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Opção Lacaniana online nova série Ano 8 Número 24 novembro 2017 ISSN 2177-2673 1 Angelina Harari Agradeço ao Conselho da EBP pela oportunidade de escrever estas linhas, nesta homenagem aos 50 anos do escrito de Jacques Lacan, Proposição de 67 2, por intermédio do editorial escrito pela sua filha, Judith Miller 3. O título dado a esse editorial mostra o empenho de Judith Miller em priorizar a lógica do passe no cerne de toda Escola de Lacan, na Associação Mundial de Psicanálise (AMP). A Escola Brasileira de Psicanálise (EBP) não contava com o dispositivo do passe que nomeava, naquela época, o que nos leva a refletir sobre qual seria a proposta de Judith Miller, ao colocar no título que se tratava de uma atualização do tema na AMP e na EBP? Judith comenta que a experiência do passe não foi considerada pela EFP, Escola fundada por Lacan em 1964 e onde a proposição foi lançada, a ponto de suscitar o que ela denominou Exit de alguns notáveis. Jacques Lacan chegou a se referir a Fronda, nome do movimento político francês que se rebelou contra Mazarino (1602-1661) durante a menoridade de Luis XIV, para designar os notáveis que se insurgiram contra a Proposição de 67, terminando em saída da EFP. Jacques-Alain Miller, em seu texto Campo Freudiano, ano zero 4, menciona essa Fronda quando se refere à redução de uma revolta local e subalterna na AMP, proveniente da EOL, que atuava da mesma forma que a Fronda de notáveis em 1967. Neste mesmo texto afirma que isto não está escrito. 1

A seguir, Judith Miller comenta como a ECF sustentou a proposta em seus estatutos, o que permitiu que a proposição persistisse e fosse levada posteriormente para a AMP. Nesse sentido, podemos afirmar que a persistência (Delenda) levou a melhor. Hoje são várias as Escolas da AMP que contam com o dispositivo do passe. Escrever sobre a atualização da Proposição de 67 na EBP, em 1996, significa que Judith Miller apostava e confiava que a EBP funcionasse dentro da lógica do passe, antes mesmo de contar com o dispositivo do passe. Importa, para contar com um dispositivo, alcançar suficiente confiança da comunidade. Fato nada evidente naquela época. Podemos assinalar, nesta introdução ao editorial da Judith Miller, que a experiência vingou e que festejaremos os 50 anos da Proposição tendo já a experiência de uma década de passe e até instaurado o Colégio do Passe. Os membros da EBP poderão ler o relatório do Colégio do Passe no próximo número de Opção Lacaniana. Muito justa a homenagem, a meu ver, que o Conselho da EBP presta a Judith Miller no dia 9 de outubro de 2017, data de aniversário da Proposição de 67 sobre o psicanalista da Escola. Em 1996, a Opção Lacaniana foi autorizada a publicar a proposição de Lacan, quando, vale lembrar, a edição brasileira dos Escritos ainda não existia, pois foi lançada em 1998 com a presença do editor Jorge Zahar. A Proposição de 67 chega aos 50 anos graças a determinação de alguns, que a souberam sustentar, sobretudo e face aos momentos de revolta dos notáveis, fazendo prevalecer o discurso analítico como laço social, que privilegia alcançar a singularidade do modo de gozo de cada um. Poder exercer a fala livremente, somente é possível quando a liberdade de expressão está garantida pelo estado de direito. A seguir, o referido editorial de Judith Miller. 2

A atualidade da Proposição na AMP e na EBP 5 Judith Miller Jacques Lacan calculava dez anos como necessários para que suas propostas fossem entendidas, em particular, a de seu Seminário. No caso da proposição de 9 de outubro de 1967, foi preciso bem mais. Ao invés de retornar à história dessa surdez ferrenha, pretendo abordar a lembrança, por vezes dolorida, que dela resta. Começou pelo cômico: a debandada de psicanalistas experimentados frente ao que pensavam ser o questionamento de uma respeitabilidade adquirida com a experiência. Exit de alguns dos notáveis da Escola. A proposição de 67 não foi levada em consideração nessa EFP. Foi a dramatização: o passe parecia perigoso aos que se prestavam e insondável aos que era apresentado: reino do inefável. Terceiro tempo: trágico, o daquela noite de Delenda em 1980 (quando a dissolução se impôs). Estando sentada na primeira fila de uma sala lotada, lado a lado com meu pai, vejo-o puxar a caneta para tomar notas. No estrado estava aquele que supostamente falaria em nome do júri do passe. Ele ficou mudo: nenhuma palavra sequer para indicar as razões que poderiam fazer obstáculo a toda articulação, ou para afirmar a exigência do texto da proposição por não formular em que consistia sua execução. Isso são lembranças, medonhas, mesmo retrospectivamente: por que não ter sacudido a inércia? Apertado o sinal de alarme? Eu já sabia da cola da Escola antes que Jacques Lacan dissesse dissolução, mas por considerá-la evidente, mantive distância disso. Sem dúvida é a marca de uma grande mutação a Escola da Causa Freudiana ter, de imediato, em seu estatuto de contra-experiência, levado a sério a proposição de 67. 3

Essa proposição ficou abandonada pelo espaço de quatorze anos. Não obstante uma generosa oferta foi feita aos italianos, tão fechados a esta iniciativa quanto os colegas franceses, mas sem o peso da sela institucional. Por que? Porque era surpreendente. Declarar que o valor não espera pelo número dos anos, o essencial do próprio tratamento pode se esquecer, ainda que comporte uma mutação. Convidar cada um, para todos assim como para a própria psicanálise, a elucidar a emergência de um desejo novo, o do analista. Como não estaria o Analista da Escola entusiasmado? Em 1994, a inesquecível manhã dos AE do VIII Encontro Internacional do Campo Freudiano transmitiu esse entusiasmo, confrontando cada um dos dois mil ouvintes com o mais íntimo da experiência, articulado com precisão, pudor e decisão. Ao tomar a palavra publicamente, um diferia, evidentemente, do outro, mas todos compartilhavam, cada um do seu jeito, esses três traços. Em Buenos Aires, em 1996, o mesmo ocorreu quando os novos AE, por sua vez, disseram sobre aquilo que julgaram poder transmitir, elucidando outro dia a acuidade desta proposição de 67. Essas coisas são impossíveis de resumir. Elas não se repetem, mas se elaboram, têm consequências, a serem também atualizadas. Não responderei aqui e agora a esta somatória. Tal é a nossa atualidade: a incontornável oportunidade de podermos trabalhar nas cincos Escolas do Campo Freudiano com a proposição de 67. Essas Escolas e cada um dos seus membros devem responder por isso, nos cartéis do passe, com os passadores, nas novas nomeações, assim como nas escolhas dos futuros membros da Associação Mundial de Psicanálise. A proposição de 67 abriu o campo de uma experiência que, permitindo a inventiva, interdita qualquer padronização e se mantém a explorar a reconquistar perpetuamente. 4

1 Este Editorial foi divulgado no Boletim Eletrônico do Conselho Deliberativo da EBP, Um por um, nº 332, em 09 de outubro de 2017. 2 LACAN, J. (2003[1967]). Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., pp. 248-264. 3 Escrito por Judith Miller em 21 de outubro de 1996 como Editorial da Opção Lacaniana Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, nº 17. Neste mesmo número foi publicado, antes do seu aparecimento em Outros Escritos, o texto de Jacques Lacan Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola. 4 MILLER, J.-A. (jun. 2017). Champ freudien, année zéro. In: Lacan Quotidien, n 718. Disponível em: <lacanquotidien.fr>. 5 Editorial referido na nota 3. 5