A TRAGÉDIA DA UNIÃO EUROPEIA

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Transcrição:

A TRAGÉDIA DA UNIÃO EUROPEIA

A TRAGÉDIA DA UNIÃO EUROPEIA GEORGE SOROS em conversa com GREGOR PETER SCHMITZ

Prefácio Será tarde de mais para salvar a União Europeia? Em janeiro de 1999, quando o euro foi criado, o projeto da moeda única aparentava ser o passo mais decisivo para «uma união cada vez mais estreita» da Europa, um processo que se iniciou com o Tratado de Roma, no rescaldo da Segunda Guerra Mundial. Supostamente, o euro deveria criar uma união económica continental que rivalizasse com os Estados Unidos em dinamismo económico e estabilidade financeira. Foi concebido para erradicar as divergências económicas que tinham contribuído para o que Churchill descreveu como a «Guerra Civil dos Trinta Anos» de 1914 a 1945. Supostamente também deveria ter tornado a UE num modelo ainda mais inspirador, num momento da

10 GEORGE SOROS História em que o Império Soviético estava em colapso e parecia ter chegado a hora de novos entendimentos geopolíticos baseados em benefícios económicos mútuos e na cooperação democrática, em lugar da coerção por parte de potências imperiais. Quinze anos depois, é evidente que este projeto correu profundamente mal. Movimentos xenófobos e neofascistas conquistaram uma adesão sem precedentes no arranque das eleições europeias de 2014. A Grã- -Bretanha planeia um referendo para sair da UE e por toda a Europa é evidente que os interesses nacionais estão em conflito à medida que os governos procuram responder ao sentimento anti UE que existe entre os seus votantes. Esta reviravolta da integração europeia está claramente ligada ao euro e à crise financeira global. Mas, afinal, o que correu mal e será que ainda se pode corrigir? Se existe alguém que possa dar uma resposta autorizada, é decerto George Soros. A Tragédia da União Europeia está habilmente organizada numa série de minuciosas entrevistas conduzidas ao longo de diversos meses, em 2013, por Gregor Peter Schmitz, correspondente na Europa da Der Spiegel, uma das mais importantes revistas de grande informação da Europa. O conhecimento que Soros possui, não apenas da Europa mas também dos mercados económicos, políticos e financeiros globais, é de um valor inestimável por três razões igualmente fortes; antes de mais, porque a desintegração de nações e impérios outrora poderosos é muitas vezes desencadeada por crises fi-

A TRAGÉDIA DA UNIÃO EUROPEIA 11 nanceiras. E ninguém compreende melhor as crises do que Soros. Como o mais eminente especulador monetário mundial, Soros tem repetidamente dado mostras de que interpreta melhor a interação entre mercados e a política do que aqueles que dirigem os ministérios das finanças e os bancos centrais. Apoiadas na Introdução de Schmitz, que astutamente enquadra os temas principais e define o contexto, as entrevistas reproduzidas neste livro revelam a visão de Soros principalmente acerca da Europa, mas também sobre os EUA, a China, o Médio Oriente e o resto do mundo de uma clarividência sem precedentes, com foco nas suas experiências pessoais específicas e nos acontecimentos históricos. Devido ao seu impressionante registo de investimentos, são permanentemente auscultadas em todo o mundo as suas perspetivas sobre a economia e as finanças. Mas há duas outras razões pelas quais os comentários de Soros neste livro poderão ter um efeito mais importante do que é habitual, especialmente no que concerne ao debate da política europeia. Embora Soros tenha alcançado fama como o especulador financeiro de maior sucesso no mundo, se é lembrado pela História, não é apenas por ter construído a sua fortuna de 20 mil milhões de dólares, mas também por gastá-la. Ao criar as suas Open Society Foundations, Soros ajudou a arrasar a Cortina de Ferro, demolir o Muro de Berlim, derrubar as ditaduras comunistas da Europa do Leste e a União Soviética. Devido às décadas de envolvimento direto tanto na política como na finança, confere uma

12 GEORGE SOROS visão pessoal à sua análise que poucos outros comentadores, ou mesmo políticos, conseguem igualar. Soros revela que a sua fé no objetivo da UE de «uma união cada vez mais estreita» foi inspirada por seu pai, que insistia, mesmo em pleno Holocausto nazi, que não deviam acalentar rancor pessoal contra o povo alemão como um todo. Ao contrário dos eurocéticos britânicos ou dos economistas conservadores alemães, que sempre acreditaram que a moeda única estava condenada ao fracasso, Soros acreditou no sucesso do euro. Para ele, a crise do euro não foi uma consequência inevitável de uma integração excessivamente ambiciosa, mas o resultado de enganos e mal-entendidos na política, na economia e nas finanças que podiam ter sido evitados. Esta ênfase no fracasso do entendimento aponta para uma terceira característica do pensamento de Soros que singulariza a sua análise. Soros apresenta simultaneamente a crise do euro e o colapso financeiro relacionado com o Lehman Brothers como exemplos clássicos da «reflexividade» um processo através do qual as imperfeições das teorias económicas e políticas se tornam tão poderosas que alteram as realidades sociais que supostamente deviam descrever. Esta interferência entre as perceções e as realidades cria ondas de instabilidade nos mercados e sistemas políticos que poucos economistas ou políticos podem entender corretamente. Soros atribui o seu sucesso financeiro sobretudo ao foco sobre a reflexividade e usa este conceito para diagnosticar as falhas do projeto euro bem como para explicar o colapso da banca americana.

A TRAGÉDIA DA UNIÃO EUROPEIA 13 Em ambos os casos, uma teoria económica mal orientada a fé excessiva na autorregulação dos mercados financeiros que Soros designa como fundamentalismo do mercado inspirou estruturas institucionais deficientes. Na Europa, o erro institucional chave foi o Tratado de Maastricht; nos Estados Unidos foi a excessiva dependência de instrumentos financeiros sintéticos mal projetados como os CDO * e os CDS **. As falsas teorias económicas corporizadas nestas estruturas alteraram as condições económicas e financeiras, estabelecendo ciclos de expansão-contração, com resultados iniciais superiores às expectativas e marcados pelo excesso de confiança, e seguidos depois por um colapso autossustentado. Porque a reflexividade é tão importante na perspetiva de Soros, este livro inclui um artigo publicado no Journal of Economic Methodology no qual Soros apresenta a mais pormenorizada e completa exposição do seu quadro conceptual e as suas implicações na economia, política e filosofia da ciência. Comentários sobre excertos da teoria de Soros podem ser consultados no número de inverno de 2014 do JEM em www. tandfonline.com/action/aboutthisjournal?journal Code=rjec20. Foi na Alemanha que as erradas interpretações reflexivas dos políticos e dos mercados financeiros mais * Collateralized Debt Obligation: Instrumento financeiro de rendimento variável, consoante o tipo de ativos que o constituem. (N. do T.) ** Credit Default Swap: Derivado de crédito que permite a troca entre as partes do risco de crédito de um produto de renda fixa. (N. do T.)

14 GEORGE SOROS se disseminaram e mais prejuízos causaram. Soros mostra com exemplos detalhados por que a abordagem da chanceler Angela Merkel ao euro está a ampliar as divergências entre os países credores e devedores, deixando os subservientes devedores ressentidos e sem poder. Como resultado, o ideal europeu de uma comunidade voluntária de sociedades abertas, ligadas por interesses económicos mútuos, começa a parecer- -se com um velho império governado por uma hegemonia alemã dominante. Embora a opressão hegemónica não seja certamente a intenção dos líderes, quer da Alemanha quer da Europa, o facto é que as respostas erróneas à crise do euro transformaram a UE num opressor estrangeiro aos olhos de muitos dos seus cidadãos e não apenas nos chamados «países periféricos». Mesmo na Grã- -Bretanha, a crise do euro veio intensificar a oposição a todo o projeto europeu e reforçar as exigências de uma retirada total da UE. Muitos dos argumentos que Soros aqui apresenta poderão revelar-se de grande influência nas próximas eleições para o Parlamento Europeu e no planeado referendo da Grã-Bretanha como membro da UE, já que o fracasso evidente do mais importante projeto da Europa está a causar um profundo efeito nas perspetivas britânicas. Soros argumenta que a Grã-Bretanha goza presentemente da melhor posição possível, como parte integrante da União Europeia mas não do euro. Mudar esta situação seria tão prejudicial para a Grã-Bretanha como para a Europa no seu conjunto. Para a Grã-Bretanha, a saída da UE iria

A TRAGÉDIA DA UNIÃO EUROPEIA 15 minar a posição de Londres como centro financeiro da Europa e ameaçar o investimento estrangeiro dirigido ao mercado único europeu. A União Europeia, por seu turno, ficaria enfraquecida pela partida da Grã-Bretanha. A Grã-Bretanha deixaria de desempenhar o seu papel histórico na manutenção do equilíbrio entre blocos hostis no continente. O seu abandono iria reforçar fortemente um processo de desintegração política e económica que já está em marcha. Porém, um voto britânico favorável ao abandono tornar-se-á cada vez mais provável se a Zona Euro se transformar numa região de permanente estagnação económica e alheamento político. Para Soros, um tal desfecho parece quase inevitável se a Alemanha mantiver a sua atual política de preservação do euro, oferecendo sempre as mais pequenas concessões possíveis no último momento possível. A isto Soros chama o pesadelo recorrente da Europa. Mas um pesadelo é um horror do qual podemos despertar. Para acordar a Europa, Soros propôs a noção revolucionária de que a Alemanha deverá «liderar ou sair do euro». Ou a Alemanha lidera a Europa para alguma forma de dívida mútua e garantias bancárias, ou deve sair do euro e permitir que sejam os outros países a solucionarem os problemas monetários sistémicos por eles próprios, o que segundo Soros eles seriam perfeitamente capazes de fazer. Um euro sem a Alemanha pode parecer um conceito chocante, mas Soros explicita em pormenor como um «euro do Sul», provavelmente liderado pela França, se pode tornar uma moeda viável.

16 GEORGE SOROS Após as eleições alemãs, Soros deixou de advogar que a Alemanha deveria «liderar ou sair do euro». O eleitorado alemão recusou claramente a ideia ao manter o partido que defende esta posição no limiar da representação parlamentar e nenhum país devedor pode dar-se ao luxo de o defender porque seria imediata e simultaneamente punido pelos mercados e pelas autoridades europeias. Para Soros, semelhante rotura do euro nunca foi a solução ótima. Muito melhor seria a Alemanha transformar-se numa «hegemonia benigna», aceitando a sua responsabilidade na reconstrução da Europa periférica, tal como os Estados Unidos suportaram a reconstrução alemã no pós-guerra com o Plano Marshall. Talvez isto ainda possa suceder, agora que Angela Merkel pode refletir sobre o seu lugar na História em vez de sobre a sua próxima campanha eleitoral. Resta-nos esperar que a senhora Merkel leia este livro. Anatole Kaletsky Presidente do Institute for New Economic Thinking e autor de Capitalismo 4.0