SEGUIMENTO DOS INDIVÍDUOS QUE TENTARAM SUICÍDIO: A EXPERIÊNCIA DE CONTATOS PERIÓDICOS POR TELEFONE Marisa Lúcia Fabrício Mauro, Neury José Botega, Carlos Filinto da Silva Cais Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria FCM/UNICAMP Campinas, SP Brasil mmauro@fcm.unicamp.br INTRODUÇÃO O programa SUPRE foi iniciado em 1999 com iniciativa da OMS para prevenção do suicídio. Uma das justificativas deste estudo é que intervenções com pacientes psiquiátricos tais como a depressão grave são vantajosas, em termos de custos, e podem ser integradas a abordagens terapêuticas na atenção primária. Prevenção de tentativa de suicídio (TS) é uma questão difícil para a saúde mental. Identificar intervenções específicas pode reduzir morbidade e mortalidade por suicídio e melhorar a eficiências dos serviços de saúde. OBJETIVO Verificar diferenças nas taxas de TS entre dois grupos que tentaram suicídio: de Intervenção Breve (IB) e de Tratamento Usual (TU), num período de 18 meses. MÉTODO Estudo de intervenção breve realizado com 187 pacientes entrevistados quando do atendimento no Pronto Socorro-PS por Tentativa de Suicídio, distribuídos aleatoriamente em grupos de IB e TU, ambos informados que seriam procurados via telefone pela psicóloga para responder a um questionário (IB - 9 telefonemas: 1, 2, 4, 7, 11 semanas e 4, 6, 12 e 18 meses e os TU - 02 telefonemas no período de 18 meses: 6 e 18 meses). Os pacientes do grupo IB foram encaminhados ao ambulatório de Psiquiatria para um primeiro contato com a Psicóloga após liberado do PS para a Intervenção Breve. Foi utilizado, como instrumento um roteiro de entrevista elaborado pela equipe do SUPRE- MISS da OMS para obter as informações durante os telefonemas ou visitas; um roteiro para sessão de informação básica fornecida de modo estruturado; uma brochura com informações sobre comportamento suicida que era entregue aos pacientes do grupo de IB junto com uma relação de telefones de emergência dos postos de saúde de Campinas e
da Psiquiatria do HC da UNICAMP. Foi utilizado o referencial da Terapia Cognitivo- Comportamental para fazer as intervenções durante o seguimento. RESULTADOS No período de acompanhamento da amostra, 18 meses, tivemos 43 pessoas (23,12%) com novas tentativas de suicídio. No Grupo de IB: 26 (60,5%) sendo 20 sujeitos do sexo feminino e 6 do sexo masculino. No Grupo de TU: 17 indivíduos (39,5%) sendo 13 do sexo feminino e 4 do sexo masculino. Durante o período de acompanhamento faleceram 6 pessoas (3 IB e 3 TU). Os motivos relatados por familiares, do falecimento foram: Tabela 1- Causas do falecimento de sujeitos do estudo. Grupo de Intervenção Breve Grupo de Tratamento Usual (1 feminino-f; 2 masculino-m) (2 femininos-f; 1 masculino-m) 1-metástase -F 1-afogada (suicídio?)- F 2-problema respiratório-m 2-enforcou-se - F 3-infecção urinária- M 3-abuso bebida + medicação - M No início os telefonemas eram mais freqüentes, quando perguntado sobre novas tentativas de suicídio, muitos respondiam que SIM, representando um desejo de morrer. Nesta oportunidade lidávamos com os desejos de morte e de vida ). Estes dados nos levaram a levantar a hipótese de que os contatos por telefone dão oportunidade dos sujeitos relatarem os seus desejos de morte, o que era muitas vezes confundido com planos de morte, houve casos de terem relatado seus planos a nível de desejos do que propriamente tentativas de suicídio, algumas delas só viemos a descobrir que eram apenas desejos durante o grupo de apoio onde pacientes podia falar mais abertamente do que por telefone. Para o grupo IB oferecemos telefonemas e plantão psicológico quando necessário. Tivemos 45 procuras espontâneas no Plantão Psicológico. Ao final dos 18 meses, todos os sujeitos (IB e TU) foram convidados a participar de um grupo de apoio que só se encerrou 6 meses após o final da intervenção. As conversas durante os telefonemas, além dos dados do questionário tinham como principais temas: 1-O relacionamento com os familiares; 2- A dependência química; 3- O desemprego; 4- Os sintomas psiquiátricos (depressão grave, insônia, crises pânico e
outras) ; 5- Sobre crises de alucinação; 6- A falta de Aderência ao tratamento medicamentoso; 7- Os preconceitos; 8- A solidão e rejeição; 9- Os problemas referentes ao transtorno alimentar (obesidade, bulimia) com comorbidade depressiva; 10- A epilepsia como impedimento da felicidade; 11- As dificuldades enfrentadas pela doença e o tratamento; 12- Os problemas de Insônia ou sonolência e a relação com não adaptação à medicação; 13- Os sentimentos de culpa por não estar com a guarda dos filhos e a TS como manutenção destes sentimentos; 14- As crises de pânico; 15- A Incapacidade para o trabalho e dificuldades até para sair só; 16- A dificuldade para se inserir em tratamento ;17- Compartilhavam alegrias também e as melhoras. Criamos uma rede de apoio para desenvolver o trabalho e para oferecer o suporte necessário aos sujeitos e ao trabalho da pesquisadora: - Encaminhamos ofício ao serviço de transporte do hospital (para agendamento das visitas domiciliares); Solicitamos a colaboração do Serviço Social (em casos de doação de alimento, vale transporte; informações jurídicas e trabalhistas, entre outras); Junto com o serviço social implantamos uma sala de espera semanal com atividades manuais (tricô, crochê, pintura, biskuit, tapeçaria, e outras.); Buscamos atividades alternativas na cidade ou nas localidades onde moravam os pacientes tais como cursos gratuitos na cidade, grupos apoio, etc.; Realizamos encaminhamentos específicos: para rede saúde da cidade, ambulatório de psiquiatria, tanto para o paciente como para familiar e/ou pessoas de apoio; Foi solicitado à recepção para encaminhar ou permitir a entrada de pacientes do estudo, para serem atendimentos mesmo sem o agendamento e para tanto encaminhado memorando à portaria do HC para liberar pacientes que referissem fazer parte da pesquisa do SUPRE-MISS, sem agendamento. Algumas dificuldades encontradas na intervenção: inicialmente o local para fazer os telefonemas era no corredor do departamento e tínhamos muito barulho, gozações pois as pessoas ouviam o bate papo; Dificuldade em definir o que o sujeito afirmava como TS (TS ou ideação suicida?); Mudanças freqüentes de número do telefone e do endereço; Dificuldade para desistir do contato com o sujeito quando não era encontrado; Os problemas dos outros que apareciam tais como familiares e amigos e que acabavam gerando demandas para pesquisadora mas que foram importantes para diminuir o estresse do paciente e deste ter tempo em cuidar de si. Outra dificuldade foram as visitas, o local das visitas (inesperados) como casa de prostituição, local de trabalho, favela, lugares perigosos, aguardar o culto para falar com paciente. Também tínhamos que ter cuidado ao falar ao telefone para evitar problemas referentes à quebra do sigilo
Durante os contatos telefônicos ou visitas, buscávamos dar ênfase nas Interpretações alternativas para situações vivenciadas negativamente; mostrar a responsabilidade do paciente para a mudança; identificar recursos internos (característica personalidade, físicas, competências) e externos (família, amigos, grupos) para solução dos problemas; Discutir as possíveis soluções, vantagens e desvantagens de cada opção na solução dos problemas; lidar com a desesperança e a visão negativa do futuro (influência das memórias passadas, supergeneralizadas); Introduzindo detalhes não percebidos pelo paciente nas situações difíceis ou de estresse; Desfazendo distorções e proporcionando a reestruturação cognitiva. CONCLUSÕES: O resultado do trabalho revela que não há diferenças nas taxas TS entre grupos de IB e TU. Apesar dos resultados, podemos afirmar que as informações, os telefonemas e o plantão para atendimentos individuais foram decisivos para impedir novas tentativas de suicídio e TS mais graves. O apoio oferecido, por telefone ou pessoalmente à solicitação de ajuda em situações de emergência ou de desejo de morrer foram fundamentais para lidar com os aspectos psicológicos que mantêm o comportamento suicida: a ambivalência entre morrer e viver, a impulsividade e os pensamentos e sentimentos disfuncionais (depressão, desesperança, desamparo e desespero). Muitos dos pacientes melhoravam sua auto-estima e, através de técnicas como a resolução de problemas, podiam resolver muitos dos problemas mais emergentes e conseqüentemente de sua vida. Alguns dos seguimentos se prolongaram por até 6 meses, revelando que a vinculo facilita a aceitação de novas maneiras de ver a vida e os problemas além da morte. Podemos afirmar que as informações, os telefonemas e o plantão para atendimentos individuais foram decisivos para impedir TS mais graves. Estar atenta e intervir foi muito bem aceito por todos. Alguns que estavam em psicoterapia gostavam dessa interação mais simétrica e ativa de nossa parte. O vínculo, a escuta e a atividade terapêutica motivadora facilitaram a aceitação de novas maneiras de ver a vida e seus problemas, além da morte. Palavras-Chave: tentativa de suicídio; intervenção breve; telefonemas. Bibliografia 1. Barros, M B A; Oliveira, H B O & Marin-Leòn, L Epidemiologia no Brasil. In: Werlang, BG; Botega, N J e Col. Comportamento Suicida. Porto Alegre: Artmed; 2004. p. 45-58.
2. Bertolote, J M; Fleischmann, A.; De Leo, D.; Wasserman, D.; Phillips, M.; Botega, N. J.; et alis 'Brief Intervention and Contact' for suicide attempters effective? The experience from seven culturally different emergency care settings. 3- Botega, N.J.; Mauro, M. L. F.; Cais, C F S. Estudo multicêntrico de intervenção no comportamento suicida Supre-Miss Organização Mundial da Saúde. In: Werlang, BG; Botega, N J e Col. Comportamento Suicida. Porto Alegre: Artmed; 2004. p.177-182