Estudo Comparativo entre o Líquen Plano e o Carcinoma Epidermóide em Mucosa Bucal

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Estudo Comparativo entre o Líquen Plano e o Carcinoma Epidermóide em Mucosa Bucal Comparative Study Between the Oral Lichen Planus and the Squamous Cell Carcinoma in Oral Mucosa Fernando Augusto Cervantes Garcia de SOUSA Patrícia Campos FONTES Angela BOLANHO Mestrando Programa de Pós-Graduação Biopatologia Bucal Faculdade de Odontologia de São José dos Campos UNESP Luiz Eduardo Blumer ROSA Professor Assistente Doutor Disciplina de Patologia Bucal Faculdade de Odontologia de São José dos Campos - UNESP RESUMO Atualmente, muito tem se discutido sobre a natureza pré-maligna do líquen plano oral. Embora novas linhas de pesquisa tenham sido desenvolvidas nos últimos anos, estamos longe de alcançar um consenso. Se por um lado, estudos recentes afastam a possibilidade de transformação do líquen plano oral em carcinoma epidermóide, por outro, não são poucos os casos relatados na literatura que enfatizam esse potencial. O presente trabalho tem por objetivo traçar um perfil comparativo entre os casos de líquen plano e o carcinoma epidermóide em mucosa bucal dos arquivos de Patologia Cirúrgica da Disciplina de Patologia Bucal da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos - UNESP, na tentativa de se estabelecer uma possível correlação entre ambos. UNITERMOS Líquen plano; carcinoma de células escamosas; mucosa bucal; patologia, lesões INTRODUÇÃO O líquen plano oral é uma doença inflamatória crônica relativamente comum, afetando de 0,5 a 2,0% da população. Entre os pacientes que apresentam lesões bucais, aproximadamente 10 a 45% também desenvolvem lesões cutâneas (PRADO et al. 13, 1999). A maioria dos pacientes acometidos com líquen plano oral é constituída de adultos de meia-idade, sendo raro em crianças. O sexo feminino é mais prevalente na maioria das séries descritas, geralmente em uma razão de 3:2 em relação ao sexo masculino (NEVILLE et al. 11, 2002). Atualmente, muito se discute sobre a natureza prémaligna do líquen plano oral. Embora novas linhas de pesquisa tenham sido desenvolvidas nos últimos anos, estamos longe de alcançar um consenso. Se por um lado, estudos recentes afastam a possibilidade de malignização do líquen plano oral, por outro, não são poucos os casos relatados na literatura que enfatizam esse potencial. Krutchkoff et al. 7 (1978), após uma revisão da literatura, entre 1950 e 1976, a respeito da natureza pré-maligna do líquen plano oral, concluíram não ser possível estabelecer uma correlação segura entre o líquen plano e o carcinoma epidermóide em mucosa bucal devido à falta de dados clínicos e histopatológicos dos casos analisados. 55

Eisenberg & Krutchkoff 4 (1992) afirmam ser pouco provável que o líquen plano oral represente uma condição pré-maligna. Para esses autores muitos casos de líquen plano oral que eventualmente progrediram para carcinoma epidermóide seriam na realidade displasias liquenóides diagnosticadas erroneamente como líquen plano oral. Após revisão da literatura do período entre 1977 e 1999, Van der Meij et al. 17 (1999) encontram trinta e três dos 98 casos relatados (34%) tendo evidências suficientemente documentadas da transformação maligna do líquen plano oral. Os autores chamaram atenção para a necessidade de se estabelecer critérios uniformes para o estabelecimento de um diagnóstico mais preciso da lesão. Somente quando esses critérios estiverem disponíveis e bem definidos será possível realizar um estudo retrospectivo sobre a natureza prémaligna do líquen plano oral. Eisen 5 (2002), após acompanhar 723 pacientes por um período médio de 4,5 anos, observou em seis pacientes (0,8%) o desenvolvimento do carcinoma epidermóide em locais previamente diagnósticos como líquen plano erosivo ao exame clínico. Uma hipótese atual tem relacionado disfunção nos eventos de sinalização como causa de alterações malignas numa variedade de tipos celulares (THOMP- SON 15, 1995; EVAN & LITTLEWOOD 6, 1998). Essa hipótese é suportada pelo encontro de várias proteínas identificadas na via de sinalização que regula o crescimento e divisão celular. Essas proteínas sinalizadoras de apoptose incluem as proteínas supressoras tumorais p53 e a proteína p21 ciclina-dependente de quinase e as oncoproteínas bcl2 e mdm2 (MIYASHITA et al. 10, 1994; LEVINE 9, 1997; EVAN & LITTLEWOOD 6, 1998). Tanda et al. 14 (2000) utilizaram anticorpos p53 tipo selvagem (p53wt); p21waf/cip1 e oncoproteínas bcl2 e mdm2 para descrever a expressão do queratinócito humano de várias proteínas sinalizadoras de apoptose em leucoplasias, líquen plano oral e de mucosa normal como controle. Apoptose foi estudada em todos os casos utilizando-se o método de TUNEL. Os autores encontraram uma marcação pelo bcl2 e mdm2 quantitativamente maior nos queratinócitos das leucoplasias quando comparadas com o líquen plano oral. A expressão da p53wt e p21waf1/cip1 foi maior nos queratinócitos do líquen plano oral do que nas leucoplasias. A maturação dos queratinócitos estava aparentemente normal no líquen plano oral, embora a p53wt e a p21waf1/cip1 exibissem marcação nessas células. A maturação alterada dos queratinócitos foi vista nas lesões leucoplásicas expressando bcl2 e mdm2. Nenhuma diferença significante quanto ao número de células epiteliais apoptóticas foi observada entre as leucoplasias e o líquen plano oral. Frente a isso, concluiu-se que há uma diferença significativa entre as proteínas expressas nas leucoplasias, lesões com comprovado potencial de malignização, e no líquen plano oral. Segundo Allen 1 (1998), antes de causarmos inúmeras noites de insônia às pessoas com líquen plano oral, devemos procurar melhor entender o que é e o que não é o líquen plano oral. A investigação das anomalias genéticas moleculares que sabidamente estão associadas com a carcinogênese e aplicadas, com o controle apropriado, nas lesões clássicas do líquen plano oral, indicarão um caminho correto para uma melhor compreensão, e a partir disso saber se é correto colocar essa condição como um processo pré-maligno ou não. MATERIAL E MÉTODO O objetivo desse estudo foi comparar o líquen plano oral e o carcinoma epidermóide, na tentativa de traçar um perfil dessas lesões e obter uma possível correlação entre ambas, haja vista que inúmeros autores ainda consideram o líquen plano oral como lesão pré-maligna. Para tanto, foram avaliados os laudos de pacientes com diagnóstico histopatológico de líquen plano oral e carcinoma epidermóide, pertencentes aos arquivos da Patologia Cirúrgica da Disciplina de Patologia Bucal da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos UNESP, no período de 1962 a 2003. Para análise dos dados obtidos foram consideradas além do sexo, a faixa etária, a raça, e a localização da lesão. Quanto à localização da lesão, os seguintes sítios foram padronizados: lábio, mucosa jugal, palato, assoalho bucal, língua, gengiva, rebordo alveolar e região de trígono retromolar. Foram utilizados os descritores para raça segundo definição do IBGE. Após levantamento, os dados obtidos foram tabulados e analisados. RESULTADOS No período de 1962 a 2003, dos 7250 laudos emitidos pelo Serviço de Patologia Cirúrgica da Disciplina de Patologia Bucal da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos UNESP, 75 (1,03%) contin- 56

ham o diagnóstico de líquen plano oral e 181 (2,5%) o diagnóstico de carcinoma epidermóide. O líquen plano oral mostrou uma forte predileção pelo sexo feminino (77,33%) ao contrário do que foi observado no carcinoma epidermóide, onde foi evidente a predileção pelo sexo masculino (82,87%). No que se refere à raça, tanto o líquen plano oral, quanto o carcinoma epidermóide parecem acometer preferencialmente pacientes brancos (77,33% e 75,14%, respectivamente). O segundo grupo étnico mais afetado foram os pretos (líquen plano oral, 16%; carcinoma epidermóide, 19,34%). Houve um único caso de líquen plano oral acometendo paciente amarelo (1,33%). Em 5,47% dos laudos analisados não foi mencionada a raça (Tabela 1). Tabela 1 - Distribuição por raça* do número de casos de líquen plano oral e carcinoma epidermóide Líquen Plano Oral Carcinoma Epidermóide n % n % Brancos 58 77,33 136 75,14 Pretos 12 16 35 19,34 Amarelos 1 1,33 0 0 Indeterminado 4 5,33 10 5,52 Total 75 100 181 100 * cor de pele, classes adotadas pelo IBGE (Censo 2000). Quanto à idade, o líquen plano oral apresentou pico de prevalência entre a 4 a e a 5 a décadas de vida (42,23 anos), enquanto que o carcinoma epidermóide entre a 6 a e a 7 a décadas (58,51 anos) (Tabela 2 e Gráfico 1). Tabela 2 - Distribuição por localização do número de casos de líquen plano oral e carcinoma epidermóide Líquen Plano Oral Carcinoma Epidermóide n % n % Lábio 3 4 35 19,34 Mucosa Jugal 46 61,33 13 7,18 Palato 1 1,33 9 4,97 Assoalho Bucal 0 0 24 13,26 Língua 10 13,33 41 22,65 Gengiva 13 17,33 7 3,87 Rebordo Alveolar 1 1,33 18 9,94 Trígono Retromolar 1 1,33 23 12,71 Outras Localizações 0 0 7 3,87 Indeterminado 0 0 4 2,21 Total 75 100 181 100 57

FIGURA 1 - Distribuição por faixa etária do número de casos de líquen plano oral carcinoma epidermóide. A mucosa jugal apareceu como principal sítio de acometimento do líquen plano oral, com 61,33%, seguida pela gengiva (17,33%) e pela língua (13,33%). O carcinoma epidermóide acometeu preferencialmente língua (22,65%), lábio (19,34%), assoalho bucal (13,26%) e região de trígono retromolar (12,71%) (Gráfico 2). FIGURA 2 - Distribuição por localização do número de casos de líquen plano oral e carcinoma epidermóide 58

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO Apesar do líquen plano oral ter sido considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma condição cancerizável, esse assunto ainda suscita inúmeras discussões. Parte disso se deve à falta de critérios bem definidos para o diagnóstico de líquen plano oral, e parte se deve a uma documentação incompleta na maioria dos casos relatados na literatura (KRUTCHKOFF & EISENBERG 8, 1985; VAN DER MEIJ 17, 1999). Analisando nossa casuística pudemos observar que o líquen plano oral mostrou maior prevalência em mulheres, brancas, entre a 4 a e a 5 a décadas de vida, sendo a mucosa jugal o principal sítio da doença. Por outro lado, o carcinoma epidermóide acometeu, na maioria das vezes, homens, brancos, entre a 6 a e a 7 a décadas de vida. As localizações de maior incidência foram a língua, lábio, assoalho bucal e região de trígono retromolar, totalizando 68% dos casos estudados. Esses achados corroboram àqueles recentemente observados por Parise 12 (2000) e Neville et al. 11 (2002). Concordamos plenamente com Eisenberg & Krutchkoff (1992) 4, que apontaram para o fato de que muitas das lesões diagnosticadas como líquen plano oral seriam na verdade displasias liquenóides, lesões essas de caráter eminentemente pré-malignas. Outro fato enfatizado em pesquisas recentes têm sido relacionado as alterações genéticas presentes no líquen plano oral, especialmente as alterações nas proteínas que regulam os mecanismos de apoptose, que poderiam ser utilizados como marcadores de diferenciação com os carcinomas epidermóides. Nesse aspecto, Bronner et al. 2 (1995) sugeriram que alterações genéticas de proteínas reguladoras da apoptose precederiam eventos morfológicos que levariam à neoplasia epitelial. Além disso, Cruz et al. 3 (1998) salientaram que a expressão suprabasal da p53 em mucosa oral era um evento precoce na transformação maligna, e portanto, teria um valor preditivo nos casos iniciais de carcinoma epidermóide. Posteriormente, Tanda et al. 14 (2000), observaram uma hiperexpressão da p53 no líquen plano oral, fato confirmando por Valente et al. 16 (2001), que relacionaram a hiperexpressão da p53 a um risco maior de malignização. Para Parise 12 (2000), numerosas mutações relacionadas à p53, ao mesmo tempo em que geraram uma diminuição na sua atividade, acarretaram paradoxalmente em um aumento da sua meia-vida biológica, facilitando desta maneira sua detecção. Os autores concluíram que o aumento da expressão da p53, via de regra, significava alteração na sua atividade. O autor citou ainda que, segundo a literatura, 10 a 80% dos carcinomas epidermóides de cabeça e pescoço apresentaram imunopositividade para a proteína p53. Os dados observados em nosso estudo não foram suficientemente conclusivos para estabelecermos uma correlação mais precisa entre o líquen plano oral e o carcinoma epidermóide, quando analisados frente a sexo, raça, idade e localização. Porém, este estudo nos possibilitou traçar um perfil atual dos casos pertencentes aos arquivos de Patologia Cirúrgica desta Faculdade. A observação e a experiência da rotina diária de histopatologia, somado à experiência dos profissionais de propedêutica clínica dessa Instituição, nos levam a crer cada vez mais na hipótese do líquen plano oral não ser uma lesão pré-maligna. Os casos raros dessa transformação relatados na literatura, poderiam estar relacionados principalmente ao erro do diagnóstico histopatológico. Porém vale destacar que, em alguns casos poderíamos estar frente a uma situação de sobreposição de quadros histopatológicos, que em outras palavras significaria que, aquelas áreas do epitélio já estariam programadas para o desenvolvimento de carcinoma epidermóide, independentemente da ocorrência anterior de um quadro de líquen plano oral. Esse estudo nos permitiu apontar os locais que merecem uma atenção redobrada do clínico durante a realização do exame das estruturas da cavidade bucal. Acreditamos que em breve, a detecção da p53 no líquen plano oral poderá servir como uma ferramenta útil, podendo auxiliar conjuntamente o patologista e o clínico a realizarem um prognóstico mais preciso em relação as chances de malignização dos casos de líquen plano diagnosticados, principalmente o tipo erosivo. 59

ABSTRACT A lot of questions concening premalignant nature of the oral lichen planus have been discussed for the last decades. Although new lines of research and differents aprroaches have been developed in the last few years, we are far to reach a general consensus. Recent studies are stressing the main point about a possible malignant transformation in some areas of the oral lichen planus. On the other way, there are quite few cases in the literature really analysing and discussing that potential. The aim of this paper was to carry on a comparative study between oral lichen planus and squamous cell carcinoma, in attempt to give us an individual profile for each lesions and establish a possible correlation between them. Our clinical and pathologycal experiences showed us that oral lichen planus transformation, if does exist, is a rare situation, more related with misdiagnosis. UNITERMS Lichen planus; carcinoma, squamous cell; mouth mucosa; pathology; lesion Referências 1. Allen CM. Is lichen planus really premalignant? Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod 1998; 85(4): 347. 2. Bronner MP, Culin C, Reed JC, Furth EE. The bcl-2 proto-oncogene and the gastrointestinal epithelial tumor progression model. Am J Pathol 1995; 146(1): 20-6. 3. Cruz IB, Snijders PJ, Meijer CJ, Braakhuis BJ, Snow GB, Walboomers JM et al. P-53 expression above the basal cell layer in oral mucosa is an early event of malignant transformation and has predictive value for developing oral squamous cell carcinoma. J Pathol 1998; 184(4): 360-8. 4. Eisenberg E, Krutchkoff DJ. Lichenoid lesions of oral mucosa. Diagnostic criteria and their importance in the alleged relationship to oral cancer. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1992; 73(6): 699-704. 5. Eisen D. The clinical features, malignant potential and systemic associations of oral lichen planus: a study of 723 patients. J Am Acad Dermatol 2002; 46(2): 207-14. 6. Evan G, Littlewood T. A matter of life and cell death. Science 1998; 281(5381):1317-22. 7. Krutchkoff DJ, Cutler L, Laskowski S. Oral lichen planus: the evidence regarding potential malignant transformation. J Oral Pathol 1978; 7(1): 1-7. 8. Krutchkoff DJ, Eisenberg E. Lichenoid dysplasia: a distinct histopathologic entity. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1985; 60(3): 308-15. 9. Levine AJ. P-53, the cellular gatekeeper for growth and division. Cell 1997; 88(3): 323-31. 10. Miyashita T, Harigai M, Hanada M, Reed JC. Identification of a p-53 dependent negative response element in the bcl-2 gene. Cancer Res 1994; 54(12): 3131-5. 11. Neville BW, Damm DD, Allen CM, Bouquot JE. Oral Maxillofac Pathol Phipadel: W. B. Saunders; 2002. 12. Parise O. Câncer de boca: aspectos básicos e terapêuticos. São Paulo: Sarvier; 2000. 13. Prado JD, Boraks S, Blachman IT, Lopes MA. Líquen plano bucal: aspectos de importância para o cirurgião-dentista. Rev Odontol UNI- CID 1999; 11(1): 51-8. 14. Tanda N, Mori S, Saito K, Ikawa K, Sakamoto S. Expression of apoptotic signaling proteins in leukoplakia and oral lichen planus: quantitative and topographical studies. J Oral Pathol Med 2000; 29(8): 385-93. 15. Thompson CB. Apoptosis in the pathogenesis and treatment of disease. Science 1995; 267(5203): 1456-62. 16. Valente G, Pagano M, Carrozzo M, Carbone M, Bobba V, Palestro G et al. Sequential immunohistochemical p-53 expression in biopsies of oral lichen planus undergoing malignant evolution. J Oral Pathol Med 2001; 30(3): 135-40. 17. Van der Meij EH, Schepman KP, Smeele LE, Van der Wal JE, Bezemer PD, Van der Waal I. A review of the recent literature regarding malignant transformation of oral lichen planus. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod 1999; 88(3): 307-10. Recebido em: 11/02/04 Aprovado em: 04/05/04 Fernando Augusto Cervantes Garcia de Sousa Rua Irmã Maria Demétria Kfuri, 196. CEP: 12245-000 São José dos Campos-SP. Tel.: (0XX12) 3921-4694 facgs@uol.com.br 60