NOÇÕES DE HIDROGEOLOGIA PARA ABASTECIMENTO DE ÁGUA

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Transcrição:

NOÇÕES DE HIDROGEOLOGIA PARA ABASTECIMENTO DE ÁGUA José Eduardo Alamy Filho 1 Harry Edmar Schulz 2 EESC-USP (Escola de Engenharia de São Carlos Universidade de São Paulo); Departamento de Hidráulica e Saneamento; Av. Trabalhador São-carlense, n o 400; CEP 13566-590; São Carlos; SP; Brasil; (0**16)273-9552; FAX: (0**16)273-9550; zealamy@bol.com.br; heschulz@sc.usp.br. 1. Introdução Palavras-chave: aqüíferos, águas subterrâneas, abastecimento de água. De acordo com as mais recentes avaliações, dos 1360 quatrilhões de toneladas de água do planeta, apenas 0,8% corresponde à água doce. Dessa fração, 3% apresentam-se na forma de água superficial e 97% na forma de água subterrânea (BARROS et al., 1995). Ocorrendo em maiores quantidades, as águas subterrâneas têm grande potencial de exploração, destacando-se ainda vantagens evidentes como boa qualidade (em geral) para o consumo humano e possibilidade de localização de obras de captação nas proximidades das áreas de consumo. O abastecimento com águas subterrâneas pode oferecer uma alternativa qualitativamente mais adequada. Os mananciais subterrâneos são naturalmente melhor protegidos dos agentes poluidores em relação à poluição de rios e lagos, muito embora lençóis freáticos próximos da superfície sejam vulneráveis à contaminação. Enquanto que os corpos d água superficiais representam água em trânsito, as reservas subterrâneas representam água armazenada. As águas subterrâneas vêm se acumulando há muitos séculos. Durante um ano, em média, as águas dos cursos superficiais se renovam mais ou menos 31 vezes, enquanto que as águas subterrâneas possuem tempo de permanência variável de 2 semanas a 10000 anos, dependendo das condições do aquífero e da exploração. Nem toda água do subsolo pode ser retirada, uma vez que o armazenamento em formações muito profundas torna seu aproveitamento impraticável. Os aqüíferos desempenham duas importantes funções: armazenamento e transmissão de água. Dessa forma, as formações aqüíferas atuam como reservatórios e condutores. Os interstícios e poros do meio funcionam como uma rede de pequenos canais além de possibilitarem a acumulação de água. As águas subterrâneas estão em constante movimento, formando muitas vezes, longos percursos entre as zonas de recarga e de descarga. A despeito disto, esse movimento é bastante lento, de forma que as velocidades são da ordem de centímetros ou metros por dia, salvo em casos excepcionais, como nas cavernas calcárias. Página 1 de 8

Assim, devido ao enorme volume representado pela porosidade, os aqüíferos retêm grandes quantidades de água em situação de armazenamento transitório. 2. Formações geológicas e aqüíferos 2.1. Formações Magmáticas As rochas magmáticas, também conhecidas como ígneas se originam do resfriamento do magma oriundo de profundidades variáveis da crosta terrestre. O magma quando extravasa na superfície sofre um processo de resfriamento rápido, originando rochas de aspecto vítreo e contextura fina. Dessa maneira, são produzidas as rochas extrusivas ou vulcânicas. O basalto é um importante exemplo de formação extrusiva e pode se comportar como um bom aqüífero em virtude da quantidade de fendas ou fraturas que possui. Além disso, as formações basálticas podem apresentar grande quantidade de poros ou aberturas que surgiram devido ao escapamento de gases. Assim, o basalto pode conter água nas fraturas ou fendas e também em vesículas interconectadas. Quando o resfriamento do magma ocorre mais lentamente em profundidades consideráveis, as formações resultantes apresentam minerais bem desenvolvidos, formando cristais e uma baixa concentração de poros. Essas rochas são denominadas intrusivas ou plutônicas. O granito constitui um exemplo de rocha intrusiva. A água nas formações graníticas pode ser obtida, em escala reduzida, caso haja um sistema de fraturas interconectadas. 2.2. Formações sedimentares Os depósitos sedimentares originam-se a partir do intemperismo que decompõe e desintegra as rochas pré-existentes. As águas subterrâneas podem ocorrer tanto em rochas consolidadas como em depósitos sedimentares não consolidados. Na realidade, qualquer formação suficientemente porosa e permeável pode constituir um aqüífero. O volume das rochas sedimentares corresponde a apenas 5% da crosta terrestre. A despeito disto, essas formações comportam cerca de 95% das águas subterrâneas (JOHSON, 1966). Um exemplo de formação sedimentar consolidada é o calcário, constituído principalmente de carbonato de cálcio. Processos geológicos podem produzir fraturas nessas rochas, possibilitando a penetração da água pelos canais. A água, por sua vez, atua na dissolução do material, construindo uma rede de canais e cavernas que podem ser explorados por poços. Esses aqüíferos calcários são denominados de Karst. Os calcários são geralmente de origem marinha e apresentam variações quanto ao potencial de abastecimento de água. Isto Página 2 de 8

decorre da incidência bastante variável das fraturas, no alargamento dos canais por dissolução e na interconexão dos mesmos. Sedimentos arenosos e argilosos, transportados e depositados em ambientes subaquáticos, também originam formações sedimentares. Depósitos de areia e argila muito espessos tendem a compactar as camadas inferiores e a infiltração de água nos poros tende a causar a cimentação dos mesmos. Assim, os depósitos de areia são transformados em arenitos e as argilas em folhelhos argilosos. Essas formações podem fornecer água dependendo dos fraturamentos causados por tectonismo ou outros processos geológicos. O potencial de abastecimento de água dos arenitos varia muito, principalmente em função dos fraturamentos e das cimentações. Quando fraturados e apenas parcialmente cimentados, podem fornecer grandes quantidades de água. Areias, cascalhos ou depósitos mistos de areia e cascalho, quando inconsolidados, são considerados excelentes aqüíferos. Os aqüíferos sedimentares não consolidados incluem depósitos marinhos, aluvionais e fluviais, e depósitos eólicos. Os processos de intemperismo influenciam as propriedades hidráulicas das formações sedimentares. Nas regiões áridas ou frias, predominam os processos de desintegração mecânica, cuja tendência é reduzir a granulometria do meio sem afetar sua composição química. Assim, o resultado é um material de granulação grosseira, como cascalhos e areias. Nas regiões quentes ou úmidas, prevalece o processo de decomposição química, resultando no surgimento de minerais argilosos, siltes, óxidos de ferro e carbonatos. 2.3. Formações metamórficas As formações ígneas ou sedimentares podem ser alteradas em virtude de processos de compactação, pressão ou aquecimento, resultando nas rochas metamórficas. Geralmente, essas formações não são aqüíferos, mas podem armazenar e fornecer apreciáveis quantidades de água se estiverem suficientemente fraturadas. 3. O Aqüífero Guarani O termo aqüífero Guarani (Figura 1) é a denominação formal dada ao reservatório transfronteiriço de água subterrânea que ocorre nas bacias sedimentares do Paraná e Chaco Paraná, cuja extensão total é da ordem de 1,5 milhões de Km 2, dos quais cerca de 56% ocorrem no Brasil. A profundidade máxima dessa formação pode chegar a 1500 m, havendo afloramento do aquífero em algumas regiões (Figura 2). Segundo ARAÚJO et al.(1999), a espessura média estimada dessa camada aqüífera é de 277 m. Página 3 de 8

A teoria mais aceita a respeito da formação do aqüífero Guarani defende que havia na região um grande deserto, encoberto por seqüências de derrames de magma que duraram mais de 20 milhões de anos. Dessa forma, as camadas de rochas vulcânicas cobriram o deserto. A partir de 135 milhões de anos atrás, a área de ocorrência do aqüífero passou a apresentar um clima preponderantemente úmido, propiciando uma recarga considerável devido à infiltração da água das chuvas. Essa recarga permitiu o armazenamento de água nos poros da formação arenosa, originando o aqüífero Guarani. No caso do Brasil, a taxa de recarga no aqüífero é estimada em cerca de 166 Km 3 /ano. Isto significa que a extração de apenas 25% dessa recarga daria para abastecer o consumo total de uma população superior aos 15 milhões de habitantes da área, considerando um consumo médio per capita de 250 L/ hab.dia. O aqüífero Guarani é composto basicamente pelas formações Pirambóia e Botucatu. Essas formações são cobertas em aproximadamente 90% da sua área por rochas predominantemente basálticas, constituindo a formação Serra Geral. Durante o período Cretáceo Superior, depositaram-se sobre a formação Serra Geral seqüências arenosas e argilosas, constituindo o grupo Bauru. O maior alcance social e econômico do aqüífero Guarani resulta do fato de suas águas poderem ser consumidas sem necessidade de tratamento convencional. Esta província hidrogeológica é possivelmente a única do planeta a apresentar água potável a mais de 1500 metros de profundidade. Além disso, suas águas podem desempenhar variadas funções no escopo de gestão integrada, tais como produção de energia geotermal, uma vez que as temperaturas podem atingir 60 o C (CAPUCCI, 2000). O gradiente geotérmico na área de ocorrência do aqüífero Guarani é da ordem de 1 o C a cada 35 m de profundidade. Para se ter uma idéia, a temperatura da água extraída por poços perfurados nas regiões de recarga do aqüífero é da ordem de 22 o C. Todavia, nas regiões onde o topo da formação está a 1000 m de profundidade, as águas extraídas por bombeamento atingem a superfície em temperaturas superiores a 50 o C. 3.1. A exploração excessiva de aqüíferos Nas cidades abastecidas por águas subterrâneas é comum a presença de áreas com elevada concentração de poços. A proximidade entre poços realça o problema das interferências, fazendo com que eles se tornem concorrentes, acentuando os rebaixamentos dos níveis piezométricos. Explorações desproporcionais comprometem o equilíbrio geral do sistema. De modo geral, os inconvenientes dessas explorações demoram a ser observados por causa da própria natureza dos fenômenos envolvidos, da lentidão com que eles atuam e da magnitude das disponibilidades existentes. Por isto mesmo, os desarranjos provocados por Página 4 de 8

este tipo de imprevidência ou desconhecimento demandam prazos longos para serem corrigidos e reequilibrados. Situações deste tipo já não são raras nas regiões mais desenvolvidas. Em casos como estes, os prejuízos mais freqüentes costumam ser o aumento do custo de extração, o subaproveitamento do manancial e o esgotamento das nascentes. Este último caso, em especial, é abordado neste trabalho através da simulação de um caso de bombeamento (hipotético) de poços introduzidos nas proximidades de uma nascente. A região é ilustrada pela Figura 3. A nascente de um curso d água, representada pelo ponto A, é originada por fraturamentos interconectados na formação rochosa que está superposta ao aqüífero. O nível piezométrico inicial na nascente é de 1,5 m acima da superfície do terreno. Isto significa que, antes da introdução de qualquer poço na região, a água jorra na nascente numa altura de 1,5 m. A operação de poços provoca o decaimento gradual dos níveis piezométricos na região. Estes rebaixamentos são tão mais acentuados quanto maiores as vazões extraídas. Assim, o esgotamento de uma nascente pode ocorrer quando a sua cota piezométrica se torna inferior à cota do terreno. Os poços são introduzidos gradualmente no setor analisado e sua locação é ilustrada pela Figura 4. A Tabela 1 resume os dados dos poços. A operação deste sistema permite extrair uma vazão total de 50 m 3 /h, suficiente para abastecer uma população de 4000 habitantes, considerando um consumo médio per capita de 300 L/hab.dia. A água é extraída de um aqüífero confinado, com espessura média de 100 m, condutividade hidráulica (k=0,1 m/h) e coeficiente de armazenamento (S=0,0001) característicos do aqüífero Guarani na região do município de Ribeirão Preto (SP) (CONTIN NETO, 1996). Os resultados das simulações revelam que a nascente é esgotada após três anos do início de operação dos poços, quando se verificam cotas piezométricas inferiores à superfície do terreno (Figura 5). Este estudo revela os efeitos danosos da locação de poços nas proximidades de uma nascente, destacando o problema da super-exploração de um aqüífero. 4. Considerações finais Um dos equívocos mais freqüentes em relação ao aproveitamento de águas subterrâneas costuma estar associado à expectativa de que essas reservas podem ser exploradas como fontes alternativas, somente para completar disponibilidades superficiais escassas ou altamente comprometidas. A própria expressão reservas hídricas subterrâneas, largamente utilizada para designar este tipo de ocorrência, contém a idéia de uma quantidade adicional de água, reservada para livre utilização futura ou sempre que as demais formas de disponibilidades estiverem já comprometidas. A quantidade de água subterrânea no planeta é Página 5 de 8

32 vezes maior do que a quantidade de água superficial, destacando seu grande potencial para abastecimento público e industrial. A despeito do grande volume de água armazenada no aqüífero Guarani, sua extração exige elevados custos decorrentes da perfuração de grandes extensões de rocha nas regiões que mergulham em direção à calha do Rio Paraná. É conveniente destacar que o aproveitamento do aqüífero Guarani para abastecimento de cidades é amplamente viável, principalmente nas regiões de afloramento e nas regiões onde o topo da formação não se encontra a profundidades tão elevadas (ver Figuras 1 e 2). A falta de planejamento na utilização das águas subterrâneas agrava o problema da super-exploração dos aqüíferos. Este problema decorre da elevada concentração de poços em setores urbanos e industriais, acentuando os rebaixamentos dos níveis piezométricos, e causando efeitos danosos à própria operação do sistema (interferências) e aos mananciais subterrâneos e superficiais. 5. Referências bibliográficas ARAÚJO, L. M., FRANÇA, A. B., POTTER, P.E., 1999, Hydrogeology of the Mercosul aquifer system in the Paraná and Chaco-Paraná Basins, South America, and comparison with the navajo-nugget aquifer system, USA ; Hydrogeology Journal, 7, p.317-336. BARROS, R. T. de V. et alli, 1995, Manual de Saneamento e Proteção Ambiental para os Municípios, v.2, Escola de Engenharia da UFMG, Belo Horizonte. CAPUCCI, E., 2000, Aquífero Guarani: uma comparação com os mananciais subterrâneos do estado do Rio de Janeiro, CEDAE-APOB, Niterói. CONTIN NETO, D., 1996, Relatório Técnico do Projeto de Gestão da Quantidade de Águas Subterrâneas Resultados. FIPAI, São Carlos. JOHSON DIVISION, 1966, Água Subterrânea e Poços Tubulares, Saint Paul, Minesota. Página 6 de 8

Figuras e Tabelas profundidade (m) 0-100 -200-300 -400-500 -600-700 -800-900 -1000 Figura 1 Variação espacial das profundidades do aqüífero Guarani -1100 Figura 2 Regiões de afloramento do aqüífero Guarani Página 7 de 8

Tabela 1 Dados operacionais dos poços de bombeamento poço vazão (m 3 /h) distância à nascente (m) início da operação 1 10 2668,78 01/01/03 2 10 2027,65 01/06/03 3 15 2733,20 01/01/04 4 15 1087,82 01/06/04 nível piezométrico camada rochosa aqüífero A Figura 3 Representação da nascente de um curso d água originada por fraturamentos na camada rochosa confinante A Figura 4 Locação dos poços na região analisada Página 8 de 8