EFEITOS DA VINCAMINA EM PACIENTES COM TRAUMATISMO CRÂNIO-ENCEFÁLICO.

Documentos relacionados
A maioria das crianças com traumatismo craniano são jovens, do sexo masculino e têm trauma leve.

REGISTRO DA PRESSÃO INTRACRANIANA

VALORES DO ENXOFRE, COBRE E MAGNÉSIO NO SORO SANGUÍNEO E NO LÍQUIDO CEFALORRAQUEANO NOS TRAUMATISMOS CRÂNIO-ENCEFÁLICOS RECENTES

TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO. Acadêmicas: Camila Magalhães e Sthefane K. Quaresma

EDEMA CEREBRAL LOCALIZADO COMO COMPLICAÇÃO TARDIA DE TRAUMATISMO CRÂNIO-ENCEFÁLICO

ALTERAÇÕES DE EQUILÍBRIO EM PACIENTES PÓS ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO E SUA INFLUÊNCIA NA QUALIDADE DE VIDA

PROTEINOGRAMA DO LÍQUIDO CEFALORRAQUEANO EM AFECÇÕES DEGENERATIVAS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Urgência e emergência na atenção primária. Enfª Karin Bienemann

17/08/2018. Disfagia Neurogênica: Acidente Vascular Encefálico

TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO TCE

radiologia do TCE

Hipopituitarismo pós-tce. Dra Julia Appel Endocrinologista Clube da Hipófise 07/03/2012

Identifique-se na parte inferior desta capa. Caso se identifique em qualquer outro local deste Caderno, você será excluído do Processo Seletivo.

Trauma cranioencefálico (TCE) Dra. Viviane Cordeiro Veiga

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DO PACIENTE IDOSO INTERNADO EM UMA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA DE UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DE JOÃO PESSOA

VARIAÇÕES FISIOLÓGICAS DA PRESSÃO DO LÍQUIDO CEFALORRAQUEANO NA CISTERNA MAGNA

ESTUDO EPIDEMILOGICO DO ÍNDICE DE PACIENTES IDOSOS COM TRAUMATISMO CRANIO-ENCEFÁLICO INTERNADOS EM UM HOSPITAL DO OESTE DO PARANÁ NO ANO DE 2009

COMORBIDADES CLÍNICAS EM PACIENTES PSIQUIÁTRICOS

Nome do Paciente: Data de nascimento: / / CPF: Procedimento Anestésico: I. O que é?

Curso Avançado em Gestão Pré-Hospitalar e Intra-Hospitalar Precoce do Enfarte Agudo de Miocárdio com Supradesnivelamento do Segmento ST

NEURORRADIOLOGIA DO TRAMA CRANIO- ENCEFÁLICO (TCE)

Autor. Revisão Técnica. Fábio Del Claro

Como Estudar Saúde da Criança para a prova de Enfermagem PROF. HYGOR ELIAS

Fluxo de atendimento e dados de alerta para qualquer tipo de cefaléia no atendimento do Primeiro Atendimento

TRATAMENTO DA TINEA PEDIS COM MICONAZOLE EM PACIENTES DE AMBULATÓRIO

III - CASUÍSTICA E MÉTODOS

ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL (ISQUÊMICO) Antônio Germano Viana Medicina S8

RESOLUÇÃO Nº 26, DE 22 DE ABRIL DE 2019

Informações de Impressão

EPILEPSIA PÓS- TRAUMÁTICA

NEUROCIRURGIA o que é neurocirurgia?

ESTUDO DO PERFIL LIPÍDICO DE INDIVÍDUOS DO MUNICÍPIO DE MIRANDOPOLIS/SP

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE

FINANCEIRO Transferência ao FMS , , ,09 Lançamento de receita , ,

Determinação do grau de incapacidade em hansenianos não tratados *

Quando Tratar a Hipotensão no Recém Nascido de Muito Baixo Peso

2 MATERIAL E MÉTODOS 1.1 OBJETIVOS DO TRABALHO

Imagem da Semana: Tomografia Computadorizada (TC)

1 Av. Paulista, 37 7 andar cj.71 São Paulo/SP CEP Telefone (11) Fax (11)

J. Health Biol Sci. 2016; 4(2):82-87 doi: / jhbs.v4i2.659.p

Capítulo 17b (Ex-CAPÍTULO 9) EFEITOS TARDIOS

NOTÍCIAS NEUROINTENSIVISMO

ESTUDOS AVANÇADOS EM ANESTESIOLOGIA PARA NEUROANESTESIA

HEMORRAGIA SUBARACNOIDIANA ESPONTANEA

FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL EM UNIDADE DE AVC: APLICAÇÃO DE PROTOCOLO PADRONIZADO É POSSÍVEL

Médico Neurocirurgia Geral

TROMBOEMBOLISMO PULMONAR EMERGÊNCIAS AÓRTICAS. Leonardo Oliveira Moura

Dr. Renato Couto Camila Silveira Daniele Guedes Juliana Fantini Luna Consenza Viviane Gerken

Dr. Paulo Bastos. Titular da Sociedade Brasileira de Urologia

ORGANIZADOR. Página 1 de 8

TCE TRAUMA CRANIENCEFÁLICO

PROTEINOGRAMA DO LÍQÜIDO CEFALORRAQUIDIANO NA LEPRA

ENFERMAGEM SAÚDE DO IDOSO. Aula 8. Profª. Tatiane da Silva Campos

TRAUMA CERVICAL - IMPORTÂNCIA. área restrita. vários sistemas. experiência individual pequena FCMSCSP - AJG

Confira se os dados contidos na parte inferior desta capa estão corretos e, em seguida, assine no espaço reservado para isso.

Influência das Variantes Genéticas Funcionais do Sistema Renina-Angiotensina na Doença Arterial Coronária.

Estudos Avançados em Anestesiologia

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESDADO DO RIO DE JANEIRO - UNIRIO Hospital Universitário Gaffrée e Guinle - HUGG

AVALIAÇÃO DOS ACHADOS MAMOGRÁFICOS CLASSIFICADOS CONFORME SISTEMA BI RADS¹. Beatriz Silva Souza², Eliangela Saraiva Oliveira Pinto³

Imagem da Semana: Tomografia Computadorizada

As internações por Causas Externas

ESTUDO DE COMPARAÇÃO DA TENDÊNCIA DA AIDS NO BRASIL, REGIÕES E ESTADOS, DE 1990 A 2012, POR SEXO E FAIXA ETÁRIA

ANÁLISE DOS DADOS DE MORTALIDADE DE 2001

(LAING, COUGLEY, KLENERMAN, % 50% ; BIRKE

Resultados. Grupo SK/aids

Anexo IV. Conclusões científicas

Hipertensão Intracraniana Traumática Introdução

Diretriz Assistencial. Ataque Isquêmico Transitório

Áquila Lopes Gouvêa Enfermeira da Equipe de Controle de Dor Instituto Central do Hospital das Clínica da Faculdade de Medicina da USP

DISCUSSÃO Vista lateral da entrada do Ambulatório do Instituto Lauro de Souza Lima FOTO produzida por José Ricardo Franchim, 2001.

AVCI NA FASE AGUDA Tratamento clínico pós-trombólise. Antonio Cezar Ribeiro Galvão Hospital Nove de Julho

Hipertensão Intracraniana. Rilton M. Morais

RESUMO SEPSE PARA SOCESP INTRODUÇÃO

TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO. Prof.ª Leticia Pedroso

Avaliação do desempenho: como comparar os resultados

Universidade Estadual de Maringá- UEM Universidade Estadual de Maringá-UEM

Luís Amaral Ferreira Internato de Radiologia 3º ano Outubro de 2016

Trauma craneoencefálico. Uso do Manitol vs. Solução salina hipertônica.

PERFIL DOS PACIENTES ATENDIDOS PELA FISIOTERAPIA NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA DO HOSPITAL DA PROVIDÊNCIA DE APUCARANA

ACIDENTE VASCULAR ISQUÊMICO. Conceitos Básicos. Gabriel Pereira Braga Neurologista Assistente UNESP

Trombólise endovenosa com Alteplase em AVC Isquêmico - Experiência em 27 casos - Joinville SC

Estudos de casos de acidente vascular cerebral, realizado em uma Instituição de saúde do interior paulista.

Identifique-se na parte inferior desta capa. Caso se identifique em qualquer outro local deste Caderno, você será excluído do Processo Seletivo.

Um Estudo das Funções Executivas em Indivíduos Afásicos

14 de Setembro de Professor Ewerton. Prova confirmada dia 28 de Setembro. 1:30 da tarde.

TRATAMENTO IONTOFORÉTICO COM DICLOFENACO SÓDICO RESUMO

FRATURA COM AFUNDAMENTO CRANIANO EM CRIANÇAS COM MENOS DE DOIS ANOS DE IDADE

LESÕES DE CRÂNIO. traumatismos

INFLUÊNCIA DA GAMETERAPIA NA REABILITAÇÃO DE PACIENTE PÓS ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO

INDICADORES DE DESEMPENHO - Contrato 001/2015 de 28/12/2015

Morte Encefálica. Pedro Antonio Pereira. "Não se pode mudar o passado, mas podemos mudar o amanhã com os atos de hoje.

Transporte de Remoção Aérea

Cuidados de Enfermagem no Paciente Crítico. Prof. Enf. Fernando Ramos Gonçalves Msc Intensivista-HR

Traumatologia. Distúrbios do Aparelho Locomotor tendo como Etiologia Sempre o TRAUMA, não importando a sua Magnitude.

. Intervalo livre de sintomatologia até 12h (perda de consciência seguindo-se período de lucidez);

ONTARGET - Telmisartan, Ramipril, or Both in Patients at High Risk for Vascular Events N Engl J Med 2008;358:

Freqüência e fatores relacionados à disfagia orofaríngea após acidente vascular encefálico

Anestesia. em cirurgia cardíaca pediátrica. por Bruno Araújo Silva

Acidente Vascular Encefálico

1969: Miocardiopatia - IECAC

Transcrição:

EFEITOS DA VINCAMINA EM PACIENTES COM TRAUMATISMO CRÂNIO-ENCEFÁLICO. ESTUDO CLÍNICO E LABORATORIAL DE 50 CASOS WALTER C. PEREIRA*; PEDRO H. LONGO***; JOSÉ P. S. NÓBREGA****; JULIO KIEFFER**; LUIZ A. MANREZA****; HORÁCIO M. CANELAS***** Drogas ditas aceleradoras do metabolismo cerebral têm sido largamente empregadas no tratamento de pacientes na fase de recuperação ou seqüelas de traumatismos crânio-encefálicos. No entanto, raramente, depois de passado o entusiasmo inicial, permanecem no arsenal terapêutico de rotina. Isto se deve ao fato de ser difícil a avaliação de seus efeitos sobre a evolução clínica, dada a grande variedade de lesões encontradas nesses doentes. É bem conhecido que, freqüentemente, ocorrem melhoras espontâneas, às vezes repentinas, que podem ser erroneamente atribuídas à ação de tais drogas. Por esse motivo torna-se necessário período de observação longo, em número suficientemente grande de pacientes, e a comparação com grupos de controle. Neste trabalho apresentamos os resultados obtidos com a administração de vincamina a pacientes com traumatismos crânio-encefálicos, depois de ultrapassada a fase aguda do quadro. Esta pesquisa foi desenvolvida durante o período de um ano( março de 1971 a fevereiro de 1972) no Setor de Neurocirurgia do Pronto Socorro do Hospital das Clinicas de São Paulo. Trabalho da Clínica Neurológica do Departamento de Neuropsiquiatria e do Serviço de Radioisótopos do Departamento de Clínica (I Divisão) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, apresentado na mesa redonda sobre "Insuficiência vascular cerebral" organizada pela Sociedade de Neurologia, Psiquiatria e Neurocirurgia do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, junho de 1972). * Assistente da Clinica Neurológica e Supervisor do Setor de Neurocirurgia do Pronto Socorro do Hospital das Clínicas; ** Chefe do Serviço de Radioisótopos; *** Chefe do Setor de Neurorradiologia; **** Médico Assistente da Clínica Neurológica; ***** Professor Titular de Clínica Neurológica. Nota dos autores Nossos agradecimentos aos médicos, plantonistas ou estagiários do Setor de Neurocirurgia do Pronto Socorro do Hospital das Clínicas Antonio F. Ferrari, Antonio J. T. Marchese, Carlos T. Schibuola, Cleyde C. Silva, Edoardo A. V. Medugno. José P. P. Plese, Maciel Yamashita, Nilton D. Cabral, Roberto Godoy e Walfredo J. Neves que nos auxiliaram no andamento desta pesquisa.

CASUÍSTICA E MÉTODO A vincamina * foi administrada a 50 pacientes na fase de recuperação ou seqüelas de traumatismos crânio-encefálieos. A idade dos mesmos variou de 18 a 50 anos, sendo 32 do sexo masculino e 18 do feminino. Na tabela l está assinalado o diagnóstico principal da afecção, uma vez que neste tipo de patologia a associação de lesões ocorre com u men te. A trepano-punção exploradora foi incluída entre os exames paraclínicos porque, em 10 casos, havia suspeita de hematoma intracraniano, que somente a exploração cirúrgica permitiu afastar. Estes casos foram ulteriormente rotulados de contusão encefálica. O quadro neurológico dos doentes, avaliado segundo critérios empregados de rotina em nosso Serviço, está resumidamente descrito na tabela 3, na qual dividimos os pacientes em 6 grupos de acordo com os achados do exame neurológico. A gravidade do estado de coma é indicada pelo número de cruzes: profundo ( + + + ), médio ( + + ) e leve ( + ). Com exceção dos pacientes com contusão cerebral, a administração de vincamina foi feita somente após o tratamento cirúrgico do hematoma ou da dilaceracão cerebral, que era devida a afundamentos da calota craniana (4 casos) ou à penetração de projéteis de arma de fogo (2 casos). * Vincagil (SARSA, Laboratórios Silva Araújo Roussel S. A).

Na maioria dos pacientes (39 casos) a vincamina foi inicialmente administrada por via parenteral, intravenosa ou intramuscular, na dose de 15 mg 3 ou 4 vezes ao dia. Depois de 10 a 15 dias de tratamento, passava-se a utilizar a via oral na dose de 10 mg 4 vezes ao dia. Nos casos em que o quadro neurológico era mais benigno (11 pacientes) empregou-se somente a via oral. O início da administração da droga variou do 7. ao 10. dias após o traumatismo, prolongando-se de 2 dias a 3 meses (na maioria dos casos foi administrada durante um mês). A avaliação dos efeitos baseou-se na evolução do quadro neurológico em todos os pacientes. Além disso, em 8 foram feitas carótido-angiografias (CAG), em 6, gamaencefalometria (GEM) e, em 5, reoencefalografia (REG) antes e durante a administração da droga, com a finalidade de se estudar os efeitos do medicamento sobre o fluxo vascular cerebral. Durante o período em que se fez a experimentação da vincamina foram observados aproximadamente mais 150 pacientes com traumatismos crânio-encefálicos, nos quais não se utilizou a droga. No restante o tratamento instituído foi idêntico, sendo em ralação a este grupo controle avaliados os resultados obtidos. R E S U L T A D O S Do ponto de vista clinico os critérios para a avaliação dos efeitos da vincamina foram a melhora do estado de consciência e dos déficits neurológicos apresentados pelos pacientes no início do tratamento com a droga. Os resultados observados foram classificados em ótimos, bons, regulares e nulos. Evidentemente a avaliação dos resultados atendeu ao estado inicial em que se encontravam os pacientes, variando-se os critérios nos 6 grupos estudados (tabela 3). Assim, levando em consideração a gravidade do quadro neurológico inicial, foram observados os resultados assinalados na tabela 4. Geralmente o efeito mais evidente e precoce da vincamina é observado em relação ao estado de consciência. Os déficits neurológicos costumam melhorar mais tardiamente e de forma menos acentuada que o estado de consciência. No que diz respeito à ação da vincamina quando relacionada ao tipo de lesão não foi possível observar diferença evidente. Pelos resultados obtidos, parece ser a gravidade do quadro neurológico, independentemente da lesão que o cause, o principal fator da evolução do caso. Dos 10 pacientes que faleceram, em 7 (grupo 1) houve agravamento do quadro clínico, com aparecimento de sinais graves de comprometimento neurovegetative, ocorrendo óbito entre o 2. e o lo. dias após o início da administração de vincamina. Os outros 3 tiveram complicação broncopneumônica, falecendo entre o 5.0 e o 18. 0 dias de tratamento com a droga.

Os resultados nulos foram observados em 4 pacientes do grupo 1 e um paciente do grupo 2. Estes doentes tiveram alta, em média, um mês após a internação sem modificação do quadro neurológico, não sendo observados ulteriormente. Nos demais 35 pacientes os resultados foram considerados ótimos, bons e regulares. Comumente o tempo de internação foi de um mês, com exceção de dois casos que foram observados cerca de 3 meses. Nestes dois últimos doentes os resultados foram considerados bons, pertencendo um deles ao grupo l e o outro ao grupo 2. A CAG foi utilizada em 8 pacientes para estudo do efeito da vincamina sobre a circulação cerebral. Em 3 foi realizada imediatamente antes e io minutos após injeção intracarotídea de duas ampôlas da droga. Em um destes casos observou-se, logo após a injeção da vincamina, redução discreta do calibre das artérias intracranianas, que já se encontravam espásticas na primeira CAG. É interessante assinalar que, neste caso, o resultado clínico foi considerado ótimo, pois dois dias depois do início da administração da droga era notável a melhora da contactuação da paciente. Nos outros dois doentes não se observou modificação alguma do calibre arterial com a injeção intracarotídea de vincamina. Em 5 casos a CAG foi praticada antes e depois da administração intravenosa da droga durante períodos de 7 a 15 dias, não se verificando também modificações do calibre arterial, que já era normal no primeiro exame. O REG foi realizado em 5 pacientes, também com a finalidade de se estudar o efeito da vincamina sobre o fluxo vascular cerebral. Este exame foi feito antes e após períodos de uma a três semanas de aplicação parenteral da droga. Os parâmetros utilizados foram o ângulo de inclinação da fase ascendente, a amplitude e o tempo inicial da onda. Observaram-se em 4 casos modificações positivas de um ou mais parâmetros sugestivas de melhora da circulação encefálica. No entanto, pelas modificações observadas, a melhora do fluxo vascular pode ser atribuída ã regressão do edema cerebral e não à ação direta da vincamina sobre o calibre arterial. A GEM foi praticada em 6 pacientes com acometimento exclusivo ou predominante de um dos hemisférios cerebrais, a fim de se poder comparar a atividade relativados dois lados. As determinações foram feitas 20 a 30 minutos depois da injeção intravenosa de albúmina radioativa (I 1 3 1 ), sendo realizadas antes e uma semana após o início da administração de vinculamina por via intravenosa.

Em todos os casos os dados obtidos mostraram-se semelhantes, podendo ser resumidamente descritos da seguinte maneira: a atividade era significativamente menor no hemisfério comprometido durante o primeiro exame; uma semana depois a determinação da atividade residual mostrava que o hemisfério comprometido apresentava atividade significativamente maior que o são; nova dose de albúmina radioativa nessa ocasião mostrava ainda atividade menor no hemisfério comprometido (semelhante ã observada no primeiro exame). Levando-se em conta que a GEM informa sobre a magnitude do leito vascular, e não necessariamente sobre o fluxo tissular efetivo, os resultados obtidos podem ser interpretados como significativos de que o radioisótopo permanece retido mais intensamente no hemisfério cerebral comprometido (atividade residual), não havendo, após uma semana de tratamento com a vincamina, aumento do fluxo tissular efetivo. A retenção de radioisótopo provavelmente se dá ao nivel do espaço extravascular, que se encontra aumentado no edema cerebral. C O M E N T Á R I O S O tratamento de doentes com traumatismo crânio-encefálico grave é um dos problemas de mais difícil solução no campo da traumatología. As melhores estatísticas mostram resultados desalentadores quando comparados com os obtidos em outros setores da patologia traumática. São numerosos os casos em que, passada a fase aguda, os pacientes permanecem com seqüelas graves e freqüentemente definitivas. É nestas situações que se tem tentado o uso de drogas que visam a melhorar as condições do metabolismo cerebral, com a finalidade de se aumentar a possibilidade de recuperação do parênquima cerebral comprometido. No entanto, poucas são as que se mostram realmente eficientes, sendo sempre problemática a avaliação dos resultados, em virtude da variabilidade e complexidade das lesões encontradas nestes pacientes. É freqüente a ocorrência de melhoras ou pioras repentinas, que podem ser erroneamente atribuídas a eficácia ou falência do medicamento. Por este motivo, o emprego de drogas, ditas aceleradoras do metabolismo cerebral esbarra com dificuldades sérias quanto à avaliação dos resultados, sendo necessária observação sistemática a longo prazo para que se possa afirmar sua verdadeira eficácia. Neste trabalho a vincamina foi testada num grupo de 50 doentes na fase de recuperação ou seqüelas de traumatismos crânio-encefálicos, estendendo-se a experiência durante o período de um ano. A esta droga se atribuem os efeitos de provocar aumento do débito sangüíneo cerebral e de produzir alterações metabólicas, que conferem ao parênquima cerebral comprometido maior capacidade de extrair e fixar o oxigênio sangüíneo. Para a avaliação dos efeitos da vincamina utilizamos critérios clínicos nos 50 casos, CAG em 8, REG em 5 e GEM em 6. Estes exames foram feitos na tentativa de se estudar as modificações do fluxo sangüíneo cerebral eventualmente observadas durante o tratamento. Obviamente os critérios clínicos variaram de acordo com a gravidade inicial do quadro neurológico. Para tanto os pacientes foram classificados em 6 grupos, levando-se em conta sinais clínicos indicativos menor gravidade de comprometimento encefálico. de maior ou Observamos que os resul-

tados se relacionaram com a gravidade do quadro neurológico e não com a causa que o determinava. Em 50% dos casos os resultados foram considerados ótimos ou bons (18 e 32%, respectivamente). Os pacientes em que obtivemos estes resultados apresentavam quadro neurológico de gravidade variável (grupos 2 a 6), não sendo observados apenas nos casos mais graves (grupo 1), nos quais predominavam sinais de comprometimento do tronco cerebral. Resultados regulares foram observados em 20% dos casos, incluindo 4 pacientes do grupo 1 (26,6%). Resultados nulos ocorreram em 5 casos (10%), sendo observados em 4 doentes do grupo 1 e em um do grupo 2. Os 10 casos de óbito verificados nesta série (20% dos pacientes) foram imputados à gravidade do quadro neurológico (7 casos do grupo 1) ou a complicações broncopneumônicas (3 casos). Dos exames utilizados para avaliação do fluxo sangüíneo cerebral, apenas o REG mostrou, em 4 casos, aumento do débito arterial após períodos de uma a três semanas de tratamento com vincamina. Esta alteração foi atribuída à redução do edema cerebral e não à ação direta da droga sobre o tono vascular. Não se encontrou relação entre os resultados clínicos e os dados fornecidos pelos exames mencionados, isto é, os resultados verificados clinicamente mostraram-se independentes dos achados da CAG, do REG e da GEM. Assim, observamos pacientes em que, apesar de não haver modificações da circulação cerebral detectáveis pela CAG e GEM, houve nítida melhora clínica. Por outro lado, dois dos 4 pacientes em que o REG evidenciou aumento do fluxo sangüíneo cerebral apresentaram resultados clínicos praticamente nulos. Pelos resultados obtidos podemos concluir que a vincamina é medicamento valioso no tratamento de pacientes na fase de recuperação ou seqüelas de traumatismos crânio-encefálicos, sendo possível esperar-se resultados satisfatórios em cerca de 50 a 70% dos casos. R E S U M O A vincamina foi testada em 50 doentes na fase de recuperação ou seqüelas de traumatismos crânio-encefálicos. Em 30 casos tratava-se de contusão cerebral, em 8, de hematoma subdural, em 6, de hematoma extradural e em 6, de dilaceração cerebral. Os pacientes foram classificados em 6 grupos de acordo com a gravidade do quadro neurológico, avaliada por critérios clínicos. A administração da droga foi iniciada do 7. ao 10. dias após o traumatismo, sendo utilizada a via parenteral (15 mg 3 ou 4 vezes ao dia) e oral (10mg 4 vezes ao dia). Os resultados obtidos foram classificados em ótimos, bons, regulares e nulos. Resultados ótimos e bons foram observados em 50% dos casos, regulares, em 20% e nulos, em 10%. Ocorreram 10 óbitos relacionados à gravidade do quadro neurológico ou a complicações broncopneumônicas.

A avaliação do fluxo sangüíneo cerebral, antes e durante o tratamento com a vincamina, foi feita em 19 pacientes, empregando-se carótido-angio grafia, reoencefalografia e gamaencefalometria. Os resultados obtidos mostraram não haver correspondência entre modificações detectáveis do débito arterial cerebral e a evolução clínica dos casos. Como conclusão, a vincamina pode ser considerada medicamento valioso no tratamento de pacientes na fase de recuperação ou seqüelas de traumatismos crânio-encefálicos, podendo-se esperar resultados satisfatórios em cerca de 50 a 70% dos casos. S U M M A R Y Effects of vincamina on patients with head injuries; clinical and laboratorial study on 50 cases Fifty patients in the recovery or sequelae stage of cranio-encephalic trauma were treated with vincamina. The diagnosis in 30 of them was cerebral contusion, in 8, subdural hematoma, in 6, extradural hematoma and in 6, cerebral dilaceration. According to the severity of the neurological picture the patients were classified in 6 groups. The administration of the drug was started from the 7th to the 10th day after the trauma. Parenteral (15 mg 3 times a day) and oral way (10 mg 4 times a day) were used. The results were classified as excellent, good, regular and bad. Excellent and good results were observed in 50% of the cases, regular in 20% and bad in 10%. The cases of death in this series were closely related to the severity of the neurological involvement or to the bronchopneumonic complication. Cerebral angiography, rheoencephalography and gammaencephalometry were performed for the evaluation of cerebral blood circulation in 19 patients. The results showed no relationship between changes of cerebral circulation and changes of the clinical picture. Based in these results vincamina can be considered as a valious drug in the treatment of patients in the recovery or sequelae stage of head injury. Satisfactory results can be expected in about 50 to 70% of the cases. Clinica Neurológica Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo Caixa Postal 3461 01000 São Paulo, SP Brasil