PARECER. Foi atribuído à permuta o valor de 500,00, não havendo lugar ao pagamento de qualquer quantia, por inexistir diferença declarada de valores.



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Transcrição:

P.º R. P. 127/2006 DSJ-CT- Contrato de permuta. Sua caracterização. Registo de aquisição do imóvel permutado. Verificação do cumprimento das obrigações fiscais. Anexação de prédios. Requisitos essenciais à formação da nova unidade predial. Impossibilidade de efectuar o seu registo com carácter de provisoriedade. PARECER Relatório 1 Em 13 de Março de 2006, a coberto das aps. 7 e 8, foram requisitados na Conservatória do Registo Predial de dois actos de registo, sendo o primeiro referente à aquisição do prédio descrito sob o n.º 00839/031031 a favor do agora recorrente, e o segundo respeitante ao averbamento de anexação do referido prédio com o descrito sob o n.º 00370/911126. Para instruir os aludidos pedidos foi apresentada fotocópia certificada da escritura de permuta, dois documentos matriciais respeitantes a cada um dos mencionados prédios e o documento comprovativo da declaração para inscrição do novo prédio resultante da anexação daqueles artigo P1217, proveniente da junção dos anteriores artigos matriciais n.ºs 25 e 1161. No verso da requisição, o interessado prestou ainda declarações complementares atinentes à identificação da nova unidade predial. Da referida escritura consta que os outorgantes celebraram um contrato de permuta, através do qual o primeiro transmite o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de sob o n.º 00839/031031, da mesma freguesia, ao segundo, que se compromete à «execução de uma escada ou rampa, em cubos de granito ou outro material equivalente, na referida área, bem como a execução de todos os trabalhos necessários ao escoamento das águas pluviais». Foi atribuído à permuta o valor de 500,00, não havendo lugar ao pagamento de qualquer quantia, por inexistir diferença declarada de valores. Não consta do título qualquer referência ao pagamento do imposto do selo nem ao IMT. 1

2 O despacho de qualificação exarado sobre os aludidos pedidos de registo vai no sentido da recusa, em virtude da permuta não ser admissível a registo, pois a troca dela constante não é de dois bens sujeitos a registo mas de um bem e de uma prestação de serviço. Cita os art.ºs 939.º, 879.º e 1154.º, todos do Código Civil e o 69.º, n.º 1, al. d), do CRP. Para a recusa do segundo acto, a Senhora Conservadora invoca a dependência deste com o anterior art.º 69.º n.º 2 do CRP. 3 A referida qualificação não mereceu concordância do requerente que, tempestivamente, a impugnou nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos, dos quais destacamos, muito em síntese, o seguinte: O contrato de permuta celebrado é válido, não tendo o mesmo de incidir obrigatoriamente sobre dois bens imóveis, antes podendo incidir sobre imóveis, direitos, serviços, desde que tais objectos sejam física ou legalmente possíveis, não sejam contrários à lei, à ordem pública ou ofensivos dos bons costumes e que sejam determináveis artigo 280.º do Código Civil. Consequentemente, o recurso deve ser julgado procedente e os registos lavrados em conformidade com o pedido. 4 A Senhora Conservadora proferiu despacho de sustentação da posição antes assumida, aduzindo os argumentos que se dão aqui por integralmente reproduzidos. Reafirma que na noção do artigo 939.º do Código Civil não cabe a translação da propriedade, por um lado, e a feitura de algo, por outro, invocando em abono da sua tese a doutrina do parecer proferido no proc.º n.º R.P.60/99DSJ-CT 1. Acrescenta, nesta fase, mais um obstáculo à elaboração do registo de aquisição atinente à falta de pagamento do imposto sobre a transmissão do imóvel artigo 1.º do CIMI. 1 A questão abordada neste parecer é, contudo, diversa. A escritura subjacente ao registo indicava claramente que se tratava de uma compra e venda não de uma permuta. Um dos contraentes transmitia ao outro a propriedade de uma coisa mediante o pagamento de um determinado preço em dinheiro, o que não é seguramente o caso vertido nos autos. 2

5 O processo é o próprio, as partes têm legitimidade e inexistem questões prévias ou prejudiciais que obstem ao conhecimento do mérito do recurso, pelo que cumpre emitir parecer. Fundamentação 1 A resolução da matéria controvertida nos autos gira, essencialmente, em torno da celebração do contrato de permuta, mediante o qual um dos contraentes transmite ao outro um bem imóvel e este dá em troca um bem de natureza diversa. Em função da admissibilidade ou não da celebração do aludido contrato, com os contornos descritos, se determinará o destino do presente recurso. Por isso, afigura-se-nos aconselhável traçar, como ponto prévio, uma breve resenha alusiva ao surgimento, conceito, características e regime jurídico aplicável ao contrato de permuta ou de troca. 1.1 Como se sabe, a troca é o contrato mais antigo que surgiu, tendo ocorrido instintivamente face às necessidades dos homens primitivos, que só podiam obter pacificamente os bens que precisavam, e outros possuíam em excesso, oferecendo a permuta com os que tinham de sobra, e eram, por sua vez, desejados por estes 2. As dificuldades inerentes à troca directa, por não haver coincidência de necessidades dos permutantes, paralelamente com a natural evolução económica depressa determinaram o surgimento de um meio de troca comum (primeiro, uma mercadoria-tipo, evoluindo-se depois para a moeda), com o subsequente esbatimento da permuta, que se tornou dispensável a partir do momento em que o dinheiro assumiu a função de meio geral de trocas. O Código Civil de 1867, no Título II, dedicado aos contratos em particular, dedicava-lhe expressamente três artigos 1592.º a 1594.º. No corpo do citado artigo 1592.º o escambo ou troca era definido como «o contrato por que se dá uma coisa por outra, ou uma espécie de moeda por outra espécie dela». O único acrescentava que «dando-se dinheiro por outra coisa, será de venda ou escambo, segundo o disposto nos artigos 1544.º e 1545.º». 2 Cfr. Cunha Gonçalves, in Dos Contratos em Especial, 1953, pág. 293. 3

O artigo 1545.º distinguia a compra e venda e a troca nos seguintes termos: «Se o preço da coisa consistir parte em dinheiro, e parte em outra coisa, o contrato será de venda, quando a parte em dinheiro for a maior das duas; e será de troca ou escambo, quando essa parte em dinheiro for a de menor valor. único. Quando os valores das duas partes forem iguais, presumir-se-á que o contrato é de venda.» Actualmente a troca ou permuta não é objecto de regulamentação específica no Código Civil Português, mas desta omissão não podemos extrair que o legislador quisesse afastar tal contrato, daí decorrendo apenas o entendimento de que seria desnecessária qualquer referência específica. Com efeito, a sua atipicidade não obsta à existência de referências normativas pontuais. Veja-se, a título meramente exemplificativo, o artigo 480.º do Código Comercial 3 ; o artigo 1378.º do Código Civil, referente à troca e permuta de terrenos no âmbito do emparcelamento dos prédios rústicos; os artigos 2.º e 4.º do CIMT, restrito a bens imóveis; o artigo 20.º, n.º 1.1.1, do RERN e o artigo 6.º, n.º 2, alínea a), da Tabela de Honorários e Encargos Notariais. Outros ordenamentos jurídicos, designadamente o espanhol, francês e alemão, reservam-lhe ainda alguma regulamentação própria, embora muito escassa, limitando-se praticamente a definir a figura e a remeter para a aplicação do regime próprio do contrato de compra e venda, com as devidas adaptações. Em termos gerais, pode afirmar-se que a tónica comum nestas codificações civis europeias é colocada no facto de um dos contraentes dar uma coisa para receber outra, excluindo o dinheiro como contrapartida (exclusiva ou maioritária) e remetendo subsidiariamente para a regulamentação prevista para a compra e venda, com as devidas adaptações 4. 3 Este Código reconhece a categoria nos seguintes termos: «O escambo ou troca será mercantil nos mesmos casos em que o é a compra e venda, e regular-se-á pelas mesmas regras estabelecidas para esta, em tudo quanto forem aplicáveis às circunstâncias ou condições daquele contrato». 4 Em França, o Código Civil dedica-lhe os artigos 1702.º a 1707.º, no primeiro dos quais procede à sua definição, fazendo, no último, remissão para as regras do contrato de compra e venda. Também o Código Civil espanhol lhe reserva algumas normas, começando pela definição (artigo 1538.º) e remetendo para a aplicação subsidiária das disposições relativas à compra e venda (artigo 1541.º). O Código Civil alemão limita-se a referir que são aplicáveis à permuta as disposições da compra e venda. 4

1.2 Genericamente, poder-se-á afirmar que a troca ou permuta consiste no contrato que tem por objecto a transferência recíproca da propriedade de coisas ou direitos entre os contraentes, com exclusão de dinheiro 5. Este contrato é, por um lado, obrigacional, porque faz surgir a obrigação de entrega para as duas partes [al. b) do art.º 879.º do C.C.] e real quoad effectum, uma vez que a propriedade dos bens trocados se transmite por mero efeito do contrato [art.ºs. 879.º, al. a) e 408.º, n.º 1 do C.C.]. A troca é um contrato que se desdobra em duas obrigações unidas, que têm a sua causa uma na outra (sinalagma genético) e permanecem ligadas por uma relação de reciprocidade e interdependência durante a fase de execução do contrato (sinalagma funcional) 6. A reciprocidade das obrigações, prestação e contra-prestação, existe tanto no contrato de compra e venda como no de permuta, o que, consabidamente, diverge é a contraprestação que no primeiro contrato corresponde ao preço pago pelo comprador enquanto no segundo consiste na entrega da coisa dada em troca 7. Apesar de se tratar de um contrato atípico, pois o nosso Direito Civil não lhe faz qualquer referência expressa, o facto de ser oneroso determina que, na medida em que seja conforme com a sua natureza, se lhe aplique o regime da compra e venda, por força do prescrito no artigo 939.º do Código Civil 8. A grande similitude de regulação com a compra e venda exclui, porém, a aplicação das normas que pressupõem uma contrapartida pecuniária da alienação, designadamente as ínsitas nos artigos 883.º, 885.º e 886.º do Código Civil. É da 5 Cfr. Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, 3.ª edição, pág. 165 e Cunha Gonçalves, in Tratado de Direito Civil, Vol. VIII, pág. 628, que cita o seguinte exemplo: «A operação em que uma pessoa dá títulos de crédito e outra um prédio é de troca e embora os títulos possam ser rapidamente reduzidos a dinheiro eles não são dinheiro, não representam preço». 6 Veja-se Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 3.ª edição, pág. 270 e segts. 7 No que respeita à classificação das coisas e à noção consagrada no artigo 202.º do Código Civil veja-se Carvalho Fernandes, in Teoria Geral do Direito Civil, Vol.I, 3.ª edição, pág. 669 e segts, Menezes Cordeiro, in Direitos Reais, 1993, pág. 190, e o parecer n.º 4/2002, da Procuradoria-Geral da República, publicado na II Série, do D.R. n.º 223, de 26 de Setembro de 2002. 8 A enorme importância deste preceito, que manda aplicar as normas da compra e venda a outros contratos onerosos de alienação de bens, como a troca, tornou inútil a regulamentação da troca ou permuta cfr. Antunes Varela, in Código Civil, pág. 227. 5

essência da troca, ou escambo como se dizia na velha Ordenação, dar uma coisa que não seja dinheiro por outra 9. Aplica-se-lhe, contudo, o disposto nos artigos 219.º, 408, n.º 1, 875.º (quando verse sobre bens imóveis) e 879.º do Código Civil. 2 Delineado o enquadramento legal da questão, é imperioso que analisemos agora, concretamente, a possibilidade de mediante o contrato de permuta, titulado na escritura em que se alicerça o pedido de registo e que afasta qualquer contrapartida monetária 10, uma das partes transmitir um imóvel, consistindo a contraprestação da outra parte na prestação de um serviço, tendo ainda em conta que vigora entre nós o princípio da liberdade contratual consagrada no n.º 1 do artigo 405.º do Código Civil, que faculta aos particulares grande amplitude para disciplinarem os seus interesses permitindo-lhes, dentro dos limites da lei, configurar os seus contratos com o conteúdo concreto que bem lhes aprouver. Transpondo a doutrina exposta para o caso dos autos, verificamos que a escritura titula, na verdade, um contrato de permuta em que os contraentes, fazendo jus à liberdade de fixação do conteúdo do contrato, estipularam a prestação e a contraprestação que entenderam conveniente, contidos dentro dos limites legais, pelo que pugnamos pela suficiência do título apresentado para o registo de aquisição peticionado, que corresponde ao exigível pelos artigos 219.º e 875.º do Código Civil. Daqui decorre que a exigência da recorrida permuta de imóvel por outro bem sujeito a registo não colhe qualquer apoio legal. Assim, consubstanciando o contrato de permuta um negócio translativo da propriedade das coisas e sendo um dos bens permutados um imóvel deve ser efectuado definitivamente o correspondente registo de aquisição peticionado, tendo como causa a permuta, a 9 Cfr. Dias Ferreira, in Código Civil Português, (Código de Seabra), 3.º Vol., pág. 148. 10 A qualificação do contrato é controvertida nos casos em que as partes apesar de efectuarem a troca de bens, uma delas inclua ainda uma prestação em dinheiro, por os bens terem valores diferentes. Alguns autores sustentam ainda que, mesmo assim, estamos perante um contrato de permuta, salvo se a soma em dinheiro constituir a prestação principal ou o elemento proeminente do contrato. Outros entendem que a posição preferível será a que qualifica esta situação como um contrato misto de venda e permuta, determinando de acordo com a teoria da combinação a aplicação a cada atribuição económica do regime que a regula. Menezes Leitão, in ob. citada, pág. 168. 6

não ser que outros motivos obstaculizem à feitura do mesmo, o que na realidade acontece in casu. 3 Com efeito, da escritura apresentada não consta que tenha sido pago o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), que incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade, por força do disposto nos artigos 1.º, n.º 1, 2.º, n.º 1, e 4.º do CIMT. Ora, sendo certo que é obrigação do notário cobrar o imposto do selo devido, por força do prescrito no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do CIS, e não celebrar escrituras, que operem a transmissão de imóveis, sem que lhe seja apresentada a declaração prevista no artigo 19.º do CIMT acompanhada do correspondente comprovativo da cobrança, que arquivará, fazendo disso menção expressa na respectiva escritura, por força do prescrito no n.º 1 do artigo 19.º do mesmo Código, o correspondente registo não pode ser efectuado em termos definitivos, por força do prescrito no n.º 1 do artigo 72.º do CRP e ainda no artigo 50.º do CIMT. Do exposto decorre inexoravelmente que o registo de aquisição peticionado só pode ser lavrado como provisório por dúvidas, convertível após a regularização das obrigações fiscais devidas. 4 Passemos agora à análise do pedido de averbamento de anexação respeitante à ap. 8/060308, tendo em conta a natureza deste acto e a sua dependência relativamente ao anterior. A formação de uma nova realidade predial resultante da anexação de dois (ou mais) prédios autónomos deve necessariamente obedecer a determinados requisitos materiais ou substantivos. É necessário que se trate de prédios contíguos, que pertençam ao mesmo proprietário, em termos de poderem constituir um direito de propriedade unitário, que o proprietário manifeste a sua vontade nessa reunião, podendo a mesma emergir da declaração prestada para o registo 11. 11 Cfr., adrede, o parecer do CT proferido no proc.º n.º R.P.17/99 DSJ-CT, in BRN n.º 8/99, II, pág. 2, que acompanhamos. 7

A estes requisitos acresce ainda um outro de legitimidade tabular e que consiste na exigência de o proprietário ser, enquanto tal, titular inscrito (em termos definitivos) dos prédios a anexar, por força do preceituado no artigo 38.º do CRP. No caso dos autos, o recorrente é proprietário dos prédios n.ºs 00370/911126 e do 00839/031031, encontrando-se o primeiro definitivamente inscrito a seu favor, ficando o segundo, na decorrência deste recurso, inscrito provisoriamente em seu nome. Falha, assim, um dos pressupostos básicos para a satisfação do pedido, visto que um dos prédios não se encontra definitivamente inscrito em nome do proprietário. Ora, em face do prescrito nos artigos 100.º, n.º 1 e 101.º, n.º 3, a contrario, do CRP, não é possível efectuar com o carácter de provisoriedade o averbamento de anexação, o que determina a sua recusa, ao abrigo do disposto nos artigos 69.º, n.º 2, do mesmo Código. Como consequência lógica dos princípios e das regras expostas, deve a recorrida proceder ao registo de aquisição como provisório por dúvidas e proceder à recusa do subsequente averbamento de anexação. O recorrente, logo que cumpridas as obrigações fiscais devidas, pode, dentro do prazo de vigência do registo de aquisição, requerer a sua conversão, bem como o averbamento de anexação pretendido, uma vez que as condições necessárias e suficientes para a anexação se encontram então preenchidas. Face ao exposto, somos de parecer que o presente recurso merece provimento parcial. Em consonância, firmamos as seguintes C O N C L U S Õ E S I A permuta caracteriza-se como um contrato sinalagmático, genética e funcionalmente, em que a prestação consiste na entrega de uma coisa a uma das partes e a contraprestação na entrega de outra coisa, em espécie, à contraparte. 8

II A escritura de permuta mediante a qual um dos outorgantes transmite um imóvel ao outro e este, em troca, lhe presta um serviço, é título bastante para o registo de aquisição daquele imóvel. III Os actos sujeitos a encargos de natureza fiscal não podem ser lavrados definitivamente sem que se mostrem pagos ou assegurados os direitos do fisco. IV São requisitos essenciais da anexação dos prédios a contiguidade destes, a pertença ao mesmo proprietário inscrito e o seu consentimento à formação da nova unidade predial. V Sendo impeditiva dessa formação a circunstância de um dos prédios não estar definitivamente inscrito em nome do proprietário, e não ser possível, em face do disposto nos artigos 100.º, n.º 1 e 101.º, n.º 3, a contrario, do CRP, efectuar o averbamento de anexação como provisório, deve ser recusado o registo peticionado, por força do preceituado no n.º 2 do artigo 69.º do mesmo Código. 27.03.2007. Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Director-Geral em 9

Proc. R.P. 127/2006 DSJ-CT Declaração de voto Acompanho a proposta de provimento parcial do recurso, aderindo, em geral, à apreciação de mérito propugnada no parecer, porém, com as seguintes ressalvas: Quanto ao registo de aquisição Não obstante a discussão possível em torno da caracterização jurídica do contrato realizado 12, tratar-se-á, em qualquer caso, de um contrato susceptível de transmitir a propriedade do imóvel artigos 405º, 1305º, e 1316º, todos do Código Civil. Quanto ao registo de anexação Sem embargo de subscrever todo o conteúdo da conclusão V do parecer e a respectiva fundamentação de facto, verifico também existir uma divergência entre a área do prédio resultante da anexação e a soma das áreas dos prédios anexados. Serão os 12,85 m2 em falta o resultado de um erro de medição ou a área correspondente à escada ou rampa a efectuar, ou já efectuada, pelo apresentante? E, nesta hipótese, em que esfera jurídica domínio público municipal ou domínio privado do apresentante se integra a dita escada ou rampa? Por outro lado, de acordo com a declaração para inscrição na matriz do prédio, após a anexação, resulta terem ocorrido obras concluídas em 2004-01-22, dado, de resto, confirmado na petição de recurso, o que, no meu entender, suscita também 12 Considerando que a permuta é um contrato que tem por objecto a transferência recíproca da propriedade de coisas ou direitos entre os contraentes e que estes direitos têm de ser objectiváveis, ou pela sua directa ligação a uma coisa ou pela possibilidade de se destacarem do seu titular originário, de modo a poderem circular livremente, passando de um sujeito a outro (Parecer nº4/2002 da Procuradoria-Geral da República, disponível em www.itij.mj.pt) ; Considerando ainda que a prestação de facto material positivo realização de obra - não se integra com facilidade na categoria de coisa ou direito (Castro Mendes, Teoria Geral, págs. 383-4), parece possível equacionar o contrato dos autos como um contrato misto da categoria do contrato de tipo duplo ou geminado. 10

resposta sobre se da anexação dos prédios, operada no domínio do DL 555/99, de 16 de Dezembro, terá resultado um lote destinado, imediata ou subsequente, à edificação urbana; se, ao invés, a área de 17 m2 adquirida por via do contrato e anexada ao prédio nº370/911126 se destinou apenas a logradouro, realizando-se as obras de reconstrução ou modificação exclusivamente à custa da área do referido prédio nº 370/911126 ou, ainda, se a cedência dos 17 m2 se insere no âmbito de eventuais condições à reconstrução do prédio impostas em sede de projecto urbanístico. Em suma, estes esclarecimentos são também, no meu entender, pressupostos relevantes, senão mesmo indispensáveis, para a realização do averbamento de anexação em tabela. 11