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Das ondas do rádio à tela da TV: notas sobre a evolução da narração esportiva 1 RESUMO Ronaldo Helal 2 Fausto Amaro 3 Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ O artigo analisa a evolução das narrativas futebolísticas pela televisão tendo como contraponto as radiofônicas. Ele se divide em três partes. A primeira trata dos locutores. Em seguida, vem a emoção. Nesta etapa, por meio de uma breve revisão e reflexão teórica, tentamos responder a polêmica sobre qual meio transmitiria mais emoção ao público. O último ponto é a evolução das transmissões esportivas pela tevê. Se supostamente falta emoção, nos últimos anos, algumas inovações tecnológicas incrementaram ainda mais o espetáculo esportivo para aqueles que optam por assistir na sala de casa ou no bar. PALAVRAS-CHAVE: Narração esportiva; Rádio; Televisão 1. OS LOCUTORES ESPORTIVOS Vendedor de emoção. É assim que Galvão Bueno se define em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo (SAVENHAGO, 2011, p. 29). Essa definição, sem modificações, também poderia ser aplicada ao locutor de rádio. Muitos narradores atuaram em ambos os meios e construíram seu estilo a partir dessa relação. A lógica comercial, presente no ato de vender, e a romântica, que se vale do sentimento do torcedor, estão presentes no epíteto. A primeira diz respeito aos anunciantes e a outra aos torcedores, que são essenciais para manter a magia do esporte e conservar altos os números de audiência 4. No Brasil, o gosto pelo ato de narrar, descrever o embate esportivo, viria, segundo Guerra (2000, p. 9), da infância, onde o futebol de botão fazia às vezes do futebol real, com botões, placar, torcida e tudo mais que o espetáculo mimetizado possui. E dessa brincadeira juvenil se formaria um locutor mais à moda radiofônica do que televisiva, como aponta o radialista, e nos últimos anos também apresentador na Band, José Carlos Araújo: (...) pode parecer que transmitir pela televisão seja mais fácil, só que, desde criança, quando estamos batendo uma pelada ou jogando o futebol de botão procuramos narrar como se faz no rádio. A narração para a 1 Trabalho apresentado no GP Comunicação e Esporte, XII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Professor do Programa de Pós Graduação em Comunicação e da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 3 Mestrando do Programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 4 Há mais uma dicotomia presente no âmbito do público (torcedores): o consumo e a prática. De acordo com Bourdieu, quanto mais o esporte se aproxima do espetáculo, se tornando um produto da indústria de massa, mais ocorre uma dissociação entre a prática do desporto e o simples consumo dos espetáculos desportivos (2003, p. 191). 1

televisão parece restrita à imagem que está sendo mostrada ao telespectador e o futebol é muito mais do que isso. Existem os detalhes, as curiosidades (CAPINUSSÚ, apud GUERRA, 2000, p 55). Outro aspecto interessante da relação entre emissor-receptor no rádio e na TV é o pacto de confiança estabelecido entre esses dois pólos do processo comunicacional. No rádio, o ouvinte credita mais confiança ao narrador. Por não estar vendo o desenrolar das ações, cabe ao público acreditar nas informações que a ele são transmitidas. Na TV, por outro lado, o espectador pode verificar se aquilo que o narrador descreve corresponde à realidade. Com as televisões em alta definição, esse poder censor do público se torna ainda maior. Muitas vezes nos pegamos corrigindo mentalmente o narrador quando este confunde o nome de algum atleta de nosso clube do coração. Justamente por isso, no meio televisivo, o narrador deve se precaver muito mais para evitar esses erros. Sobre isso, César Rizzo, radialista esportivo, pontua que: Com o advento da televisão essa transmissão precisa ser cada vez mais precisa. Não se pode trocar o nome de um jogador. Além disso, enquanto a TV mostra a imagem de quem está com a bola e um pedaço do campo, você mostra ao ouvinte o campo todo, às vezes narrando um fato que não faz parte da jogada que está acontecendo (HALLACK, apud GUERRA, 2000, p. 33). No rádio, por sua vez, esses pequenos deslizes eram tolerados, já que o ouvinte não podia contestar a informação recebida, a menos que estivesse acompanhando o jogo direto do estádio com o radinho de pilhas grudado ao ouvido 5. As figuras dos comentaristas de arbitragem e da partida tradutores do jogo, segundo Gastaldo (2001, p. 3) e dos repórteres de campo não são criação da TV, assim como não o são os programas esportivos em formato de mesa-redonda 6. Eles já existiam desde a época do rádio 7, ainda que, em um primeiro momento, anterior a presença de comentaristas e repórteres, coube-se unicamente ao narrador ocupar os mais de 90 minutos de transmissão (SOARES, 1994, p. 47-48). E ele não podia deixar o microfone mudo, correndo o risco de o ouvinte mudar de emissora. Ao contrário do rádio, os silêncios são permitidos na TV, e até bem-vindos em certos momentos das coberturas televisivas. O bom relacionamento com a imagem é que é fator crucial na locução televisiva. 5 Segundo Gastaldo (2001, p. 3), assistir ao jogo pela TV mimetizaria esse comportamento do torcedor do radinho de pilha no estádio. 6 Para um estudo do formato e da linguagem em telejornais esportivos, ver Silva (2005). 7 Sobre a função desses profissionais no rádio esportivo, Porchat esclarece que: O narrador são os olhos do público; o repórter colhe as informações e transmite com exatidão; ao comentarista cabe passar uma análise do evento em linguagem simples, deixando de lado seus valores pessoais esta separação torna nítida uma transmissão, distinguindo informação de opinião (1989, p. 85). 2

João Saldanha talvez seja o mais célebre dentre os comentaristas radiofônicos e um dos que mais contribuíram para a presença desse profissional nas transmissões dos jogos. José Carlos Araújo, na década de 1980, dinamiza o show do intervalo com a participação de personalidades, de torcedores anônimos (pelo telefone), além dos já tradicionais comentaristas (GUERRA, 2000, p. 22). Na TV, as figuras do locutor e do(s) comentarista(s) são muito próximas desde as primeiras transmissões esportivas nesse meio. Não conseguimos imaginar uma transmissão esportiva sem a presença de ambos. Quando migraram para a TV, alguns narradores televisivos mantiveram os bordões que utilizavam no rádio e que os marcava diante do público, servindo como um fator de diferenciação em um meio (o jornalístico) tradicionalmente bastante disputado. Nesse sentido, é interessante pensar o caso de Milton Leite, narrador de futebol do canal por assinatura Sportv. Muitos torcedores revelam preferir as narrações de Milton às de Galvão Bueno, Cleber Machado e Luís Roberto. Talvez seja pela profusão de bordões utilizados por este jornalista, como o Que beleza ou o Olha a batiiida (assim mesmo, com a vogal i estendida), e pela linguagem informal que caracteriza suas transmissões 8. As alcunhas atribuídas aos narradores esportivos do rádio ressaltam outro caráter desse meio, e que o diferencia da televisão: a aproximação com hábitos do cotidiano. No Rádio, temos Édson Mauro, o bom de bola, Luiz Penido, o garotão da galera, José Carlos Araújo, o garotinho, Luiz Carlos Silva, o que faz a cabeça da galera (GUERRA, 2000, p. 65). Agora, se pensarmos na televisão e enumerarmos os narradores mais famosos, não encontraremos apelidos que os acompanhem: Galvão Bueno, Milton Leite, Milton Neves, Cleber Machado, Sílvio Luiz, Luiz Roberto, Luciano do Valle. O que a TV herdou do rádio foi o hábito de adjetivar os jogadores. Mas a formalidade televisiva reflete-se também na tentativa de evitar o uso de coloquialismos e de improvisos, próprios e valorizados no rádio. Traçando um rápido histórico das locuções esportivas, desde o rádio até a TV, temos:. Em 1931, Nicolau Tuma, o speaker metralhadora (diz-se que em um minuto era capaz de falar cerca de 250 palavras), na Rádio Sociedade Educadora de São Paulo, narra a primeira partida de futebol pelo rádio entre os selecionados paulista e paranaense, válido pelo Campeonato Brasileiro da época 9 (SOARES, 1994, p. 12). Segundo o próprio Tuma, as 8 Fonte: <http://uolesportevetv.blogosfera.uol.com.br/2011/06/02/belezometro-mostra-milton-leite-mais brincalhao-emtransmissao-da-globo/>. Acesso em: 23 fev. 2012. 9 Há controvérsias em relação a datas e precursores da narração radiofônica. Não cabe no espaço desse artigo detalhar esse debate. Para isso, veja a obra de Soares (1994), principalmente o capítulo 1. 3

primeiras frases que pronunciou para abrir a transmissão foram: Eu estou aqui no reservado da imprensa do campo, contemplando as arquibancadas. Estou ao lado das gerais e vou tentar transmitir para vocês que me ouvem um relato fiel do que irá acontecer no campo [...] Do lado direito estão os paulistas e, do lado esquerdo, estão os paranaenses (Ibid., p. 23-24). Nesse mesmo ano, o jogo entre o Grêmio e um combinado do Paraná era o primeiro a contar com transmissão radiofônica no Rio Grande do Sul, pela voz de Ernani Rushel (GUERRA, 2007, p. 5);. No Rio de Janeiro, ainda no fim da década de 20, Amador Santos, da Rádio Clube Brasil, narrava os jogos nas rádios cariocas. Seu estilo, menos explosivo que o de Tuma, faz com que muitos pesquisadores (SCORALICK, 2008, p. 11; MONTEIRO, 2007, p. 2; SOARES, 1994, p. 12; CAPINUSSÚ, 2005, p. 83) não o considerem o pioneiro nas narrações radiofônicas para Guerra (2000, p. 16), o estilo de Amador se aproximava mais daquele que a TV executa hoje. Tuma e Amador seriam representantes das duas primeiras escolas de narração esportiva do Brasil (GUERRA, 2007, p. 2-3);. Na década de 1930, surgem os comentaristas do jogo e de arbitragem. Sua presença aliviava um pouco a responsabilidade do narrador, anteriormente responsável por segurar a cobertura durante os 90 minutos de jogo;. A internacionalização das coberturas viria logo em seguida, ambas na voz de Gagliano Neto: em 1936, temos a transmissão de uma partida válida pelo Campeonato Sul- Americano direto da Argentina; dois anos depois é a vez da Copa do Mundo de 1938, disputada na França: a primeira que os brasileiros puderam acompanhar ao vivo (SOARES, 1994, p. 27; ABREU, 2001, p. 14; GUERRA, 2007, p. 3; CAPINUSSÚ, 2005, p. 83);. As vinhetas esportivas, marcantes no rádio e presentes também na transmissão televisiva, foram introduzidas por Ary Barroso, o homem da gaitinha, em 1934 (GUERRA, 2000, p. 22; SOARES, 1994, p. 66-67);. Na década de 1950, começa a migração dos locutores esportivos do rádio para a TV. É o caso de Aurélio Campos, Ary Barroso, Raul Tabajara, Walter Abrahão, Raul Longras, Geraldo José de Almeida, dentre outros (MONTEIRO, 2007, p. 5). Os que permaneceram no rádio tinham de ser mais fiéis ao jogo narrado, já que o público agora poderia conferir os lances pela TV;. A Copa de 1970 é a primeira a ter cobertura ao vivo pela TV. No entanto, como salienta Soares (1994), até a Copa de 1982 o rádio ainda estava em vantagem em relação a TV (MONTEIRO, 2007, p. 5); 4

. Osmar Santos, o Pai da Matéria, por sua importância à transmissão radiofônica, é considerado um divisor de águas na narração esportiva (GUERRA, 2007, p. 6). Dentre as mudanças feitas por ele estão o aumento da participação do repórter de campo, em detrimento do comentarista, e a presença de ilustres convidados de diferentes áreas de atuação, como política, arte e música (SOARES, 1994, p. 55);. A Rádio Mulher, no início da década de 1970, introduz uma equipe formada exclusivamente por mulheres na cobertura esportiva (desde a reportagem de campo até a narração e os comentários): um marco na história do rádio (GUERRA, 2007, p. 7);. Soares defende que, ainda em 1982 (ano da Copa de Mundo na Espanha), a linguagem narrativa de futebol na TV era inferior ao rádio: "a falta de imaginação para suprir um pouco as deficiências da imagem resultava muitas vezes em uma narração monótona e repetitiva (QUEIROZ, apud SOARES, 1994, p. 102);. Na TV, Sílvio Luiz, da TV Record, começava a construir uma linguagem própria da TV, menos descritiva e mais comentada: Em vez de narrar o óbvio, ele ia além, ampliava os limites da tela, cantando o lance seguinte (KNOELLER, apud MONTEIRO, 2007, p. 6). Guerra (2007, p. 10) o considera um dos fundadores da locução esportiva para TV;. Em pleno século XXI, os principais narradores esportivos da televisão brasileira ainda conservam aspectos típicos da linguagem radiofônica 10, tais como: a) uso de bordões (vide Galvão Bueno, Milton Leite e o próprio Sílvio Luiz), informalidade (palavras de uso comum, coloquialismos); b) interação com o público (por meio de perguntas, comentários, vídeos dos espectadores) e c) improviso 11, predominância do modo de comunicação oral. Poderíamos classificar essas características como recursos fáticos, ou seja, de aproximação com o telespectador (SODRÉ, 2010, p. 57). A despeito de suas diferenças, locutores de rádio e TV possuem o poder de definição da realidade de transmitir sua interpretação do jogo aos ouvintes e espectadores, ainda que gere controvérsias. De acordo com Édison Gastaldo: O discurso jornalístico tem características que fazem dele uma das maiores fontes de definição de realidade em nossa sociedade (2001, p. 2). 10 Recomendamos o livro de Maria Elisa Porchat, Manual de Radiojornalismo Jovem Pan (1989), a todos aqueles que desejam se aprofundar teórica e/ou profissionalmente nesse meio. 11 Transmitir futebol pelo rádio sempre foi um motivo para improvisar (GUERRA, 2007, p. 5, grifos nossos). Em entrevista a Monteiro (2007), esta característica foi apontada por Milton Leite, Éder Luiz, André Henning e Jota Junior como o principal legado do rádio para suas respectivas carreiras na TV. 5

2. A EMOÇÃO: NO RÁDIO E NA TELEVISÃO De um lado, o rádio seduz pelo que deixa implícito. Isto é, a ausência de imagens instiga o receptor a imaginar os cenários possíveis para o que está sendo narrado. Nesse contexto, os recursos acionados pelo narrador para dar um tom quase teatral à sua descrição do evento esportivo são imprescindíveis para a conquista do ouvinte. Bordões, alcunhas para os jornalistas e atletas, vinhetas, músicas: tudo visa entreter e manter o ouvinte sintonizado. Já a televisão utiliza-se de outro recurso para conquistar sua audiência: expõe a melhor imagem possível, visando superar aquela do estádio real. O telespectador não precisa ter o trabalho imaginativo, pois todos os lances são captados pelas câmeras televisivas. As jogadas são reprisadas (nos tira-teimas ou replays), passadas em câmera lenta, em close-up. É um espetáculo diferente daquele visto por um torcedor no estádio. A última fronteira alcançada pela TV é a cobertura dos jogos em três dimensões. A imersão agora é total. Não há mais espaço para se imaginar o não-visto. Vivencia-se o espetáculo com uma visão global de 360 0 antes restrita ao torcedor no estádio com todas as câmeras que se desejar e, o melhor, no conforto de sua poltrona ou no bar com os amigos. Muniz Sodré contrapõe o caráter lúdico e de ligação emotiva entre emissor e receptor no rádio e na TV nas transmissões esportivas. O pesquisador designa os profissionais do rádio esportivo como os heróis da narração, responsáveis por criar um campo de cumplicidade entre torcedor e narrador. Galvão Bueno, ícone da narração televisiva, não recebe igual caracterização, uma vez que essas características afetivas vinculadas ao rádio não se fariam presentes na TV (SODRÉ, 2000, p. 8). Márcio Guerra, pesquisador de rádio e TV citado em inúmeros trabalhos nessa área, segue a mesma linha de raciocínio: Por mais que Galvão Bueno coloque a emoção e a paixão na sua narrativa pela TV, falta o sentimento de participação e de diálogo com o torcedor, que a linguagem do rádio soube perfeitamente traduzir dentro da narrativa dos jogos de futebol (2000, p. 44-45). Em Sodré, é interessante notar como o sentido que o autor dá a relação entre os dois meios e a recepção difere daquela que ele sustentava em seu livro O monopólio da fala (2010), em que pese o ano de publicação da primeira edição - 1977 12. Neste, o pesquisador, em tom apocalíptico, atenta para o caráter monopolizante do discurso na mídia televisiva, seu poder indireto sob os indivíduos (ainda que não hegemônico), onde os canais de TV detêm o domínio do código de produção (o saber fazer) e os espectadores participam desse 12 No último capítulo desse livro, intitulado Futebol, teatro ou televisão?, temos um dos textos pioneiros a trabalhar a correlação entre futebol e televisão. 6

jogo como meros receptores 13. Uma situação de quase não-comunicação, uma vez que não haveria diálogo nem troca entre emissor e receptor, condição implícita na própria semântica do termo comunicação. A TV, segundo Sodré, quando alcança o futebol, o deturpa em sua suposta essência: Mas aí então já não será mais o jogo do futebol brasileiro. Pois que cultura de massa não se confunde com a cultura da massa (SODRÉ, 2010, p. 156). O rádio apela para imaginação do torcedor, e era esse recurso que fascinava, e ainda fascina, o ouvinte. A TV não dispõe desse expediente, por isso, faz muito uso de recursos tecnológicos, como a qualidade de imagem (digital, em alta definição e, mais recentemente, em 3D), e estatísticas (números de faltas, passes, desarmes, quilômetros percorridos por cada jogador). Segundo Sodré, a televisão exige um ethos de familiaridade e instantaneidade, conjugado com a informação jornalística (2010, p. 72). Parece-nos, assim, que, enquanto o rádio e o esporte representariam o casamento perfeito, a televisão tenderia à dissociação em relação à assistência presencial, uma vez que a mimetiza. Ora, não é difícil vermos torcedores com seus rádios ou celulares (sintonizados em AM ou FM) escutando a narração dos jogos ao mesmo tempo em que o assistem ao vivo no estádio. Nos primórdios das transmissões esportivas pela televisão era comum os telespectadores retirarem o áudio da TV para escutar o do rádio 14. Com o passar do tempo, as locuções passaram a se aproximar às do rádio com o intuito de prender o telespectador não somente à imagem, mas também ao som da TV. Hoje, temos ainda casos de torcedores que realizam outras atividades enquanto escutam o áudio da TV, ou seja, fazendo dela às vezes de rádio. A regionalização das transmissões poderia ser considerada outro ponto emotivo a favor do rádio. Um jogo no rádio atualmente é transmitido apenas para os Estados envolvidos na disputa, daí percebermos uma maior manifestação clubística por parte principalmente de narradores e comentaristas. Essa parcialidade, ainda que fuja de um princípio básico do jornalismo, atrai os torcedores mais apaixonados que se sentem representados pela transmissão o radialista também é parte da torcida. Deve-se frisar que isso se dá quando jogam clubes de Estados diferentes. A televisão não pode fazer uso dessa estratégia de segmentação e atração do público à exceção de Copas do Mundo, onde a parcialidade e o torcer junto da equipe de transmissão não são apenas aceitas, mas quase obrigatórias (GASTALDO, 2001, p. 4). Muitos jogos de apelo são transmitidos para várias 13 Na década de 1970, a Escola inglesa dos Estudos Culturais desmitificaria a visão de que o telespectador seria um receptor passivo do conteúdo televisivo. 14 Ainda hoje há os que se utilizam deste artifício. 7

praças (Estados) de todo o Brasil, o que exige maior imparcialidade dos profissionais que trabalham na transmissão do jogo. Se, por exemplo, um time do Rio de Janeiro enfrentar um rival de Minas Gerais e o jogo for transmitido em 15 Estados, deve-se levar em conta que encontraremos torcedores de ambos os clubes nessas localidades e eles provavelmente não irão querer ver seu clube depreciado pelo narrador ou pelo comentarista. À exceção de uma situação: O ouvinte-torcedor até admite o deslize do narrador e tolera que ele opine, desde que a favor do seu time. Caso contrário, pelo menos durante aquela partida, ou por alguns minutos, ganha um adversário ou perde um ouvinte para o concorrente (GUERRA, 2000, p. 67). No entanto, para os nascidos sob o império televisivo escutar um jogo pelo rádio seria tão emocionante e superior à TV assim? Acreditamos que não. Uma queixa comum entre os mais jovens é a de que no rádio só conseguimos distinguir o grito de gol do narrador. Todo o resto seria incompreensível para ouvidos não treinados. Outra questão é que, quando em um estádio, esse público se ressente de não poder assistir ao replay de um lance polêmico ou do gol de seu time. Aqui percebemos uma diferença recorrente: o aficionado pela TV sente falta da imagem em suas múltiplas possibilidades, enquanto o amante do rádio quer poder escutar o seu narrador preferido descrever aquilo que ele observa ao vivo. Som e imagem proporcionam emoção a públicos distintos. Ao final, tendemos a supor que não seria o caso de descobrir qual seria o meio responsável pela emoção maior. Seriam, sim, emoções diferentes. Em outras palavras, no rádio a emoção se encontra no som, na voz do locutor; na televisão, a imagem é a responsável por prender a atenção do público, contando, é claro, com o auxílio do narrador e dos comentaristas em uma escala menor 15. 3. TRANSMISSÕES ESPORTIVAS PELA TELEVISÃO: O TEMPO PASSA 16 E A EVOLUÇÃO NÃO PARA O rádio nasceu e popularizou-se na primeira metade do século XX, tendo como patrono o jornalista (e também médico, antropólogo, escritor, professor) Roquette Pinto. Em 1901, Europa e EUA trocaram a primeira mensagem por ondas sonoras da história. Não obstante, Roberto Landell de Moura já pleiteava o título de inventor do rádio em 1893, um ano antes do anúncio da descoberta do italiano Gluglieno Marconi (GUERRA, 2000, p. 13). 15 Para um aprofundamento da dicotomia entre narrações por rádio e TV, indicamos a leitura do recém-lançado livro de Márcio Guerra Rádio x TV: o jogo da narração. 16 Expressão marcante de Fiori Gigliotti para informar o tempo de partida (SOARES, 1994, p. 62). 8

Já a TV 17 só viria a ser introduzida no Brasil no período posterior a Segunda Guerra Mundial, evento este que contou com ampla cobertura radiofônica (PORCHAT, 1989, p. 17), sendo popularizada nas décadas de 50/60 durante o período de retomada urbana e industrialização crescente. Assim como o rádio, a televisão também contou com o auxílio de um, digamos, patriarca, na figura do jornalista (e também professor, advogado, escritor, dono do conglomerado de mídia Diários Associados) Assis Chateaubriand. Foi justamente em 1950, ano da instalação das primeiras televisões no Brasil que o rádio atingiu o ápice, já que, naquele ano, a Copa do Mundo foi realizada no Brasil (SAVENHAGO, 2011, p. 25). A década de 1970 presenciou a entrada das transmissões em cores a primeira de uma série de inovações tecnológicas na TV. O rádio combinava muito bem com o futebol e à TV coube a hercúlea tarefa de destronar o rádio, e não matá-lo, como Capinussú afirma que ocorreu (2005, p. 82). Por sorte, os meios de comunicação não seguem as regras que seriam próprias do marketing para os novos entrantes no mercado. Estes entrariam em grande desvantagem em relação às empresas já existentes. A primeira marca estabelecida em um determinado segmento de mercado possuiria preferência na escolha dos consumidores. Na comunicação, os novos meios tendem a superar os antigos, apesar de continuar convivendo harmonicamente com eles. Santaella, ao propor sua teoria das seis eras midiáticas, assevera que não há uma eliminação do meio antigo pelo novo, mas sim uma coexistência entre eles: há sempre um processo cumulativo de complexificação [...]: uma nova formação comunicativa e cultural vai se integrando na anterior, provocando nela reajustamentos e refuncionalizações (SANTAELLA, 2003, p. 13). Nesse sentido, Scoralick afirma que rádio e TV são meio complementares, uma vez que a televisão ainda não encontrou uma linguagem que supere a do rádio em emoção, ao mesmo tempo em a TV rende assunto para o rádio com os resumos das novelas e as notícias das celebridades televisivas (2008, p. 14). Os primeiros canais brasileiros, TV Tupi e TV Paulista, logo após suas respectivas estreias na rede na década de 1950, já transmitiam partidas de futebol. Devido ao grande número de profissionais egressos do rádio, e que mantiveram a linguagem desse meio na tevê, a década de 1950 foi nomeada por Kneipp (2008) de rádio com imagens. O primeiro jogo transmitido para outros estados foi um amistoso da seleção brasileira no Maracanã em 1956. Esse fato, segundo William (apud SAVENHAGO, 2011, p. 26), alavancou a comercialização de televisores, que, enfim, possuíam algum diferencial positivo aos olhos 17 Para uma análise do campo acadêmico de estudos sobre a televisão, ver Freire Filho (2004). 9

da população. Os incrementos tecnológicos não cessariam nas décadas seguintes, uma vez percebida a atração dos consumidores por essas novidades. Não obstante, a primeira Copa com transmissão ao vivo para o Brasil foi a de 1970 até então, havia apenas as reproduções das partidas após a sua realização por meio de videoteipes. Os artistas do espetáculo, heróis futebolísticos como Pelé, Garrincha, Gérson e tantos outros também teriam contribuído para o aumento da venda de televisores. Nessas primeiras transmissões de eventos esportivos, a televisão sofreu da mesma acusação feita ao rádio em seus primórdios. Em 1933, os clubes paulistas proibiram a entrada de equipes de rádio durante as partidas de futebol. O Correio Paulistano de 11 de agosto de 1934, em uma de suas colunas, anunciava que: "Os numerosos amantes do futebol preferem ficar em casa gozando das delícias do lar, sem sofrer os rigores do sol, vento e chuva (...)" (SOARES, 1994, p. 34). Em 1939, o Jornal das Moças, em artigo do colunista Paulo Roberto, levantava a mesma polêmica: De que viverá o futebol, caso possamos assistir aos jogos em casa? (FREIRE FILHO, 2004, p. 14). Para os críticos, o público nos estádios diminuiria em função da possibilidade de poder acompanhar o jogo por outro meio, no caso o rádio ou a TV. Nesta última, temos a nosso alcance mais de cinco canais exclusivos de esporte nos planos das operadoras de TV por assinatura, e o público ainda dispõe da possibilidade de assinar o pay-per-view dos maiores campeonatos nacionais de futebol 18. Muitos seriam os motivos para permanecer em casa, ao invés de ir ao estádio. Todavia, a assistência televisiva não justifica uma queda de público, como demonstrado por Helal em seu livro Passes e Impasses (1997). Pensando mais detidamente na imagem, diferencial da TV, faz-se necessário esmiuçar o desenvolvimento tecnológico pelo qual este meio passou:. Enquanto a televisão (conhecida em seus primórdios também como radiovisão ou vídeo) surgiu na década de 1920 - com dois cientistas norte-americanos (um não conhecia a pesquisa do outro) que registraram projetos idênticos de patente da televisão (SOUSA, 2002, p. 3) -, no Brasil, assistimos à primeira transmissão apenas ao final da década de 1930 durante a 1ª Exposição de Televisão na Feira de Amostras do Rio de Janeiro. Coube ao então presidente Getúlio Vargas inaugurar o evento, que contou com auxílio financeiro do DNP (Departamento Nacional de Propaganda). Este fato sinalizava para a futura 18 Para uma investigação e análise dos números e estatísticas envolvidos na relação entre futebol e televisão, ver Aguiar e Prochnik (2010). 10

importância do novo meio, também como instrumento de publicidade política (FREIRE FILHO, 2004, p. 13);. 1950 foi o ano da primeira reportagem esportiva na TV (SAMPAIO, apud GUERRA, 2007, p. 10);. A TV Tupi SP, até 1951 a única emissora brasileira, fundada por Chateaubriant, contava com apenas duas câmeras em seu início. Eram equipamentos caros e de difícil aquisição (GARCIA, 2010, p. 12), pois não havia aqui indústria de componentes técnicos de tevê. Até as válvulas eram de fabricação americana (SODRÉ, 2010, p. 95). Ao fim dessa década, já eram 9 emissores no Centro-Sul, ainda que o número de televisores não chegasse a um milhão (Ibid., p. 95);. Na década de 1960, a televisão ganha o reforço dos videoteipes, permitindo uma maior flexibilidade na programação (já que agora era possível gravar previamente os programas que seriam exibidos). Para o futebol, essa inovação significou o início da utilização de replays e das câmeras lentas das jogadas (GARCIA, 2010, p. 12-13);. O Jornal Nacional da TV Globo, em setembro de 1969, foi o primeiro telejornal 19 a ser transmitido em cadeia nacional, com tecnologia da Embratel (Empresa Brasileira de Telecomunicações) (KNEIPP, 2009, p. 5);. No Brasil, as primeiras transmissões experimentais da TV em cores ocorreram durante a Copa de 1970. Nesse ano, a tevê estava presente em 24% dos lares brasileiros, o que representava 4,2 milhões de casa (SODRÉ, 2010, p. 9). Uma curiosidade: o tento de Pelé naquela Copa foi o primeiro a ser transmitido em cores. Apenas 2 anos depois é que a TV em cores seria oficialmente inaugurada no Brasil (GARCIA, 2010, p. 1-5); e, em 1974, produziríamos nossas primeiras tevês nacionais com este recurso (SOUSA, 2002, p. 16);. Na Copa de 2002, temos as primeiras exibições em HDTV, ainda em caráter experimental, em cinemas do Rio de Janeiro e de São Paulo (ITO, 2010, p. 2). À nível internacional, a HDTV era uma realidade desde a Copa de 1998 (GASTALDO, 2006, p. 114);. Na Copa de 2006, as transmissões em HD já estavam disponíveis nos lares dos brasileiros, assinantes da TVA e do canal BandSports (Ibid., p. 3);. Segundo dados do PNAD 2009, 97,7% dos lares brasileiros possuem ao menos um aparelho de TV 20. Um grande salto em relação ao número de aparelhos da década de 70, 19 Um histórico dos telejornais e dos jornalistas de tevê, desde a década de 1950, a partir de revisão bibliográfica e entrevistas com profissionais de diferentes épocas, pode ser encontrado na tese de Valquiria Kneipp (2008). 20 Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2009 (IBGE): <http://www.ibge.gov.br/home/ estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2009/pnad_sintese_2009.pdf>. Acesso em: 23 fev. 2012. 11

apresentados acima. A efeito de comparação, essa mesma pesquisa mostrou que 84,4% dos domicílios possuem abastecimento de água e apenas 59,1% tem acesso ao saneamento básico;. A Copa de 2010 presenciou o início das transmissões pelo sistema de televisão digital através da TV Globo e da Band ainda que o decreto que discorre sobre o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T) date de 29 de junho de 2006 (GARCIA, 2010, p. 7). Nessa Copa, foram instaladas 32 câmeras para cada jogo, proporcionando uma variedade de ângulos possíveis para as tomadas de uma jogada. Além disso, tivemos a introdução do 3D, mesmo que ainda poucos brasileiros contassem com televisores com essa tecnologia (Ibid., p. 3);. A década de 2000 também foi lugar das transmissões de TV em aparelhos eletroportáteis, como celulares (Ibid., p.13);. O ano de 2011 representou um salto nas vendas de televisores com tecnologia 3D e Smart TVs (aparelhos que contam com acesso a internet, além de outros recursos interativos). Dados da LG (fabricante de eletroeletrônicos) mostram que, em 2011, dos 600 mil televisores que a marca prospectava vender, 23% seriam Smart TVs 21. Fica claro nessa breve exposição temporal dos avanços técnicos da TV no Brasil que há uma estrita relação entre esse meio e as Copas do Mundo. O evento esportivo parece ser utilizado como um palco de testes ou divulgação de novas tecnologias televisivas. Talvez por isso, diz-se que de 4 em 4 anos ocorre um aumento exponencial na venda de novos televisores com a única função de proporcionar um melhor espetáculo para quem está no sofá ou em algum espaço público com tevê. Os 98% dos televisores ligados (cerca de 110 milhões de pessoas estimadas), às 3h da manhã, para assistir à Brasil e Inglaterra pelas quartas de final da Copa de 2002 não nos deixam mentir (GASLTADO, 2011, p. 44). A intenção dos canais televisivos durante a transmissão de uma partida de futebol ou de qualquer outro espetáculo esportivo fica exposta nas palavras do presidente das Organizações Globo, Irineu Marinho, em entrevista após a Rede Globo conquistar os direitos de transmissão de mais duas Copas, a de 2018 (Rússia) e a de 2022 (Qatar): O mais importante para a Globo é permitir que nossos telespectadores se sintam parte do evento, como se eles estivessem no estádio (O Globo, 29/02/2012, p. 2, grifos nossos). 21 Fonte: <http://idgnow.uol.com.br/mercado/2011/12/08/lg-preve-dobrar-vendas-de-tvs-3d-em-2012/>. Acesso em: 23 fev. 2012 12

Ao final, podemos afirmar que futebol e televisão possuem existências independentes, é claro. Mas, ao mesmo tempo, são muito melhor apreciados atuando em conjunto: é provavelmente pelo esporte que a tela da TV encontra a sua mais completa consagração (LIPOVETSKY; SERROY, apud BEDENDO, 2010, p. 4). 4. CONCLUSÕES PROVISÓRIAS Nossas conclusões provisórias indicam que os locutores esportivos continuam sendo figuras chaves no êxito das transmissões televisivas. Mesmo com todo o aumento de recursos tecnológicos, proporcionando melhores imagens pelos mais diversos ângulos, o locutor ocupa um papel central no sentido de se vender emoção por este meio. Houve um momento em que o locutor esportivo possuía uma linguagem mais distante, se restringindo a falar o nome dos atletas que estavam com a bola. Ao invés de buscar outra forma de narrar as partidas, os locutores esportivos tiveram que copiar o estilo do locutor radiofônico (muitos vieram daí, como demonstramos) para cativar e assegurar seu público. Ou seja, ao invés de ter matado o rádio, como muitos pensavam que pudesse acontecer, a TV teve que se adequar ao meio mais antigo para conseguir aumentar seu público. Os comentaristas da partida e os de arbitragem são figuras fundamentais nas transmissões, mas em partidas entre rivais tradicionais suas opiniões só são aceitas se convenientes às do torcedor. A definição da realidade é mais eficaz em partidas da seleção brasileira, quando estamos diante de uma torcida única. Isto seria uma demonstração dos limites dos poderes midiáticos como formadores de opinião diante da paixão do torcedor. A tecnologia da imagem faz com que o público acostumado com as transmissões pela televisão se ressinta de uma visão mais detalhada e ampla quando vai ao estádio. Os diversos recursos tecnológicos já fazem parte de sua percepção sensorial e sem eles o espetáculo fica incompleto. Além disso, a tecnologia é um fator a mais a gerar emoção. Foi pênalti, foi falta, o jogador estava impedido? A tecnologia fomenta estas discussões, não dando um veredito definitivo na maioria das vezes. Toda a discussão atual sobre o uso das tecnologias para auxiliar as arbitragens devem-se às transmissões televisivas. Ela já vem sendo usada no sentido de punir este ou aquele jogador, em lances em que o olhar do árbitro não tem condições de registrar, seja pela rapidez do mesmo ou pelo seu posicionamento em campo. Mas em lances como uma falta ou pênalti, a tecnologia não faz mais do que alimentar a polêmica e gerar novas emoções. 13

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