2 PESSOA JURÍDICA O LOCAL DE APLICAÇÃO DOS CONHECIMENTOS CONTÁBEIS No capítulo anterior, constatamos que o Contador, o Economista e o Administrador aplicam os seus conhecimentos nas Pessoas Jurídicas, para proteger o patrimônio monetário dessas pessoas, que é composto por bens, direitos e obrigações. O Estado criou a Pessoa Jurídica para que essa, e com exclusividade, pudesse desenvolver todas as atividades, exceto o trabalho, já que essa função foi delegada à Pessoa Física, que tem por atribuição somente exercer o seu próprio trabalho. A Pessoa Física não pode exercer economicamente o seu trabalho, que só pode ser adquirido pelo consumidor final, ou seja, o seu trabalho não pode ser objeto de revenda. Para que alguém possa revender o trabalho de uma Pessoa Física, é necessário criar uma Pessoa Jurídica. Contudo, nem todo trabalho pode ser explorado economicamente, e, por isso, é necessário compreender o significado das expressões trabalho liberal e trabalho comum. Do mesmo modo, não podemos confundir profissional liberal com profissional autônomo. Trabalho comum é aquele que qualquer um pode executar. Assim, todo trabalho comum pode ser explorado economicamente, pois para realizálo, não há necessidade de habilitação profissional. Por exemplo, qualquer pessoa pode exercer as funções de sapateiro, jardineiro, gari ou zelador, pois essas profissões não são regulamentadas. Seu exercício não está subordinado a qualquer vínculo com a legislação do ensino. Para exercer as funções referidas, basta dominar as técnicas necessárias para a execução desses serviços. E, para exercer esse ofício como autônomo ou como Pessoa Jurídica, basta requerer o registro nessa função junto ao órgão público competente (prefeitura, cartório ou junta comercial). Como qualquer pessoa
pode exercer essas profissões, independentemente do seu grau de instrução ou ensino formal, é possível, através de uma Pessoa Jurídica, explorar a mãode-obra excedente, vendendo-a e obtendo-se lucro. É por isso que se diz que, ao exercer atividade econômica, a Pessoa Jurídica, nesse caso, realiza venda de serviço. Atividade econômica, portanto, é a atividade não intelectual intermediada com a finalidade de obter remuneração do capital (recursos monetários) aplicado. Por isso, o profissional que exerce um trabalho comum pode, se assim desejar, tornar-se Pessoa Jurídica, trabalhar para uma Pessoa Jurídica como empregado ou vender o seu trabalho diretamente ao consumidor final como autônomo. O profissional autônomo é o profissional que exerce suas atividades por seus próprios meios. Isso é, quando há inteira liberdade de ação. O profissional trabalha como patrão de si mesmo, correndo ele próprio o risco de sua atividade. O trabalho do autônomo é consumido, utilizado pelo contratante. O profissional autônomo pode exercer uma atividade liberal (Contador, Administrador, Economista, Médico, etc.), ou uma atividade comum (barbeiro, sapateiro, alfaiate, pintor, etc.). Por isso, não devemos confundir o autônomo com o profissional liberal, mesmo sabendo que um profissional liberal pode exercer suas atividades como autõnomo. Para ser considerado autônomo, o profissional deve possuir autonomia funcional. O profissional autônomo não tem de cumprir horário de trabalho, apresentar produtividade mínima, comparecer obrigatoriamente ao local de trabalho, etc. O profissional autônomo não tem de obedecer a ordens, de ser submisso às determinações do empregador. Age com autonomia na prestação dos serviços, ficando por sua conta o risco (os ganhos ou as perdas) pelo exercício de suas atividades. Legalmente, para poder trabalhar como autônomo, o profissional deve possuir autorização do órgão municipal competente. O profissional liberal define-se pela insubordinação técnica, ou seja, a fiscalização de seu exercício profissional é realizada apenas pelo respectivo conselho de fiscalização profissional. O conselho substitui o patrão na fiscalização do trabalho. É o conselho que examina se o 26
Fundamentos de Escrituração e Elaboração das Demonstrações Contábeis profissional está fazendo a coisa certa. Logo, todos os profissionais liberais têm um órgão federal de fiscalização e habilitação do exercício da profissão. Assim: 1. Um profissional liberal, quando no exercício de suas atividades, mesmo quando sob vínculo empregatício, não está subordinado ao patrão; ele desenvolve suas funções com independência técnica, sendo fiscalizado exclusivamente pelos órgãos de fiscalização profissional (os Conselhos). Ele desenvolve um trabalho intelectual. 2. O trabalho dos profissionais liberais tem um fim próprio. É um trabalho exclusivo, pessoal. Um profissional liberal não pode contratar um outro profissional liberal para fazer o trabalho em seu lugar. Os trabalhos não podem ser delegados ou encomendados a um outro profissional em substituição, através de transferência de responsabilidade técnica. O profissional que elaborou o trabalho é que assume a responsabilidade técnica. E a responsabilidade é indelegável, até mesmo por uma questão de segurança para a sociedade. 3. A remuneração atribuída aos profissionais liberais é feita em virtude de seu trabalho, de sua qualificação profissional, dos conhecimentos que possuem. É em troca do exercício dos mesmos que percebem sua remuneração. A contraprestação do serviço executado pelo profissional liberal é o recebimento de honorários profissionais, que variam conforme a capacidade, o renome e a complexidade do trabalho a ser executado. A CLT é taxativa: quando admitirem trabalhadores, os profissionais liberais equiparam-se ao empregador (Pessoa Jurídica), ou seja, não se trata de uma relação de identidade (profissional liberal = Pessoa Jurídica). E, ainda, restringindo ao máximo, essa equiparação só se dá para os efeitos exclusivos da relação de emprego. Todo o resto mantém as características próprias da profissão liberal: o serviço é prestado, e não vendido; o profissional recebe seus honorários, e não o lucro pela administração do trabalho de terceiros. Por isso, não pode existir Pessoa Jurídica individual para executar atividades de profissões liberais, pois essas atividades não são consideradas econômicas, mas sim profissionais, e quem autoriza o exercício das mesmas 27
Salézio Dagostim são os diplomas obtidos nas instituições de ensino. Não será o órgão de registro público (junta comercial ou cartório de registro civil de pessoas jurídicas) que autorizará alguém a ser Contador, Administrador, Economista, Médico ou Advogado, mas sim o diploma obtido. Portanto, a única possibilidade de um profissional liberal vir a criar uma Pessoa Jurídica é associando-se com um outro profissional liberal, criando uma sociedade de profissionais. O objetivo desse tipo de associação é a união dos conhecimentos e experiências para a prestação de melhores serviços à sociedade. Nesse caso, a Pessoa Jurídica é constituída não para o desenvolvimento da atividade, já que isso é atribuição do profissional, mas para regular os direitos e obrigações gerados pela associação. PROFISSIONAL COMUM Quem fiscaliza as suas atividades é o patrão, contratante dos serviços. PROFISSIONAL LIBERAL Quem fiscaliza as suas atividades não é o contratante dos serviços e, sim, o Conselho de Fiscalização Profissional PROFISSIONAL AUTÔNOMO É aquele que exerce as suas atividades por conta própria. Portanto, tanto o profissional comum como o liberal podem trabalhar autonomamente. 2.1 DAS PESSOAS JURÍDICAS As Pessoas Jurídicas são classificadas em Pessoas jurídicas de Direito Público ou de Direito Privado e poderão organizar-se da seguinte forma: 28
Fundamentos de Escrituração e Elaboração das Demonstrações Contábeis PESSOA JURÍDICA DIREITO PÚBLICO DIREITO PRIVADO INTERNO EXTERNO I a União; II os estados, o Distrito Federal e os territórios; III os municípios; IV as autarquias; V demais entidades de caráter público criadas por lei. I os Estados estrangeiros; e II todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público. I as associações, II as sociedades; III as fundações; IV as organizações religiosas; V os partidos políticos. VI empresas individuais (empresário) Tipos jurídicos de sociedades I em nome coletivo (arts. 1.039 a 1.044 do CCB); II em comandita simples (arts. 1.045 a 1.051 do CCB); III - limitada (arts. 1.052 a 1.087 do CCB); IV - anônima (art. 1.008 a 1.089 do CCB); V - em comandita por ações (arts. 1.090 a 1.092 do CCB); VI - cooperativa (arts. 1.093 a 1.096 do CCB). 29
Salézio Dagostim As Pessoas Jurídicas de Direito Privado desenvolvem atividades do tipo simples ou do tipo empresária. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO ATIVIDADE SIMPLES 3 ATIVIDADE EMPRESÁRIA Quem exerce atividade não econômica, atividade econômica não organizada e as cooperativas.* Quem exerce atividade econômica organizada e as sociedades anônimas. LOCAL DE REGISTRO Cartório do Registro Civil de Pessoas Jurídicas Junta Comercial Como vimos anteriormente, atividade econômica é aquela que não corresponde a atividade intelectual de natureza científica, literária ou artística, e é intermediada com a finalidade de obtenção de remuneração pelo capital investido (lucro). Por isso, só existirá a figura do empresário (empresa individual) quando se tratar de atividades econômicas (Lei n. 4.506/64, art. 41, 1 o, alínea b). Somente através de sociedade de profissionais é que é possível desenvolver atividades próprias de profissões liberais como Pessoa Jurídica. 3 A atividade simples não deve ser confundida com a sigla SIMPLES (Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), que corresponde a uma modalidade de pagamento de tributos instituída pela legislação tributária. * O Departamento Nacional do Registro do Comércio (DNRC), por força de normatização interna, ainda está exigindo o arquivamento dos atos das cooperativas nas juntas comerciais. Portanto, o assunto ainda está pendente de solução. 30
Fundamentos de Escrituração e Elaboração das Demonstrações Contábeis É importante registrar, ainda, que microempresa e empresa de pequeno porte não se constituem como tipo jurídico; porém, por seu reduzido faturamento econômico, recebem um tratamento jurídico diferenciado e simplificado. Assim define o Código Civil Brasileiro (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002): Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda que com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. (...) Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário, sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais. Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa. (...) Art. 983. A sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1092; a sociedade simples pode constituirse de conformidade com um desses tipos, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias. Parágrafo único. Ressalvam-se as disposições concernentes à sociedade em conta de participação e à cooperativa, bem como as constantes de leis especiais que, para o exercício de certas atividades, imponham a constituição da sociedade segundo determinado tipo. [Grifo nosso]. O exercício da profissão constituirá elemento de empresa se, além da estrutura e organização empresarial, configurar-se a impessoalidade no trabalho. Atividade organizada demanda instalações, nome, bens, estrutura para alcançar o objetivo-fim, capital, sistema corporativo (elenco de circunstâncias que fazem girar o conjunto de bens e serviços que, além da empresa em si, são os colaboradores, fornecedores, clientes e empregados). É também indispensável, para classificar uma Pessoa Jurídica como sendo 31
Salézio Dagostim do tipo empresária, a impessoalidade no exercício do serviço prestado. A impessoalidade constitui elemento de empresa e significa que qualquer pessoa pode executar os trabalhos contratados. O trabalho não pode ser personalíssimo. Quando alguém contrata uma sociedade de profissionais, ele o faz pela bagagem e conhecimentos técnicos que os executores possuem, por sua habilitação, renome e conhecimento. Portanto, sociedade de profissionais não se caracteriza como do tipo empresária por exercer uma atividade personalíssima, faltando-lhe um elemento essencial para a caracterização como empresa que é a impessoalidade do trabalho. As profissões liberais não possuem elementos de empresa porque o seu trabalho é personalíssimo, não podendo ser desenvolvido por qualquer pessoa. É o diploma obtido na instituição de ensino que irá definir o trabalho que o profissional irá desenvolver. 32