MORABITINO DE BRAGA Nasci em Braga, portanto o meu interesse por um morabitino representado pela letra B, possivelmente uma marca da casa de cunhagem de Braga embora no reverso o campo da moeda seja facilmente compreensível Esta moeda foi pela primeira vez publicada em 1872 por José do Amaral Bandeira de Toro no seu Dicionário de Numismática Portuguesa, sob o título «Morabitino Alfons»: Toro disse que o morabitino descrito foi descoberto em 1872 em Ruães, Braga, e que pertencia à Colecção do Sr. Eduardo Luiz Ferreira Carmo. Disse igualmente que o exemplar mostrava sinais de uso, sendo o seu peso 74 grãos portugueses (3.695 grs.). Nos livros especializados de numismática publicados antes da época de Toro, nomeadamente, os de Caetano de Sousa (1738) e Lopes Fernandes (1856), não há referência a morabitinos com marca de casa de cunhagem. Consequentemente, a descoberta foi importante e, no seu livro Descripção Geral e História das moedas cunhadas em nome dos Reis, Regentes e Governantes de Portugal, datado de 1874, Teixeira de Aragão aceitou a moeda como genuína e descreveu novamente o exemplar publicado por Toro (1) como um morabitino alfonsim de Dom Afonso Henriques. Segundo Aragão, que de exemplar pesava 74 grãos portugueses e tinha 23,75 quilates. Desde então, o tão chamado morabitino de Braga tem sido severamente criticado por vários autores e normalmente considerado uma falsificação. Esta foi a opinião de Leite de Vasconcellos (1894), Ferreira Braga (1917) e Batalha Reis (1940). Contudo, os argumentos de Leite Vasconcellos não são convincentes, o mesmo acontecendo com os de Ferreira Braga. Por outro lado, Batalha Reis especulava com base em fundamentos quase inteiramente conjecturais e em informação fornecida por um coleccionador que tinha conhecido Toro. Segundo este coleccionador, o morabitino com a letra B teria sido cunhado no século XIX por um forjador que trabalhava para Toro.
No entanto em 1926, surgiu um novo exemplar como parte da Colecção de Carvalho Monteiro, mais tarde vendido num leilão em Amesterdão. Tanto o molde da frente como o do verso utilizado para cunhar este novo exemplar eram diferentes daqueles utilizados para cunhar o primeiro exemplar. Embora não decisivamente, este facto aponta para a genuinidade das peças. Na realidade, parece improvável a possibilidade de um formador suficientemente sofisticado para cortar um par de moldes para cada uma das produções. Seja como for, existem pelo menos dois morabitinos com a letra B. Um deles é aquele publicado por Toro e Aragão. A legenda na frente diz + REGIS PORTVGALENSIVN e a legenda do verso, MONETA, DOMINI, I, AFNSI, pesa 3.31grs. Esta peça veio da Colecção Carmo e veio a pertencer posteriormente às colecções de Sousa Braga e de Guilherme Guinle. Actualmente faz parte da Colecção do Museu Numismático Português. O segundo exemplar é o que foi vendido em Amesterdão. A legenda na frente diz: + REGIS PORTVGALENSIVM e a legenda no verso, MONETA DOMINI AFNSI. Segundo o catálogo do leilão, o seu peso é 4.40 g. Não se sabe onde se encontra de momento. O peso dos morabitinos de Sancho I varia de 3.55 a 3.81 grs., os morabitinos dos exemplares cunhados durante o reinado de Afonso II, variam de 3.13 a 3.81 grs. E o único morabitino atribuído a Sancho II pesa 3.25 grs. Portanto, o peso do morabitino de Braga do Museu Numismático Português encontrase inserido dentro dos parâmetros de peso encontrados para as peças de Afonso II, abaixo daqueles encontrados para as peças de Sancho I e acima do peso da moeda única de Sancho II. No entanto, a legenda DOMINI I AFNSI poderá ser interpretada como uma referência a Afonso I e esta discrepância poderá ser considerada como mais um argumento contra a genuinidade da peça. O mesmo acontece com o peso de 4.40 grs. fornecido pelo catálogo do leilão para a outra peça, uma vez que se encontra longe dos parâmetros de peso conhecidos para os morabitinos dos diferentes reis.
FIGURAS DAS MOEDAS No entanto, há boas razões para defender a posição contrária. Vamos continuar a analisar essas razões: Em 27 de Maio de 1128, Dom Afonso Henriques, então um simples príncipe, atribui privilégios ao bispado de Braga, nomeadamente o privilégio de moeda, que muito provavelmente significava o direito de cunhar moedas. Aqueles eram privilégios prováveis que se tornariam efectivos quando e se o príncipe ascendesse ao poder no Condado Portucalense ( quando habuero portugalensem terram adquisitam ). A concessão era certamente um instrumento da política do príncipe para obter apoios poderosos para o seu partido e é bem conhecido o facto de que Payo Mendes, arcebispo de Braga, foi um dos homens mais importantes da sua era. Contudo aqueles eram tempos de instabilidade, quando as tarefas fundamentais eram a expansão territorial e a consolidação do novo estado independente. Portanto é provável que o arcebispo, demasiado ocupado com outros problemas, poderá ter adiado para um futuro indefinido a instalação do seu próprio cunho. Ele morreu em 1138 dez anos após a Batalha de São Mamede (24 de Julho de 1128), que atribuiu a Afonso Henriques o controlo do Condado possivelmente sem ter beneficiado da concessão. O mesmo terá provavelmente acontecido com os seus sucessores, Dom João Peculiar (1138-1175) e Dom Godinho (1175-1188), ambos profundamente envolvidos em tentativas para obter a confirmação Papal da soberania de Afonso Henriques bem como profundamente envolvidos em disputas com os bispados de Compostela e Toledo que estavam a tentar apoderar-se da relevância do bispado de Braga. Foi apenas em 23 de Maio de 1179 que o Papa Alexander III reconheceu o título de rei, assumido por Dom Afonso Henriques quatro décadas antes. Durante este período, o primeiro rei português tinha estado permanentemente em combate de forma a expandir os seus domínios e a estabelecer a organização do seu
novo estado. Portanto ele mal poderia prestar atenção aos problemas monetários, que considerando a economia bastante primitiva daqueles tempos e a relativa abundância de moedas cunhadas pelos diferentes povos que dominavam o território desde o período Romano não eram certamente da maior importância. Então, é lógico admitir que Dom Afonso Henriques não tenha cunhado ouro e que apenas tenha efectuado pequenas cunhagens de dinheiros bolhão, principalmente com o objectivo de representarem um sinal da sua soberania. Em 1185, Dom Sancho I ascendeu ao trono e continuou a expansão do reino para o sul. Por essa altura já era tempo de se efectuar uma expansão monetária moderada e, com o ouro muçulmano que lhe caía nas mãos, ele começou a cunhagem de morabitinos. No entanto, tendo em conta tal facto, durante o reinado de D. Sancho I, o arcebispo de Braga esforçava-se ao máximo contra as tendências expansionistas dos prelados de Compostela, parece razoável supor que ele não teria as condições para implementar cunhagens locais, e que as primeiras cunhagens episcopais em ouro poderiam ter sido realizadas por Dom Martinho Pires, já durante o reinado de Dom Afonso II. No entanto, sabe-se bem que este rei era zeloso das prerrogativas reais e existem evidências que sugerem fortemente que ele terá provavelmente ordenado que mandassem parar as cunhagens episcopais. Na realidade, em 23 de Dezembro de 1221, o Papa escreveu aos bispos de Astorga e de Tuy, encorajando-os a ajudar o arcebispo de Braga, então Estevão Soares da Silva (1212-1228), nas suas tentativas para recuperar os privilégios de Cancellariam, Cappelaniam e Monetam. O conflito entre o bispado de Braga e o trono arrastou-se e apenas chegou ao fim em 26 de Novembro de 1238, quando o acordo entre o filho de Afonso, Dom Sancho II (1223-1248) e o arcebispo Dom Silvestre Godinho foi assinado. Segundo os termos deste acordo, o bispado de Braga renunciou ao direito de cunhagem em troca de outros privilégios e algumas generosidade (talvez em dinheiro). A violência da querela e o interesse manifesto dos reis na recuperação do direito atribuído por Dom Afonso Henriques não é
facilmente compreensível se o uso desse direito tivesse permanecido no campo da possibilidade. Portanto, é razoável pensar que muito provavelmente durante o reinado de D.Afonso II e por um curto período, as moedas eram na verdade cunhadas pelo bispado de Braga. Se se aceitar esta ideia e se considerarmos os morabitinos com a letra B como evidências verdadeiras (apesar de serem antigos) das cunhagens episcopais, então ficará por explicar a legenda. DOMINI. I. AFNSI, que se pode traduzir por (Lord) Dom Afonso primeiro ou (Lord) Infante Afonso. Uma explicação possível é que a legenda indica a entidade que atribuiu o privilégio. Esta hipótese é apoiada pela opinião de António Vives, que, no seu La Moneta Castellana disse: Sabido es que cuando los seroes conseguiam de los reges el derecho de acuñacion, ponian en sus monedas el nombre del monarca que les otorgaba tal merced, continuándo-se con frecuencia esta mención mucho tiempo después de muerto el rey mismo que la otorgó. Consequentemente, as legendas dos morabitinos obedeceriam a esse uso. Embora cunhadas durante o reinado de Afonso II, elas mencionariam a individualidade que atribuíra o privilégio de cunhagem, quer dizer o primeiro Afonso. Um Problema diferente é o peso estranho do segundo exemplar. Na realidade, com os seus 4.40 gramas, este exemplar não encaixa nas medidas de peso conhecidas para os morabitinos. Infelizmente o destino daquela moeda permaneceu misterioso após o leilão e por isso agora é impossível acertar se o peso indicado é o verdadeiro ou meramente um erro do impressor do catálogo. No entanto, mesmo assumindo que 4.40 grs. é o peso verdadeiro, isso não seria suficiente para considerar a peça uma falsificação. Na realidade, essa moeda poderia ter sido cunhada quando Afonso Henriques era ainda Infante, por obediência ao peso padrão do Almohad dobra, o qual, naquela época, estava em circulação no território português. No entanto, um novo tipo de informação foi recentemente obtido sobre este assunto. A análise do exemplar do Museu Numismático Português, efectuada por espectrometria
fluorescente de raio x, parece ter revelado que a moeda foi cunhada a partir de uma liga que é praticamente idêntica àquela das moedas de ouro portuguesas do século XIX e muito diferente daquelas usadas para cunhagem dos autênticos morabitinos. Portanto, temos de admitir que, se esta informação vier a ser provada como sendo verdadeira, representará um argumento quase decisivo contra a hipótese da genuinidade do morabitino de Braga. (1) Aragão corroborou a informação de que a peça pertenceu à Colecção Carmo. Em 1877, Pedro Augusto Dias publicou o catálogo dessa colecção e escreveu: Uma das peças seria suficiente para garantir a esta colecção uma posição relevante, tendo em conta que é a primeira moeda portuguesa por ordem cronológica e também a mais preciosa entre as moedas portuguesas. É evidente que estou a falar do alfonsim ou maravedi de Dom Afonso Henriques, o qual, para além de ser a única moeda autêntica do nosso primeiro rei, é também uma peça com significados históricos únicos. Legenda das Moedas: 6. Outro morabitino de Sancho I (mais leve e mais pequeno do que o precedente) 8.