Caracterização geológica - geotécnica de um deslizamento numa encosta em Camaragibe, Pernambuco

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Figura 07: Arenito Fluvial na baixa vertente formando lajeado Fonte: Corrêa, L. da S. L. trabalho de campo dia

Transcrição:

Caracterização geológica - geotécnica de um deslizamento numa encosta em Camaragibe, Pernambuco Silva, M.M. M.Sc., Doutoranda, Departamento de Engenharia Civil, UFPE Recife, Pernambuco, Brasil, smariliamary@hotmail.com Coutinho, R.Q. Professor, Departamento de Engenharia Civil, UFPE Recife, Pernambuco, Brasil, rqc@ufpe.br Lacerda, W.A. Professor, COPPE, Programa de Engenharia Civil, UFRJ Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, willyl@globo.com Alheiros, M.M. Professor, Departamento de Geologia, UFPE Recife, Pernambuco, Brasil, alheiros@ufpe.br Resumo: Este trabalho apresenta a caracterização inicial de um deslizamento ocorrido no ano de 2000 e reativado em 2002 numa encosta localizada no município de Camaragibe PE. O deslizamento pode ser classificado a princípio como um deslizamento rotacional múltiplo, caracterizado pelo surgimento de vários patamares distribuídos ao longo da encosta. O local apresenta como características geológicas um solo residual de granito recoberto parcialmente pela Formação Barreiras. Foram realizadas, investigações geotécnicas - geológicas como levantamentos topográfico e geológico, junto com sondagens à percussão e rotativas, determinação de perfis de umidade e ensaios de caracterização geotécnica. Um programa de instrumentação foi implantado com instalação de piezômetros tipo Casagrande, medidores de nível d água, inclinômetros e um pluviômetro. Este trabalho apresentará junto com a descrição das características da ruptura ocorrida, geologia, perfis geotécnicos, resultados preliminares obtidos com a instrumentação implantada e os resultados de ensaios de caracterização, objetivando assim, um entendimento inicial do processo de instabilização. Abstract: This work presents the initial characterization of a landslide occurred in the year of 2000 and reactived in 2002 in a landslide occurred in the city of Camaragibe - PE. The landslide can be classificated at first as a multiple rotational landslide because the formation of some platforms IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA 345

distributed to the long one of the hillside. The place presents as geologic characteristic the granite residual soil and the Formation Barreiras. They had been carried through, initial geotechnics geologic investigations as topographical and geologic of the place, jointly for subsurface exploration, determination of soil moisture content profiles and physical, mineralogical and chemical characterization. An instrumentation program was implanted with installation of piezometers Casagrande type, inclinometer and a pluviometer. This work will present together with the description of the characteristics of the occurred rupture, geology, profiles, results obtained with the implanted instrumentation and results of characterization tests, objectifying, an initial agreement of the instability process. 1 INTRODUÇÃO A área de estudo está situada no Município de Camaragibe, pertencente à Região Metropolitana do Recife, Estado de Pernambuco. Como características gerais, tem-se que o relevo do município apresenta dois conjuntos morfológicos distintos: os morros e as planícies, onde os morros dominam o relevo em 80% (Bandeira, 2003). A maioria da população de baixa renda ocupa vertentes de tabuleiros e encostas de morros, onde a dinâmica do relevo ainda é forte resultando em acidentes nas áreas ocupadas. A encosta estudada localiza-se no bairro de Jardim Primavera na subida do Vale das Pedreiras. No trecho em que ocorreu o deslizamento observa-se que as invasões foram realizadas pela população de baixa renda, de forma desordenada, desconhecendo os critérios técnicos de construção. Foram verificados cortes, aterros, presença de fossas nas bordas do talude e principalmente lançamento de águas servidas na encosta como um todo, aumentando assim a infiltração e a sobrecarga que contribuem para a instabilidade da encosta. Desta forma, o objetivo do estudo é fazer a análise de estabilidade desta encosta, uma vez identificada as causas e os processos envolvidos no problema. Vale destacar que este estudo referese ao desenvolvimento de uma tese de doutorado desenvolvida na UFPE. 2 HISTÓRICO DO DESLIZAMENTO De acordo com os documentos disponibilizados pela defesa civil do município de Camaragibe, o deslizamento iniciou-se em 2000 quando foram formados dois patamares na base da encosta. Em junho de 2002, a vistoria realizada registrou que algumas das casas localizadas no topo do deslizamento em estudo apresentaram rachaduras tanto nas paredes como no piso. Observouse também que o degrau da escada de acesso ao quintal de uma das casas havia caído. A defesa civil atribuiu estes fatos às fissuras e fendas encontradas na encosta que estariam indicando a probabilidade de ocorrência de um novo deslizamento, o que poderia provocar a destruição das casas. Desta forma, após um período de intensas precipitações, ocorreu a reativação do deslizamento no mês de agosto de 2002, onde foram formados novos patamares. A Figura 1 ilustra o último patamar formado o qual atingiu as casas provocando um desnível de aproximadamente 2 metros entre o piso das casas e o nível do quintal, conforme ilustra a Figura 1. 346 IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA

27,75m e 51,50m. Com relação à topografia após a ruptura sua declividade é da ordem de 11º, com uma rampa bastante comprida, apresentando também cobertura vegetal, constituída por cultivo de macaxeira e pasto. Figura 1. Deslocamento da escadaria que dava acesso à porta dos fundos da casa (Cerca de 2m). Após o deslizamento observou-se que os pisos internos das casas apresentavam desnível e rachaduras na direção do deslizamento, observaram-se também fendas verticais nas paredes e por fim o relato de estalos ouvidos pelos moradores, o que ocasionou a desocupação dos imóveis. Após a desocupação, as casas foram demolidas, a fim de evitar novas ocupações, já que ainda existem atualmente indícios de movimentação da encosta. 3 DESCRIÇÃO GERAL DA ÁREA DE ESTUDO A Figura 2 ilustra um dos vários patamares formados ao longo da encosta, ocasionados pelo deslizamento, apresentando desnível de aproximadamente 1,0m entre os mesmos. No local também se verifica a presença de várias fendas no solo, de aproximadamente 20cm de largura, com mais de 2 metros de profundidade, apresentando assim zonas preferenciais de infiltração. Conforme ilustra o mapa topográfico representado na Figura 3, o trecho da encosta em que ocorreu o deslizamento possui dimensões de 117,0m x 130,0m com cotas variando entre Figura 2. Vista geral do deslizamento com um dos patamares formados ao longo da encosta. Com relação à geologia, a área onde se situa a encosta estudada é constituída pela Formação Barreiras, sobreposta ao solo residual de granito, o qual constitui o embasamento local. A Formação Barreiras teve sua deposição associada aos eventos cenozóicos de natureza climática e/ou tectônica, que permitiram durante o final do Terciário (Plioceno) há cerca de 2 milhões de anos, o extenso recobrimento das superfícies expostas do embasamento colmatando um relevo bastante movimentado (Alheiros, 1998). A Formação Barreiras constitui-se de um sedimento fluvial, areno-argiloso, de coloração creme a avermelhada, dependendo da intensidade da oxidação do ferro. O Embasamento Cristalino é formado por rochas do Complexo Ganítico-Gnáissico, de idade arqueana (21 a 1,5 bilhões de anos) pertencentes ao Maciço Pernambuco-Alagoas (Alheiros, 1998). IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA 347

Figura 3. Mapa topográfico da área de estudo e locação das investigações. 4 CARACTERIZAÇÃO DO DESLIZAMENTO O clima da área em estudo é classificado segundo Koppen, como As, ou seja: tropical úmido com estação chuvosa de outono-inverno e com verão seco. Há normalmente distintos períodos de chuvas e estiagem, com período úmido curto e período longo seco. A Figura 4 apresenta as precipitações mensais ocorridas no Município de Camaragibe, registradas no Posto da Prefeitura entre janeiro do ano de 2002 e junho de 2005. Figura 4. Precipitações mensais registradas no posto da Prefeitura de Camaragibe. Observa-se que as chuvas estão concentradas nos meses de março a agosto, com médias mensais variando de 150mm a 500mm. Este período é considerado de alerta para a defesa civil do município. O período que vai de setembro a fevereiro pode ser considerado de baixa precipitação pluviométrica. Excepcionalmente nos anos de 2002 e 2004 ocorreu intensa precipitação nos meses de janeiro e fevereiro, com máxima de 256,1mm e 189,31mm em janeiro e fevereiro de 2002, respectivamente; e de 300mm nestes mesmos meses em 2004. Observa-se também que as máximas precipitações dos quatro anos ocorreram no mês de junho com máximas de 448,6mm em 2002, 520,1mm em 2004 e 729,0mm em 2005. Os primeiros indícios da reativação do deslizamento ocorreram no mês de junho de 2002, coincidindo com um período de intensa precipitação. Desta forma, podemos a princípio considerar, que a ruptura da encosta estudada teve 348 IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA

Figura 5. Furo de sondagem SM-01, com geologia e indicação das frações granulométricas dos solos. como fator acionante as águas de chuva, tendo como fatores predisponentes à geologia da área e a ação antrópica, com a realização de cortes e despejo de águas servidas (Augusto Filho, 1994; Leroueil, 2004). Tanto as águas de chuva como as águas servidas, possivelmente contribuem com a elevação do nível d água e aumento da umidade dos materiais presentes na encosta provocando possivelmente a desestabilização do maciço. Com relação à geologia da encosta; esta possivelmente favorece a ruptura no contato entre as duas litologias presentes na encosta, o qual será avaliado no tópico seguinte. Com base nos estudos preliminares, o deslizamento ocorrido na encosta do Vale das Pedreiras pode ser classificado como um escorregamento rotacional múltiplo; onde este tipo de deslizamento caracteriza-se por apresentar a ocorrência de uma série de rupturas combinadas e sucessivas (Augusto Filho, 1994; Leroueil et. al., 1996), fato este, evidenciado pela formação dos patamares e fendas ao longo da encosta. 5 INVESTIGAÇÃO GEOTÉCNICA DE CAMPO As investigações geotécnicas de campo, até a presente data, constaram de levantamento topográfico e geológico do local, seguido pela realização de campanha de sondagens à percussão e rotativas, coleta de amostras deformadas (saco) e indeformadas (blocos), realiza- IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA 349

ção de perfis de umidade e ensaios de condutividade hidráulica in situ ( Guelf ). Uma campanha de instrumentação também foi implantada com instalação de piezômetros tipo Casagrande, medidores de nível d água, inclinômetros e pluviômetro. A localização das sondagens, da instrumentação, dos locais de coleta de amostras, dos ensaios de permeabilidade ( Guelph ), e perfis de umidade pode ser observada na Figura 3. 5.1 Sondagens Foram realizados 7 furos de sondagens na área de estudo; sendo 5 furos à percussão e 2 furos com utilização de sondagem mista (Furos SM-01 e SM-02). A Figura 5 ilustra o resultado da sondagem referente ao Furo SM-01, com indicação da geologia e das frações granulométricas dos solos. Pode ser observado na Figura 5, uma espessa camada de areia argilosa de 8,0 m de espessura, pertencente à Formação Barreiras, com valores de SPT variando de 2 a 17 golpes, aproximadamente crescentes com a profundidade. Nas camadas de argila siltosa e areia siltosa (solo residual de granito) verifica-se uma mudança brusca nos valores do SPT com valores variando de 59 golpes/30 cm a 15 golpes/1 cm até a profundidade de 11,0m; sendo necessária a utilização de sondagem rotativa a partir desta profundidade. De um modo geral, em todos os furos de sondagens realizados, os valores de SPT variaram de 2 a 17 golpes, até atingirem a profundidade média de 7,0m, a partir do nível do terreno, no limite entre as duas formações geológicas; onde em seguida os valores de SPT atingem valores na faixa de 30 golpes até atingirem penetrações médias de 12 golpes/5cm a uma profundidade de 15m. A coloração dos materiais varia de amarelo escuro até 6,0 m e cinza clara e vermelha escura de 6,0 a 20,0m de profundidade. A Figura 5 também apresenta a recuperação dos testemunhos extraídos do Furo SM-01, representando o solo residual jovem de granito. De 11,0m a 13,65m observa-se o RQD variando de 30 a 70%, com recuperação aumentando com a profundidade. Observa-se um trecho com RQD constante de 70% até 17,5m, onde a partir deste ponto a recuperação decresce até a valores de 10%. Para a caracterização geológica, foram analisadas todas as amostras coletadas dos furos de sondagem por observação direta com auxílio de lupa. Na recuperação dos testemunhos referentes aos furos SM-01 e SM-02, verificouse a existência de estruturas herdadas da rocha matriz, confirmando tratar-se de solo residual de granito. Na amostragem realizada, observase a presença de seixos, dando indícios da ocorrência de processos fluviais na área, responsáveis pela deposição do sedimento sobre o cristalino. A Formação Barreiras apresenta-se na encosta como uma cobertura sedimentar quase contínua sobre o solo residual de granito, ocupando a parte mais elevada da encosta. Nesse local, embora o alto grau de intemperismo químico e a movimentação da encosta interfiram na observação de estruturas na Formação Barreiras, pode-se sugerir tratar-se da fácies aluvial de canal, pelo alto conteúdo de areia do sedimento. A partir dos resultados das sondagens e da caracterização geológica, foi obtido o perfil geotécnico representado na Figura 6. Pode-se observar que as informações baseadas nos furos de sondagens enfatizam a variabilidade das camadas ao longo de uma vertical do terreno, onde se verifica uma alternância de camadas de solos argilosos, siltosos e arenosos, de espessuras variáveis e descontínuas, com predominância de materiais arenosos. As camadas ar- 350 IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA

gilosas se intercalam nas camadas arenosas em toda a encosta. Os siltes encontram-se nas camadas mais inferiores, sendo delimitados por uma camada de areia siltosa presente na base da encosta. Verifica-se também a variabilidade na coloração nos materiais presentes, variando de amarela escura, cinza variegado e cinza clara e vermelha escura, a depender do tipo de formação geológica e de processos de oxidação e lixiviação do ferro. A linha vermelha representada na Figura 6 ilustra o contato da Formação Barreiras com o solo residual de granito. Em alguns locais, devido à influência do relevo na área, observase o afloramento do solo residual de granito (Furo SP-02). A linha azul representada na Figura 6 ilustra a mudança brusca do SPT em cada furo de sondagem, dando indícios da possível superfície de ruptura. Observa-se que a mudança do SPT coincide aproximadamente com o contato da Formação Barreiras com o solo residual de granito em todos os furos de sondagem, com exceção do Furo SP-02 onde há o afloramento do solo residual de granito, podendo-se, a princípio considerar que a superfície de ruptura possa estar no contato sedimento / residual. 5.2 Perfis de umidade Os perfis de umidade estão sendo realizados próximos aos furos de sondagens, onde são coletadas 3 amostras de solo a cada 0,5m. Os perfis de umidade referentes aos furos SM-01 e SP-02 estão representados na Figura 7. Em cada ponto, os perfis de umidade serão realizados em diversas estações do ano, com intervalo de 3 meses, permitindo a observação da variação da umidade para cada estação. As profundidades de realização dos perfis de umidade variaram conforme a localização do nível d água no período de inverno, ou até a profundidade máxima de 6,0m nos períodos de estiagem. Figura 6. Perfil geotécnico da encosta do Vale das Pedreiras. IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA 351

Figura 7. Perfis de umidade. (a) Furo SM-01, (b) Furo SP-02. De um modo geral, as umidades variaram na faixa de 11 a 40%, crescentes com a profundidade com maiores umidades observadas referente a mês de setembro de 2004. No furo SM-01 (Figura 7a), até a profundidade de 1,0m, a umidade é bastante influenciada pelas estações do ano, com menores valores nos meses de verão intenso (nov/03 e dez/04). No intervalo de 1,5 a 3,5m as umidades crescem com a profundidade, com intervalo de valores próximos, na faixa de 18 a 30%. Entre 4,0 e 4,5m ocorre um decréscimo nas umidades, onde se encontra uma camada mais arenosa, seguido de um aumento nas umidades, atingindo valores da ordem de 26 a 40%, podendo ser justificado pela proximidade do nível d água. No furo SP-02 (Figura 7b) a 0,5m de profundidade observa-se pequena variação da umidade (faixa de 18 a 22%), indicando que as umidades obtidas neste local não sofrem grande influência com as estações do ano. Verifica-se entre 1,0 e 2,0m uma variação significativa nas umidades na faixa de 14 a 35%, seguido de um decréscimo na profundidade de 2,5m, variando de 19 a 23%. A partir dos 3,0 m verifica-se, de um modo geral, um aumento nas umidades até a profundidade de 5,0m, indicando a natureza argilosa desta camada de solo. Em seguida ocorre um decréscimo nas umidades até a profundidade de 6,0m onde se encontra uma camada arenosa. Vale destacar que as análises realizadas são baseadas num curto período de obtenção de dados também associado a período de baixas precipitações. Desta forma, para uma análise mais detalhada, faz-se necessário a obtenção de dados de forma a abranger todas as estações do ano. 5.3 Condutividade hidráulica Para determinação da condutividade hidráulica in situ, foi utilizado o permeâmetro Guelph. Este equipamento emprega em sua utilização o princípio de Mariotte para estabelecer o equilíbrio da carga d água constante aplicada durante o ensaio, obtendo-se a permeabilidade saturada (K fs ). Os ensaios Guelph foram realizados na encosta em estudo, próximos aos furos de sondagens, a cada 0,5m atingindo a profundidade de 2,5 m. A Figura 8 apresenta os resultados dos ensaios Guelph referente ao furo SM-01, onde se observa um decréscimo na permeabilidade de 1,2x 10-6 m/s a 4,38 x 10-7 m/s. Foram encontrados valores de permeabilidades negativos em algumas profundidades, no furo SM-01, por exemplo, a 1,5m, o que caracteriza a existência de uma descontinuidade hidráulica, ou ainda, que a permeabilidade nestas profundidades esteja fora dos limites de validade do equipamento (10-4 a 10-8 m/s). Portanto, os valores negativos não são considerados no gráfico. 352 IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA

De um modo geral, a condutividade hidráulica em todos os furos ao longo da encosta, variou de 1,2x10-6 a 8,76 x10-8 m/s relacionadas com teores de umidade médios de 23%. 6 INSTRUMENTAÇÃO Figura 8. Resultados dos ensaios de permeabilidade Guelf do furo SM-01 A campanha de instrumentação implantada na encosta do Vale das Pedreiras, consta de 15 piezômetros tipo Casagrande, 3 medidores de nível d água, 5 verticais de inclinômetros e de 1 pluviômetro. A localização da instrumentação pode ser observada na Figura 3. Figura 9. Pluviometria, níveis piezométricos e níveis d água referentes aos furos SM-01 e SP-02 IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA 353

6.1 Piezometria, medidores de nível d água e pluviometria O monitoramento da campanha de instrumentação da encosta do Vale das Pedreiras teve início em março de 2004, com a instalação dos piezômetros Casagrande nos furos de sondagens realizados. Foram instalados 2 piezômetros em cada furo visando detectar a possível existência de diferentes níveis piezométricos. Apenas no furo SP-02 temos 3 piezômetros instalados. A Figura 9 ilustra a variação do nível d água e do nível piezométrico referente aos furos SM- 01 e SP-02, com indicação das profundidades de instalação dos instrumentos, relacionados com a intensidade pluviométrica diária. O período de monitoramento dos piezômetros corresponde a março de 2004 a junho de 2005. Os medidores de nível d água foram instalados em novembro de 2004. Os piezômetros tipo Casagrande instalados, consistem de tubos de PVC rosqueados com diâmetro de 1/2Ø vedados nas emendas com fita teflon, com as ponteiras também de PVC com diâmetro de 3/4Ø perfuradas, envoltas em tela de bidim. Os medidores de nível d água também constam de tubos de PVC, com diâmetro de 3/4Ø, sendo todo o comprimento perfurado e envolto com bidim As etapas de instalação dos piezômetros e medidores de nível d água seguiram as recomendações da GEORIO (2000). Observa-se na Figura 9 que o período de maior elevação do nível piezométrico coincide com o período de intensidade pluviométrica elevada, entre os meses de março a agosto de 2004. A partir do mês de setembro de 2004, os níveis piezométricos são reduzidos tendendo a permanecer constantes coincidindo com o período de estiagem; onde em seguida voltam a se elevar a partir de maio de 2005. Verifica-se que os piezômetros instalados nas menores profundidades (P1) permanecem secos durante o período de estiagem. Os resultados dos medidores de nível d água também são representados na Figura 9, onde pode-se observar a ocorrência de pequena variação nos valores durante o período de novembro de 2004 ao início de maio de 2005 (período de baixas precipitações); ocorrendo em seguida elevação dos valores coincidindo com o período de maiores precipitações. Observa-se também que as medidas dos seus níveis d água encontram-se sempre acima das obtidas através dos piezômetros instalados nas maiores profundidades, indicando a captação de águas que não são detectadas pelos piezômetros P2 (águas servidas?). A Figura 10 ilustra a variação dos níveis piezométricos e níveis d água máximos e mínimos encontrados na encosta em estudo, junto com a localização das profundidades de instalação dos instrumentos. O nível piezométrico mínimo encontrado na encosta, refere-se aos níveis piezométricos obtidos através dos piezômetros instalados nas maiores profundidades (P2), denominado de nível piezométrico mínimo 2, o qual localiza-se entre 4,80m (furo SP-02) e 5,50m (furo SM-01), a partir do nível do terreno. O nível d água mínimo encontrase acima do nível piezométrico a aproximadamente 4,10m de profundidade em toda a encosta. A influência da água no processo de instabilidade na encosta Vale das Pedreiras fica evidenciada com a elevação máxima dos níveis piezométricos também representados na Figura 10. Pode-se observar possivelmente a existência de dois níveis piezométricos máximos; onde os piezômetros instalados nas menores profundidades (P1), apresentam nível piezométrico (máximo 1) de 2,80m no topo do deslizamento (furo SM-01) e 0,90 m no furo SP-02, onde as profundidades descritas são em relação ao nível do terreno. 354 IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA

O segundo nível piezométrico máximo determinado a partir dos piezômetros P2, indicados na Figura 10 (máximo 2), apresenta profundidades em relação ao nível do terreno variando de 3,50m (furo SM-01) a 2,90 m (furo SP-02), estando bem próximo do nível d água máximo encontrado através dos medidores de nível d água. Os dados obtidos até o momento permitem verificar possivelmente que os níveis piezométricos obtidos através dos piezômetros P2, sejam os níveis piezométricos permanentes presentes na encosta. O nível piezométrico máximo 1 encontrado, pode ser considerado, a princípio temporário, relacionado a períodos de intensas precipitações, onde as águas de chuva em conjunto com as águas servidas propiciam a um processo de infiltração superficial na encosta. Vale salientar que as águas servidas também podem estar exercendo influência no processo de instabilidade da encosta em estudo; onde na área do deslizamento é observada uma grande descarga ocorrendo de forma periódica e constante. A princípio pode-se verificar que as águas servidas são despejadas no topo do deslizamento (furo SM-01), propiciando um processo de infiltração ao longo da encosta. A infiltração pode ser verificada na base da encosta onde, mesmo durante o período de estiagem, o nível piezométrico mínimo encontrado situa-se a profundidade de 0,50m (furo SP-03) em relação ao nível do terreno (Figura 10), chegando a aflorar nos períodos chuvosos. 6.2 Inclinômetros As verticais de inclinômetros foram instaladas na encosta do Vale das Pedreiras no mês de novembro de 2004, seguindo as recomendações de instalação da GEORIO (2000). Foram instalados um total de 5 verticais ao longo da encosta, caracterizando uma seção longitudinal. Figura 10. Perfil geotécnico com indicações dos níveis piezométricos e níveis d água. IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA 355

Os resultados aqui analisados referem-se ao monitoramento realizado no período de novembro de 2004 a junho de 2005, onde as leituras foram realizadas em intervalos que variaram de 15 dias a 1 mês, com leitura inicial realizada no dia 19/11/04. As Figuras 11 e 12 apresentam os resultados obtidos nas verticais de inclinômetro referentes aos furos SM-01 e SM-02, respectivamente. A localização das verticais pode ser observada na Figura 3. Na vertical referente ao furo SM-01, localizado no topo do deslizamento, foram observados deslocamentos horizontais máximos da ordem de 2,5 a 4,8mm, próximo à superfície do terreno. Observa-se pequena redução dos deslocamentos no intervalo entre algumas medições podendo ser justificado por imprecisões do equipamento. Figura 12. Deslocamentos horizontais referentes a vertical do furo SM-02. Na vertical referente ao furo SM-02 (Figura 12), pode-se verificar deslocamentos horizontais máximos de 71,53mm, apresentando superfície de ruptura bem definida e à aproximadamente 5,5m de profundidade, a partir do nível do terreno. A Tabela 1 apresenta os deslocamentos horizontais máximos das 5 verticais de inclinômetros. Tabela 1. Deslocamentos horizontais máximos das verticais de inclinômetros. Figura 11. Deslocamentos horizontais referentes a vertical do furo SM-01. 356 IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA

Os resultados apresentados na Tabela 1 indicam que atualmente o movimento é mais significativo na parte central da encosta com deslocamentos horizontais da ordem de 70 à 86mm. As verticais SP-01 e SP-02 também apresentam superfície de ruptura bem definida, podendo-se a princípio concluir que a superfície de ruptura esteja próxima do contato entre as duas formações geológicas presentes na encosta (Formação Barreiras/ solo residual de granito). Vale destacar a influência das águas de chuva na aceleração dos movimentos horizontais observados na encosta em estudo. Os deslocamentos observados no intervalo do monitoramento realizado entre os meses de novembro de 2004 a abril de 2005 (período de baixas precipitações pluviométricas) são significativamente pequenos em relação aos deslocamentos observados apenas no mês de junho de 2005, coincidindo com um mês de precipitações pluviométricas elevadas com total de 729mm (Figura 4). 7 ENSAIOS DE LABORATÓRIO Para realização dos ensaios de laboratório foram coletadas amostras indeformadas (blocos) e deformadas (saco). A localização da coleta de amostras estão indicadas na Figura 3. Foram coletadas amostras em três patamares consecutivos formados em decorrência do deslizamento ao longo da encosta, denominados de patamares SM-02, SP-01 e SP-02. Em cada patamar foram coletados dois blocos a uma profundidade de 1,5m. Apenas no patamar SP- 02 foram coletados também dois blocos a uma profundidade de 2,5m. 7.1 Caracterização física Os ensaios de granulometria foram realizados segundo os procedimentos descritos na NBR 7181/84 e os ensaios de dispersão de acordo com a ABNT NBR 13602/96. As amostras foram previamente secas ao ar conforme a recomen- Tabela 2 Resumo dos resultados dos ensaios de caracterização com as frações dos solos enquadrados segundo a escala da ABNT. Figura 13. Curvas granulométicas. IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA 357

dação da NBR 6457/84. Os ensaios de Limite de Atterberg: Limite de liquidez e Limite de Plasticidade foram realizados com as especificações das normas da ABNT, NBR 6454/ 84 e ABNT NBR 7180/84. A Tabela 2 apresenta um resumo dos resultados dos ensaios de caracterização, com as frações dos solos enquadrados segundo a escala da ABNT, peso específico dos grãos, atividade e limites de Atterberg. A Figura 13 apresenta as curvas granulométricas referentes aos três patamares (SM-02, SP-01 e SP-02). Os materiais dos patamares SM-02 e SP-01 pertencem geologicamente à Formação Barreiras e os materiais do patamar SP-02 ao solo residual de granito. Figura 13. Curvas granulométricas Os solos pertencentes à Formação Barreiras referente aos patamares SM-02 e SP-01 apresentam granulometia predominantemente grossa, com menos de 50% dos grãos passando na peneira nº 200. De acordo com os ensaios, a fração predominante é a fração areia, com percentual total variando na faixa de 57% a 62,5%. Observa-se a presença de pedregulho no patamar SM-02, podendo ser explicado pela presença de algum resto de construção na área do patamar SM-02, já que existiam casas que foram demolidas em virtude do deslizamento. O solo residual de granito encontrado no patamar SP-02 apresenta granulometia predominantemente grossa na profundidade de 1,5m, com predominância da fração areia. Observa-se que na profundidade de 2,5m, o solo residual de granito torna-se predominantemente argiloso, sendo classificado como um solo de textura fina, com mais de 50% dos grãos passando na peneira nº 200. Os valores da percentagem de dispersão (PD), obtidos através da relação entre o percentual de argila do ensaio sem defloculante e sem agitação mecânica e entre o ensaio com defloculante e com agitação mecânica (PD) expresso em termos percentuais, variou de 0% a 5% para as amostras ensaiadas, indicando tratar-se de solos não dispersivos (PD < 20%). Segundo a Classificação Unificada (USCS) os solos da Formação Barreiras são classificados no grupo SC como uma areia argilosa. Gusmão Filho et al. (1986), Coutinho et al. (1999), Lafayette (2000), e Bandeira (2003) ao estudarem solos da Formação Barreiras na Região Metropolitana do Recife, também classificaram os solos no grupo SC. Os solos provenientes do solo residual de granito classificam-se nos grupos SC e no grupo CL/CH. A atividade encontrada em todas as amostras foi inferior a 0,75 sendo um indício da ausência de minerais argílicos do tipo expansivos. 7.2 Caracterização química A caracterização química foi realizada com base no Manual de Métodos de Análise de Solo - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Embrapa (1997). Com relação à percentagem de saturação de bases (V=89%) superior a 50%, pode-se afirmar que o solo do patamar SM-02 se classifica segundo Prado (1995) como um solo eutrófico (solo fértil). Os solos dos 358 IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA

patamares SP-01, SP-02 (1,5m) e SP-02 (2,5m), apresentando saturação por alumínio (faixa de 50 a 70%) superior a 50% são classificados como solos álicos (solo tóxico para plantas). A capacidade de troca catiônica (CTC) encontrada nos solos dos patamares SM-02, SP-01 e SP-02 a 1,5m apresentam CTC inferiores a 24cmol c /kg (faixa de 12 a 18cmol c /kg), caracterizando desta forma uma atividade baixa. Apenas o solo proveniente do patamar SP-02 a 2,5m apresentou CTC de 38cmol c /kg, caracterizando uma atividade alta. O ph foi determinado em água, apresentando-se ácido (<7) para todas as amostras. Os valores de matéria orgânica obtida a partir do carbono orgânico são baixos (faixa de 2 à 7 g/kg). 7.3 Caracterização mineralógica A análise mineralógica dos solos estudados refere-se à fração total de areia obtida nos ensaios granulométricos. A Figura 14 ilustra o estudo morfoscópio e composicional de grãos Figura 14. Análise com lupa binocular - Fração areia (0,062mm a 2mm). realizado em lupa binocular. Segundo Valença (2005), as amostras referentes aos três patamares apresentam grãos de areia mal selecionados com a predominância do quartzo em sua composição. Quanto a cor, ocorre a predominância dos hialinos, apresentando também alguns grãos leitosos e raríssimos grãos opacos. Em algumas amostras verificou-se a presença de óxido de ferro revestindo os grãos de quartzo. Quanto ao arredondamento é observada a predominância de grãos sub-angulosos a sub-arredondados, caracterizando um sedimento imaturo, depositado sob condições de alta energia. Ressalta-se que a análise das frações argila e silte estão em andamento, onde será utilizada a técnica de difração de raios x. 8 COMENTÁRIOS FINAIS / CONCLUSÕES Como comentários finais temos que os estudos geológico-geotécnicos preliminares, indicam que o deslizamento teve como fator acionante as águas de chuva; e a geologia da área e a ação antrópica, com a realização de cortes e despejo de águas servidas como fatores predisponentes. O deslizamento pode ser classificado a princípio como um escorregamento rotacional múltiplo. Os níveis piezométricos e os níveis d água obtidos até o momento mostram que as águas exercem grande influência no processo de instabilidade em que a encosta se encontra. Como conclusões pode-se afirmar, baseado nas informações obtidas com as verticais de inclinômetros, que a superfície de ruptura encontra-se próxima do contato entre as duas formações geológicas presentes na encosta (Formação Barreiras/ solo residual de granito). Conclui-se também que as águas de chuva exercem grande influência na aceleração dos deslocamentos observados na área. As metas a serem atingidas dizem respeito à determinação de parâmetros geotécnicos, que em conjunto com o dados obtidos através do acompanhamento da instrumentação darão subsídios na análise e retroanálise de estabilidade, tentando compreender os mecanismos que levaram a encosta a um processo de instabilização. IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA 359

9 AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a participação da professora do Departamento de Geologia da UFPE, Lúcia Valença, na análise mineralógica dos materiais; e os alunos Alan Lacerda e Juliana Lemos, bolsistas de Iniciação Científica (DEC/ UFPE), na utilização do programa Mathcad para cálculo dos deslocamentos das verticais de inclinômetros e na formatação das figuras apresentadas no trabalho. 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALHEIROS, M. M. (1998) Riscos de Escorregamentos na Região Metropolitana do Recife. Tese de Doutorado em Geologia Sedimentar, UFBA, Salvador-BA. AUGUSTO FILHO, O. (1994) Cartas de Risco a Escorregamentos: Uma Proposta Metodológica e sua Aplicação no Município de Ilhabela, SP. São Paulo. Dissertação - Escola Politécnica, USP. BANDEIRA, A. P. N (2003) Mapa de Risco de Erosão e Escorregamento das Encostas Ocupadas do Município de Camaragibe-PE. Dissertação de Mestrado, UFPE Engenharia Civil, Recife-PE. COUTINHO, R. Q., OLIVEIRA, J. R., LIMA FI- LHO, M. F., COELHO, F. A. A., SANTOS, L. M. (1999) Estudo da Erosão da Encosta do Horto de Dois Irmãos PE. 9 o Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia (CD- ROM). ABGE, Novembro, São Paulo - SP. EMBRAPA (1997) Manual de métodos de análise de solo. Ministério da Agricultura e do Abastecimento, 2º edição. GEORIO (2000). Manual técnico de encostas - Análise e investigação. Rio de Janeiro, 2º edição, Vol 1. GUSMÃO FILHO, J. A., JUSTINO DA SILVA, J. M, JUCÁ, J. F. T. e FERREIRA, S. R. M. (1986) Parâmetros Geomecânicos dos Solos dos Morros de Olinda. In VIII Congresso Brasileiro de Mecânica dos Solos e Engenharia de Fundações - COBRAMSEF, Vol. 1, pp 199-210. Porto Alegre-RS. LAFAYETTE, K. P. V. (2000), Comportamento Geomecânico de Solos de Uma Topossequência na Formação Barreiras em uma Encosta na Área Urbana do Recife-PE. Dissertação de Mestrado. UFPE. Engenharia Civil, Recife-PE. LEROUEIL, S; VAUNAT, J.; PICARELLI, L.; LOCAT, J.; LEE, H. & FAURE, R. (1996) Geotechnical characterization of slope movements. Invited Lecture, 7 th International Symposium on Landslides, Trondheim. pp. 27-48. LEROUEIL, S (2004) Geotechnics of slopes before failure. Invited Lecture, 9 th International Symposium on Landslides, Rio de Janeiro, Brasil. pp. 863-884. PRADO, H. (1995) Solos tropicais, potencialidades, limitações, manejo e capacidade de uso. Piracicaba -São Paulo, Brasil. VALENÇA, L. (2005) Comunicação verbal. 360 IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA