- Daniel Maia-Pinto Rodrigues - A PRÓXIMA COR

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Transcrição:

- Daniel Maia-Pinto Rodrigues - A PRÓXIMA COR Prémio Foz Côa, 1986 (no encontro nacional de Poesia) Menção Honrosa Novos Valores da Cultura, atribuída pelo Ministério da Educação e Cultura, 1988

Descem pelas colinas os animais que sonhas. São grandes ruminantes fulvos e descem cheios de sol sobre as relvas. Ao vento erguem e à claridade as cabeças. Dir-se-ia serenos compreenderem muito bem o céu pintado de azul e água. Depois seguem. Descem mais. Devagar chegam aos charcos bebem saboreiam uvas deitam-se certos de que os vais achar belos e perfeitamente integrados na paisagem. - 9 -

O lacre no envelope dos sonhos alastra em aparências de lírio. Serenidade que afogada no quarto lambe a luz das cinco e meia. Penetrante retrocesso. Desdobrável mesa onde se debruçam as melhores sombras, os reflexos. À luz de transitórias cores os alces partem à frente para as horas nocturnas, cientes de que à noite - não sei - a floresta repassa pelas aldeias. Talvez prefira os meus mansos grous, que espalham não sei que cor pelo jardim. Além das cinco e meia da tarde há leões no silêncio dos meses a brincar com tangerinas. - 10 - - 11 -

Mergulho nas profundidades do sono e no escuro oiço as aves na claridade - são tranças, tropéis de sonoridades a gotejar em leque na amplitude de recônditos espelhos da obscuridade guardiã dos aposentos, reflectindo na minha face as cores novas do arco-íris. E não são sonhos, cornucópias de fantasia, nem o vento a norte da imaginação; são sim envidraçadas portas abertas quais projecções lilás na melodia do jardim onde por vezes pela mão do fim da tarde, difuso, potente berlinde, me encontro a mim. Há um rio ou um barco no rio onde a luz é intensa e de tanta luz nos olhos e água com rigor se não sabe se o barco vai vazio. De grande porte quando adultos esparsos pelas margens do rio existem animais de todo fantásticos bastantes deles roxos ou rosa afogando pulgas nos terrenos alagadiços alisando o pêlo e dormitando ao sol em folhas secas pelo princípio da tarde. Há uma lenda entre esses seres - da qual os mais novos têm medo - em como há, quando se não quer cavalos que quando galopam se disfarçam com a minha cabeça. - 12 - - 13 -

Descanso ao longe próximo das lagoas. O vento passando assim dos eucaliptos próximo. Escurece. Que horas serão na aldeia? Mergulho os braços nas águas. As aves entrecruzam-se. Afastam-se e o silêncio poisa escuro nas águas. Oiço por instantes o vento. Revejo a lua nas lagoas. Alguém neste momento encara a noite sente o frio acende num gesto branco a tocha antiga. Entendem as folhas a rapidez com que se desprendem dos ramos. Entendem as asas a debilidade dos pássaros. Acima de tudo o que interessa a novembro é as crianças poderem dizer está vento é sentirem-no arrebatar-lhes os cabelos engolfar-se nos gorros misturar-se na roupa quente. Há uma criança na escola que através dos vidros vê novembro - e a meia-distância ao lado do novembro vê o anjo da guarda a atirar pedras lentamente contra a luz. - 14 - - 15 -

À noite à ilharga do tempo de mãos separadas olhamos as estrelas. Perdeste o isqueiro e estás perturbada. Tens razão: deixaste para trás um qualquer pertence da realidade. Hesitas se hás-de regressar ao seu encontro mas talvez te percas exactamente aí ao regressares. Percorres a visualização entre o pomar e o pinhal e surges menina espalhando claridade. Encetas planuras ao sol num fascínio pausado depois penetras a luz em fantásticas corridas. Não sei quem te poderá ver em tão delicado movimento! Por onde passas descoses o tempo deixas aberto o princípio do sonho. Olha melhor as estrelas é noite e estamos à ilharga do tempo. - 16 - - 17 -

És tão linda a pinha que lanças a idade a demora assim és tão linda borboleta ou água talvez água lago grande lago do bosque lago do bosque luz névoa menina eu estou ali mais à frente menina vejo mal mas oiço tão bem oiço muito bem estou ali mais à frente. Trilho os bosques do vento e dos rios colho rosas na neblina das margens incertas. Amor que ao longe descansas no sol perfeito das clareiras aguarda que já não tarda a passagem ampla para os sonhos o galope transbordante a vertigem dos cavalos luminosos. Já vejo nítida a candeia no arvoredo e o vento chamar o dia e a planície nascer do charco. Como se o mar e a madrugada estivessem submersos pelas ondas havia água nos limites da água na enchente dos nossos dias. - 18 - - 19 -