Ferros Fundidos Nodulares Perlíticos (1)

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Transcrição:

Ferros Fundidos Nodulares Perlíticos (1) Wilson Luiz Guesser (2) Diane Ghisi Hilário (3) RESUMO Discutem-se as diversas alternativas de produção de ferros fundidos nodulares perlíticos, bem como os resultados de propriedades mecânicas obtidos em cada caso (bruto-de-fundição, recozido, normalizado, normalizado + recozido, normalizado de dentro da zona crítica). São discutidos os principais fatores a serem controlados, e comparam-se as propriedades mecânicas de peças obtidas segundo as diversas alternativas. Enfoca-se especialmente a obtenção de nodulares perlíticos brutos-de-fundição, ressaltando-se a necessidade de se disporem de linhas de moldagem com tempo de resfriamento adequado para as peças produzidas. Evidenciam-se ainda os ótimos resultados de propriedades mecânicas obtidas com normalização dentro da zona crítica. 1) Contribuição ao CONAF 99 - ABIFA, São Paulo, out/99. 2) Dr. Eng, M. Eng, Metalurgista Chefe da Fundição Tupy e Professor da Faculdade de Engenharia de Joinville - UDESC. 3) Técnica Metalurgista, estagiária da Fundição Tupy quando da realização deste trabalho. 1

1) Introdução Apresenta-se uma discussão sobre ferros fundidos nodulares perlíticos, as alternativas de processos empregados em sua produção e as propriedades mecânicas resultantes. Para efeitos deste trabalho, denominam-se ferros fundidos nodulares perlíticos aqueles que apresentam perlita na matriz como um microconstituinte desejado para fornecer alguma propriedade. A matriz pode ainda conter quantidades variáveis de ferrita, sendo usualmente através da proporção relativa de ferrita e perlita que se obtém as diversas classes de ferros fundidos nodulares. Deste modo, serão enfocados neste trabalho os nodulares das classes FE 50007 até FE 90002. A obtenção de ferros fundidos nodulares de matriz perlítica pode se dar por diferentes processos, e que podem ser classificados como se segue: Bruto-de-fundição: a matriz na sua condição final é obtida na peça bruta-de-fundição. Recozimento: o material bruto-de-fundição é submetido a um recozimento subcrítico, com o intuito de diminuir a dureza. Ocorrem simultaneamente esferoidização da perlita e decomposição da perlita (em ferrita + grafita) em torno dos nódulos de grafita. Normalização: efetua-se austenitização plena seguida de resfriamento controlado, obtendose com este resfriamento a proporção desejada de perlita e ferrita. Normalização + recozimento: é realizada austenitização plena seguida de resfriamento em condições que resultem em matriz perlítica. Esta matriz é posteriormente condicionada num tratamento de recozimento subcrítico, ocorrendo decomposição parcial da perlita e esferoidização. Normalização de dentro da zona crítica: efetua-se austenitização no campo austenita + ferrita, seguindo-se o resfriamento. A percentagem de perlita é determinada pela quantidade de austenita formada, o que é função da temperatura de tratamento adotada. Discutem-se a seguir as alternativas elencadas, bem como os resultados típicos obtidos em cada caso. Inicia-se com uma revisão das transformações de fase que condicionam a matriz nos nodulares perlíticos. 2) Reações eutetóides estável e metaestável: Os ferros fundidos apresentam a possibilidade de que a reação eutetóide possa se processar segundo duas diferentes alternativas, a saber: Reação eutetóide metaestável: Austenita ferrita + cementita (perlita) Reação eutetóide estável: Austenita ferrita + grafita A reação eutetóide estável ocorre a maiores temperaturas que a metaestável. Como envolve a formação de grafita, fase de difícil nucleação, normalmente tende a ocorrer em torno de partículas pré-existentes de grafita, resultando em ferro fundido nodular na microestrutura denominada de "olho-de-boi", isto é, com a ferrita envolvendo o nódulo de grafita. Em regiões afastadas dos nódulos de grafita, em condições que não proporcionaram tempo para a difusão do carbono até a partícula de grafita, ocorre então a reação eutetóide metaestável, resultando a perlita. Do resultado da competição entre estas duas reações estabelecem-se as proporções de ferrita e perlita, e, portanto, as diferentes classes de ferros fundidos nodulares. A figura 1 ilustra a formação da microestrutura "olho-de-boi" (1). Diversos fatores afetam a ocorrências das reações eutetóides, dentre os quais se destacam: Velocidade de resfriamento: determina o tempo disponível para difusão de carbono na reação eutetóide estável. Deste modo, baixas velocidades de resfriamento favorecem a formação de ferrita na matriz. Número de nódulos de grafita: a distância de difusão para a reação eutetóide estável é determinada pelo número de nódulos, de modo que aumentando este número resulta em maior tendência à formação de ferrita. 2

Teor de silício: o silício aumenta o intervalo de temperatura onde coexistem austenita e ferrita, aumentando assim o intervalo de temperatura para a ocorrência da transformação estável (2); além disso, o silício aumenta sensivelmente a atividade do carbono bem como o número de nódulos de grafita, de modo que a formação de ferrita fica favorecida. Elementos perlitizantes - Sn, Cu, Sb, Mn: seja reduzindo o intervalo de temperatura de coexistência de austenita e ferrita (Mn) ou então formando barreiras sobre as partículas de grafita (Cu, Sn, Sb), os elementos denominados de perlitizantes dificultam a reação eutetóide estável, promovendo assim a presença de perlita. Uma discussão detalhada dos efeitos dos elementos de liga pode ser encontrada na referência (3). Figura 1 - Reações eutetóides estável e metaestável, conduzindo à formação de microestrutura tipo "olho-de-boi" (1 ). Estes são, em essência, os principais fatores que afetam a ocorrência das reações eutetóides estável e metaestável. Discutem-se a seguir as diversas alternativas de processo para a produção de nodulares perlíticos. 3) Estado bruto-de-fundição: Esta alternativa de processo tem sido cada vez mais empregada, devido a razões de custo. Em poucas linhas de moldagem tem-se o recurso de variar o tempo de desmoldagem, de modo que normalmente a principal variável disponível para o fundidor é a composição química, em especial os teores de elementos perlitizantes. Diversas equações são sugeridas na literatura para descrever o efeito conjunto dos elementos perlitizantes, destacando-se o cobreequivalente: Cobre-equivalente = %Cu + 10 x %Sn + 0,5 x %Mn Na tabela I podem-se observar alguns resultados de nodulares brutos-de-fundição (bloco Y), com diferentes teores de Mn, Cu e Si (4). Em todas estas microestruturas, a distribuição de 3

ferrita e perlita é do tipo "olho-de-boi" (figura 2). Altos teores de Mn e de Cu resultam em matrizes predominantemente perlíticas, aumentado-se a resistência mecânica e diminuindo-se o alongamento. No caso do material com altos teores de Mn e de Mo, ocorreu formação de carbonetos intercelulares, obtendo-se valores relativamente baixos de Limite de Resistência e de Alongamento. Tabela I - Resultados de propriedades mecânicas de nodulares brutos-de-fundição. Bloco Y 25 mm, tempo de desmoldagem de 8 h (4). Composição química (%) nódulos/ mm2 Perlita (%) Espaçamento interlamelar (um) LR (MPa) LE (MPa) A (%) 2,57 Si - 0,20 Mn 183 45 0,4 558 365 11,9 2,47 Si - 0,46 Mn - 0,17 Cu 367 56 0,2 582 369 10,0 2,25 Si - 0,45 Mn - 0,58 Cu 246 84 0,2 735 448 6,2 2,71 Si - 0,74 Mn - 0,74 Cu - 0,10 Mo 77 98-697 529 2,1 Figura 2 - Microestrutura de ferro nodular bruto-de-fundição, com matriz de ferrita + perlita ("olho-de-boi"). 500x. Estes resultados podem ainda ser vistos na figura 3, comparativamente aos valores mínimos previstos na norma ABNT. Esta mesma figura mostra ainda resultados obtidos de corpos-de-prova retirados de algumas peças (caixa de satélites de 3,2 kg em FE 60003, girabrequim de 9,4 kg em FE 70002, suporte de freio em FE 50007 e suporte de mola de 2,7 kg em FE 50007). Como mencionado, a produção das diferentes classes de nodulares perlíticos é normalmente feita alterando-se a quantidade de elementos de liga, demonstrando-se (3) que adições isoladas de Mn, Cu ou Sn, a partir de um mesmo metal base, permitem obter as classes de nodulares perlíticos até FE 70002. Além da composição química, outros fatores afetam a presença de perlita em nodulares brutos-de-fundição, e devem ser controlados, como por exemplo o número de nódulos e o tempo de desmoldagem (5). O número de nódulos depende da geometria da peça, inoculação e temperatura de vazamento, além do teor de Si; normalmente não se alteram estes fatores para obter a percentagem de perlita desejada, porém eles devem ser estreitamente controlados. 4

900 800 limite resistência (MPa) 700 600 500 cx satélite 60003 bloco Y 25 mm girabrequim 70002 suporte freio 50007 suporte mola 50007 norma ABNT 400 300 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 alongamento (%) Figura 3 - Resultados de ensaios mecânicos (Limite de Resistência e Alongamento) para nodulares perlíticos brutos-de-fundição. Corpos de prova retirados de blocos Y (25 mm) e de peças brutas-de-fundição. Mostram-se também os resultados mínimos previstos em norma ABNT. O tempo de desmoldagem depende essencialmente das características da linha de moldagem, porém é usual a situação de que a transformação eutetóide ocorra apenas após a desmoldagem, o que conduz a grandes variações na microestrutura. É desejável que o projeto da linha de moldagem seja tal que a reação eutetóide ocorra dentro do molde, em toda a peça, de modo que paradas na linha de moldagem não se reflitam em variações de propriedades mecânicas nas peças. Além disso, a produção de nodulares ferríticos sem tratamento térmico nesta mesma linha de moldagem também exige que a transformação eutetóide ocorra dentro do molde. Deste modo, como a tendência moderna é a obtenção de nodulares perlíticos e ferríticos no estado bruto-de-fundição, o tempo de desmoldagem deve ser considerado já na fase de projeto da fundição. Existem equações que permitiriam prever o tempo de desmoldagem necessário, baseadas no módulo de resfriamento da peça (relação entre volume e área superficial), do tipo: t = k M exp (c). Este tipo de relação pode fornecer um indicativo inicial do tempo de desmoldagem necessário, sendo porém pouco exato, como pode ser visto na figura 4, com dados obtidos de 143 peças produzidas em linha de moldagem com partição vertical. Na verdade o módulo de resfriamento é um parâmetro que descreve bem as condições de solidificação, porém não as de resfriamento posterior, pois regiões de areia confinadas entre diferentes partes da peça ou entre peça e alimentadores já não extraem mais calor quando da reação eutetóide; além disso, partes finas da peça atuam como resfriadores no estado sólido. Existem ainda sistemas de simulação que permitem prever o tempo de desmoldagem necessário, e que podem ser úteis ao fundidor, principamente em casos de peças com as quais não existe experiência prática prévia. 5

140 120 tempo desmoldagem (min) 100 80 60 40 t desm Módulo t desm real 20 0 0 5 10 15 20 25 Módulo (mm) Figura 4 - Relação entre módulo de resfriamento (volume/área de resfriamento) e tempo de desmoldagem. Valores previstos por equação e valores práticos de 143 peças. Linha de moldagem com partição vertical. 4) Recozimento: Quando se trabalha com linhas de moldagem com tempo de desmoldagem inferior ao necessário, é comum a obtenção de peças com dureza superior à especificada, e que necessitam sofrer um tratamento térmico de recozimento. Efetua-se um tratamento sub-crítico, onde ocorre esferoidização parcial da perlita bem como decomposição da perlita (em ferrita + grafita. A decomposição da perlita se dá principalmente em torno dos nódulos de grafita préexistentes, resultando ferrita nestas regiões (figura 5). Figura 5 - Esferoidização e decomposição de perlita em recozimento subcrítico. 500x. 6

Os resultados deste tratamento são muito sensíveis à temperatura de recozimento, bem como à estrutura prévia (% perlita, número de nódulos de grafita, teor de silício). De modo a minimizar variações, o tratamento de recozimento é usualmente efetuado em baixas temperaturas (580-620 ºC), separando-se as peças brutas-de-fundição em lotes de tempos de desmoldagem constantes (percentagem prévia de perlita aproximadamente constante). Na figura 6 são apresentados alguns resultados de peças submetidas a recozimento, para obtenção da classe FE 60003, comparativamente a peças brutas-de-fundição. Verifica-se que, neste caso, o recozimento conduziu a resultados com menor dispersão que na condição brutade-fundição. Um fenômeno que pode acontecer no recozimento é a alteração de dimensões das peças, como pode ser visto na tabela II. A 600 ºC ocorre uma pequena contração, associada a início de esferoidização da perlita. A temperaturas superiores (620 e 640 ºC) verificou-se expansão, com esferoidização da perlita e ferritização em torno dos nódulos. A expansão seria devido à decomposição da cementita da perlita em ferrita e grafita, que ocorre com aumento de volume. Dependendo do componente e da intensidade de ferritização provocada no tratamento térmico, este aumento de dimensões deve ser previsto no ferramental de fundição. 900 800 limite resistência (MPa) 700 600 500 recozido norma ABNT bruto-de-fundição 400 300 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 alongamento (%) Figura 6 - Resultados de propriedades mecânicas após recozimento e brutos-de-fundição. Corpos-de-prova retirados de caixa de satélite em FE 60003. Tabela II - Aumento de dimensões no tratamento térmico de recozimento. Caixa de satélites. Recozimento por 5 h. Variação (em mm) de diâmetros interno, superior e inferior, com valor inicial de 30 mm. Média de 10 peças para cada valor. Tratamento térmico 600 ºC 620 ºC 640 ºC Diâmetro interno Dureza inicial avaliado 207 HB 241 HB Superior -0,006-0,013 Inferior -0,005-0,012 Superior +0,002 +0,004 Inferior +0,000 +0,008 Superior +0,060 +0,079 Inferior +0,053 +0,074 7

5) Normalização em um estágio: A normalização representa uma alternativa para a produção de nodulares perlíticos, e deve ser olhada com atenção no caso de peças submetidas a tratamento de decomposição de carbonetos, pois neste caso tem-se a oportunidade de condicionar a matriz para o aumento de propriedades mecânicas. A normalização ainda é uma opção de processo quando se desejam produzir peças com Limite de Resistência superior a 800 ou ainda a 900 MPa, particularmente com seções espessas, onde a destruição da segregação é uma necessidade (6). A normalização também representa uma alternativa de recuperação de lotes heterogêneos, com dispersão de microestrutura (e de dureza) muito grande. A possibilidade de efetuar a normalização em apenas um estágio, com austenitização plena, depende do controle que se possa ter sobre a velocidade de resfriamento, que vai determinar a proporção entre ferrita e perlita da matriz. A acomodação das peças nos cestos de tratamento térmico é fator de importância neste processo. Além disso, o número de nódulos de grafita e a composição química (teor de Si, teores de elementos perlitizantes) são fatores que devem ser controlados. Na figura 7 são apresentados resultados de nodulares obtidos por normalização em um estágio. A microestrutura neste caso é sempre do tipo "olho-de-boi", e os bons resultados de propriedades mecânicas são devidos à destruição de segregações e diminuição do tamanho das colônias de perlita. 800 19 750 17 700 15 LR e LE (Mpa) 650 600 550 500 450 13 11 9 7 5 ALONG. (%) 400 3 350 1 300-1 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 PERLITA (%) LR (Mpa) LE (Mpa) Al (%) Figura 7 - Resultados de propriedades mecânicas após normalização em uma etapa. Ferro fundido nodular com 2,89% Si - 0,33% Mn - 0,013% Sn - 0,34% Cu. Bloco Y 25 mm. Normalização a 900 ºC 8

6) Normalização + Recozimento: O tratamento térmico consiste em duas etapas, a primeira de austenitização plena e resfriamento promovendo 100% perlita, seguindo-se uma segunda etapa de recozimento subcrítico, efetuando-se decomposição da cementita da perlita e esferoidização da perlita, com diminuição da dureza para os valores especificados. A normalização em duas etapas tem sido tradicionalmente empregada para a produção de nodulares de classes de alta resistência (FE70002 ou acima) (7). Este tratamento é preferido à normalização em um estágio quando é necessário tratar um lote de peças com diferentes geometrias, ou ainda quando não se tem condições de obter velocidades de resfriamento adequadas para as peças em questão. É importante que o forno de recozimento possua boa homogeneização de temperatura, de modo que o lote de peças resulte com propriedades homogêneas. Na figura 8 constam alguns resultados mostrando o efeito da temperatura de recozimento e do teor de silício sobre a dureza após o recozimento. Observa-se que uma variação de teor de silício de 2,55 para 2,80% produziu a mesma diminuição de dureza que um aumento da temperatura de recozimento de 600 para 630 ºC. Neste caso a microestrutura consiste em ferrita em torno dos nódulos e perlita parcialmente esferoidizada. 260 240 dureza HB 220 200 2,55% Si 2,80% Si 180 160 600 630 600 630 temperatura recozimento (C) Figura 8 - Resultados de dureza após normalização (900 ºC, 2 h) e recozimento (2 h). Blocos Y 25 mm. 7) Normalização dentro da zona crítica: A normalização dentro da zona crítica é efetuada com austenitização parcial, no campo de coexistência de austenita + ferrita + grafita, seguindo-se resfriamento ao ar, forçado ou não. O campo de coexistência de austenita + ferrita + grafita é ampliado pelo silício (figura 9), elemento de liga usual em ferro fundido nodular, o que torna factível a realização prática deste tratamento térmico. 9

Figura 9 - Faixa de temperaturas de coexistência de ferrita + austenita + grafita, em função do teor de silício, em ferro fundido nodular (8). Um conjunto de resultados de propriedades mecânicas obtidas com este tratamento, comparativamente a outras técnicas de produção de nodulares perlíticos, pode ser visto na figura 10. Observa-se em particular que os resultados referentes ao girabrequim FE 60003, normalizado na zona crítica, apresentam excelentes combinações de resistência mecânica e dutilidade. 900 800 limite resistência (MPa) 700 600 500 400 girabr FE60003 BF girabr FE60003 norm ZC carc FE50007 BF carc FE50007 recoz carc FE50007 norm ZC norma ABNT 300 200 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 alongamento (%) Figura 10- Resultados de propriedades mecânicas de girabrequim e de carcaça de direção, em nodulares perlíticos, obtidas por diferentes técnicas. 10

Na figura 11 é apresentado outro conjunto de resultados, obtidos em blocos Y (25 mm), relacionando-se as propriedades mecânicas com o percentual de perlita na matriz. Estes resultados foram obtidos efetuando-se tratamentos isotérmicos na zona crítica, aumentando-se a quantidade de perlita com o aumento da temperatura de tratamento isotérmico. Destacam-se os bons valores de propriedades mecânicas obtidos, como por exemplo, LR = 800 MPa e A = 7%, em matriz com 65% perlita; ou ainda LR = 600 MPa e A = 14%, em matriz com 15% perlita. Este último conjunto de resultados é uma característica deste material, a obtenção de classes FE 60003 e FE 70002 com valores relativamente baixos de perlita, o que tem causado, muitas vezes, polêmicas entre fundições e usuários de peças fundidas. A obtenção de elevados valores de resistência mecânica com baixos percentuais de perlita na matriz é devido ao refinamento da perlita, bem como à diminuição do tamanho das colônias de perlita, que ficam confinadas entre as áreas de ferrita formada no tratamento intercrítico (figura 12). 1000 20 900 18 LR e LE (Mpa) 800 700 600 500 16 14 12 10 400 8 300 6 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 90 PERLITA (%) TRAÇÃO ESCOAMENTO ALONGAMENTO Figura 11 - Variação da propriedades mecânicas com a quantidade de perlita. Tratamentos isotérmicos de blocos Y 25 mm, dentro da zona crítica, resfriamento ao ar calmo. Na figura 13 pode-se observar a superfície de fratura de corpos-de-prova de tração, verificando-se que as facetas de clivagem são menores no nodular normalizado na zona crítica, quando comparado ao nodular com normalização em um estágio, o que é devido à diminuição do tamanho das colônias de perlita no primeiro material. 11

Figura 12 - Microestrutura após normalização dentro da zona crítica. 500x. (a) (b) Figura 13 - Superfície de fratura de corpos-de-prova de ensaio de tração. a) normalização em um estágio (78% perlita) b) normalização da zona crítica (75% perlita) Na figura 14 são apresentados resultados de corpo-de-prova retirados de uma placa de suporte de freio ("anchor plate"). O tratamento térmico consistiu em austenitização plena a 900 ºC, resfriamento até 800-820 ºC, manutenção nesta temperatura e resfriamento ao ar. A microestrutura apresenta olho-de-boi (resultante da decomposição da austenita em torno dos nódulos) e ferrita formada no tratamento isotérmico. A quantidade de ferrita foi variada com alteração da temperatura de saída do forno. As propriedades mecânicas atingem valores intermediários entre os típicos de normalização de zona crítica e os de normalização plena. 12

650 27,5 600 25 550 22,5 500 20 LR, LE (MPa) 450 400 350 17,5 15 12,5 Along (%) 300 10 250 7,5 200 5 0 5 10 15 20 25 30 35 perlita (%) LR LE Along Log. (Along) Log. (LE) Log. (LR) Figura 14 - Resultados de propriedades mecânicas em nodular normalizado de dentro da zona crítica, com baixos percentuais de perlita. Corpos-de-prova retirados de vários locais da peça ("anchor plate"). FE 50007. 8) Considerações Finais: Dispõe-se atualmente de diferentes alternativas de processo para a produção de ferros nodulares perlíticos. É claro que, por razões de custo, a obtenção de nodulares perlíticos brutos-de-fundição vai continuar merecendo as principais atenções de novos desenvolvimentos. A análise efetuada neste trabalho mostra que todo o conhecimento metalúrgico desenvolvido sobre a obtenção de nodulares perlíticos brutos-de-fundição, notadamente no que se refere a composição química e inoculação, somente se realiza na prática quando estão disponíveis linhas de moldagem com tempo de desmoldagem suficientemente longos para as peças em questão. Por outro lado, as diferentes alternativas de tratamentos térmicos oferecem possibilidades de obter níveis de propriedades mecânicas diferenciados. Em particular o tratamento de normalização dentro da zona crítica, realizado em equipamentos com bom controle de temperatura, resulta em valores bastante elevados de resistência e dutilidade. Referências Bibliográficas: 1) Johnson, W.C. & Kovacs, B.V. The effect of additives on the eutectoide transformation of ductile iron. Metallurgical Transactions 9A :219-29, feb 1978. 2) Galarreta, I.A ; Boeri, R.E. & Sikora, J.A. Free ferrite in pearlitic ductile iron - morphology and its influence on mechanical properties. International Cast Metals Research, 9 :353-58, 1997. 3) Krüger, M. ; Luckow, I.C. ; Bergmann, S.J. & Souza Santos, A. B. Efeitos de elementos de liga na formação de ferrita e perlita em ferros fundidos nodulares. In: 53 º Congresso Anual da ABM, Belo Horizonte, set 1998. 13

4) Guesser, W.L. Fragilização por hidrogênio em ferros fundidos nodulares e maleáveis pretos. Tese de Doutoramento, EPUSP, 1993. 5) Petry, C.C.M. & Diehl, M.D. Influência do número de nódulos e do teor residual de perlita nos mecanismos de fratura de ferros nodulares ferríticos. In: 53 º Congresso de Metalurgia e Materiais - ABM, Belo Horizonte, 1998. 6) Heck, K. et all. Herstellen von Endmassnah-Gusskurbelwellen - Innovative giesstechnologische Entwicklung. Konstruiren + Giessen, 23 (3):4-12, 1998. 7) Cox, J. Niedriglegierte, wärmebehandelte Gusseisen mit Kugelgraphit mit verbesserten Eigenschaften. Giessere-Praxis (7) :101-109, 1992. 8) Hummer, R. & Westerholt, W. Untersuchungen zur Wärmebehandlung von Gusseisen mit Kugelgraphit unter besonderer Berücksichtigung der Herstellung von GGG-50. Giesserei- Praxis (1/2) :15-20, jan 1979. 14