O Patrimônio arqueológico como elemento do Patrimônio Cultural



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Transcrição:

O Patrimônio arqueológico como elemento do Patrimônio Cultural Adriana Machado Pimentel de Oliveira Kraisch Mestranda do Programa de Pós-graduação em História da UFPB E-mail: adriana.butija@gmail.com Palavras-chave: Patrimônio cultural, preservação e memória. Resumo: O presente trabalho pretende discutir a relação entre patrimônio e arqueologia dentro da esfera do registro e recuperação da informação, em especial relacionada às ações de preservação deste patrimônio em particular. Considerando que a ação de preservação, para sua efetividade, além da instância legal, deve partir da socialização das informações produzidas nos sítios arqueológicos, nas comunidades de entorno deste patrimônio, aproximando estes registros da cotidianidade dos grupos que os cercam, como pode ser visto no Piauí, em função do Parque da Serra da Capivara. Para tanto, deve-se considerar as relações que memória e identidade estabelecem, de um ponto de vista representacional, de base semiótica, através da mediação da cultura material, que é o objeto de estudo da arqueologia. 1. Introdução Atualmente, o território brasileiro está repleto de evidências que fazem parte do seu Patrimônio Cultural. Os registros arqueológicos são um exemplo disso de forma que eles apresentam elementos essenciais sobre o período pré-histórico e histórico da colonização do Brasil. Esses vestígios encontrados são de fundamental importância para a história, pois fazem parte das informações do passado deste território, deixadas por povos que já não mais existem. São o seu legado e, portanto, a nossa herança cultural. Segundo Funari (2007), o conceito de Patrimônio Cultural é usado como referência a monumentos herdados de gerações anteriores, ou seja, este conceito vem das línguas românicas que se referem a propriedade herdada do pai ou dos antepassados, uma herança. Esta idéia procura demonstrar a importância de se construir uma consciência histórica relacionada aos vestígios deixados pelos nossos antepassados e que apresentam suas continuidades no presente. Segundo ele, não existe identidade sem memória e, em razão disto: Os monumentos históricos e os restos arqueológicos são importantes portadores de mensagens e, por sua própria natureza como cultura material, são usados pelos actores sociais para produzir significado, em especial ao materializar conceitos como identidade nacional e diferença étnica. (FUNARI, 2007, p. 60) A relação existente entre a preservação do patrimônio arqueológico e a sociedade pode ser apontada como sendo o reconhecimento e a valorização das identidades culturais

de uma determinada região, e isto está diretamente relacionado com a identificação do sujeito na localidade em que ele vive, tornando-o uma parte deste passado, identificando-se com ele. Através dos vestígios deixados por caçadores, coletores e/ou horticultores percebe-se a existência de uma marca de sua presença, relacionadas ao seu cotidiano. Quando falamos em patrimônio arqueológico, nos referimos aos registros rupestres encontrados por todo o território nacional. Essa marca fez parte do sistema de comunicação do qual se preservavam apenas as expressões gráficas que resistiram ao tempo. A perda desses grafismos implicaria num retrocesso em relação ao estudo da pré-história local, pois, devido à falta de uma bibliografia específica sobre a etno-história da região, é necessário buscar respostas nos vestígios arqueológicos ainda existentes, como forma de se fazer as relações necessárias para a construção da história local. Esses registros, incorporados pela história, devem fazer parte da construção das identidades locais, assentadas na memória da ocupação original de uma determinada área. Quando nos referimos à cultura material, identidade e memória, percebemos que há uma forte linha que as interliga, realçando a afirmação de que elas se encontram unidas e, muitas vezes, se entrelaçam nos seus conceitos. Desta forma, através de uma análise de cada um destes conceitos é que podemos perceber suas diferenças e compará-los de maneira que se tornem claros para a compreensão do universo que envolve o Patrimônio Cultural Brasileiro. 2. Memória, Identidade e Cultura Material Para os estudos arqueológicos, a memória, a identidade e a cultura material são de suma importância devido às suas inter-relações de preservação, representação e referenciação, produzindo significados que possibilitam às pesquisas arqueológicas construir ou reconstruir a história de um povo ou um fato que é relevante para a humanidade. Ela, sem esses três elementos, não teria desenvolvido tantas pesquisas que beneficiaram ou beneficiam a humanidade já que não teria existência, uma vez que esta disciplina busca resgatar o cotidiano dos grupos sociais sem interferir nas práticas atuais. Para Azevedo Netto (2005): A prospecção arqueológica é o conjunto de procedimentos que visam constar e delimitar a presença de sítios arqueológicos em uma determinada área, com base no que foi apontado pelo diagnóstico. O objetivo dessa etapa é verificar a natureza dos sítios que possam existir, inferir seu tamanho e a área ocupada. Essa verificação é feita por intermédio de delimitação das áreas em que ocorram os vestígios de superfície e por sucessivas e sistemáticas sondagens, por meio de técnicas variadas, observando-se a distribuição dos contextos arqueológicos (o patrimônio) nas estratigrafias e na formatação dos sítios.

Antes do século XIX pouco se falava em cultura material. Este termo só veio a despontar a partir do momento em que ocorre no final do século XIX e início do século XX, uma ampliação significativa do conjunto de fontes arqueológicas marcadas pelos avanços técnicos e pelas mudanças epistemológicas e científicas que estavam acontecendo na Europa naquele período. Isto é percebido, pois, no século XIX, predominava um maior interesse pelo passado com escrita enquanto que, no século XX, desponta uma preocupação relevante com o passado das populações mais recuadas. Segundo o pensamento de Pesez, a história da cultura material tem o interesse de reintroduzir o homem na história, por intermédio da vivência material. O seu conceito de cultura material compreende não apenas os vestígios encontrados aleatoriamente no meio ambiente, mas elementos que fazem parte das infra-estruturas das sociedades. Segundo ele, ela só se exprime no concreto, nos e pelos objetos. Esta relação entre o homem e os objetos, sendo objeto até o próprio homem, é que caracteriza o processo cultural presente nas sociedades. A cultura material se faz presente nas manifestações cotidianas de uma determinada sociedade e, através de suas representações, se mostra como elemento definidor dos aspectos culturais desse grupo. É o que observamos através dos artefatos encontrados nos limites de uma escavação arqueológica ou em painéis de arte rupestre, tão comuns dentro dos achados da pré-história do Brasil. Ela está diretamente ligada à memória de uma sociedade e faz referência ao cotidiano dos grupos sociais, sendo um dos responsáveis em representar as práticas sociais e culturais desses grupos. Esta é a afirmação de Azevedo Netto, pois, ao analisar o pensamento de Dolores Newton sobre a representação da cultura material, a afirma e como ela é caracterizada, pois se demonstra: (...) como único fenômeno cultural codificado duas vezes: uma vez na mente do artesão e a outra na forma física do objeto. Essa dupla codificação permite comparar os três fenômenos culturais, ou seja, o artefato bem como seus aspectos cognitivos e comportamentais. Constitui, ao mesmo tempo, o único meio de se inferir algo sobre formas culturais do passado. As práticas utilizadas nos estudos arqueológicos se preocupam com a reconstituição. Seria o que chamamos, na história, de documentos, e, de forma íntima, há a preocupação da reconstituição dos processos sociais e culturais a partir dos artefatos produzidos e utilizados por uma determinada sociedade, em um determinado período. Desta forma, se pode colocar o investigador em contato direto com o objeto estudado e, de

forma objetiva, fazer com que ele identifique e faça associações e recorrências das sociedades vividas num determinado local. A memória tem sido um marco importante para a construção da identidade porque é através dela que podemos fixar e reconhecer os acontecimentos passados, conservando certas informações que o homem considera importantes para a sua memória individual ou coletiva. A globalização e a tecnologia a têm atingido de forma bastante grave, uma vez que ela se move no tempo, fixando e registrando imagens de acontecimentos, possibilitando novos sentidos para coletividade. Dessa forma, essas memórias estabelecidas nos quadros sociais, se fragmentam ao perder o referencial de sua identidade, dificultando, assim, a própria identificação da sociedade com o seu passado. Certos questionamentos levaram a memória a assumir um papel mais importante dentro do campo historiográfico. Atualmente, ela pode ser vista em suas diversas leituras. Ela surge como uma forma de mostrar os novos processos ligados aos novos estudos dentro do processo histórico. Segundo Diehl (2002), o que sobrou dos tempos heróicos é por ela demonstrada. Podemos dizer que os marcos da memória são considerados como produtos e objetos culturais. Menezes (1992) afirma que os objetos culturais aparecem como algo concreto, cuja produção e acabamento se realizam no passado e que cumpre transportar para o presente. Assim, entendemos que, somente através de um processo de construção de identidades culturais, pode-se chegar a uma real formação de comunidade que se reconheça com afinidades de presente e passado, é que podemos manter os indivíduos próximos, e é neste aspecto que a questão dos marcos referenciais, dados pelo patrimônio arqueológico contribuem para a consolidação das identidades e levam à conscientização do papel social desenvolvido pelo indivíduo perante a sociedade. Entendendo o conceito de identidade como o proposto por Diehl onde ele evidencia que o tempo, o espaço e o movimento se apresentam como elementos presentes nos processos identitários. Assim, ele afirma que identidade é uma espécie de metadiscurso sobre experiências históricas de difícil apreensão empírico-histórica e interpreta essas três dimensões de forma que o tempo é como força de corrosão, o espaço como locus da experiência da rememorização e o movimento como a estrutura simbólica (e agora metadiscurso) da cultura como elementos constituidores da(s) memória(s) e da(s) identidade(s). Observando que a identidade existe sempre em relação a uma outra, um processo em que uma identificação é seguida, ou não, de uma diferenciação, agrupando por semelhanças e diferenças. É através de um processo que se constrói identidades culturais

e que se pode chegar a uma formação de comunidades que apresentem afinidades, independendo do tempo histórico, como forma de manter a união do indivíduo e das estruturas. Assim, entender a memória e a identidade de uma sociedade se torna essencial para que as expressões culturais referenciadas no passado demonstrem as manifestações presentes na cultura histórica das populações denominadas como marginais dentro do processo histórico. As práticas e representações destas sociedades demonstram que esses processos culturais estão evidenciados nos marcos culturais referenciais de sociedades apresentadas, anteriormente, como a-históricas. 3. Preservação do Patrimônio Arqueológico A necessidade de preservação do Patrimônio Cultural de uma sociedade se faz necessário devido aos grandes desafios presentes hoje em se constituir importantes marcos referenciais das sociedades atuais como forma de compreensão da consciência histórica das mesmas. O Patrimônio arqueológico se insere nesta preocupação atual, pois a necessidade de compreensão das sociedades favorece essa busca por preservação de bens culturais. É uma pena que muito do que existe hoje, no Brasil, de bens patrimoniais não consegue respaldo das respectivas autoridades para a sua efetiva regulamentação. Mas, a partir do momento em que se começa a discutir e compreender a importância de se preservar a memória e a história de um povo, de um lugar estas mesmas autoridades começam a se articular na concretização da preservação destes locais de memórias. Devido a esta preocupação surgiram documentos legais responsáveis pela manutenção e preservação destes bens, de forma a fazerem parte da história dos mais diversos locais. Para a arqueologia não foi diferente. Segundo Azevedo Netto (2005): O diagnósitico arqueológico pode ser entendido como aqueles mecanismos utilizados para avaliar o potencial de uma determinada área que abrigue sítios arqueológicos. Esse mecanismo é a primeira forma de abordar o patrimônio arqueológico em uma área que apresente risco de alteração. É necessário esclarecer que esse procedimento é uma etapa exclusiva dos casos em que exista um risco á integridade desse patrimônio em virtude de alterações ambientais promovidas pelo homem.

Essa preocupação em preservação fez com que surgisse uma série de medidas tomadas ao longo dos anos pelos governos regionais para que se fossem criados meios, de certa forma, eficazes no controle da preservação destes patrimônios culturais. Logo abaixo, relacionamos uma série de instrumentos legais brasileiros que tratam da preservação do patrimônio arqueológico. Constituição Artigo 20 (bens da união) linha X: sobre cavidades naturais e sítios arqueológicos; Artigo 23 (competência conjunta) Linha III: proteção de documentos, obras de arte, monumentos e sítios arqueológicos; Artigo 216 (Constituição do Patrimônio Cultural) Linha V: sobre conjuntos urbanos, sítios de valor histórico, paisagístico, paleontológico e arqueológico. Legislação Decreto-lei que instituiu o serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; Lei nº 3.924 de 1961, que dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos; Lei nº 7.542 de 1986, que dispõe sobre a pesquisa e exploração de bens submersos, afundados ou encalhados; Portarias Interministerial nº 69 de 1979, que aprova normas para a condução de pesquisa e exploração de bens submersos, afundados ou encalhados; Nº 07 de 1988, que estabelece os procedimentos para o licenciamento de pesquisas em projetos de salvamento arqueológico. Conama Resolução nº 1, que estabelece os fundamentos dos estudos de impacto ambiental em qualquer forma de empreendimento e inclui o patrimônio cultural e arqueológico. Cartas Patrimoniais

Um total de 39 cartas internacionais elencadas, apresentadas na home-page do IPHAN, sem mencionar as nacionais voltadas ao patrimônio arqueológico: Carta de Atenas Sociedade das Nações outubro de 1931; Recomendação de Nova Delhi Arqueologia dezembro de 1956; Recomendação de Paris Paisagens e Sítios dezembro de 1962; Conferência de Nara Conferência sobre autenticidade em relação a convenção do Patrimônio Mundial; Convenção de Paris Patrimônio Mundial novembro de 1972; Declaração de Estocolmo Ambiente Humano junho de 1972; Carta de Turismo Cultural ICOMOS 1976; Carta de Wasghington ICOMOS Cidades históricas 1986; Carta de Petrópolis Centros históricos 1987; Carta de Washgington Carta internacional para a salvaguarda das Cidades Históricas ICOMOS 1987; Carta de Cabo Frio Encontro de Civilizações nas Américas outubro de 1989; Carta de Lousanne Carta para a proteção e a gestão do patrimônio arqueológico 1990; Carta de Fortaleza 1997; Decisão 460 Sobre a proteção e recuperação de bens culturais do patrimônio arqueológico, histórico, etnológico, paleontológico e artístico da Comunidade Andina 25 de maio de 1999. 4. Considerações Finais Discutir a relação entre patrimônio e arqueologia relacionando à preservação deste patrimônio em particular demonstra a necessidade que existe hoje na afirmação dos marcos referenciais e, por que não, identitários, de uma determinada sociedade. Para tanto, deve-se considerar as relações que memória e identidade estabelecem, de um ponto de vista representacional, de base semiótica, através da mediação da cultura material, que é o objeto de estudo da arqueologia. Considerando que a ação de preservação, para sua efetividade, além da instância legal, deve partir da socialização das informações produzidas nos sítios arqueológicos, nas comunidades do entorno deste patrimônio, aproximando estes registros da cotidianidade dos grupos que os cercam através de uma educação patrimonial de forma a conscientizar esta mesma população sobre a importância da conscientização das mesmas e o seu papel social diante de sua própria sociedade. Exemplos como este que pode ser visto no Nordeste do Brasil, como no caso do Piauí, em função do Parque da Serra da Capivara ou na região do Seridó, e em Carnaúba dos Dantas, entre os Estados da Paraíba e Rio Grande

do Norte, os quais demonstram que a pré-história do Nordeste do Brasil ainda tem muito para pesquisar para entender a dinâmica das populações que viveram por estas paragens em períodos pré-históricos e que apenas com a preservação deste patrimônio ou de qualquer outro tipo é que se consegue, através de uma educação patrimonial, fazer com que a esta idéia de preservação seja inserida no cotidiano destas sociedades fazendo com que ela possa tomar posse deste patrimônio e efetive a sua preservação.