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Transcrição:

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA EXAME ESCRITO DA 1.ª ÉPOCA 2.º SEMESTRE DO ANO LECTIVO 2014/15 9 Junho de 2015 DIREITO PROCESSUAL PENAL 4.º ANO TURNO DE DIA Coordenação e regência: Prof. Doutor Paulo de Sousa Mendes Colaboração: Mestres António Brito Neves, Rui Soares Pereira, Sónia Reis Duração: 2 horas Hipótese Alberico, casado com Blimunda, consumia bebidas alcoólicas em quantidades excessivas com regularidade. Quando alcoolizado, insultava a mulher, chamando-lhe velha mal cheirosa e sem dentes, e dava-lhe palmadas na cabeça e puxões de cabelo. Praticou estes factos quase diariamente ao longo de dois anos. Cansada de tantos maus tratos, Blimunda participou criminalmente contra Alberico na esquadra da PSP mais próxima da sua residência. 1. No decurso de inquérito aberto por crime de violência doméstica art. 152.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do Código Penal, o Ministério Público apresenta Alberico perante o Juiz de Instrução para primeiro interrogatório judicial de arguido detido. Findo o interrogatório, requer a sujeição do arguido a obrigação de permanência na habitação. 1.1. Pode o Juiz aplicar a medida de prisão preventiva? 1.2. Supondo que a prisão preventiva foi mesmo decretada e que Alberico está preso preventivamente há sete meses sem ter havido acusação, que pode ele fazer? 2. Imagine que o processo está em segredo de justiça e que decorreram já três meses de prorrogação sobre o prazo de duração do inquérito. O Ministério Público vem requerer nova prorrogação por mais sete meses, por considerá-los imprescindíveis à conclusão do inquérito. Pode o Juiz deferir o requerido? 3. Suponha que, durante a audiência, o Juiz apercebe-se da necessidade de convocar uma testemunha não arrolada por nenhum dos sujeitos processuais. Que pode/deve fazer? 4. Durante o julgamento, apura-se que todos os factos ocorreram na presença do filho do casal e que este por vezes também era vítima dos mesmos maus tratos de Alberico. Estes factos não constavam da acusação do Ministério Público. Por outro lado, dizia-se na acusação que os factos ocorreram no domicílio do casal, o que, porém, não ficou demonstrado em audiência. Que pode/deve fazer o Tribunal?

5. Antes da leitura da sentença, mas já após encerramento da audiência, o Ministério Público requer a junção ao processo de um importante documento, comprovativo dos factos da acusação, junção que o Juiz aceita, vindo a valorar este documento na sentença. Aprecie esta actuação do Tribunal. 6. Imagine que, durante o inquérito, a polícia apreendeu uma carta fechada escrita por Alberico e dirigida a um amigo. A polícia abriu imediatamente a carta e constatou que nela Alberico admitia a prática de todos os factos em investigação. Confrontado com esta carta em julgamento, Alberico, perante a concludência desse meio de prova, acaba por fazer uma confissão integral e sem reservas dos factos imputados. Já após o trânsito em julgado da decisão condenatória, Alberico vem a aperceber-se de que a sua carta foi aberta e lida pela polícia nas condições descritas. Que pode ele fazer? Cotações: 1.1. 1,5 valores. 1.2. 1,5 valores. 2. 3 valores. 3. 2 valores. 4. 4 valores. 5. 2 valores. 6. 4 valores e apreciação global (sistematização, clareza, fundamentação e português): 2 valores. 1. Tópicos de Correcção 1.1. A medida de coacção em causa está prevista no art. 202.º: art. 191.º, n.º 1. Alberico já foi constituído arguido: arts. 192.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, al. b). Já há um processo instaurado, visto que estamos na fase de inquérito: arts. 192.º, n.º 1, e 194.º, n.º 1. Estão assim reunidas as condições gerais de aplicação de uma medida de coacção. O enunciado não dá informações suficientes que permitam saber se os pressupostos gerais da aplicação de medidas de coacção estão preenchidos. Assim, podemos abrir a hipótese de isso acontecer; ou seja, pode partir-se do princípio de que pelo menos um dos perigos referidos no artigo 204.º está verificado e que a prisão preventiva é uma medida adequada, necessária e proporcional, atendendo ao propósito de evitar esse perigo: art. 193.º. Estas exigências aparecem especialmente realçadas no caso da prisão preventiva: n.º 2 e n.º 3 do mesmo artigo. Uma vez que estamos na fase de inquérito, porém, o perigo em causa teria de ser o referido na al. a) ou o referido na al. c) do art. 204.º, visto que a medida em causa é mais grave do que a requerida pelo MP: art. 194.º, n.º 2 e n.º 3. Podemos também presumir que estão verificados fortes indícios de que o arguido terá praticado o crime: art. 202.º, n.º 1, al. b). Em abstracto, a aplicação da medida de prisão preventiva é também possível em processo por crime de violência doméstica. Com efeito, este crime pode ser considerado criminalidade violenta, como resulta do art. 1.º, al. j), pelo que a aplicação é permitida pelo art. 202.º, n.º 1, al. b). Em conclusão, na hipótese de estarem verificados os referidos pressupostos gerais, o Juiz poderia aplicar a medida de prisão preventiva. Seria valorada a referência à alteração do art. 194.º, n.º 2 e n.º 3, através da Lei n.º 20/2013, de 21-02, que tornou possível a aplicação de medida de coacção mais grave do que a promovida pelo Ministério Público e a alusão à discussão doutrinária em torno desta alteração.

1.2. Por aplicação do art. 215.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, não tendo havido ainda acusação, o prazo máximo de prisão preventiva seria de seis meses. Estando Alberico preso preventivamente há sete meses, o prazo já foi excedido. Na hipótese de a medida ter sido aplicada legalmente (v. resposta à questão 1.1.), Alberico poderia apenas reagir por meio da providência de habeas corpus, nos termos do art. 222.º, n.º 1, e n.º 2, al. c). Alberico poderá ainda deduzir pedido de indemnização, nos termos dos arts. 225.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), e 226.º. Se se tiver considerado na resposta à questão 1.1. que a medida de coacção não poderia ser aplicada, por não estarem cumpridos os seus pressupostos gerais, o arguido poderá também requerer a revogação da medida, nos termos do art. 212.º, n.º 1, al. a), e n.º 4. Poderá ainda recorrer dessa decisão, nos termos do art. 219.º, n.º 1. Seria valorada a resposta que destacasse o facto de o prazo máximo de duração deste inquérito ser de 8 meses, por decorrência do art. 276.º, n.º 2, al. a), discutindo a partir daí a possível desarticulação da solução legal face às necessidades do processo. 2. O artigo 89.º, n.º 6, ao remeter para o art. 1.º, als. i) a m), prevê a possibilidade de uma segunda prorrogação do prazo de duração do segredo de justiça em casos de processo por criminalidade violenta, o que, como se viu, abrange a presente situação. Essa segunda prorrogação não poderá ultrapassar o limite do tempo objectivamente indispensável à conclusão da investigação. Não há, porém, um limite temporal expressamente previsto, ao contrário do que acontece em relação à primeira prorrogação, para a qual se prevê o prazo máximo de três meses. Uma vez que o Ministério Público requer a (segunda) prorrogação por sete meses, cabe discutir se esse limite de três meses deve valer também aqui. Pode defender-se uma resposta negativa, com base em argumentos como os seguintes: a lei nada diz sobre a existência de um prazo, ao contrário do que acontece quando se refere a primeira prorrogação; a limitação através de um prazo máximo fixado em abstracto e a priori parece ir contra o propósito declarado de conceder o tempo objectivamente indispensável à conclusão da investigação ; só deste modo se garantirá o respeito pelos interesses da investigação nos processos mais complexos, dando-se também cumprimento à garantia constitucional do segredo de justiça (art. 32.º, n.º 2, da CRP), que, de resto, é instrumental relativamente àqueles interesses; uma actuação rigorosa do Juiz de Instrução permitirá evitar a eternização do processo e, como o segredo de justiça dificilmente será absoluto, os direitos de defesa do arguido não são (totalmente) sacrificados. Esta foi a posição defendida pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu ac. de fixação de jurisprudência n.º 5/2010. Em sentido contrário, pode defender-se, como faz o Prof. Paulo de Sousa Mendes, que o limite de três meses vale também para a segunda prorrogação. Sobretudo porque em 2010 portanto, posteriormente ao referido ac. do STJ de fixação de jurisprudência os prazos máximos de duração do inquérito foram alargados, atendendo-se aí especificamente a situações como as que possibilitam a segunda prorrogação referida. Assim sendo, perde muita razão de ser a principal preocupação invocada para defender a ilimitação desta segunda prorrogação. 3. Independentemente do contributo dos sujeitos processuais, o Tribunal deve oficiosamente produzir todas as provas necessárias à descoberta da verdade material (princípio da investigação). No caso, apercebendo-se da relevância do depoimento de uma testemunha não arrolada, deveria ordenar a sua convocação e inquiri-la na audiência com sujeição ao contraditório, nos termos dos arts. 340.º, n.º 1 e n.º 2, 348.º e 128.º e ss.

4. Uma vez que se descobrem novos factos que não constavam da acusação, tendo ainda outros factos que dela constavam ficado por demonstrar, estão assim em causa problemas relativos ao objecto do processo. O facto de as agressões também terem sido praticadas contra o filho é independente da factualidade constante da acusação, pelo que a tomada de conhecimento daquele facto novo vale como notícia do crime, devendo o Tribunal extrair certidão do processo e comunicar esse facto ao Ministério Público, a quem caberá depois abrir o inquérito, nos termos gerais (art. 262.º, n.º 2). Salvo se se entendesse tratar-se de um caso de ofensas à integridade física praticadas contra a criança, pois nesse caso o Ministério Público só teria legitimidade para promover o processo se fosse deduzida queixa (art. 49.º e art. 143.º, n.º 2, do CP). Relativamente às restantes alterações, elas envolvem factos novos (a conduta foi praticada na presença do filho do casal), mas não totalmente, pois dizem ainda respeito ao mesmo pedaço de vida que era objecto do processo. É preciso saber, portanto, se há uma alteração substancial deste objecto. Estas alterações não envolvem um agravamento dos limites máximos das sanções aplicáveis, pois a disposição legal a aplicar é a mesma. O segmento do art. 152.º, n.º 2, convocado, no entanto, é outro, pois agora a punição é agravada pelo facto novo referido e não por a conduta ter sido praticada no domicílio do casal (este facto constava da acusação, mas ficou por provar). Deste modo, é preciso discutir se está em causa um crime diverso para efeitos do art. 1.º, al. f). Seguindo a posição da regência para casos próximos, pode entender-se estar em causa um crime diverso e, como tal, uma alteração substancial do objecto do processo, pelo que deverá aplicar-se o art. 359.º. Não havendo acordo entre o arguido, o MP e o assistente em sentido contrário (art. 359.º, n.º 3), não poderá continuar o julgamento com conhecimento dos factos novos. Estes factos também não são autonomizáveis, pois não podem ser conhecidos noutro processo sem violação do princípio ne bis in idem (art. 29.º, n.º 5, da CRP), não se aplicando assim o disposto no art. 359.º, n.º 2. Por conseguinte, os factos teriam de ser desconsiderados e o arguido apenas poderia vir a ser condenado por violência doméstica, nos termos do art. 152.º, n.º 1, na medida em que não se deu por provada a circunstância agravante constante da acusação. Seria valorada a discussão sobre as posições doutrinárias que tentam encontrar soluções alternativas a esta para casos como o presente, em que a verdade material é pelo menos parcialmente sacrificada. 5. Esta actuação do Juiz viola o princípio do contraditório (garantido para o julgamento no art. 32.º, n.º 5, da CRP, e no art. 327.º do CPP). Com efeito, este princípio engloba tanto a possibilidade de cada um dos sujeitos processuais oferecer as suas provas, como também a possibilidade de controlar as provas contra si oferecidas pelos restantes sujeitos, pronunciando-se sobre a sua produção e discutindo o valor e resultado da prova, quando essa produção tenha lugar. A actuação do Juiz está, deste modo, viciada de irregularidade: arts. 118.º, n.º 2, e 123.º, do CPP. 6. Uma vez que a carta apreendida ainda se encontrava fechada, está em causa uma apreensão de correspondência. Nos termos do art. 179.º, n.º 1, a apreensão de correspondência tem de ser ordenada ou autorizada por um Juiz, sob pena de nulidade. O enunciado não é claro sobre o cumprimento do disposto nessa norma. Já é mais clara, porém, a violação do regime da apreensão de correspondência quando se diz que a polícia abriu e leu imediatamente a

carta apreendida: nos termos dos arts. 179.º, n.º 3, e 252.º, n.º 1, a correspondência tem de ser lida, em primeiro lugar, pelo Juiz. Excepcionalmente, os Órgãos de Polícia Criminal podem ser os primeiros a proceder à leitura, mas mesmo aí tem de haver autorização pelo Juiz: art. 252.º, n.º 2. Tendo sido infringido o disposto nestas normas, está em causa a violação de uma proibição de prova, nos termos do artigo 126.º, n.º 3: são [...] nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão [...] na correspondência. Deste modo, a carta não deveria ter sido utilizada como meio de prova. A confissão integral e sem reservas tem, entre outros efeitos, o de se dar imediatamente como provados os factos confessados, nos termos do art. 344.º, n.º 2, al. a). A confissão feita por Alberico constituiria em teoria, portanto, meio de prova válido para fundamentar a condenação. Deve discutir-se, contudo, se a valoração dessa confissão não estaria impedida pelo efeito-à-distância da proibição de prova. Ou seja, se a proibição de utilização da carta apreendida não se estenderia à valoração da confissão. Uma vez que, aparentemente, Alberico confessou os factos de livre vontade, este poderia ser um caso de excepção à regra do efeito-à-distância, na medida em que o arguido, com a sua conduta, parece vir limpar a nódoa introduzida no processo com a violação da proibição de prova. Seria valorada a referência ao Ac. do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, de 24 de março de 2004 (relator: Moura Ramos), que considerou que a invalidade da prova primária não afetava uma posterior confissão voluntária e esclarecida quanto às suas consequências, tratando-se de um ato independente praticado de livre vontade. Há doutrina que considera, porém, que a confissão não pode ter esse efeito em casos como o presente, por não ter sido uma confissão esclarecida: o arguido apenas confessou por ter sido confrontado com a carta apreendida em julgamento e em virtude de ter acreditado que a mesma serviria de meio de prova concludente contra si. Assim, o efeitoà-distância manter-se-ia e a confissão deveria ser desconsiderada. Deve discutir-se se a base legal para este efeito pode ser encontrada no art. 122.º, n.º 1, do CPP ou, eventualmente, apenas no art. 32.º, n.º 8, da CRP. Dado que a sentença condenatória já transitou em julgado, o arguido pode apenas interpor recurso extraordinário de revisão, nos termos do art. 449.º, n.º 1, al. e).