1 ANÁLISE ESTRUTURAL DE PORCELANA TRADICIONAL B.C.A. Pinheiro, A.G.P. da Silva GMCER LAMAV CCT Universidade Estadual do Norte Fluminense Av. Alberto Lamego, 2000, 28013-603, Campos, RJ angelus@uenf.br RESUMO A microestrutura de uma porcelana tradicional queimada em diferentes temperaturas é analisada. O efeito da granulometria do quartzo e da temperatura de queima sobre a microestrutura e sobre a resistência à flexão é considerado. Palavras-chave: porcelana, microestrutura, quartzo, resistência à flexão. INTRODUÇÂO Porcelana é um produto cerâmico vidrado ou não vidrado que encontra aplicações em hotelaria, uso doméstico, prótese dentária, isoladores elétricos etc (1). É fabricada a partir de massas triaxiais, denominação que caracteriza a mistura de três tipos de matérias primas. Estas matérias-primas influenciam tanto a etapa de conformação do produto quanto na etapa de queima, co-determinando a estrutura final do material. As massas triaxiais são constituídas geralmente por caulim, quartzo e feldspato. O primeiro componente é um argilomineral que, durante a etapa de conformação, contribui com a plasticidade da massa, característica essencial neste estágio de processamento. Durante a queima, contribui com o aparecimento de fases cristalinas que influenciam as propriedades mecânicas do produto final. Além do mais, por possuir, em geral, baixo teor de óxido de ferro em sua composição, contribui com a cor branca de queima, característica da porcelana. O quartzo é considerado um material de preenchimento, porém pode afetar o processamento e as propriedades de formas diferentes. A reação reversível de suas formas alotrópicas de alta e baixa temperaturas, que ocorre em cerca de 573 C, é acompanhada de uma variação de volume, a qual pode provocar a ruptura da
2 estrutura (2). Isto exige controle do programa de temperatura de queima, principalmente no período de resfriamento das peças. Durante a queima, o quartzo dissolve na fase líquida formada, aumentando sua viscosidade. Isto retarda o processo de densificação. A grande diferença entre os coeficientes de dilatação térmica do quartzo e da fase vítrea que o envolve pode causar, durante o resfriamento das peças, compressão da fase vítrea, aumentando a resistência mecânica da estrutura (3), mas também causa trincas. O aparecimento das trincas é fato, porém o reforço da fase vítrea ainda é motivo de especulação, alimentada pelo fato, por exemplo, de estruturas preparadas com pós de quartzo de tamanhos diferentes apresentarem propriedades mecânicas diferentes. Haveria uma faixa de tamanho de partícula (em torno de 30µm) que maximizaria a resistência mecânica da estrutura. Este fenômeno estaria relacionado à intensidade da tensão compressiva que os grãos de quartzo imprimiriam sobre a fase vítrea. Partículas pequenas imprimiriam baixa tensão compressiva, enquanto que tamanhos superiores ao da faixa ótima imprimiriam tensões tão altas que produziriam trincas na fase vítrea (3). Feldspatos potássico e/ou sódico podem ser usados. O primeiro é mais comum. Este componente contribui decisivamente para a sinterização da estrutura, pois, seja através de uma reação com a sílica seja pela sua fusão, dá origem à fase líquida que densifica a estrutura. O feldspato potássico apresenta uma eutética com a sílica em 985ºC, enquanto que com o feldspato sódico esta reação ocorre em 1065ºC. Entretanto, relata-se que a fase líquida formada pelo feldspato sódico é mais fluida de que aquela formada pelo feldspato potássico (4). Após a queima. A estrutura da porcelana tradicional, aquela cuja composição da massa é de 50% de caulim, 25% de quartzo e 25% de feldspato, é constituída de uma matriz de fase vítrea que envolve grãos de mulita com dois formatos característicos. Grãos de mulita muito finos, aglomerados, com formato de plaqueta são denominados de mulita primária. Estes grãos são originados do caulim. Grãos de mulita que se encontram dispersos nos lagos de fase vítrea e têm formato alongado são denominados mulita secundária. Estes grãos surgem por precipitação na fase vítrea (5,6). Há ainda poros fechados e uma pequena quantidade de poros abertos para a superfície.
3 Este trabalho investiga o efeito do uso de quartzo de diferentes granulometrias em massa de porcelana tradicional sinterizada em diferentes temperaturas sobre a estrutura sinterizada e sobre a resistência à flexão. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL Caulim, quartzo e albita (feldspato sódico), fornecidos pela Empresa ARMIL Mineração, foram as matérias primas utilizadas. A composição química destes materiais encontra-se na Tabela I. Foram fornecidas na forma de pó com granulometria passante na peneira de malha 100 mesh (150µm). O pó de quartzo foi fracionado em três diferentes granulometrias. Uma é a do pó como recebido, ou seja, todas as partículas menores que 150µm. A segunda possui partículas menores que 45µm, obtida da fração passante pela peneira de malha 325 mesh. A terceira foi obtida por sedimentação do quartzo como recebido em água. A fração flutuante após oito horas foi separada. Esta fração não possui partículas maiores de 5µm, conforme observação em microscópio eletrônico. Tabela I: Análise química de caulim, quartzo e albita feitas por absorção atômica. Amostra SiO 2 Al 2 O 3 Fe 2 O 3 TiO 2 CaO MgO K 2 O Na 2 O P.F. Caulim 49,07 33,74 0,22 <0,01 0,30 0,061 1,97 0,52 14,01 Quartzo 98,97 0,41 <0,01 0,019 <0,01 <0,01 0,18 0,13 0,26 Albita 69,55 18,82 0,14 0,017 0,17 0,09 1,47 9,63 0,32 P.F.= Perda ao Fogo Três massas foram preparadas com estas matérias primas. Cada uma com quartzo de granulometria diferente. A massa QF com o quartzo fino, obtido da sedimentação, a massa QM com o quartzo médio, vindo da fração passante em peneira de 325 mesh e a massa QG com o quartzo passante na peneira de 100 mesh. Todas com a mesma composição: 50% caulim, 25% quartzo e 25% albita. Percentagens em peso. As matérias primas foram pesadas e colocadas em um moinho de bolas, a seco, por 60 minutos. Em seguida, as massas foram umidificadas com 7% de água e deixadas em repouso por 24 horas para homogeneização da umidade adicionada. As massas foram então granuladas e prensadas uniaxialmente sob pressão 40MPa, resultando em amostras de seção retangular. As amostras prensadas foram secas em estufa por 24 horas em 110 C.
4 As densidades das amostras de todas as massas apresentaram pouca variação, situando-se por volta de 1,80g/cm 3. As amostras foram sinterizadas em forno resistivo. Amostras das massas QG e QM foram sinterizadas em três temperaturas de patamar: 1200 C, 1340 C e 1400 C. As amostras da massa QF foram sinterizadas apenas em 1340ºC. As taxas de aquecimento e de resfriamento foram de 3 C/min.. As amostras permanecem na temperatura de patamar por 30 minutos. Depois de sinterizadas, as amostras têm medidas a retração de queima (norma MB-305 ABNT), absorção de água (NBR 6480 ABNT), porosidade aparente (C373-88 ASTM) e tensão de ruptura à flexão por três pontos (C674-77 ASTM). Para este último teste, a taxa de carregamento foi de 0,5mm/min e a distância entre os cutelos de apoio foi de 90mm. As amostras foram posteriormente montadas em suporte, lixadas e polidas e atacadas com uma solução de 40% HF por 40 segundos. Os detalhes da estrutura tornam-se então definidos. Difração de Raios X foi utilizada para identificar as fases presentes nas amostras sinterizadas, complementando a observação das estruturas em microscópio. RESULTADOS E DISCUSSÃO As Figuras 1-2 exibem o comportamento de absorção de água, retração linear, porosidade aparente e tensão de resistência à ruptura. Absorção de Água (%) 12 10 8 6 4 2 0 QG - AA QM - AA QF - AA QG - RL QM - RL QF - RL 12 10 8 6 4 Retração Linear (%) 1200 1250 1300 1350 1400 Temperatura de Sinterização ( C) Figura 1: Absorção de água e retração linear de queima em função da temperatura de sinterização para todas as massas.
5 Absorção de água e porosidade aparente são propriedades redundantes. Ambas expressam a quantidade de porosidade aberta. A primeira através da percentagem em ganho de peso da estrutura em conseqüência da água que preenche os poros enquanto que a segunda através da percentagem em volume. Obviamente, estas propriedades devem exibir o mesmo comportamento, como é mostrado nas Figuras 1 e 2. É também evidente que todas as massas exibiram o mesmo comportamento e até os mesmos valores com respeito a todas as propriedades, exceto a tensão de ruptura à flexão, cujos valores diferiram um pouco. Em 1340 e 1400ºC, os valores de absorção de água são inferiores a 0,5%, satisfazendo a especificação técnica exigida para porcelana. Não há variação nos valores de absorção de água e de porosidade aparente para estas duas temperaturas, denotando uma estrutura com alto nível de densificação. No entanto, em 1200ºC, a porosidade aparente é superior a 20%. Isto demonstra que entre 1200º e 1340ºC, há intensa densificação da estrutura. Considerando que a eutética sílica-albita é dita ocorrer em 1065ºC e a fusão da albita em 1120ºC, então em 1200ºC já existe líquido. Talvez não em quantidade ou fluidez suficientes para promover densificação intensa. Porosidade Aparente (%) 25 20 15 10 5 0 QG - PA QM - PA QF - PA 1200 1250 1300 1350 1400 Temperatura de Sinterização ( C) QG - TR QM - TR QF - TR Figura 2: Porosidade aparente e tensão de ruptura à flexão em função da temperatura de sinterização para todas as massas. 55 50 45 40 35 30 25 20 15 Tensão de Ruptura (MPa) A Figura 3 exibe micrografias da estrutura da massa QM sinterizada em 1200º e 1340ºC, respectivamente. Nota-se claramente que a estrutura em 1200 C ainda é muito porosa. A fase líquida ainda não está completamente distribuída pela
6 estrutura. Em 1340ºC, a estrutura encontra-se muito densa, à exceção de poros isolados e arredondados, os quais podem aprisionar gás. Figura 3: Amostras da massa QM sinterizadas em 1200ºC (a) e 1340ºC (b) exibindo diferentes níveis de densificação da estrutura. A retração linear é outro fator que indica o comportamento de densificação da estrutura. Entre 1200º e 1340ºC, a estrutura de todas as massas exibem grande contração, corroborando o resultado de absorção de água. Porém, a partir de 1340ºC, a estrutura exibe menor contração que em 1340ºC, podendo ser interpretado como um inchaço, sem que haja aumento da porosidade aberta. O mesmo comportamento é exibido pela tensão de ruptura à flexão. Isto pode ser explicado pelo aparecimento de fases de menor densidade ou pela expansão de poros fechados, causada por gases aprisionados, ou pela geração de gases como resultado de alguma reação. A Figura 4 exibe imagens das estruturas de amostras da massa QM sinterizadas em 1340 e 1400 C. Observa-se que a estrutura sinterizada em 1400ºC é mais porosa, indicando que as quedas de retração linear e de resistência à flexão resultam muito provavelmente apenas da expansão do volume dos poros fechados. Segundo Ece et al. e Bragança et al (7,8) gases podem ser gerados pela cristalização de fases cristalinas ou pela transformação de Fe 2 O 3 para Fe 3 O 4.
7 Figura 4: Amostras da massa QM sinterizadas em 1340ºC (a) e 1400ºC (b) exibindo o aumento da porosidade em 1400 C. A Figura 5 exibe a estrutura de uma amostra da massa QG sinterizada em 1340ºC. Ela é representativa das estruturas de todas as massas sinterizadas em 1340º e em 1400ºC. Podem ser identificados na estrutura os grãos de quartzo, e ao redor deles o anel de dissolução. Também são vistos aglomerados de grãos de mulita primária e agulhas de mulita secundária imersos na fase vítrea. Trincas são vistas também ao redor dos grãos de quartzo, radialmente distribuídos, tanto nos anéis de dissolução quanto nas regiões de fase vítrea em que existem os grãos de mulita secundária. Não é possível apontar diferenças nas quantidades de mulita primária e secundária em amostras sinterizadas em 1340º e 1400ºC, mas é possível notar a maior dissolução de quartzo em 1400ºC.
8 Figura 5: Estrutura de amostra de QG sinterizada em 1340 C, mostrando os elementos estruturais, com destaque para as trincas ao redor do quartzo e os grãos de mulita secundária imersos na matriz vítrea. A curva de tensão de ruptura mostrada na Figura 2 aponta ainda uma pequena dependência desta propriedade com a granulometria do grão de quartzo usado como matéria prima. As amostras da massa QM apresentaram os valores os mais altos para todas as temperaturas de sinterização, seguidas pelas amostras da massa QG. A diferença entretanto é pequena, estando dentro da dispersão das medidas representada pelas barras de dispersão. No entanto, a tensão de ruptura para a massa QF, preparada com os grãos de quartzo mais fino, foi consideravelmente inferior. Segundo a hipótese do reforço da matriz, que explica a dependência entre a resistência mecânica e a granulometria do quartzo, há uma faixa de tamanho de grão que maximiza a resistência mecânica. Grãos maiores causam trincas na estrutura e menores não comprimem suficientemente a fase matriz, não causando o reforço. Em contrapartida, trincas não seriam formadas. A presença de trincas diminui a resistência mecânica, pois elas agem como concentradoras de tensão. Trincas foram observadas em todas as estruturas. Trincas maiores para grãos maiores. A Figura 6 exibe a estrutura de uma amostra da massa QF sinterizada em 1340ºC, na qual trincas ao redor de grãos de quartzo são vistas. A hipótese do reforço da matriz, portanto, não se evidencia.
9 Figura 6: Estrutura da amostra da massa QF sinterizada em 1340ºC exibindo grãos de quartzo arrodeados por trincas. A razão para a menor resistência mecânica da amostra da massa QF, preparada com o quartzo mais fino, pode ser creditada a heterogeneidades estruturais causada pela mistura inapropriada das matérias primas. A Figura 7 mostra uma região representativa da estrutura da amostra QF sinterizada em 1340 C. Nela, pode-se ver regiões de baixa densificação com algum nível de interconexão. Tais regiões são aglomerados de caulim ou de quartzo, não dispersos durante a operação de mistura em moinho, que não foram penetradas pela fase líquida. Estas regiões pouco densas diminuem a resistência mecânica da estrutura. Figura 7: Estrutura de amostra da massa QF sinterizada em 1340ºC em que são vistas extensas regiões pouco densas não penetradas pela fase vítrea.
10 CONCLUSÕES Entre 1200º e 1340ºC ocorre intensa densificação da estrutura, em que a porosidade aparente decresce de mais de 20% para menos de 0,5%. Como em 1200ºC, já existe fase líquida, esta densificação pode ser causada pelo maior volume e/ou por sua menor viscosidade. Em 1340ºC a estrutura está muito densa, havendo apenas poros isolados cheios de gás. Com o aumento da temperatura de queima, estes gases se expandem, resultando em inchaço da estrutura e diminuição de sua resistência à flexão. Os elementos estruturais contidos na estrutura são, além dos poros, mulitas primária e secundária, grãos de quartzo, envoltos por um anel de dissolução, trincas em torno dos grãos de quartzo e fase líquida, a qual forma uma matriz, envolvendo todos os outros elementos. Todos os elementos comuns à estrutura da porcelana tradicional. A menor resistência mecânica de amostras preparadas com o quartzo fino não pode ser explicado pela hipótese do reforço compressivo da matriz. Esta estrutura também apresentou trincas. Isto é resultado da má dispersão das matérias primas pela etapa de mistura que possibilitou a existência de aglomerados pouco densos de caulim ou quartzo. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Prof. Eduardo Atem (UENF) pelos ensaios de resistência à flexão, ao Prof. Rubens maribondo (UFRN) pela queima das amostras e a FAPERJ pela bolsa de PG de um dos autores. REFERÊNCIAS 1. S. J. Schneider, Enginieered Materials Handbook ceramics and Glass. USA, ASM International (1991) p. 1214. 2. R. A. Islam, Y. C. M. Chan, Md. F. Islam, Materials Science and Engineering B106 (2004) 132-140. 3. W. M. Carty, U. Senapati, J. Am. Ceram. Soc. 81, 1 (1998) 3-20. 4. C. D. G. Borba, A. P. N. Oliveira, J. B. R. Neto, E. C. F. Echude, O. E. Alarcón, Cerâmica Industrial 1, 1 (1996) 34-39. 5. K. C. Liu, G. Thomas, A. Cabalero, J. S. Moya, S. De Aza, Acta Metall. Mater, 42, 2 (1994) 489-495. 6. C. Y. Chen, E. S. Lan, W. H. Tuan, Ceramics International 26 (2000) 795-800. 7. O. I. Ece, Z. Nakagawa, Ceramics International 28 (2002) 131-140.
11 8. S. R. Bragança, C. P. Bergmann, Cerâmica 50 (2004) 291-299. STRUCTURAL ANALYSIS OF TRADITIONAL PORCELAIN B.C.A. Pinheiro, A.G.P. da Silva GMCER LAMAV CCT Universidade Estadual do Norte Fluminense Av. Alberto Lamego, 2000, 28013-603, Campos, RJ angelus@uenf.br ABSTRACT The microstructure of a traditional porcelain is investigated. Three different quartz grain sizes were used and the samples were sintered at three different temperatures. The grain size influences upon the bending strength, but the reinforcement hypothesis of the glassy phase is not the reason. Cracks are formed around the quartz grains for all samples. The bending strength decreases above 1340ºC due to pore expansion caused by entrapped gases. Keywords: porcelain, bending strength, microstructure.