quantidades de calor (6.800 kcal kg -1 ) (Brasil, 2000). Pode ser obtido por processo artificial, pela pirólise de madeira, produzindo o carvão vegetal, ou originar-se de um longo processo natural, denominado encarbonização, pelo qual substâncias orgânicas, principalmente vegetais, são submetidas à ação da temperatura terrestre durante cerca de 300 milhões de anos e transformam-se em carvão mineral. O carvão vegetal é chamado de artificial e o mineral de natural (BARSA,1998), em função do processo de sua obtenção. Segundo Almeida & Rezende (1982), carbonização é o processo pelo qual a madeira é submetida a tratamento térmico, a temperaturas elevadas, em uma atmosfera redutora controlada. Entretanto, a produção de carvão, quase que na sua totalidade, é realizada por sistemas rudimentares de carbonização, em que - o controle do processo é realizado por fatores subjetivos, como cor da fumaça (Pinheiro & Sampaio, 2001); - não há eliminação da poluição ou recuperação de subprodutos (Almeida, 1982); - não existe aproveitamento energético do processo (Oliveira et al., 1982a); e - durante a carga de madeira o processo de carbonização e a descarga do carvão são incorporados materiais estranhos, como pedras, areia etc., reduzindo a qualidade do produto final (carvão). Com o intuito de encontrar uma alternativa que melhore a atual conjuntura das carvoarias, objetivou-se: - Avaliar um forno de ciclo semicontínuo tipo container com capacidade para 1,5 estéreo de lenha, calculando os parâmetros do processo (taxa de aquecimento, temperatura final média e tempo de carbonização) da matéria-prima madeira (densidade, umidade e tamanho das peças) e do produto carvão (teor de carbono fixo, matérias voláteis e cinzas, porosidade, densidades aparente e verdadeira e rendimento gravimétrico). 2 MATERIAL E MÉTODOS O forno construído para o presente experimento consiste nas seguintes partes: container metálico, poço isolante, sistema de movimentação e descarga (Ferreira, 1988), sistema de exaustão de gases e fornalha para queima da fumaça. 2.1 Container metálico O container metálico consistiu em um cilindro com 1,27 m de diâmetro por 1,50 m de altura, perfazendo um volume nominal de 1,9 m 3. Foi fabricado com chapa metálica (preta) com espessura de 3 mm para parede e 6 mm para a tampa e o fundo do cilindro. A chapa metálica do fundo foi perfurada; os orifícios tinham em média 40 mm de diâmetro, distribuídos em toda a área da chapa. O fundo do container tinha ainda uma chaminé central de 15 cm de altura por 25 cm de diâmetro, por onde se fazia a retirada dos gases, durante o processo de carbonização. Nas paredes laterais foram fixados, a 25, 75 e 125 cm de altura, três tubos metálicos, que permitiram a introdução de termopares até o centro do container. A Figura 1 esquematiza um corte lateral e uma vista da chapa do fundo do container.

185 1,50 m 1,27 m Tubo Metálico Chaminé Corte Transversal do Container Figura 1 Corte lateral e vista superior do fundo do container metálico. Figure 1 Lateral cut and top view of the bottom of the metallic container. 2.2 A base e o poço isolante Fundo do Container Perfurações A base do forno media 2,00 x 2,00 x 0,50 m. Em uma face estava a saída da chaminé e na face oposta, a câmara de combustão (Figura 2). A base foi construída com tijolos comuns e argamassa. A chaminé, também esquematizada na Figura 2, foi construída com tijolos refratários, massa refratária e argamassa comum, e possuía uma seção transversal de 600 cm 2. A seção transversal da chaminé foi superestimada, com o objetivo de eliminar o entupimento do conduto por alcatrão, fato verificado em experiências anteriores. 2,00 m 1,27 m Chaminé Câmara de Combustão A câmara de combustão, localizada na base do forno (Figura 2), foi construída em alvenaria com as dimensões de 50 x 50 x 30 cm. A câmara dispunha de uma porta metálica com uma janela regulável localizada na parte inferior, que permitia o controle da entrada de oxigênio. A câmara dispunha ainda de uma grelha construída em barras metálicas de 25 mm, para queima do combustível (lenha, tiço, casca etc.) no início do processo de carbonização. O poço isolante que se encontrava apoiado sobre a base do forno foi construído com tijolos comuns, argila, cimento, ferragens e areia, com as seguintes dimensões internas: 1,60 x 1,60 x 1,80 m. O poço possuía uma porta de dupla camada metálica de 5 cm de espessura, preenchida com lã de vidro. A retirada do container era feita pela porta do poço isolante, após um pequeno içamento do container, utilizando uma talha manual com capacidade para 2 toneladas. Uma vista do poço isolante é mostrada na Figura 3. 2.3 Fornalha A fornalha utilizada para queima dos gases baseia-se em uma fornalha utilizada para aquecimento direto de grãos e foi desenvolvida no Departamento de Engenharia 1,80 m Corrente p/ Retirada do container Container Laje Porta 1,10 m Base Parede de tijolo Figura 2 Corte lateral e vista superior do fundo do container metálico. Figure 2 Lateral view and top view of the bottom of the metallic container. Figura 3 Vista frontal do forno. Figure 3 Front view of the oven.

186 BARCELLOS, D.C. et al. Agrícola da Universidade Federal de Viçosa (Silva,1998). À medida que a carbonização ocorria, a fumaça era succionada e forçada a passar na câmara de combustão da fornalha, onde era queimada. 2.4 Operação do forno Carregava-se o container com lenha e, em seguida, sua tampa era colocada, vedando-o. O container era então levantado por uma talha e levado até o poço isolante, que tinha a função de conservar o calor do meio, enquanto a decomposição térmica da madeira se processava. O poço possuía uma câmara de combustão na base, onde eram queimados resíduos ou lenha de baixa qualidade, gerando o calor necessário à carbonização da lenha enfornada. Os gases quentes gerados na câmara de combustão atingiam o interior do container através dos furos existentes na chapa metálica da sua base e aqueciam a carga, provocando a sua decomposição térmica. A combustão de resíduos era feita até que o processo de carbonização se iniciasse. À medida que a carbonização ocorria, a fumaça era succionada e conduzida até a célula de queima da fornalha, onde era queimada. Após um ciclo de 6-12 horas a carbonização terminava, o container com o carvão quente era retirado e colocado sobre uma caixa de areia, onde se resfriava por aproximadamente 12 horas. Após o resfriamento ele podia ser aberto, sendo basculado para o descarregamento. Após a retirada do container, um segundo container podia ser colocado no poço isolante, iniciando-se uma nova carbonização, mantendo-se um ciclo semicontínuo de produção de carvão vegetal. 2.5 Análises das variáveis Os resultados das análises foram obtidos da média de dez carbonizações. Os procedimentos adotados para as análises foram: Amostragem da madeira para densidade e umidade: Metodologia proposta por Vital (1984). Temperatura do leito de reação: Foram utilizados termopares tipo K (até 1.280 o C), inseridos no centro do container, para monitoramento da temperatura. Amostragem do carvão: Os procedimentos para amostragem e preparação da amostra de carvão seguiram as recomendações da NBR 6923, de outubro de 1981. Densidade aparente, verdadeira e porosidade do carvão: Foi utilizada a norma proposta por Oliveira et al. (1982), adaptada do carvão mineral da norma americana ASTM D-167-73. Análise química imdediata do carvão (umidade, teor de carbono fixo, matérias voláteis e cinzas): Os procedimentos utilizados foram baseados nas normas ASTM D1762-64 e na ABNT NBR 8112/83. Na aplicação desta última foram adotadas como normas complementares a NBR 5734 - Peneiras para ensaio especificação e NBR 6923 - Amostragem e preparação da amostra de carvão vegetal procedimento. Poder calorífico do carvão: Foram utilizados os resultados da análise química imediata para estimar o poder calorífico, conforme Oliveira et al. (1982a). 3 RESULTADOS E DISCUSSÕES 3.1 Resultados médios Algumas considerações podem ser obtidas do Quadro 1: O tempo médio de carbonização foi de aproximadamente 9h20; os sistemas tradicionais demoram aproximadamente 168 horas para carbonizar e resfriar. O rendimento em base seca (32,29%) indica que a produção de carvão vegetal com forno container é um sistema eficiente, pois

187 apresenta um rendimento aceitável; os sistemas tradicionais resultam entre 25 e 33%. O valor encontrado de 14,3% de tiços é considerado elevado. Este valor elevado é explicado pelo efeito parede, que ocorreu em algumas carbonizações. Madeiras que se encontravam em contato com a chapa metálica sofriam carbonização parcial, ou seja, as faces voltadas para a chapa metálica eram semicarbonizadas. Este efeito foi mais acentuado principalmente na face do container voltada para a porta do forno, indicando que a porta possuía menor isolamento térmico que as paredes de alvenaria do forno. Verificou-se ainda uma correlação positiva entre diâmetro da madeira e porcentagem de tiço. Segundo Oliveira et al. (1982b), madeiras de maiores diâmetros possuem zonas de concentrações de tensão na madeira, ocasionada pela grande impermeabilidade da região central (cerne) das peças, o que retarda o processo de carbonização, favorecendo o aparecimento de tiços ou madeira semicarbonizada. Em média foi consumido, por carbonização, cerca de 4,85% (24,3 kg) do peso (úmido) total de madeira na câmara de combustão, valor próximo aos 5% consumidos nos sistemas tradicionais de carbonização (Ferreira, 2000). Esta madeira foi considerada no cálculo do rendimento em base seca do carvão. Se forem utilizados outros combustíveis para queima na câmara de combustão (resíduos, cascas, tiço etc.) e se este peso for considerado na conversão em carvão, serão obtidos maiores rendimentos em base seca. Para os testes aplicados neste estudo, o rendimento em base seca, desconsiderando o consumo na câmara de combustão, foi de 33,81%, um aumento de 1,52% em relação ao valor apresentado no Quadro 1. O elevado teor de umidade, além de estender o tempo de carbonização, reduz o rendimento gravimétrico ao consumir parte da carga da lenha para evaporar a água (Valente, 1986). Logo, são esperados maiores rendimentos ao utilizar madeira com teores de umidade inferiores ao do experimento. Ferreira (1988) obteve 35% de rendimento, utilizando lenha com 24%, na primeira retorta tipo container desenvolvida. A temperatura média final de 432 o C coincidiu com as dos estudos realizados no CETEC (1982), que indicam que os maiores rendimentos em carvão encontram-se na faixa dos 400-500 o C. A taxa de aquecimento ficou próximo dos 50 o C por hora, taxas de aquecimento obtidas em retortas de laboratório. Quadro 1 Variáveis médias obtidas de todas as carbonizações com respectivo desvio-padrão Table 1 Mean variables obtained from carbonization and respective standard deviations Espécie Variáveis da Madeira Eucalyptus sp. Umidade (%) 41,15 8,01 Densidade básica (g cm -3 ) 0,50 0,02 Diâmetro médio (cm) 11,41 2,68 Comprimento médio (m) 1,40 0,10 Poder calorífico superior (kcal kg -1 ) 4.334,23 51,78 Variáveis da carbonização Tempo total de carbonização (h) 9,20 1,42 Temperatura média final ( o C) 431, 10 45,18 Taxa média de aquecimento ( o C h -1 ) 47,76 8,05 Variáveis do carvão Umidade (%) 2,88 0,60 Carbono fixo (%) 71,67 5,41 Matérias voláteis (%) 27,38 5,37 Cinzas (%) 0,95 0,29 Poder calorífico superior (kcal kg -1 ) 7.010,67 243,42 Densidade do granel (kg m -3 ) 165,00 5,10 Densidade aparente (kg m -3 ) 0,293 0,02 Densidade verdadeira (kg m -3 ) 1,42 0,09 Porosidade (%) 79,25 2,45 Outras variáveis Rendimento em base seca (%) 32,29 5,01 Porcentagem de tiço em relação à carga de madeira (%) 14,30 6,85 Consumo lenha na câmara de combustão (kg) 24,30 7,13 Tempo de funcionamento da câmara de combustão (h) 1,52 0,44

188 BARCELLOS, D.C. et al. O teor médio de carbono fixo foi 71,67%, superior aos 68,32% obtidos do carvão (testemunha) produzido em fornos de alvenaria, utilizando a mesma lenha. O teor de cinzas foi inferior a 1%, enquanto o carvão utilizado como testemunha apresentou 2,23%. Esta variação pode ser explicada pelo fato de o forno container não incorporar, durante a carga de lenha, a carbonização e a descarga do carvão, materiais estranhos como pedras, terra e outros elementos. O baixo teor de cinzas é um importante referencial quando se utiliza o carvão para produção de ligas metálicas. Elementos como fósforo e enxofre prejudicam a formação de ligas metálicas e estão presentes em grandes quantidades nas cinzas do carvão (Carmo, 1988). A porosidade média do carvão foi de 79,25%, valor este elevado quando comparado com o carvão utilizado como testemunha, que obteve porosidade de 60%. Estudos realizados por Mendes et al. (1982) confirmam os resultados encontrados para densidade aparente e verdadeira, mas discordam quanto à porosidade. Entretanto, estes resultados são para taxas de aquecimento lenta. Como o processo no forno container possui taxas de aquecimento muito elevadas, a densidade aparente do carvão é bastante afetada, o que altera os resultados de porosidade. Estudos realizados em laboratório por Mendes et al. (1982) indicam que carbonizações rápidas (taxa de aquecimento elevada) reduzem a densidade aparente. Como esta densidade é uma das variáveis no cálculo da porosidade, o valor elevado era cientificamente previsto. 4 CONCLUSÕES Considerando as condições do experimento, foram obtidas às seguintes conclusões: - Rendimento em base seca aceitável; são esperados maiores rendimentos para lenha com menor teor de umidade. - Velocidade de carbonização similar à das retortas de laboratório. - Qualidade de carvão similar à dos sistemas tradicionais. - Maior porosidade, o que favorece a reatividade do carvão nas reações no alto-forno, entretanto esta variável pode ocasionar redução de resistência à compressão do carvão, variável não-avaliada neste trabalho. - Baixo teor de cinzas do carvão, o que é vantajoso para alguns usos do carvão, por exemplo para produção de ligas metálicas. 5 AGRADECIMENTOS À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), pela bolsa de mestrado concedida ao Daniel Camara Barcellos; e ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico) e ao Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café, CBP&D Café, pelo financiamento do projeto. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, M. R.; REZENDE, M. E. A. O Processo de carbonização contínua da madeira. In: Produção e utilização de carvão vegetal. Belo Horizonte: Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais - CETEC. 1982. 393 p. ALMEIDA, M. R. Recuperação de alcatrão em fornos de alvenaria. In: Produção e utilização de carvão vegetal. Belo Horizonte: Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais - CETEC. 1982. 393 p. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CARVÃO VEGETAL ABRACAVE. Anuário estatístico. 2000. Disponível em: <http://www.abracave.com.br>. Acesso em: 15 de Janeiro de 2002 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS ABNT. NBR 6923, NBR 7416, NBR 7402. NBR 6922, NBR 8112. Rio de Janeiro: 1981. BARSA. Carvão. Enciclopédia Britânica do Brasil, 1998. CD-ROM. BRASIL. Ministërio de Minas e Energia. Balanço Energético Nacional - BEN 2000. BrasíIia: 2000. 154 p.

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