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Transcrição:

UTILIZAÇÃO DO RESÍDUO DA CASTANHA DO CAJU NA CONFECÇÃO DE TIJOLOS DE TERRA CRUA (ADOBE): ALTERNATIVAS PARA REDUÇÃO DO CUSTO FINAL DE MORADIAS DE INTERESSE SOCIAL NO BRASIL Adeildo Cabral da Silva 1 Sofia Araújo Lima 2 Renan Cid Varela Leite 3 Francinize de Souza Paula 4 Raquel do Nascimento Soares 5 Lívia Cavalcante Lima 6. RESUMO O presente Trabalho forma parte de uma investigação experimental mais ampla, dentro das atividades desenvolvidas pelo Centro Experimental de Desenvolvimento e Tecnologia para Melhoria de Habitação Social no Nordeste do Brasil Projeto Casa Maranguape - Ceará. O objetivo da investigação é o reaproveitamento de resíduos agroindustriais como matéria prima na produção de novos componentes construtivos aliados ao uso da terra crua, contribui na redução dos custos finais da moradia de interesse social, bem como na redução do descarte final dos resíduos nos aterros. Análises preliminares atestam uma boa concentração de celulose (fibra natural vegetal) e tanino (resina de origem vegetal) na composição da torta residual da casca da castanha beneficiada. Amostras de solo foram coletadas e analisadas para que se pudesse atender às necessidades desta investigação. Após trituramento do resíduo, seguiu-se com a confecção de tijolos com traços de resíduo-solo diferenciados para que se possa obter dados comparativos que atestem a viabilidade do uso do resíduo nos componentes habitacionais de terra crua. Espera-se, ao final desta pesquisa, adquirir um protótipo de tijolo com níveis aplicáveis de resistência, trabalhabilidade e durabilidade, contribuindo na redução do custo final da moradia de interesse social por meios de técnicas construtivas convencionais associadas ao uso de materiais alternativos. INTRODUÇÃO O PROJETO CASA MARANGUAPE (Centro Experimental de Desenvolvimento e Tecnologia para Melhoria de Habitação Social no Nordeste do Brasil) é fruto da celebração 1 Professor Mestre do CEFET-CE, LERCA, CEFETCE - CRHEA/USP, e-mail: cabral@cefetce.br. 2 Aluna de Arquitetura e Urbanismo - UFC, Bolsista PID, email: sofiaalima@yahoo.com.br. 3 Aluno de Arquitetura e Urbanismo - UFC, Bolsista PID, email: renancid@bol.com.br 4 Aluna do curso de Saneamento e Recursos Hídricos, CEFET-Ce, email: nizep2003@yahoo.com.br 5 Aluna do curso de Saneamento e Recursos Hídricos, CEFET-Ce, email: raqueldns@zipmail.com.br. 6 Aluna de Arquitetura e Urbanismo, UFC, email: livia_arq@yahoo.com.br. 14204

de um convênio de cooperação e intercâmbio técnico-científico entre o Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará - CEFET, a Universidade Federal do Ceará - UFC e a Prefeitura de Maranguape - CE. Este projeto contempla a confecção dos projetos arquitetônicos e a construção de três habitações de interesse social com tipologias distintas: uma com sistema construtivo convencional da região a segunda utilizando painéis de taipa em associação com o bambu e a terceira com tijolos de adobe. Especificamente, pretendese desenvolver e avaliar novos materiais e técnicas de construção, bem como monitorar e comparar o desempenho energético (conforto ambiental) das três tipologias de habitação, em reais condições de ocupação com metodologia de avaliação pós-ocupação. Segundo DI MARCO (1984), a utilização da terra enquanto material de construção oferece uma série de vantagens: a. econômica: a matéria prima para a construção é abundante e de custo baixíssimo além da mão de obra de baixo custo. b. energética: pode ser produzida no próprio local, sem custo de transporte e sem a necessidade de se submeter a processos industriais, obtendo-se, assim, uma grande economia de energia. A terra dispensa a queima de qualquer combustível, poupando o meio ambiente em diversas escalas. c. sócio-cultural: as tecnologias de terra crua permitem reduzir os custos da habitação social, onde o usuário sente-se capaz de construir sua própria habitação. d. desempenho do material: as habitações em terra crua possuem, comprovadamente, excelente conforto térmico e acústico. Associados à terra crua, os produtos residuais que possuem alto teor de fibras em sua composição podem gerar tijolos e telhas de custo menor em relação aos mesmos produtos presentes no mercado, contando com a grande vantagem de possuírem boa qualidade e características técnicas compatíveis com os similares. O estado do Ceará detém no Brasil, juntamente com os estados do Piauí e Rio Grande do Norte, a produção e exportação de castanha do caju, ocupando com a cultura do caju, metade das áreas cultiváveis pela agroindústria no Nordeste do Brasil. O cajueiro encontra condições ideais de cultivo no litoral, onde prefere solo seco, devendo seu plantio ser realizado na estação chuvosa, geralmente entre os meses de janeiro e junho. Prefere clima tropical e subtropical. Uma árvore com 4 anos pode produzir de 100 a 150 kg por ano. 14205

Figura 01 Caju e castanha. O caju (figura 01) é formado pelo pedúnculo, pseudofruto carnoso e duro, de cor amarela, alaranjada ou vermelha, de onde se utiliza a polpa para a produção de vários gêneros alimentícios. É formado também pelo fruto verdadeiro, a castanha-de-caju, de onde se extrai o principal produto de consumo, a amêndoa, que pode atingir até 2cm de comprimento. O cardol, popularmente conhecido como LCC (líquido da castanha do caju), extraído da castanha por pirólise (queima) ou prensagem, é utilizado na produção de solventes, vermífugas e como combustível em caldeiras. O cardol representa 18% da composição da casca da castanha que ainda contém 55% de bagaço. Análises preliminares atestaram uma boa concentração de celulose (fibra natural vegetal) e tanino (resina de origem vegetal) na composição da torta residual da casca da castanha. Enquanto a celulose atua como esqueleto de sustentação principal, o tanino aumenta a resistência das fibras ao ataque de fungos e microorganismos, aspecto de relevante importância pelo fato do resíduo da casca da castanha ser um material de origem orgânica, o que evitaria a deterioração precoce, inviabilizando sua utilização para outros fins. O reaproveitamento de resíduos agroindustriais como matéria prima na produção de novos componentes construtivos, tanto pode contribuir na redução dos custos finais das moradias de interesse social, como reduzir o descarte final dos resíduos sólidos nos aterros sanitários das cidades. OBJETIVOS Como objetivo geral essa investigação se propõe a analisar a viabilidade técnica do resíduo da casca da castanha do caju, bem como a possibilidade do uso do mesmo na confecção de novos componentes habitacionais em associação à terra crua. Especificamente, este trabalho visa o estudo dos materiais e das técnicas construtivas que utilizem o mínimo de consumo de energia operante, com baixo custo final em 14206

comparação com as técnicas tradicionais e o emprego do resíduo proveniente do beneficiamento do caju como estabilizante de solos na fabricação de tijolos de adobe. MATERIAIS E MÉTODOS A técnica utiliza a terra para criar espaços vitais adaptando suas respostas arquitetônicas e construtivas a partir das características e propriedades dos solos, principalmente no que se refere aos aspectos hídricos e de composição granulométrica sem, contudo, queimá-la ou submetê-la ao fogo, como é a prática mais comum em nossos dias. Este é o método utilizado neste trabalho e que se chama terra crua. Existem diferentes técnicas de terra crua no Brasil e o método aplicado nessa investigação é o adobe, que utiliza a terra de preferência pouco argilosa e muito arenosa, características compatíveis com a maior parte do solo na cidade de Fortaleza. RESÍDUO DA CASCA DA CASTANHA DO CAJU O resíduo utilizado neste trabalho foi cedido pela CIONE Companhia Industrial de Óleos do Nordeste, indústria que trabalha com o beneficiamento da castanha do caju para a fabricação de óleos. A produção de resíduo pela indústria é relativamente grande, chegando a 40 toneladas por dia. A maior parte é utilizada como combustível nas caldeiras para a queima de outras castanhas. O restante é descartado. O poder calorífico do resíduo da casca da castanha é equivalente ao de outros produtos utilizados para o mesmo fim, como a casca da semente de algodão, casca de amendoim, serragem e outros. Após a retirada de grande parte do cardol por processo de pirólise (queima), o resíduo se torna um bagaço de pedaços não-uniformes (figura 02). No quadro a seguir pode-se constatar o percentual de resíduo gerado durante o processo industrial pelo qual passam a castanha e seus componentes: 14207

Primeiramente foi necessário o trituramento do resíduo em grãos menores (figura 03), proporcionais à granulometria do solo, já que utilizá-lo no seu estado natural poderia comprometer estruturalmente a resistência dos tijolos, uma vez que poderia criar espaços não-homogêneos ao longo do bloco. Essa primeira etapa foi realizada no Laboratório da DITAL Divisão de Tecnologia de Alimentos pertencente ao NUTEC UFC. Figura 02 Resíduos da casca da castanha pós-queima. 03 Resíduo triturado em granulometria compatível com o solo, em forma de farelo. Figura AS FÔRMAS DE MADEIRA A moldagem dos tijolos foi feita em fôrmas individuais de madeira (figura 04) do tipo compensado naval, sem acabamento específico, cujas dimensões são 15cm de largura, 30cm de comprimento e 9,8cm de altura, totalizando 4,4 litros. adobe. Figura 04 Formas individuais de madeira para a produção de O SOLO 14208

O solo é formado pela decomposição de rochas, constituído por elementos minerais e/ou orgânicos, que reveste toda a crosta terrestre. Os solos apropriados à construção civil estão localizados a uma camada de 30 a 40cm abaixo da superfície, com menores quantidades de matéria orgânica. As características mais importantes do solo a serem consideradas são: a granulometria, plasticidade, umidade e o grau de retração (BATTISTELLE, 2003). Geologicamente, a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) é caracterizada pela presença de terrenos cristalinos e coberturas sedimentares cenozóicas. Quanto aos recursos minerais, evidencia-se para a região, uma significativa potencialidade para os minerais não-metálicos, que constituem os materiais de aplicação direta na construção civil. As amostras de solo utilizadas nessa investigação foram coletadas em Fortaleza, em 3 (três) distintos pontos do Campus do Pici da UFC (ver mapa 01), após estudos prévios sobre a distribuição tipológica de solos na cidade. Encontramos nessa área o solo adequado para atender às necessidades da fabricação de tijolos de adobe: solos arenosos com 30% de argila, em estado hídrico plástico, segundo FARIA et all, 2003. Essas características foram encontradas na tipologia de solo denominada Formação Barreiras, encontrada em quase toda a região metropolitana de Fortaleza e que se distribui como uma faixa de largura variável acompanhando a linha da costa e a retaguarda dos sedimentos eólicos antigos e atuais. Por vezes aflora na linha de praia, mas na porção oriental da RMF, chega a penetrar 30km em direção ao interior, constituindo o trecho mais largo da faixa. Litologicamente é formada por sedimentos areno-argilosos, não ou pouco litificados, de coloração avermelhada, creme ou amarelada, muitas vezes de aspecto mosqueado, com granulação variando de fina à média e contendo intercalações de níveis conglomeráticos (Projeto SINFOR:CPRM, 1995.) 14209

Foram coletadas 3 (três) amostras de solo no mesmo dia e posteriormente encaminhadas para análise no Laboratório de Mecânica dos Solos - CEFET. Após realizado o Teste do Vidro, o SOLO 1 se mostrou inadequado por possuir mais de 90% de teor de areia. O Teste do Vidro consiste em um teste expedito, realizado principalmente em campo, baseado na variação da velocidade de sedimentação das partículas em função das suas dimensões, já que partículas maiores tendem a sedimentar mais rápido. Este teste é feito colocando-se uma porção de solo até cerca de 2/3 do volume de um recipiente de vidro, cilíndrico e transparente. Em seguida, adiciona-se água, tampa-se o vidro, agita-se a mistura e depois a deixa em repouso, até não se notar mais sedimentação.medindo-se a altura total de sedimento e das suas várias camadas, estima-se por proporção, as frações de argila, silte e areia. Os outros dois SOLOS tiveram melhor desempenho técnico, ao se comprovar, também pelo Teste do Vidro (figura 05) que eram compostas por 75% de areia e o restante de material fino (silte+argila). Para uma qualificação mais exata, foi realizado ensaio de Granulometria com Sedimentação e o ensaio de Equivalente de Areia no SOLO 3 (figura 06). Por esse método 14210

também se verificou alto teor de areia no solo testado, ficando acima dos 60% indicado por BATTISTELLE (2003). A análise granulométrica estabelece parâmetros de medição das dimensões das partículas do solo por meio do processo de peneiramento, utilizado para os grãos maiores (pedregulho e areia) e por sedimentação, para medir as partículas mais finas (silte e argila). Com os valores obtidos, pode-se gerar uma curva granulométrica que estabelece em porcentagem a característica do solo. No teste de Equivalente de Areia, determina-se apenas a fração de areia da amostra, em processo semelhante ao Teste do Vidro, porém determinada com mais precisão em laboratório. Quanto ao estado hídrico do solo, foi realizado o Teste da Bola (figura 07). Neste teste, uma bola da terra amassada com água é solta em direção ao solo, da altura aproximada de um metro. Em função da forma de espalhamento do barro, verifica-se o teor de umidade do solo. Para a fabricação dos adobes, é necessário que o solo possua bom estado hídrico plástico. Todas as tipologias de solo obtiveram resultados satisfatórios. 75% de areia. Figura 05 Resultado do Teste do Vidro na AMOSTRA 2: solo com Figura 06 Ensaio de Equivalente de Areia na SOLO 3. 14211

Figura 07 Teste da Bola na SOLO 3. CONFECÇÃO DOS TIJOLOS Após as análises do solo, foram confeccionados quatro tijolos, com diferentes traços de resíduo e solo, no Laboratório de Energias Renováveis e Conforto Ambiental LERCA / CEFET-CE. - TIJOLO 1 e TIJOLO 2 100% solo. - TIJOLO 3 80% solo e 20% resíduo. - TIJOLO 4 60% solo e 40% resíduo. Primeiramente, o solo foi peneirado e amassado com as mãos, (figura 08) já que a quantidade era relativamente pequena. Para a moldagem é necessário que se faça a medição da quantidade exata de solo para o número de fôrmas que se tem disponível. Cada forma tem capacidade para 4,41 litros. A água é adicionada até se conseguir a consistência ideal de trabalho, indicada e aferida pelo Teste da Bola. O teor de água deve ser compatível para a técnica de terra crua de adobe. Os tijolos são moldados em fôrmas de madeira previamente untadas com água e areia média. Forma-se uma bola de barro e lança-o na fôrma com golpe único que logo em seguida é comprimido com cuidado para que preencha todos os vazios e as arestas da fôrma. Em seguida retira-se o excesso de material e desforma o tijolo (figuras 09 e 10). moldagem dos TIJOLOS 01 e 02. Figura 08 Amassamento da mistura água+solo para a 14212

2. Figura 09 e 10 Moldagem e desforma dos TIJOLOS 1 e O tijolo seguinte foi moldado com 20% de resíduo em massa (figura 11), com a mesma quantidade de água dos tijolos 01 e 02. Seguiu-se a mesma metodologia de moldagem e desforma. castanha do caju. Figura 11 Mistura do solo com o resíduo da casca da O quarto tijolo demonstrou, tão logo desformado, que o teor de 40% de resíduo em massa é excessivo, o que acabou causando leve desagregação na peça durante o transporte ao local destinado à secagem dos tijolos. 14213

Figura 12 As 4 amostras de tijolos de adobe. Os tijolos de adobe necessitam secar a sombra por uma semana, e depois ao sol por mais alguns dias até ocorrer secagem completa (BATTISTELLE, 2003). RESULTADOS ESPERADOS Após o período recomendado para completa secagem dos tijolos, estes serão submetidos a ensaios de caracterização como retração, absorção de água e resistência à compressão simples, para que se ateste a viabilidade técnica do uso do resíduo como estabilizante de solo na fabricação de componentes construtivos. Os tijolos foram confeccionados com traços diferenciados de solo-resíduo. Verificou-se durante a fase de moldagem e desforma, que a amostra que possui maior quantidade de resíduo em volume (TIJOLO 4) apresentou maior tendência a desagregação da mistura, apresentando desagregação durante o transporte e várias fissuras já no segundo dia de secagem. Logo, é necessário trabalhar com teores de resíduo inferior a 40% em volume. Os tijolos confeccionados apenas com barro e água (TIJOLOS 1 e 2) apresentaram aspecto consistente, comparáveis ao TIJOLO3, com 20% de resíduo em massa. Na segunda fase deste trabalho, serão moldados 6 (seis) tijolos para cada tipo de traço: - 6 tijolos com 20% de resíduo - 6 tijolos apenas com a mistura barro e água Será seguida a Norma ABNT que regula os ensaios de corpos de prova de concreto, cuja amostragem mínima exigida é de 6 (seis) exemplares. Espera-se, ao final deste trabalho, através dos resultados dos ensaios, encontrar um traço ótimo de resíduo em volume para a fabricação de novos protótipos, e assim, poder-seá seguir com as análises de intemperismo, gotejamento e verificação da ação do fogo. Salienta-se que este trabalho não tem a pretensão de encerrar a investigação acerca da utilização de resíduos agroindustriais na fabricação de tijolos de adobe. 14214

Desta forma, segue-se no sentido de desenvolver novos padrões técnicos para a associação deste componente natural em busca da redução do custo final das habitações de interesse social. REFERÊNCIAS BARDOU, Patrick e AZOURMANIAN, Varouyan. Arquiteturas de Adobe, Gustavo Gili, Barcelona, 1981. BATTISTELLE, R. A. G. Análise da Viabilidade Técnica do Resíduo de Celulose e Papel em Tijolos de Adobe. Tese de Doutorado. CRHEA/EESC/USP, São Carlos SP, 2002. BRANDÃO, R. L. Sistema de Informação para Gestão e Administração Territorial da Região Metropolitana de Fortaleza. Projeto SINFOR : Diagnóstico Geoambiental e os Principais Problemas de Ocupação do Meio Físico da Região Metropolitana de Fortaleza : CPRM, 1995. 105 p. il. CEPED/THABA/BNH/FINEP. Utilização de Fibras Vegetais na Construção Civil, Relatório 84/94, Salvador, 1994. FARIA, O. B., BATTISTELLE, R. A. G., CABRAL, N. R. A. J. Adobe: Uma Alternativa Sempre Atual e Viável em Arquitetura de Terra. In: Idéias, Revista do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará, nº XXV, 2003, p. 73-80. MARCO, Anita Regina di. Pelos Caminhos da Terra: MASP abriga agora a terra como arquitetura, uma nova alternativa para a habitação popular, Projeto Editores Associados, ed. 65, 1984. MASCARÓ, Juan Luís. Infra-estrutura Habitacional Alternativa, Porto Alegre: Sagra, 1991. MILANEZ, A. (1958). Casa de Terra As técnicas de estabilização do solo a serviço do homem do campo. 1 a. ed. Rio de Janeiro, Serviço Especial de Saúde Pública SESP. PAIVA, F. F. A., GARRUTTI, D. S., SILVA NETO, R. M. Aproveitamento Industrial do Caju. EMBRAPA/SEBRAE-CE, 2000, 83p. TÉCHNE, Revista de Tecnologia da Construção. A experiência Brasileira com as Fibras Vegetais. Jan-Fev 98, Ano 5, Editora PINI. VARGAS, Milton. Introdução à Mecânica dos Solos. São Paulo, McGrow-Hill do Brasil, Editora da Universidade de São Paulo, 1977. 14215