Projeto de mini curso Titulo: Imagens do negro no cinema brasileiro Professor: Noel dos Santos Carvalho 1 Duração: 16 horas 1) Apresentação O negro sempre foi representado no cinema brasileiro. Ele aparece nos primeiros filmes ficcionais e, ainda que na borda dos enquadramentos, nos documentários. A partir dos anos 1930, à medida que o nacionalismo ganhava espaço na vida política e ideológica do país, o negro ocupava gradualmente o centro da cena. Nos anos 1940 e 1950 ele foi metáfora do povo nas personagens de Grande Otelo, Vera Regina, Dercy Gonçalves, Colé, Blecaute e uma infinidade de dançarinos e sambistas que povoam os principais filmes das chanchadas cariocas. A partir do final dos anos 1950, a formulação do sociólogo nacionalista Guerreiro Ramos de que o negro era sinônimo de povo no Brasil, ganhou uma indefectível simbolização cinematográfica. Os cineastas identificados com o nacionalismo de esquerda passam a articular uma representação do nacional popular em que o negro é central como a representação legítima do popular, do pobre e do proletariado. São ilustrativos filmes como O Saci (Rodolfo Nanni, 1951), Agulha no palheiro (Alex Viany, 1952), Rio quarenta graus (Nelson Pereira dos Santos, 1955) e Rio Zona Norte (Nelson Pereira dos Santos, 1957). A geração de jovens revolucionários do Cinema Novo não deixaria por menos. Em Integração racial (Paulo Cesar Sarraceni, 1965), Barravento (Glauber Rocha, 1962) e Ganga Zumba (Caca Diegues, 1964), por exemplo, a linguagem 1 Noel Carvalho é graduado em ciências sociais (USP), mestre em Multimeios (UNICAMP) e doutor em Sociologia pela USP. É professor adjunto do curso de Audiovisual do Departamento de Comunicação da UFS e pesquisador convidado do Departamento de Multimeios, UNICAMP. 1
revolucionária preconizada pelos cinemanovistas é indissociável da representação do negro. Ambos simbolizam a superação dos impasses colocados pelo subdesenvolvimento. Nos anos 1970 a opção por uma versão da cultura popular como via para o mercado aprisionou as representações do negro em uma moldura culturalista. Espécie de acomodamento conservador, já que estes realizadores em sua grande maioria eram originários do Cinema Novo. É o caso de filmes como Amuleto de Ogum (Nelson Pereira dos Santos, 1974), Tenda dos milagres (Nelson Pereira dos Santos, 1977), Xica da Silva (1976, Caca Diegues, 1974), etc. No mesmo período outras representações exploram novas zonas de tensão ao tematizarem, ainda que timidamente, as políticas de identidade através de filmes como Jardim de Guerra (Neville de Almeida, 1970), A mulher de todos (Rogério Sganzerla,1969) e Orgia ou o homem que deu cria (João Silvério Trevisan, 1970) e Rainha diaba (Antonio Carlos Fontoura, 1974). Singular neste contexto é o filme Compasso de espera (Antunes Filho, 1970), única incursão do dramaturgo no cinema. Antunes Filho contou com a colaboração de Zózimo Bulbul, ator e ativista do movimento negro que enveredou para a realização pouco tempo depois. Antunes foi dos poucos realizadores a reivindicar os resultados das pesquisas de sociologia das relações raciais desenvolvidas na Universidade de São Paulo como inspiradoras para o seu filme. Fato relevante quando sabemos do peso das das teses culturalistas de Gilberto Freyre e Arthur Ramos nos filmes da maioria dos cineastas brasileiros. Na década de 70 os realizadores negros fizeram seus primeiros filmes: Vida nova por acaso (Odilon Lopes, 1970), Alma no olho (Zózimo Bulbul, 1974), As aventuras amorosas de um padeiro (Waldir Onofre, 1975), Na boca do mundo (Antonio Pitanga, 1978) e A deusa negra (Ola Balogum, 1978). Nos anos 1980 a representação estereotipada e racista veio através dos filmes da pornochanchada. No outro pólo os cineastas originários do Cinema Novo e marginal investiram na aproximação com a cultura e gêneros populares, tendência iniciada nos anos 1970. A luta política por democracia e a agenda dos movimentos 2
sociais, e do negro em particular, reverberam nos filmes Quilombo (Caca Diegues, 1984), Chico Rei (1985), Jubiabá (Nelson Pereira dos Santos, 1987), Abolição (Zózimo Bulbul, 1988), Natal da Portela (Paulo Cesar Sarraceni, 1988) e Orí (Rachel Gerber, 1989). Após a paralisação da era Collor, a produção ganhou novos contornos institucionais. As leis de fomento à produção e a associação com a televisão abriram o campo para a ingerência de interesses comerciais inclusive no conteúdo dos filmes. O que se refletiu diretamente na representação. Do ponto de vista do negro, antigos estereótipos ganharam roupagem nova através de filmes como Orfeu (Caca Diegues, 1999), O invasor (Beto Brant, 2001), Cidade de deus (Fernando Meirelles, 2002), Antonia (Tatá Amaral, 2006), Cidade dos homens (Paulo Morelli, 2007), Era uma vez (Breno Silveira, 2008), Meu nome não é Johnny (Mauro Lima, 2008), E ai comeu? (Felipe Joffily, 2012), etc. No final do século XX dois manifestos redigidos por cineastas e artistas negros questionaram a representação do negro no cinema e na televisão ao mesmo tempo e reivindicam cotas de participação nas emissoras e produtoras de cinema e publicidade: Dogma Feijoada (1999) e o Manifesto de Recife (2000). Nos anos seguintes aos manifestos alguns destes cineastas realizaram seus primeiros filmes de longa-metragem: As filhas do vento (Joel Zito Araujo, 2005), Família Alcântara (Daniel Santiago e Lilian Santiago, 2005), Bom dia eternidade (Rogério Moura, 2010) e Brodér (Jeferson De, 2011). 2) Objetivo O curso Imagens do negro no cinema brasileiro pretende apresentar e refletir sobre a representação do negro no audiovisual brasileiro. 3) Estratégia Em cada um dos quatro encontros será projetado um filme de longa-metragem representativo da história do cinema brasileiro e que tematize o negro, sua cultura e história. A partir dele iniciaremos o conteúdo de cada aula com projeções de trechos de outros de filmes. 3
4) Cronograma e conteúdo por encontro 4.1) Dia 20/11/2012 Projeção do filme Zumbi somos nós (Frente 3 de fevereiro, 2008) 1) Debate sobre o filme projetado; 2) A luta por representação no cinema e televisão; 3) Dois manifestos por um cinema negro: Dogma Feijoada e Manifesto do Recife; 4.2) Dia 21/11/2012 Projeção do filme A filha do advogado (Jota Soares, 1926) 1) Análise e debate sobre o filme projetado; 2) A condição social do negro após a abolição; 3) Estereótipos raciais no cinema hollywoodiano; 4) Estereótipos raciais no cinema brasileiro; 4.3) Dia 22/11/2012 Projeção do filme Carnaval Atlântida (José Carlos Burle, 1952) 1) Análise e debate sobre o filme projetado; 2) Uma nova interpretação sobre o negro e a nação; 3) O sambista, o favelado e o povo nos filmes; 4) Os nacionalistas universalistas e a Vera Cruz; 4.4) Dia 23/11/2012 Projeção do filme Barravento (Glauber Rocha, 1962) 1) Debate sobre o filme; 2) A proposta revolucionaria do Cinema Novo; 4
3) Cinema Novo e Cinema Negro; 5) Bibliografia Texto do dia 20/11/2012 ARAUJO, Joel Zito. Onde está o negro na TV pública? Em: <http://www.palmares.gov.br/sites/000/2/download/pesqtv.pdf>. Acesso em: 04 outubro 2012. CARVALHO, Noel dos Santos. Contra a invisibilidade - Política e luta do negro por representação. In: ARAUJO, Joel Zito. Org. O negro na TV pública. Brasília, Fundação Cultural Palmares, 2010. Texto do dia 21/11/2012 CARVALHO, Noel dos Santos. O negro no cinema brasileiro: o período silencioso. Plural (USP), São Paulo, v. 10, p. 155-179, 2003. Texto do dia 22/11/2012 STAM, Robert. Carmen Miranda, Grande Otelo e a chanchada, 1929-1949. In:. Multiculturalismo tropical. São Paulo, EDUSP, 2008. Texto do dia 23/11/2012 CARVALHO, Noel dos Santos. Racismo e anti-racismo no cinema novo. In: HAMBURGER, Esther et al. Estudos de cinema socine. São Paulo, Annablume, 2008. 5