Processo nº 182/2002 Data: 21.11.2002



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Transcrição:

Processo nº 182/2002 Data: 21.11.2002 Assuntos : Declaração de perda de objecto utilizado na prática do crime. (veículo automóvel). Pressupostos (artº 101º do C.P.M.). SUMÁRIO 1. Em conformidade com o preceituado no artº 101º do C.P.M., devem ser declarados perdidos a favor da R.A.E.M., os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um crime, desde que, pela sua natureza ou circunstâncias do caso, ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou ordem pública, ou ofereçam sério risco de serem utilizados para a prática de novos crimes. 2. A expressão sério risco, implica um juízo objectivo de forte probabilidade e não apenas de mera possibilidade. O Relator, José Maria Dias Azedo Proc. 182/2002 Pág. 1

Processo nº 182/2002 ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.: Relatório 1. O Digno Magistrado do Ministério Público, deduziu acusação contra (1º) (A), (2º) (B), (3º) (C) e (4º) (D), todos, com os sinais dos autos, imputando-lhes a prática em co-autoria, dos crimes de abate e comercialização clandestinos e de infracção contra a qualidade dos alimentos, ambos, p. e p. pelos artigos 19º, nº 2, e 21º, al. b) da Lei nº 6/96/M, e de uma contravenção p. e p. pelo 37º, nº 1 do Dec-Lei nº 66/95/M; (cfr. fls. 194 e segs. e 267 a 269). Realizada a audiência de discussão e julgamento, deliberou o Colectivo a quo julgar procedente a acusação, condenando os arguidos em penas de prisão (suspensas na sua execução) e multa, declarando ainda perdido a favor da R.A.E.M., o veículo com a matrícula MG-9x-xx propriedade do (2º) arguido (B); (cfr. fls. 276 a 282-v). * Proc. 182/2002 Pág. 2

Não se conformando com a declaração de perda do dito veículo, dela veio recorrer o arguido (2º) (B). Motivou para concluir que: 1ª A perda de coisas ou direitos em processo penal é uma espécie de medida de segurança, operando somente naqueles casos em que existe o perigo de repetição de cometimento de novos factos ilícitos através do mesmo instrumento. Há que afastar uma ideia anteriormente dominante, hoje anacronica, de sacrilização de todos os instrumentos do crime. 2ª O fundamento da perda dos instrumentos que servem para a prática de facto ilícitos típicos é a sua perigosidade, e esta afere-se pela natureza dos mesmos instrumentos e pelas circunstâncias do caso. 3ª Não é correcto declarar perdido a favor da RAEM, confiscando, determinado objecto utilizado na prática de crime "ipso facto", pois não é esta ratio do legislador ao consagrar em letra de lei a norma contida no nº 1 do artigo 101º do Código Penal de Macau acima transcrito. O padrão aferidor da necessidade ou não decretar a perda de determinado objecto ou instrumento situa-se na susceptibilidade do objecto em causa, pela sua natureza instrínseca, puser em perigo a segurança das pessoas ou a moral ou ordem pública, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos. 4ª Nos termos da lei penal, determinado objecto é declarado perdido quando tendo servido ou destinado a servir para a prática criminosa ou um facto ilícito típico, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, verificar um ou mais dos seguintes condicionalismos: Proc. 182/2002 Pág. 3

i) Puserem em perigo as pessoas; ou, ii) Puserem em perigo a moral ou ordem públicas; ou, iii) Oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos. 5ª Um veículo automóvel é, prima facie, um meio ou instrumento de transporte de pessoas e mercadorias, e não algo que obrigatória e exclusivamente se destine a prática criminosa. E um meio de transporte que terá uma utilização lícita ou não consoante o seu detentor. Não se espelham nos autos a possibilidade de o recorrente vir a delinquir no futuro. 6ª No que diz respeito às circunstâncias em concreto que rodearam a prática criminosa, é inadmissível decretar a perda do veículo que serviu à prática dos crimes, pois, há enorme desproporção entre o respectivo valor (do objecto) e a natureza ou a gravidade do facto ilícito praticado. 7ª A gravidade do facto ilícito típico é aferível atento ao tipo e a moldura das penas aplicáveis. 8ª Para os crimes pelos quais o recorrente foi condenado, a possibilidade de e o valor da multa legalmente prevista e a moldura penal da pena de prisão inferior a 3 anos em relação aos crimes dos artigos 19º e 21º da Lei nº 6/96/M, e só a pena de multa em montante igual ao valor das mercadorias apreendidas, não podendo ser inferior a MOP$ 5.000,00 em relação ao crime previsto no artigo 37º da Lei nº 66/95/M, são índices balizadores da relativa gravidade que o legislador atribui a estas condutas ilícitas. 9ª Considerando o tipo e a medida das penas concretamente aplicadas, nesta parte do acórdão recorrido, há uma manifesta e injustificada Proc. 182/2002 Pág. 4

desproporção violadora dos princípios de culpa e do seu corrolário da proporcionalidade e da adequação da medida da pena ao se decretar a perda do veículo automóvel MG-98-3l. Pede, seja revogado o acórdão recorrido na parte que declarou perdido a favor da Região Administrativa Especial de Macau o veículo automóvel MG-9x-xx, ordenando a sua restituição ao ora recorrente ; (cfr. fls. 289 a 301). * Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público pugnando pela manutenção do decidido; (cfr. fls. 303 a 305). Admitido o recurso, foram os autos remetidos a esta Instância. * * Na vista que dos autos teve, opina o Exmº Procurador-Adjunto no sentido de se dever conceder provimento ao recurso (cfr. fls. 319 a 321). * Passados os vistos da Lei, teve lugar a audiência de julgamento do recurso. * Cumpre apreciar e decidir. Proc. 182/2002 Pág. 5

Fundamentação Dos factos 2. Vem a matéria de facto averiguada pelo Colectivo a quo fixada nos termos seguintes: Em data indeterminada de finais de Março de 2001, o arguido (A) soube que o arguido (B) possuía um veículo particular de matrícula MG-9x-xx (que tinha matrícula da RPC n xxxx), pelo que pediu ao mesmo se podia ajudar-lhe a transportar carne de porco crua para ser vendida em Macau. Na altura, o arguido (B) não aceitou o pedido de (A). Três dias depois, o arguido (A) telefonou ao (B), referindo que caso (B) estivesse disposto de lhe ajudar a transportar carne de porco crua, por cada cate, lhe pagaria duas patacas (MOP$2,00) a título de recompensa. Pelo que o arguido (B) aceitou o pedido de (A). Em princípios de Abril de 2001, o arguido (B) começou a ajudar (A) a transportar carne de porco crua da China para Macau. Para o efeito, o arguido (A) arranjou os arguidos (C) e (D), para lhe ajudar a receber e transportar em Macau a carne de porco crua trazida por (B) da China para Macau. Normalmente, um dia antes do transporte, o arguido (A) telefonava para o telemóvel (68xxxx) de (B), ordenando-lhe para que no dia seguinte de manhã às 8H00 e tal conduzisse o seu veículo particular de matrícula MG-9x-xx, no local vulgarmente designada por "espaço sem jurisdição" que Proc. 182/2002 Pág. 6

fica entre as fronteiras das Portas do Cerco e fronteiras de Kong Pak, à sua espera ou à espera de um indivíduo do sexo masculino chamado "Lei Chai", em seguida, o arguido (A) ou esse tal indivíduo do sexo masculino entregava ao (B) a carne de porco crua que tinha preparado, para este posteriormente transportar para Macau através do seu veículo particular. O arguido (B) depois de transportar a carne de porco crua a Macau, conduzia o seu veículo particular perto do edf. Kuong Fok Cheong, para entregar a carne de porco crua aos arguidos (C) e (D), os quais tinham sidos ordenados pelo arguido (A) para aí ficarem à espera. Os arguidos (C) e (D) depois de tirar a carne de porco crua do veículo do (B), utilizavam uma carrinha de mão para transportar a carne fora do local e em seguida vender ao público. Após o recebimento da mercadoria, conforme as ordens do (A), o arguido (C) entregava ao arguido (B) a recompensa do transporte de carne de porco crua. Desde princípios de Abril de 2001, o arguido (B) usou por 11 vezes o referido veículo particular para ajudar o (A) transportar carne de porco crua, e por cada ajuda recebia do (A) cerca de quinhentas a seiscentas patacas de recompensa. Cada vez que importava carne de porco crua, eram os arguidos (C) e (D) quem encarregavam de receber a carne. Em 18 de Abril de 2001, cerca das 8H00 e tal, o arguido (B), a pedido de (A), tornou a conduzir o seu veículo particular MG-9x-xx para o local vulgarmente designada por "espaço sem jurisdição" e através de uma pessoa desconhecida recebeu a carne de porco crua e imediatamente a transportou para Macau. Proc. 182/2002 Pág. 7

Após o arguido (B) ter entrado em Macau, conduziu o seu veículo particular perto do edf. Kuong Fok Cheong. Na altura os arguidos (C) e (D), conforme as ordens do (A), ficaram aí à espera. Aquando os arguidos (C) e (D) se preparavam retirar a carne que estava no interior do supracitado veículo particular foram interceptados pelo pessoal da PMF. O pessoal da PMF apanhou em flagrante no veículo de (B) sete embrulhos de plásticos com carne de porco crua. Após verificação, foi apurada que havia, 87.40kg carne de porco; 71.10kg osso de porco; 6kg fígado de porco, 4kg língua de porco; com peso líquido total de 168.50kg. Após exame foi apurada que a referida carne de porco crua não era apta para consumo. Os arguidos (A), (B), (C) e (D) através da conjugação de esforços, sem possuir qualquer licença de importação e certificado de controlo sanitário transportaram a referida carne de porco crua para Macau. Eles, após embrulhar a carne de porco crua com saco de plástico, através do veículo particular do arguido (B) transpotaram-na para Macau. Esta forma de actuação não reúne os requisitos estipulados no Controlo de transporte de carne fresca da Câmara Municipal de Macau Provisória regulamentada pela Organização Mundial de Saúde e Organização de alimentos e Agricultura das Nações Unidas. Eles bem sabiam que a carne de porco crua supracitada não são provenientes do Matadouro de Macau. Proc. 182/2002 Pág. 8

Eles importaram a carne de porco crua para Macau com o objectivo de vender ao público. Eles agiram livres, conscientes e voluntariamente. Eles bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. O 1 arguido é vendedor ambulante e aufere o rendimento de 40 a 70 patacas por dia. É casado e tem a mulher e dois filhos a seu cargo. Confessou os factos e é primário. O 2º arguido é desempregado. É casado e tem a mulher e dois filhos a seu cargo. Confessou os factos e é primário. O 3º arguido é desempregado. É casado e tem dois filhos a seu cargo. Confessou os factos e é primário. O 4º arguido é empregado de supermercado e aufere o rendimento de três mil e duzentas patacas. É casado e tem a mulher e dois filhos a seu cargo. Confessou os factos e é primário. Não ficaram provados os seguintes facto: nenhum a assinalar. Indicação das provas que serviram ara formar a convicção do Tribunal: A confissão dos arguidos. As declarações das testemunhas de acusação e defesa que relataram com isenção e imparcialidade. Proc. 182/2002 Pág. 9

Apreciação dos variados documentos colhidos durante a investigação (fls. 172) ; (cfr. fls. 278 a 280). Do direito 3. Como resulta do até aqui relatado, vem apenas colocada a questão de se saber se merece reparo a decisão de declaração de perda do veículo com a matrícula MG-9x-xx, pertença do arguido (B), ora recorrente. Assim, sem demoras, curemos de apreciar se lhe assiste razão. O ora recorrente assenta o seu inconformismo com a decisão recorrida nos seguintes dois aspectos: um primeiro, dado que em sua opinião não se encontra preenchido o requisito da perigosidade do veículo declarado perdido; e, um segundo, dado que considerando o tipo e a medida das penas concretamente aplicadas,..., há uma manifesta e injustificada desproporção violadora dos princípios de culpa e do seu corolário da proporcionalidade e da adequação da medida da pena ao se decretar a perda do veículo automóvel MG-9x-xx. Vejamos o que nos diz o artº 101º do C.P.M. que é o que, à falta de um regime especial como sucede, v.g., com o D.L. nº 5/91/M ( Lei da Droga ), que no âmbito do crime de tráfico de estupefacientes e outros, prevê a perda dos instrumentos utilizados ; (cfr. artº 22º) regula a matéria: 1. São declarados perdidos a favor do Território os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou Proc. 182/2002 Pág. 10

que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas ou a moral ou ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos. 2. O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa possa ser punida pelo facto. 3. Se a lei não fixar destino especial aos objectos declarados perdidos nos termos dos números anteriores, pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos fora do comércio ; (sub. nosso). Ora, sendo que dúvidas não existem quanto ao facto de a viatura em causa ter sido utilizada ( servido ) para a prática de factos ilícitos típicos, (nomeadamente, os crimes pelos quais foi o ora recorrente condenado), curemos de apreciar se pela sua natureza ou circunstâncias do caso, é de se entender que a mesma (a) põe em perigo a segurança das pessoas ou a moral ou ordem públicas, (b) ou se oferece sério risco de vir a ser utilizada para o cometimento de novos crimes ; (cfr. nº 1 do citado artº 101º). Como bem aponta o Ilustre Procurador-Adjunto citando o Prof. F. Dias, só deverá ser decretado o perdimento dos objectos que, atenta a sua natureza intrínseca, isto é, a sua especifica e co-natural utilidade social, se mostram especialmente vocacionados para a prática criminosa e devam por isso considerar-se, nesta acepção, objectos perigosos ; (cfr. Direito Penal Português As Consequências Jurídicas do Crime, 621). In casu, não se nos afigura que assim seja de considerar. Proc. 182/2002 Pág. 11

De facto, por natureza, uma viatura automóvel, constitui um meio de transporte de pessoas e coisas e, em si, não representa perigo para quem quer que seja; (a não ser que se cometam excessos aquando da sua condução, o que, óbviamente, não é questão que cumpre conhecer no âmbito da presente lide recursória). E, da mesma forma, não vemos como se possa considerar que a viatura em causa, mesmo ponderando-se nas circunstâncias do caso, constitua um objecto que cause ou possa causar perigo para a moral ou ordem públicas. Assim, vejamos agora se é de concluir existir sério risco de vir a ser a viatura em causa utilizada para a prática de novos crimes. afirmar. Como já deixamos consignado, não nos parece que se possa assim Na verdade, e tendo presente a locução sério risco, importa ter em conta que implica, a mesma, naturalmente, um juízo (objectivo) de forte probabilidade e não apenas de mera possibilidade cfr., v.g., nesse sentido, o Ac. da Rel. Évora de 14.01.97 in, C.J., XXII, 1, pág. 299 e, nesta conformidade, não descortinamos nos factos dados como provados, matéria fáctica que possa servir de suporte factual para assim se entender ou concluir. Não se olvida, óbviamente, que o ora recorrente transportou 87.40Kg de carne de porco, 71.10Kg de osso de porco, 6Kg de fígado de porco e outros Proc. 182/2002 Pág. 12

4Kg de língua de porco, tudo num total de 168.50Kg. E que para além disso, num período de tempo compreendido entre os princípios de Abril de 2002 a 18 de Abril, (data em que veio a ser detido pelas autoridades alfandegárias), utilizou a viatura em causa por onze (11) vezes para o transporte ilegal de carne de porco. Todavia, o certo é que tal factualidade, em nossa opinião, não se mostra bastante para que, objectivamente, com o grau de probabilidade exigível, se possa, desde já, concluir haver sério risco de tal viatura voltar a ser utilizada para a prática de novos ilícitos penais. Mostra-se aqui adequado ter também em conta que o ora recorrente era primário e confessou os factos no julgamento, o que, pelo menos, por ora, torna possível admitir que está arrependido da sua conduta e, por sua vez, menos viável a conclusão de que seja possuidor de uma personalidade propícia à prática de novos crimes. Assim, e porque pela natureza e circunstância do caso, não se nos afiguram preenchidos os pressupostos do artº 101º, nº 1 do C.P.M., impõe-se, sem necessidade de outras considerações, a procedência do presente recurso. Decisão 4. Nos termos expostos, na procedência do recurso, acordam revogar a decisão recorrida; (a que declarou o perdimento da viatura MG-9x-xx a Proc. 182/2002 Pág. 13

favor desta R.A.E.M.). Sem custas. Macau, aos 21 de Novembro de 2002 José Maria Dias Azedo (Relator) Choi Mou Pan Lai Kin Hong Proc. 182/2002 Pág. 14