Análise vocal perceptivo-auditiva e acústica, falada e cantada de regentes de coral***

Documentos relacionados
Palavras-chave: Acústica - Fonética - Música

Quero agradecer à minha família e amigos, por todo o apoio, incentivo e compreensão ao longo desta etapa, marcada por muitos sacrifícios e angústias.

EXTENSÃO VOCAL DE IDOSOS CORALISTAS E NÃO CORALISTAS

O ESTILO DE VIDA E A PRÁTICA DE ATIVIDADE FÍSICA DOS FUNCIONÁRIOS DA REITORIA / UFAL PARTICIPANTES DO PROGRAMA DE GINÁSTICA LABORAL

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR

AVALIAÇÃO DOS INDICADORES DE BALNEABILIDADE EM PRAIAS ESTUARINAS

Análise acústica e percepto-auditiva do canto de meninos coralistas

CORAL AMADOR: EFEITOS DE UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO FONOAUDIOLÓGICA

Lucyana Vergara Ferreira Portugal. O trabalho infantil e o PETI na área urbana do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado

CORAL AMADOR: EFEITOS DE UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO FONOAUDIOLÓGICA

Percepção de Cantores Profissionais: Atuação de Fonoaudiólogos e Professores de Canto

Responsabilidade Social e Ambiental: Reação do Mercado de Ações Brasileiras

Programa de treinamento vocal para locutores de rádio. Voice training program for radio presenters

TREINAMENTO VOCAL PODE SER FATOR PROTETOR CONTRA DORES

Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia ISSN versão impressa

ESTUDO COMPARATIVO DA APLICAÇÃO ISOLADA E SIMULTÂNEA DAS ANÁLISES ESPECTROGRÁFICA E PERCEPTIVO-AUDITIVA NA CONFIABILIDADE DA AVALIAÇÃO DA VOZ

Prof. Dra. Giselle Lopes Ferrari Ronque Joed Lopes da Silva

Questionário de avaliação diagnóstica / Preliminary questionnaire

REGRESSÃO LINEAR ENTRE TEMPERATURA E DENSIDADE DA GASOLINA RESUMO

A concepção do evento em verbos icônicos representativos na língua de sinais brasileira (Libras)

UNIVERSIDADE PAULISTA UNIP PROGRAMA DE MESTRADO EM ODONTOLOGIA AVALIAÇÃO DA ESTABILIDADE E COMPORTAMENTO

TÍTULO DO ARTIGO 1 Nome Completo do Aluno 2 Nome Completo do Aluno 3 Nome Completo do Aluno 4

Avaliação da Voz e do Comportamento Vocal em Crianças com Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade

A Influência de Diferentes Tipos de Oclusão Dentária na Produção de Sons de Fala

PARALISIA CEREBRAL: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ACERCA DA INCLUSÃO ESCOLAR

A PREVALÊNCIA DE CÁRIE DENTÁRIA EM 1 MOLAR DE CRIANÇAS DE 6 A 12 ANOS: uma abordagem no Novo Jockey, Campos dos Goytacazes, RJ

SIMULAÇÃO E DETERMINAÇÃO DE DESLOCAMENTO COM GNSS (GPS) Simulation and Determination of Displacement with GNSS (GPS)

Plano de Ensino. Identificação. Câmpus de São Paulo. Curso null - null. Ênfase. Disciplina LEM1604T1 - Canto Coral I. Docente(s) Fábio Miguel

Análise Acústica dos Formantes e das Medidas de Perturbação do Sinal Sonoro em Mulheres Sem Queixas Vocais, Não Fumantes e Não Etilista

ANÁLISE COMPARATIVA DOS DADOS METEOROLÓGICOS NAS ESTAÇÕES AUTOMÁTICAS E CONVENCIONAIS DO INMET EM BRASÍLIA DF.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO

Análise da Performance dos Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes no Brasil entre 1994 e 2004

Estudo sobre a dependência espacial da dengue em Salvador no ano de 2002: Uma aplicação do Índice de Moran

Avaliação Econômica do Projeto de Microcrédito para a população da Zona Norte de Natal/RN

CURSO FORMAÇÃO EM HIPNOSE E HIPNOTERAPIA

Estatística Analítica

Mara Behlau, Fabiana Zambon, Ana Cláudia Guerrieri, Nelson Roy e GVP(*) Instituições: Panorama epidemiológico sobre a voz do professor no Brasil

Victor Kraemer Wermelinger Sancho Araujo. Avaliação de custos para a produção de biodiesel a partir de óleos residuais fritura

Análise dos Itens de um Teste de Reconhecimento de Emoções por Meio do Modelo Logístico de Dois Parâmetros da TRI

Cálculo de Índices de Segurança em Sistemas de Energia Elétrica Baseado em Simulação no Domínio do Tempo

A DISCIPLINA DIDÁTICA NOS CURSOS DE LETRAS DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS DE MATO GROSSO DO SUL

Palavras-chave: criança de rua; distúrbios da comunicação; voz profissional.

Insper Instituto de Ensino e Pesquisa Faculdade de Economia e Administração. Helder dos Santos Dantas

IV Seminário de Iniciação Científica

Nilson do Rosário Costa 1, Ana Paula Coelho 2, Maria Thereza Fortes 3 e Vanina Matos 4

VARIABILIDADE ESPACIAL E TEMPORAL DAS ESTAÇÕES NO ESTADO DE SÃO PAULO PARA AS VARIAVEIS TEMPERATURA E PRECIPITAÇÃO

Palavras chave: voz, prevenção, criança

PERFIL VOCAL DA PESSOA COM DISFONIA: ANÁLISE DO ÍNDICE DE DESVANTAGEM VOCAL.

Cálculo da Reserva de Benefícios Concedidos da Previdência Social

MODELO SUGERIDO PARA PROJETO DE PESQUISA

Ação de formação Excel Avançado

RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO PRÉ ESCOLAR. Ano Letivo 2014/ º Período

ÍNDICE GERAL Capítulo 1 Introdução Capítulo 2 Revisão geral da literatura.. 24 Capítulo 3 Considerações instrumentais

PERCEPÇÃO DE APOIO SOCIAL PARA A PRÁTICA DE ATIVIDADE FÍSICA EM INDIVÍDUOS OBESOS

UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR CURSO DE BACHARELADO EM INFORMÁTICA DEPARTAMENTO DE INFORMÁTICA

A Linguagem de crianças nascidas pré-termo e termo na primeira infância

IMPACTO DA ATIVIDADE FISCALIZATÓRIA SOBRE A MELHORIA DA QUALIDADE NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE DRENAGEM URBANA NO DISTRITO FEDERAL

Efeito do ruído na voz de educadoras de instituições de educação infantil

ÁREA: TURISMO AVALIAÇÃO PRELIMINAR DO FLUXO DE TURISTAS PARA A ILHA GRANDE EM ANGRA DOS REIS - RJ

O POTENCIAL DE INOVAÇÃO E A QUESTÃO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL NAS INDÚSTRIAS DA REGIÃO NOROESTE DO RS 1

Educação a Distância nas Universidades Corporativas:

Pós-Graduação em Computação Distribuída e Ubíqua

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO

No contexto das ações de Pesquisa e Desenvolvimento

Centro de Hematologia e Hemoterapia do Paraná HEMEPAR Farm. Elvira Rosa Folda DVGQB Jul/2012

RELAÇÃO ENTRE AS CARACTERÍSTICAS DO COMITÊ DE AUDITORIA E A QUALIDADE DA AUDITORIA INDEPENDENTE*

Avaliação Econômica Projeto de Inclusão Digital. Naercio Aquino Menezes Filho Centro de Políticas Públicas Insper FEA-USP e Fundação Itaú Social

PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia.

O Papel do Gerente/Administrador Financeiro das Empresas

Bernard Herskovic EFEITOS DE BUSCA EM CONLUIO. Dissertação de Mestrado

Wanderson Ferreira Bomfim

Análise espectrográfica do efeito do aquecimento vocal na voz de meninas de coro

VOLUME 3 / 7 RELATÓRIO FINAL DE RESULTADOS SEGMENTO: USUÁRIOS DE TELEFONES RESIDENCIAIS (STFC-R)


METODOLOGIAS ESTATÍSTICAS APLICADAS A DADOS DE ANÁLISES QUÍMICAS DA ÁGUA PRODUZIDA EM UM CAMPO MADURO DE PETRÓLEO

PLANO DE ENSINO PROJETO PEDAGÓCIO: Carga Horária Semestral: 40 h Semestre do Curso: 3º

INTER-RELAÇÕES ENTRE FONOAUDIOLOGIA E CANTO

ESTUDO TÉCNICO N.º 12/2014

Programa de Mobilidade Estudantil na Fatih University. Edital GCUB nº 001/2016. Acerca das iniciativas da Fatih e do GCUB

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO SECRETARIA GERAL DOS CONSELHOS DA ADMINISTRAÇÃO SUPERIOR CONSELHO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO

PINTANDO COM SAÚDE: RELATO DE EXPERIÊNCIA NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA CARTILHA INSTRUCIONAL DO PROFESSOR. ¹

PERFIL DOS HÓSPEDES. 3º Quadrimestre APRESENTAÇÃO EM MEIOS DE HOSPEDAGEM

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA FÍSICA

Nivel de Lisina nas Rações de Frangos de Corte Exigência de Lisina Atualizada

I Oficina de Formação em. Competências e Simulação

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA E ENGENHARIA DE MATERIAIS

Rodrigo Claudino Diogo 1, Valéria A. Ribeiro de Lima 2, Vanusa Maria de Paula 3, Rosymeire Evangelista Dias 4

O PAPEL DAS NOVAS TECNOLOGIAS NA COMUNICAÇÃO EXTERNA DA ORGANIZAÇÃO: O CASO TAP PORTUGAL

PERFIL VOCAL DE LOCUTORES DE RÁDIO

Voz e fala de Parkinsonianos durante situações de amplificação, atraso e mascaramento****

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA FLORESTAL

Curso de Formação em Ensino e Prática Vocal na Fala e no Canto (integrado nas 3 as Jornadas de Ciência Vocal da Universidade de Aveiro)

1. Uma pesquisa de mercado sobre o consumo de três marcas A, B e C de um determinado produto apresentou os seguintes resultados:

Perfil de acadêmicos do ensino superior de uma Faculdade da região metropolitana de Porto Alegre - RS.

O Setor de Fonoaudiologia funciona sob a coordenação da Fonoaudióloga Mestra Gerissa Neiva de Moura Santos Cordeiro, conforme programa apresentado a

22 - Como se diagnostica um câncer? nódulos Nódulos: Endoscopia digestiva alta e colonoscopia

學 術 研 究 獎 學 金 申 請 表. Bolsas de Investigação Académica Boletim de Candidatura. Academic Research Grant Application Form

Álgebra Linear Aplicada à Compressão de Imagens. Universidade de Lisboa Instituto Superior Técnico. Mestrado em Engenharia Aeroespacial

Transcrição:

Análise vocal perceptivo-auditiva e acústica, falada e cantada de regentes de coral*** Perceptual, auditory and acoustic vocal analysis of speech and singing in choir conductors Maria Inês Beltrati Cornacchioni Rehder* Mara Behlau** *Fonoaudióloga. Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Coordenadora da Área de Pós- Graduação em Voz - Cefac Saúde e Educação. Endereço para correspondência: Av 15, número 531 - Centro - Rio Claro - SP - CEP 13500-330 (mariainesrehder@uol.com.br). **Fonoaudióloga. Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Professora Orientadora do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. ***Trabalho Realizado na Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Artigo Original de Pesquisa Artigo Submetido a Avaliação por Pares Conflito de Interesse: não Recebido em 28.03.2007. Revisado em 06.06.2008; 24.07.2008. Aceito para Publicação em 28.07.2008. Abstract Background: the voice of choir conductors. Aim: to evaluate the vocal quality of choir conductors based on the production of a sustained vowel during singing and when speaking in order to observe auditory and acoustic differences. Method: participants of this study were 100 choir conductors, with an equal distribution between genders. Participants were asked to produce the sustained vowel "é" using a singing and speaking voice. Speech samples were analyzed based on auditory-perceptive and acoustic parameters. The auditoryperceptive analysis was carried out by two speech-language pathologist, specialists in this field of knowledge. The acoustic analysis was carried out with the support of the computer software Doctor Speech (Tiger Electronics, SRD, USA, version 4.0), using the Real Analysis module. Results: the auditory-perceptive analysis of the vocal quality indicated that most conductors have adapted voices, presenting more alterations in their speaking voice. The acoustic analysis indicated different values between genders and between the different production modalities. The fundamental frequency was higher in the singing voice, as well as the values for the first formant; the second formant presented lower values in the singing voice, with statistically significant results only for women. Conclusion: the voice of choir conductors is adapted, presenting fewer deviations in the singing voice when compared to the speaking voice. Productions differ based the voice modality, singing or speaking. Key Words: Voice; Acoustics; Auditory Perception; Voice Quality. Resumo Tema: voz de regentes de coral. Objetivo: avaliar a qualidade vocal de regentes de corais, nas emissões de uma vogal sustentada, nas modalidades de voz falada e cantada, para observar diferenças auditivas e acústicas. Método: participaram como sujeitos 100 regentes de coral, em igual número de ambos os sexos, solicitados a emitir a vogal "é" sustentada, nas modalidades de voz falada e cantada. O material de fala foi analisado do ponto de vista perceptivo auditivo e acústico. A análise perceptivo-auditiva foi realizada por dois fonoaudiólogos especialistas em voz. A análise acústica foi realizada com o auxílio do programa computadorizado Doutor Speech (Tiger Eletronics, SRD, EUA, versão 4.0), com a utilização do módulo Real Analysis. Resultados: a análise perceptivo-auditiva da qualidade vocal indicou que a maioria dos regentes possui vozes adaptadas, com maiores alterações na modalidade da voz falada. A análise acústica indicou valores diferentes para os sexos e para as modalidades de emissão. A freqüência fundamental foi mais elevada na voz cantada, assim como os valores do primeiro formante; o segundo formante apresentou valores mais reduzidos para a voz cantada, com significância estatística apenas para as mulheres. Conclusão: as vozes dos regentes de coral são adaptadas, com menor desvio na voz cantada quando comparada com a falada. As emissões são diferenciadas de acordo com a modalidade, voz falada ou cantada. Palavras-Chave: Voz; Acústica; Percepção Auditiva; Qualidade da Voz. Referenciar este material como: Rehder MIBC, Behlau M. Análise vocal perceptivo-auditiva e acústica, falada e cantada de regentes de coral. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2008 julset;20(3):195-200. Análise vocal perceptivo-auditiva e acústica, falada e cantada de regentes de coral. 195

Introdução O regente de coral é um profissional que tem a particularidade de fazer uso concomitante das vozes falada e cantada: usa a voz falada para dar instruções e ordens, descrever objetivos, explicar características estilísticas, trabalhar aspectos da pronúncia do texto e nuanças da língua e controlar a disciplina do grupo; usa a voz cantada para dar exemplos de diferentes qualidades vocais aos coristas de diversas classificações vocais, para corrigir a afinação e a projeção vocal, além de freqüentemente exemplificar com sua própria voz diversos tipos de emissão (1,2). Participa também de outros corais como cantor e desenvolve atividades letivas paralelas (3). Para o fonoaudiólogo, o estudo da voz do regente de coral é fundamental na compreensão dos mecanismos vocais específicos e particulares de utilização das vozes falada e cantada. A atuação do Fonoaudiólogo junto a corais, regentes e coristas pode se tornar mais específica com a contribuição deste estudo, especialmente no que ser refere à prevenção e orientação. O objetivo do presente trabalho foi avaliar a qualidade vocal de regentes de corais, nas emissões de uma vogal sustentada, nas modalidades de voz falada e cantada, para observar diferenças auditivas e acústicas. Método Este artigo é parte da pesquisa aprovada pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, sob o número 1167/01. Todos os sujeitos assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme a Resolução 196/96 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Participaram deste estudo 100 sujeitos, 50 do sexo feminino e 50 do sexo masculino, na faixa etária entre 20 e 65 anos, todos regentes de corais infantis, juvenis e/ou adultos, do Estado de São Paulo. Para a caracterização dos regentes, foi utilizado um questionário, que explorava diversos aspectos da formação, atividade profissional e dados vocais (4). Para as análises perceptivo-auditiva da qualidade vocal e acústica computadorizada do sinal vocal foram coletados de cada regente, dois registros de emissão sustentada da vogal "é", nas modalidades de voz falada e cantada. Dois fonoaudiólogos especialistas em voz procederam à análise perceptivo-auditiva classificando as emissões em adaptada ou alterada (5) e de acordo com a escala de análise GIRBAS (6). A análise acústica da freqüência fundamental média, máxima e mínima e dos valores dos três primeiros formantes: F1, F2, F3, foram realizadas com o auxílio do programa Doutor Speech (Tiger Eletronics, SRD, EUA, versão 4.0). Os valores dos formantes foram lidos manualmente, considerando-se o valor mediano dos picos de incremento dos harmônicos através do método de predição linear (LPC - linear predictive coding). Foi utilizado o teste t de Student para variáveis paramétricas considerando estatisticamente significativa a comparação entre as proporções que apresentaram p menor que 0,050 (5%). Para a avaliação das relações existentes entre os pares de variáveis não paramétricas, foi aplicada a análise de correlação de Spearman. Os valores com significância estatística foram marcados por asterisco. 196 Rehder e Behlau.

Resultados TABELA 1. Distribuição numérica e percentual da análise perceptivo-auditiva da qualidade vocal e dos desvios encontrados nos parâmetros da escala GIRBAS, das vozes falada e cantada, de regentes de coral de ambos os sexos (n = 100). homens mulheres perceptivo-auditiva grau global instabilidade rugosidade soprosidade astenia tensão perceptivo-auditiva grau global instabilidade rugosidade soprosidade astenia tensão Voz Falada Voz Cantada Significância N % N % (p) adaptada 36 72 41 82 0,317 alterada 14 28 9 18 0,239 Total 50 100 50 100 0 37 74 41 82 0,667 1 13 26 9 18 0,667 0 39 78 43 86 0,699 1 11 22 7 14 1,000 2 0 0 0 0 0,562 0 46 92 47 94 0,644 1 4 8 3 6 0,414 2 0 0 0 0 0,562 0 50 100 49 98 1,000 1 0 0 1 2 1,000 adaptada 32 64 38 76 0,480 alterada 18 36 12 24 0,194 Total 50 100 50 100 0 34 68 36 72 0,339 1 16 32 14 28 0,339 0 47 94 47 94 0,303 1 3 6 3 6 0,303 2 1 2 0 0 1,000 0 36 72 39 78 0,699 1 13 26 11 22 0,699 2 1 2 0 0 1,000 0 49 98 49 98 0,320 1 1 2 1 2 0,320 Análise vocal perceptivo-auditiva e acústica, falada e cantada de regentes de coral. 197

TABELA 2. Valores médios e seus respectivos desvios padrão, das freqüências média, máxima e mínima e da freqüência dos formantes, das emissões da vogal sustentada nas modalidades voz falada e voz cantada, de acordo com o sexo (n = 100). homens mulheres Voz Falada Voz Cantada Significância Média DP Média DP (p) freqüência modal 135,43 26,10 176,81 41,68 0,001* freqüência máxima 137,58 26,45 179,57 41,91 0,001* freqüência mínima 132,69 25,99 174,09 41,37 0,001* F1 515,63 54,71 558,84 57,29 0,001* F2 1739,38 163,94 1688,32 261,32 0,198 F3 2644,00 382,25 2703,56 405,78 0,188 freqüência média 229,09 27,23 338,48 95,44 0,001* freqüência máxima 232,36 27,92 342,95 96,98 0,001* freqüência mínima 225,13 26,99 330,74 93,55 0,001* F1 629,06 77,92 672,12 100,40 0,007* F2 2001,31 208,26 1902,57 161,61 0,002* F3 2935,01 345,32 2881,75 242,46 0,270 TABELA 3. Análise de correlação por pares, dos parâmetros perceptivo auditivos e acústicos, nas emissões falada e cantada, de regentes de coral, de acordo com os sexos, com significância menor que 5%. homens mulheres Par de Variáveis Sinal da Correlação Valor da Significância (P) freqüência fundamental falada F0 da voz falada x F0 da voz cantada + 0,001* F0 da voz falada x Anos de aula de canto + 0,028* freqüência fundamental cantada F0 da voz cantada x Voz percebida como cantada + 0,046* formantes F2 da voz falada x F3 da voz falada + 0,021* F2 da voz falada x F2 da voz cantada + 0,001* F2 da voz falada x F3 da voz cantada + 0,049* F3 da voz falada x F3 da voz cantada + 0,001* F1 da voz cantada x F3 da voz falada - 0,035* F1 da voz cantada x Voz percebida como cantada + 0,046* F2 da voz cantada x F3 da voz cantada + 0,001* freqüência fundamental falada F0 da voz falada x F1 da voz falada + 0,001* F0 da voz falada x F1 da voz cantada + 0,013* formantes F1 da voz falada x F1 da voz cantada + 0,039* F2 da voz falada x F3 da voz falada + 0,001* F2 da voz falada x F2 da voz cantada + 0,002* F2 da voz falada x F3 da voz cantada + 0,047* F2 da voz falada x Voz percebida como falada - 0,037* F3 da voz falada x F3 da voz cantada + 0,001* F3 da voz falada x Voz percebida como falada - 0,036* F2 da voz cantada x F3 da voz cantada + 0,007* F2 da voz cantada x Anos de aula de canto - 0,026* 198 Rehder e Behlau.

Discussão A maioria dos regentes apresentou emissões falada e cantada adaptadas, com índice maior de alteração na voz falada indicando uma produção vocal compatível com seu desenvolvimento profissional e ajustes motores mais saudáveis na voz cantada (7-11). A ocorrência de grau zero de alteração vocal na escala GIRBAS e os índices maiores de alteração na voz falada no grau global confirmaram esta adaptação (12). Os dados de rugosidade poderiam denotar falta de condicionamento vocal e/ou desconhecimento de regras básicas de higiene vocal para a fala e para o canto (12-19). A soprosidade maior nos indivíduos do sexo feminino confirma uma maior tendência de ocorrência de fendas glóticas nas mulheres, devido ao padrão anatômico laríngeo feminino (20). A prática de emissão em voz projetada e o enfoque do treinamento pedagógico para o canto, concordam com a ausência de instabilidade e astenia e o índice discreto de tensão (1-3,9,12). A elevação da freqüência fundamental na vogal sustentada foi decisiva para a identificação da voz cantada (8,21-22), indicando mecanismos fonoarticulatórios diferentes na diferenciação das modalidades (3,12,23-24). Os regentes de coral diferenciam as emissões falada e cantada através do primeiro formante, utilizando-se de ajustes articulatórios específicos no treinamento da voz cantada: maior abertura da mandíbula, maior constrição faríngea, maior abaixamento da parte anterior da língua, menor grau de arredondamento dos lábios e menor grau de alongamento bucofaríngeo Os mecanismos utilizados pelos regentes do sexo feminino na diferenciação dos dois primeiros formantes foram um maior grau de abertura da mandíbula e um maior grau de constrição faríngea para a diferenciação de F1 e a posteriorização e elevação posterior do corpo da língua para a diferenciação de F2 (24-28). A correlação de paralelismo na análise de Sperman indica uma dependência articulatória intrínseca entre o segundo e o terceiro formantes. A posição da ponta da língua atrás dos incisivos e a parte posterior constrita contra o véu palatino reduz os valores de F2 e F3, o inverso também é verdadeiro, o grau de alongamento dos lábios e o grau de encurtamento do trato vocal também são apontados como relacionados ao aumento ou diminuição paralelos, dos valores de F2 e F3 (25,27). Conclusão A partir da análise auditiva e acústica da qualidade vocal de regentes de corais, nas emissões de uma vogal sustentada, nas modalidades de voz falada e cantada, é possível concluir que: 1. A maioria dos regentes de coral possui vozes falada e cantada adaptadas, com desvios discretos no grau global de disfonia e emissões faladas mais alteradas. 2. Regentes de ambos os sexos diferenciam voz falada e voz cantada através da freqüência fundamental e do primeiro formante. Os regentes do sexo feminino diferenciam voz falada e voz cantada também através do segundo formante. 3. Regentes de ambos os sexos apresentaram relação de paralelismo entre o segundo formante da voz falada e o segundo e terceiro formantes da voz cantada, e entre o terceiro formante da voz falada e o terceiro formante da voz cantada. Análise vocal perceptivo-auditiva e acústica, falada e cantada de regentes de coral. 199

Referências Bibliográficas 1. Zander O. Regência coral. 5. ed. Porto Alegre: Movimento; 2003. 89p. 2. Ginsborg J. Shared performance cues in singing and conducting: a content analysis of talk during practice. Psychology of Music. 2006;2:167-94. 3. Fernades AJ, Kayama AG, Östergren EA. A prática coral na atualidade: sonoridade, interpretação e técnica vocal. Musica Hodie. 2006;1:51-74. 4. Rehder MI. Perfil vocal de regentes de corais do estado de São Paulo. 1999. 68f. Tese (Mestrado). Universidade Federal de São Paulo, São Paulo. 5. Behlau M, Azevedo R, Pontes, P. Conceito de voz normal e classificação das disfonias. In: Behlau M Voz o livro do especialista I. São Paulo: Revinter; 2001. p. 53-79. 6. Dejonckere P, Remacle M, Freznel-Elbaz E. Reability and relevance of differentiated perceptual evaluation of pathological voice quality. In: Clemente MP Voice update. Amsterdam: Elsevier; 1966. p. 321-4. 7. Mendes AP, Rothman HB; Sapienza C, Brown WS. Effects of vocal training on the acoustic parameters of singing voice. J Voice. 2003;17:529-43. 8. Estienne F. Voz falada, voz cantada. Rio de Janeiro: Revinter; 2004. 64p. 9. Silva MA, Duprat AC. Voz cantada. In: Ferreira LP, Befi- Lopes DM, Limongi SCO. Tratado de fonoaudiologia. São Paulo: Rocca; 2004. p. 177-94. 10. Behlau MS, Feijó D, Madazio G, Rehder MI, Azevedo R, Ferreira AE. Voz profissional: aspectos gerais e atuação fonoaudiológica. In: Behlau M. Voz: o livro do especialista II. Rio de Janeiro: Revinter; 2005. p. 287-406. 11. Andrade SR, Cielo CA. A ciência fonoaudiológica e a arte do canto coral. Fono Atual. 2005;8:59-68. 12. Behlau M, Rehder MI. Higiene vocal para o canto coral. São Paulo: Revinter, 1997. 44p. 13. Vasilenko L, Pavlikhin OG, Izgarysheva ZA. Analysis of the causes of vocal tract diseases in singers. Vestn Otorinolaringol. 2000;5:13-7. 14. Sataloff RT. Professional voice users: the evaluation of voice disorders. Occup Med. 2001;4:633-47. 15. Timmermans B, De Bodt MS, Wuyts FL, Boudewijns A, Clement G, Peeters A, Van de Heyning PH. Poor voice quality in future elite vocal performers and professional voice users. J Voice. 2002;3:372-82. 16. Solomon NP, Glaze LE, Arnold RR, Van Mersbergen M. Effects of a vocally fatiguing task and systemic hydration on men's voices. J Voice. 2003;1:31-46. 17. Welham NV, Maclagan MA. Vocal fatigue: current knowledge and future directions. J Voice. 2003;17:21-30. 18. Ribeiro L, Hanayama EM. Perfil vocal de coralistas amadores. Rev CEFAC. 2005;7:252-66. 19. Timmermans B, Vanderwegen J, De Bodt MS. Outcome of vocal hygiene in singers. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2005;3:138-42. 20. Behlau M, Azevedo R, Pontes P, Brasil, O. Disfonias Funcionais. In: Behlau M Voz o livro do especialista I. São Paulo: Revinter; 2001. p. 85-245. 21. Rothamn HB, Brown WS, Sapienza CM, Morris RJ. Acoustic analyses of trained singers perceptualy identified from speaking samples. J. Voice. 2001;15:25-35. 22. Pillot C, Vaissière J. Vocal effectiveness in speech and singing: acoustical, physiological and perceptive aspects. Applications in speech therapy. Rev Laryngol Otol Rhinol (Bord). 2006;5:293-8. 23. Cleveland TF, Sundberg J, ED Stone R. Long-termaverage spectrum characteristics od country singers during speaking and singing. J. Voice. 2001;15:54-60. 24. Titze IR. A theoretical study of F0-F1 interaction with application to resonant speaking and singing voice. J Voice. 2004;18:292-8. 25. Adrianopoulos MV, Darrow K, Chen J. Multimodal standartization of voice among four multicultural populations formant structures. J. Voice. 2001;15:61-77. 26. Erickson ML, D'Alfonso AE. A comparison of two methods of formant frequency estimation for high-pitched voices. J Voice. 2002;16:147-71. 27. Sundberg J. Research on the singing voice in restrospect. Speech, music and hearing department at the royal institute of technology. Stockholm, Sweden. 2003;45:11-22. 28. Vurma A, ROSS J. The perception of "forward" and "backward placement" of the singing voice. Logoped Phoniatr Vocol. 2003;28:19-28. 200 Rehder e Behlau.