Perfusion Line Assistência Cardiopulmonar Extracorpórea Prolongada ECMO/ECLS FISIOLOGIA DA ECMO.

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AULA 13 FISIOLOGIA DA ECMO. A aplicação dos métodos de suporte mecânico das funções dos pulmões e do coração, genericamente conhecidos como ECMO e ECLS, aumentou consideravelmente nos últimos anos, em virtude dos progressos alcançados nas áreas da terapia intensiva e da farmacologia. Novos agentes e modernos métodos de assistência cardiopulmonar permitem que um maior número de pacientes seja avaliado como potenciais candidatos ao emprego dos métodos mecânicos de assistência cardiopulmonar. A incorporação de novos métodos de trabalho ou de novas tecnologias é um processo eminentemente social. A rapidez com que uma nova tecnologia é assimilada e incorporada aos recursos colocados à disposição da sociedade é caracterizada por muitos contatos interpessoais, pela atuação de diversos agentes formadores de opinião e pelo trabalho dos líderes no campo de atividade relativo à nova tecnologia. A ECMO não constitui uma exceção a essa regra geral. É um procedimento de alta tecnologia médica, que requer a participação de uma equipe multidisciplinar interessada na sua aplicação e que representa custos elevados para os agentes provedores dos recursos que financiam o sistemas de saúde. Sua incorporação à rotina de cuidados de terapia intensiva é naturalmente lenta, nos países Página 193

em desenvolvimento, devido à complexidade tecnológica e aos custos elevados que a acompanham. Apesar das dificuldades existentes, a ECMO está em uso nos países desenvolvidos já há pouco mais de três décadas e as equipes com ampla experiência no seu emprego continuam encontrando situações médicas de alto risco em que essa tecnologia desempenha um importante papel na redução da mortalidade dos pacientes. É inquestionável que os métodos de suporte mecânico extracorpóreo deverão ser adotados por um número crescente de unidades cirúrgicas e de terapia intensiva. Os principais obstáculos à rápida expansão dessa tecnologia são os custos da implantação e da manutenção de programas dessa natureza e o grande contingente de pessoal especificamente treinado necessário à sua realização. A equipe multidisciplinar de ECMO deve possuir o conhecimento específico da tecnologia para que possa aportar sua experiência pessoal e formação profissional em benefício do trabalho coletivo. Isso significa, por exemplo, que os neurologistas que avaliarão os pacientes em ECMO deverão saber que esses pacientes estão sob anticoagulação sistêmica e com a perfusão cerebral mantida pela propulsão do sangue impulsionado simultaneamente pelo coração e por uma bomba mecânica. O entendimento da fisiologia da ECMO proporciona um maior nível de confiança no manuseio dos pacientes e prepara o pessoal para lidar com as situações comuns e, principalmente, com as situações incomuns que podem ocorrer durante o Página 194

transcurso dos tratamentos com essa tecnologia. A aplicação dos métodos de suporte à vida baseados no emprego de equipamentos extracorpóreos representa a última palavra nos cuidados de pacientes críticos baseados em fisiologia aplicada. A equipe de trabalho deve conhecer detalhadamente todos os aspectos da terapia intensiva e da tecnologia selecionada para emprego em cada paciente. A maioria dos pacientes encaminhados para assistência cardiopulmonar extracorpórea requer da equipe assistencial um profundo conhecimento de fisiopatologia respiratória, hemodinâmica, renal e hematológica. Nessa aula, contudo, nós vamos nos limitar a analisar os princípios fisiológicos e/ou fisiopatológicos necessários ao correto manuseio das técnicas de suporte extracorpóreo prolongado. Em linhas gerais, e de uma forma bastante simplificada, é correto descrevermos a ECMO (ou a ECLS) como um procedimento caracterizado pela drenagem de sangue venoso através de um oxigenador de membranas (pulmão artificial) onde recebe oxigênio e elimina dióxido de carbono. O sangue oxigenado é retornado ao sistema circulatório do paciente através de uma veia ou do átrio direito (ECMO veno-venosa) ou através de uma artéria (ECMO veno-arterial). A utilização da tecnologia descrita no modo veno-arterial, em que a maior parte (ou a totalidade) do sangue venoso é desviado da circulação central é conhecida como o bypass ou desvio cardiopulmonar que, em linguagem corrente, constitui a circulação extracorpórea. A ECMO veno-arterial, portanto, lida com maiores fluxos de sangue retirado de uma veia central ou do interior do átrio direito. O sangue é Página 195

dirigido ao oxigenador onde recebe oxigênio e elimina CO2 e, em seguida é bombeado ao sistema arterial para distribuição pelo organismo. Na ECMO veno-venosa o sangue oxigenado é bombeado para o átrio direito onde se mistura com o sangue venoso recebido das veias cavas superior e inferior, o sangue recebido do seio coronário e a mínima parcela do sangue coronariano que retorna ao átrio direito pelas pequenas veias de Tebésio. Em consequência dessa mistura o conteúdo de oxigênio se eleva e o conteúdo de CO2 se reduz. U- ma parte dessa mistura é retirada para o circuito extracorpórea (recirculação do sangue venoso) enquanto o restante alcança o ventrículo direito e os pulmões e ganha a circulação sistêmica, para a oxigenação do organismo. Como o volume de sangue removido do átrio direito é exatamente igual ao volume de sangue infundido naquela cavidade cardíaca, não há qualquer efeito apreciável na pressão venosa central, no enchimento do ventrículo direito ou no enchimento do ventrículo esquerdo. TRANSPORTE DO OXIGÊNIO A oferta, liberação ou entrega de oxigênio aos tecidos é calculada multiplicando-se o débito cardíaco pelo conteúdo de oxigênio do sangue. O consumo de oxigênio pelos tecidos corresponde à quantidade de oxigênio consumida pelo metabolismo orgânico e, para todos os efeitos, iguala a quantidade de oxigênio absorvida pelo sangue nos pulmões. Em condições normais, a liberação ou entrega de oxigênio representa 4 a 5 vezes a quantidade de oxigênio consumida. A saturação de oxigênio do sangue venoso reflete a relação existente entre a oferta de oxigênio e o consumo desse gás. Página 196

O consumo de oxigênio é controlado pelo metabolismo dos tecidos, sedação, repouso e paralisia muscular induzida. O consumo aumenta na presença de infecções, febre e aumento dos níveis de catecolaminas e hormônios tireoidianos. A taxa metabólica de um indivíduo pode ser indiretamente estimada pelo consumo de oxigênio. Esse, por sua vez, depende de uma série de fatores fisiológicos que, nos pacientes que nos interessam mais de perto, os pacientes em ECMO, dependem essencialmente da capacidade de trocas gasosas do tecido pulmonar funcionante. Para facilitar o entendimento da fisiologia da respiração durante a ECMO vamos dividir as trocas gasosas ou a respiração em dois tipos: a respiração pulmonar e a respiração tissular. A respiração pulmonar se refere às trocas gasosas que ocorrem entre o sangue e o gás inspirado. Essa respiração é, portanto, reduzida nos candidatos aos tratamentos com a ECMO. Durante os tratamentos com essa tecnologia passa a ser realizada nos oxigenadores. A respiração dos tecidos (tissular) consiste nas trocas gasosas de oxigênio e dióxido de carbono que ocorrem ao nível celular. A pressão parcial de cada gás é a força que preside a difusão do gás através das membranas celulares. O gradiente de pressão de um determinado gás existente entre dois compartimentos determina a difusão do gás. Página 197

O oxigênio passa da atmosfera para as células através de uma cadeia de transporte por difusão contínua, conforme a figura 13.1. O ar atmosférico tem uma PO2 de cerca de 158 mmhg. Depois de inalado e misturado ao ar que existe nos Figura 13.1. Ilustra o gradiente da pressão parcial de oxigênio desde os pulmões até o citoplasma (líquido intracelular) das células do organismo. alvéolos pulmonares (ar alveolar) a PO2 se reduz para 100 mmhg. Em seguida, no capilar normal, o oxigênio é transferido ao sangue venoso, que tem a PO2 de 40 mmhg. O sangue agora oxigenado tem a PO2 de 90 mmhg. O sangue arterial saturado flui por numerosos leitos capilares sistêmicos em que o oxigênio se difunde através da parede dos vasos para o líquido extracelular. Ao atravessar os capilares e retornar ao coração o sangue (sangue venoso) tem a PO2 de 40 m- mhg. O gradiente final é o que produz a difusão do oxigênio do líquido extracelular cuja PO2 é de 30 mmhg para o citoplasma das células, onde a PO2 varia entre 6 e 10 mmhg. Página 198

Devemos ainda lembrar que o gradiente formado pela passagem do oxigênio do líquido extracelular para o líquido intracelular deve-se ao consumo de oxigênio pela própria membrana e suas principais camadas internas, para alimentar a intensa atividade que exerce no intercâmbio nutritivo, tanto para a alimentação quanto para a excreção de seus resíduos, além das bombas eletrolíticas. A PO2 do sangue venoso muito baixa, inferior a 35-40 mmhg, representa uma maior extração de oxigênio a nível celular ou uma menor oferta desse gás devido à diminuição da sua captação ao nível dos pulmões. Por essa razão, quando se substituem os pulmões por um oxigenador devemos estar atentos às necessidades de oxigênio dos tecidos que devem ser integralmente supridas pela variação dos parâmetros de ventilação daqueles aparelhos. TRANSPORTE DO DIÓXIDO DE CARBONO O dióxido de carbono (CO2) é um produto final do metabolismo aeróbio e, do mesmo modo que o oxigênio, sua participação nos processos respiratórios é avaliada através da medida da sua pressão parcial. A pressão parcial do dióxido de carbono é a força que propicia a sua difusão para fora do plasma sanguíneo ao nível dos pulmões. A excreção do dióxido de carbono ocorre através gradientes de difusão, do mesmo modo que ocorre com o transporte e o fornecimento do oxigênio. Em condições normais, a freqüência respiratória de um indivíduo é controlada para manter a PCO2 do sangue arterial (PaCO2) em 40 mmhg. Qualquer aumento da atividade metabólica produzirá um aumento proporcional da produção de CO2 Página 199

e, consequentemente, será necessário um aumento da ventilação alveolar para aumentar a excreção do CO2 e, desse modo, manter a sua pressão parcial em 40 mmhg. Quando isso não ocorre, o CO2 se acumula no sangue e produz acidose respiratória. Ao contrário do que ocorre com o oxigênio, a excreção de dióxido de carbono não é afetada pela hemoglobina ou pelo fluxo sanguíneo. A eliminação do CO2 é, entretanto, muito sensível às variações da ventilação. Por essa razão e porque a excreção de CO2 é cerca de 20 vezes mais eficiente do que a captação de oxigênio nos pulmões, a remoção de CO2 do sangue pode ser mantida em níveis normais mesmo durante períodos de severa disfunção pulmonar. Disso decorre que, quando a doença pulmonar produz retenção de CO2, via de regra, representa um quadro patológico avançado. O CO2 existe em suas concentrações mais altas ao nível dos tecidos, ou melhor, no líquido intracelular. A PCO2 do líquido intracelular é de 46 mmhg, praticamente a mesma do líquido extracelular. O CO2 é transportado para os pulmões de três maneiras diferentes: 1. Combinado à água para formar o íon bicarbonato (75% do CO2 é transportado dessa maneira). 2. Combinado à hemoglobina, como carbohemoglobina (20% do CO2 a ser eliminado é transportado dessa maneira). 3. Como gás dissolvido no plasma (apenas 5% do CO2 a ser eliminado nos pulmões é transportado dessa maneira). O transporte do dióxido de carbono pelo sangue não é tão complicado quanto o Página 200

transporte de oxigênio, visto que, até mesmo nas condições seriamente anormais, o dióxido de carbono pode ser transportado em quantidades muito maiores do que o oxigênio. Entretanto, a quantidade de dióxido de carbono no sangue está intimamente associada ao balanço ácido-básico dos líquidos corporais. Em condições normais de repouso, são transportados, em média, 4 mililitros de dióxido de carbono dos tecidos para os pulmões, em cada 100 mililitros de sangue. Embora os gradientes de pressão parcial do CO2 sejam pequenos, a velocidade de difusão desse gás é grande. A reação do dióxido de carbono com a água é a- celerada em aproximadamente 5.000 vezes pela ação da enzima anidrase carbônica. Isso permite a reação de enorme quantidade de dióxido de carbono com a á- gua, no interior dos glóbulos vermelhos, antes mesmo de o sangue deixar os capilares dos tecidos. TROCAS GASOSAS NOS OXIGENADORES DE MEMBRANAS As trocas gasosas através do pulmão artificial (oxigenadores de membranas) tem algumas particularidades que diferem das trocas gasosas que ocorrem no pulmão natural. O fluxo de gás através dos oxigenadores é regulado por um fluxômetro e um misturador de gases que permitem variar a ventilação e a fração de oxigênio no gás instilado. O fluxo de gás através dos oxigenadores deve ser monitorizado e limitado para assegurar que a pressão total do gás na face gasosa da membrana seja inferior à pressão exercida pelo sangue na face oposta. Caso a pressão do gás se eleve acima da pressão do sangue pode ocorrer rotura da membrana e embolia gasosa, pela passagem do gás em grandes quantidades para misturar-se ao sangue. Página 201

A transferência de CO2 nos oxigenadores de membranas é limitada pela velocidade de transferência da membrana na maioria dos oxigenadores. O primeiro fator importante é a concentração relativa de CO2 nos dois lados da membrana. A taxa de transferência de dióxido de carbono através de uma membrana construída com um polímero de silicone é aproximadamente 6 vezes maior do que a taxa de transferência de oxigênio para uma membrana equivalente. Entretanto, o gradiente de pressão que promove a difusão do dióxido de carbono do sangue para a fase gasosa nunca é maior do que a diferença entre a pressão parcial do CO2 no sangue venoso (PvO2 = 40-45 mmhg) e zero. Esse gradiente de pressão e a habitual espessura das membranas limitam a transferência de dióxido de carbono ao valor aproximado de 200 ml/min/m 2 para a grande maioria dos oxigenadores. Esse valor é consideravelmente maior do que a taxa de transferência de oxigênio através das membranas. Disso decorre o fato de que os oxigenadores são muito mais eficientes na eliminação do CO2 do que na oxigenação do sangue venoso. A facilidade de eliminar CO2 torna relativamente frequente a produção de alcalose respiratória durante a ECMO pela simples eliminação excessiva desse gás. Para contornar essa dificuldade e facilitar a manutenção dos níveis adequados de dióxido de carbono recomenda-se utilizar misturas de oxigênio e de dióxido de carbono (3-5% de CO2), conhecidas como carbogênio, para ventilar os oxigenadores durante a ECMO. A transferência de dióxido de carbono é relativamente independente do fluxo de sangue, mas é muito dependente da área de membrana disponível para as trocas gasosas. Qualquer malfunção do oxigenador que diminua a superfície total disponível afetará a transferência de dióxido de carbono antes de afetar a oxigenação. Desse modo, a elevação do CO2 pós-membrana é um indicador muito sen- Página 202

sível de perda de área funcional de membrana. O outro importante fator na eliminação de CO2 do sangue nos oxigenadores de membranas é o fluxo de gás instilado no aparelho para promover as trocas gasosas. Quanto mais elevado é o fluxo de gás tanto maior é a facilidade com que o CO2 é removido e, portanto, mais CO2 é removido do sangue. Sem monitorização e controle adequados, é muito fácil produzir alcalose respiratória por redução a- centuada da PCO2 do sangue. Esse fenômeno é equivalente à hiperventilação dos pulmões naturais. Podemos resumir a eliminação do CO2 do sangue nos oxigenadores de membranas apontando os fatores que atuam nessa eliminação: 1. Gradiente de difusão do gás (gradiente de pressão parcial) 2. Fluxo do gás instilado no oxigenador 3. Área de membrana disponível para as trocas gasosas FISIOPATOLOGIA DOS OXIGENADORES Do mesmo modo que o pulmão biológico, os oxigenadores estão sujeitos a a- presentar edema pulmonar, distúrbios da relação entre a ventilação e a perfusão, embolias e algumas outras anormalidades funcionais. Para que essas alterações sejam identificadas é necessário um conhecimento adequado do funcionamento dos oxigenadores e a monitorização frequente dos principais parâmetros relativos às trocas gasosas e aos fluxos de sangue e gás pelo seu interior. Página 203

As alterações da perfusão dos oxigenadores podem ser consequentes à trombose das conexões de entrada e saída do sangue, tromboses ou formação de grumos celulares no interior das membranas ou roturas de membranas que permitem o escape de sangue na corrente de gás. Esses fatores reduzem o fluxo efetivo de sangue através do percurso interno e, desse modo, alteram a transferência de o- xigênio e de gás carbônico, além de aumentar a resistência ao fluxo de sangue. A monitorização da pressão da linha de entrada e da linha de saída do oxigenador, durante a ECMO, permite detectar a criação de obstáculos ao livre fluxo do sangue e, indiretamente, a oclusão de algumas membranas pelos grumos celulares ou pelos trombos. As tromboses de grande magnitude são raras mas, podem ocorrer. Tromboses difusas, contudo, ocorrem na maioria dos oxigenadores utilizados nas aplicações de longa duração, especialmente durante as fases em que o fluxo sanguíneo é, necessariamente, reduzido, como ocorre durante a fase de desmame e remoção da ECMO. O escape ( leak ) de sangue na fase gasosa não é comum com as técnicas habituais utilizadas na ECMO neonatal. Além disso, a fabricação dos aparelhos menores obedece à um design que favorece a manutenção de pressões inferiores às pressões capazes de romper as membranas. O escape de gás na corrente sanguínea que atravessa o oxigenador também é evitado pela manutenção de baixas pressões no gás instilado para a ventilação e as trocas gasosas. Ainda assim, para evitar esse risco, recomenda-se a inserção de uma válvula reguladora de pressão na linha de gás, para drenar o gás para o exterior se houver leaks nas membranas ou elevação da pressão. Página 204

As anomalias da ventilação dos oxigenadores são causadas pelo acúmulo de água ou sangue na fase gasosa. O vapor d água condensa e se acumula nos canalículos atravessados pelo gás e esse fenômeno faz com que a água acumulada propicie a retenção de dióxido de carbono. O gradiente que promove a eliminação do CO2 fica prejudicado pela retenção de água. As alterações da relação entre a ventilação e a perfusão podem ocorrer se o fluxo de sangue for preferencialmente desviado para áreas do oxigenador em que o fluxo de gás é inadequado. Essa análise nos mostra com bastante clareza que a eficácia de um tratamento com a ECMO, no qual se espera a realização de trocas gasosas adequadas ao paciente pode ser prejudicada pela escolha de cânulas, particularmente a cânula venosa, de diâmetro inferior ao necessário. É válido relembrar que o diâmetro e o comprimento da cânula venosa são fatores determinantes do fluxo máximo de sangue que se pode obter para as trocas gasosas no oxigenador. Página 205