VARIABILIDADE CLIMÁTICA DA TEMPERATURA NO ESTADO DE SÃO PAULO Amanda Sabatini Dufek 1 & Tércio Ambrizzi 2 RESUMO Para analisar as possíveis tendências climáticas da temperatura no Estado de São Paulo, calcularam-se cinco índices climáticos baseados nos dados diários de temperatura máxima e mínima através do software RClimDex. Através do método dos mínimos quadrados determinou-se a tendência anual e sazonal da temperatura máxima e mínima, bem como dos seus respectivos índices climáticos. Neste trabalho utilizou-se um período mais longo de dados diários de temperatura e outro mais curto (1990-2002). O presente estudo indica possíveis variações climáticas na tendência anual da temperatura máxima e mínima no Estado de São Paulo, apontando para uma tendência a condições mais quentes. Em relação à temperatura máxima, o estudo mostra um aumento da temperatura máxima associado à diminuição de dias frios nos 13 anos recentes, sendo mais pronunciada nos meses de inverno. Em relação à temperatura mínima, os resultados apontam para um aumento da temperatura mínima associado à diminuição de noites frias durante os 13 anos recentes, principalmente nos meses de verão. Para o período mais longo, obtiveram-se resultados similares embora o número de estações estudadas seja consideravelmente menor. ABSTRACT In order to study the temperature climate trends over Sao Paulo State, a suite of climate change indices derived from daily data of maximum and minimum temperatures were calculated by using a specially designed software. Maps of trends were analyzed for recent time series (1990-2002) and longer ones. The slopes of the annual trends of the climate indices were calculated by least square linear fitting. The pattern of trends for the annual temperature indices indicates change to warm conditions in Sao Paulo State over the two periods. The results of the maximum temperature for recent time series show that positive trends occur for annual and seasonal analysis though they are most 1 Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo, 11 3091-2852, amanda@model.iag.usp.br, Rua do Matão, 1226, Cidade Universitária, São Paulo - Brazil. 2 Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo, 11 3091-4696, ambrizzi@model.iag.usp.br, Rua do Matão, 1226, Cidade Universitária, São Paulo - Brazil. 1
pronounced for June to August related to a significant decrease in the occurrence of cold days. The minimum temperature shows positive trends in the annual and seasonal analysis between 1990 and 2000 being most pronounced in the austral summer, associated with a decrease in cold nights. The analyses of the maximum and minimum temperatures for long time series indicate similar results despite of a significant decrease in the number of meteorological stations available. Palavras-Chave: Índices Climáticos, Temperatura, Estado de São Paulo. INTRODUÇÃO Uma das grandes preocupações da comunidade científica na última década diz respeito às alterações climáticas e suas conseqüências para a humanidade. Nos últimos anos, tem-se discutido os fatores responsáveis pela variabilidade climática de longo prazo observada no último século, atribuindo-se às atividades humanas a responsabilidade por parte destas mudanças. No entanto, devemos levar em conta também, uma possível variabilidade climática natural, uma vez que a magnitude do sinal associada a ela nos registros climáticos existentes, ainda não foi bem determinada (IPCC, 1996, 2001). Existem atualmente vários estudos sobre variação de temperatura a partir do início do século, onde escalas continentais, hemisféricas ou globais foram enfatizadas (p.ex., Jones et al, 1999). De forma geral, é consenso atualmente que mudanças climáticas na temperatura tem um impacto direto e significativo na humanidade, cujas variações freqüentemente resultam em repercussões econômicas, no meio ambiente, sociais e políticas. Esta importância justifica uma análise mais detalhada de sua variabilidade climática, principalmente no Estado de São Paulo, enfocando as causas de tais variações como um meio para entender futuras mudanças. DADOS E METODOLOGIA Foram utilizados dados de temperatura diária de 20 estações meteorológicas do Instituto Agronômico de Campinas IAC e da estação meteorológica da Água Funda. A distribuição geográfica das estações meteorológicas utilizadas estão mostradas na Fig. 1, sendo que as estações da Fig. 1b apresentam um período igual ou superior a 30 anos de dados diários de temperatura máxima e mínima, enquanto que as da Fig. 1a, apresentam dados completos no período de 1990 a 2002. 2
A partir do software RClimDex (Vincent et al, 2005) calculou-se cinco índices climáticos referentes às temperaturas extremas, cujas definições estão apresentadas na Tabela 1. O grau de inclinação da reta de tendência positivo ou negativo das séries temporais da média anual e sazonal da temperatura máxima e mínima, bem como dos seus respectivos índices climáticos foi calculado através do método dos mínimos quadrados. O site http://ccma/seos.uvic.ca/etccdmi fornece descrições dos índices climáticos, detalhes de procedimentos do controle de qualidade e referências à literatura relevante. Tabela 1: Definição dos índices climáticos referentes às temperaturas extremas. Tmax e Tmin são temperatura máxima e mínima diária, respectivamente. Elemento Índice Definição Unidade Tmax Dias quentes (TX90P) Porcentagem de dias com Tmax > 90th percentis % Dias frios (TX10P) Porcentagem de dias com Tmax < 10th percentis % Tmin Noites frias (TN10P) Porcentagem de dias com Tmin < 10th percentis % Ambos Noites quentes (TN90P) Porcentagem de dias com Tmin > 90th percentis % Amplitude da temperatura diurna (DTR) Média da diferença entre a Tmax e Tmin ºC a) b) Fig. 1: (a) Distribuição geográfica das 20 estações meteorológicas do IAC e da estação meteorológica da Água Funda (nº 2), que apresentam dados completos no período de 1990 a 2002. (b) Distribuição geográfica das seis estações meteorológicas do IAC e da estação meteorológica da Água Funda (nº 2), que apresentam um período igual ou superior a 30 anos de dados diários de temperatura mínima e máxima. RESULTADOS E DISCUSSÃO A Fig. 2 mostra o mapa da tendência anual da temperatura máxima e mínima e dos índices climáticos DTR, TN10P, TN90P, TX10P e TX90P para as estações meteorológicas apresentadas na Fig. 1b durante um período igual ou superior a 30 anos. Os pontos vermelhos indicam tendência positiva, e os azuis, tendência negativa, sendo os seus diâmetros proporcionais à magnitude da tendência, conforme escala apresentada na figura. 3
a) b) c) d) e) f) g) Fig. 2: Tendência anual (a) da temperatura máxima, (b) da temperatura mínima e dos índices climáticos (c) DTR, (d) TN10P, (e) TN90P, (f) TX10P e (g) TX90P para as sete estações meteorológicas que apresentam um período igual ou superior a 30 anos de dados diários de temperatura mínima e máxima (Fig. 1b). Os pontos vermelhos indicam tendência positiva, e os azuis, tendência negativa, sendo os seus diâmetros proporcionais à magnitude da tendência. Em relação aos índices climáticos, o resultado que emerge da Fig. 2 mostra que os índices TN10P e TN90P, ambos baseados nos dados diários de temperatura mínima, apresentam tendência anual negativa e positiva significativas, respectivamente, nas sete estações meteorológicas localizadas no nordeste e sudeste do Estado de São Paulo. Através do estudo da tendência sazonal observou-se que os índices TN10P e TN90P apresentam o predomínio de tendência negativa e positiva, respectivamente, tanto nos meses de verão (DJF) e inverno (JJA) quanto nos meses de transição (MAM & SON), sendo mais pronunciada nos meses de verão e outono. Portanto, os índices climáticos TN10P e TN90P apontam para um aumento da temperatura mínima associada à diminuição do número de ocorrência de dias mais frios e ao aumento dos extremos mais quentes da temperatura mínima durante, pelo menos, os 34 anos recentes, sendo mais bem definida nos meses de verão e outono. A Fig. 3 mostra o mapa da tendência anual da temperatura máxima e mínima e dos índices climáticos DTR, TN10P, TN90P, TX10P e TX90P para as estações meteorológicas apresentadas na Fig. 1a durante o período de 1990 a 2002. 4
a) b) c) d) e) f) g) Fig. 3: Tendência anual (a) da temperatura máxima, (b) da temperatura mínima e dos índices climáticos (c) DTR, (d) TN10P, (e) TN90P, (f) TX10P e (g) TX90P para as 20 estações meteorológicas do IAC e para a estação meteorológica da Água Funda durante o período de 1990 a 2002 (Fig. 1a). Os pontos vermelhos indicam tendência positiva, e os azuis, tendência negativa, sendo os seus diâmetros proporcionais à magnitude da tendência. A partir da Fig. 3 verifica-se que os índices climáticos TN10P e TX10P mostram que a porcentagem de dias em que a temperatura mínima e máxima, respectivamente, estiveram abaixo dos 10 percentis está diminuindo em mais de 85% das estações meteorológicas estudadas durante o período de 1990 a 2002. Através do estudo da tendência sazonal observou-se que embora o índice climático TN10P apresente tendência sazonal negativa durante o período de inverno e primavera em um maior número de estações meteorológicas, a tendência negativa do índice é mais significativa nos meses de verão. O índice climático TX10P adquire tendência negativa em mais de 80% das estações estudadas nos meses de verão e inverno, assim como nos meses de transição, sendo mais significativa nos meses de inverno. Este resultado, por sua vez, explica a tendência sazonal positiva da temperatura máxima ser mais pronunciada nos meses de inverno, particularmente nas regiões norte e central do Estado de São Paulo. Portanto, o índice climático TN10P aponta para um aumento da temperatura mínima associada à diminuição de noites frias, enquanto que o índice climático TX10P aponta para um aumento da temperatura máxima associada à diminuição de dias frios nos 13 anos recentes. Os demais índices climáticos não apresentaram resultados significativos. 5
CONCLUSÃO O presente estudo indica possíveis variações climáticas na tendência anual da temperatura máxima e mínima no Estado de São Paulo, apontando para uma tendência a condições mais quentes. Em relação à temperatura mínima, os resultados mostram um aumento da temperatura mínima associado à diminuição de noites frias (TN10P) e ao aumento de noites quentes (TN90P) nas estações meteorológicas localizadas no nordeste e sudeste do Estado de São Paulo durante, pelo menos, os 34 anos recente, onde os índices climáticos TN10P e TN90P apresentam tendências mais pronunciadas nos meses de verão e outono. A temperatura mínima também está aumentando durante os 13 anos recentes (1990 a 2002) devido à diminuição de noites frias, principalmente nos meses de verão. Em relação à temperatura máxima, os resultados apontam para um aumento da temperatura máxima, particularmente nas regiões norte e central do Estado de São Paulo, associado à diminuição de dias frios (TX10P) nos 13 anos recentes (1990 a 2002), sendo mais pronunciada nos meses de inverno. Uma análise sobre o crescimento urbano nas cidades e as mudanças no uso do solo, assim como seus impactos no clima local, ainda se faz necessária, a fim de descrever em detalhes as diferenças gerais obtidas entre os resultados de cada estação meteorológica. AGRADECIMENTOS Agradecemos à FAPESP, processo número 04/01851-5, pela bolsa de IC concedida. T.A. agradece ao suporte financeiro da FAPESP, CNPq e IAI, através do projeto CRN055. A.S.D. também agradece ao Dr. Edmilson Dias de Freitas e ao Eder Paulo Vendrasco pelo apoio computacional necessário à realização deste trabalho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Intergovernamental Panel on Climate Change IPCC, 2001: Climate Change 2001: The Scientific basis IPCC WG. Cambridge Univ. Press, 881pp. Intergovernamental Panel on Climate Change IPCC, 1996: Climate Change 1996: Impacts, Adaptations and Mitigation of Climate Change. Cambridge Univ. Press. Jones, P.D., e K.R. Briffa, 1988: Global surface air temperature variations over the twentieth century: Part I spatial, temporal and seasonal details. Holocene, 2, 165-179. Vincent, L.A. et al., 2005: Observed trends in indices of daily temperature extremes in South America 1960-2000. Journal of Climate (printing process). 6