Um dos principais filtros impostos pela estrutura de superfície é o filtro de Caso. O filtro de Caso pode ser expresso da seguinte maneira:

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Transcrição:

Sétima semana do curso de Linguística III Professor Alessandro Boechat de Medeiros Departamento de Linguística e Filologia Sobre os movimentos Vimos logo no início do curso que as línguas naturais apresentam estruturas em que constituintes estão em lugares onde, de fato, não são interpretados. A Gramática Gerativa chomskyana aborda isso postulando que constituintes podem ser movidos: na estrutura profunda, o constituinte está onde semanticamente é interpretado (relações lógico-semânticas; em particular, o papel temático); a estrutura de superfície representa a posição em que o constituinte é pronunciado e essa posição é muitas vezes alcançada por meio de uma operação: Mover α. No modelo GB, que estamos estudando neste curso, os movimentos aplicam-se livremente. A questão é que um movimento só é legítimo se produz uma estrutura que passe pelos filtros do nível de representação que ele alimenta. Isso quer dizer que, entre a estrutura profunda e a de superfície, por exemplo, os movimentos são livres, mas se um movimento produz um resultado que não é aceitável pela estrutura de superfície, a derivação não é legítima. Um dos principais filtros impostos pela estrutura de superfície é o filtro de Caso. O filtro de Caso pode ser expresso da seguinte maneira: Todo NP/DP pronunciado deve ter um Caso. Existe uma diferença entre Caso estrutural, Caso inerente e caso morfológico. Os Casos estruturais estão ligados a posições sintáticas e podem ter manifestação morfológica. São atribuídos por núcleos específicos, como, pelo menos nas línguas de sistema nominativo-acusativo, a flexão finita (com concordância), as preposições e os verbos transitivos. Os Casos inerentes são casos atribuídos por determinados itens a constituintes aos quais esses itens atribuem papel temático. A capacidade de atribuir caso inerente costuma ser tratada na literatura como uma propriedade idiossincrática desses itens. Há, ainda, muita discussão sobre se a preposição funcional que encontramos em contextos como o do sintagma determinante a destruição do muro, onde o nome destruição atribui papel temático e também um caso inerente a seu complemento, é ou não uma manifestação morfológica do Caso inerente. A marca de genitivo no inglês e no alemão é tratada por muitos autores como uma manifestação morfológica do

Caso inerente, pelo menos em determinadas situações. Caso morfológico é somente a manifestação morfológica de Caso estrutural ou inerente. A postulação de posições especiais de atribuição de Caso estrutural e a própria postulação de um Caso estrutural, que é normalmente abstrato, sem manifestação morfológica foi importante para que a teoria conseguisse dar conta da distribuição das posições superficiais de constituintes nominais. Versões anteriores da teoria postulavam conjuntos complicados de filtros e regras para explicar isso. Com a proposta de um Caso estrutural abstrato, o problema foi resolvido de uma maneira bastante interessante, reduzindo tudo a um filtro único e um conjunto bem restrito de posições de atribuição de Caso. Mas o que seria o Caso estrutural? Existiria alguma relação entre o Caso estrutural e a interpretação que damos a um determinado constituinte? Haegeman (1994) usa uma metáfora teatral interessante para tratar desse ponto. Sugere que vejamos o Caso como a indumentária que os personagens (papéis) usam em uma determinada peça de teatro. O diretor atribui papéis aos atores; esses papéis ficam visíveis através de uma indumentária ou fantasia que os atores usam. O Caso estrutural, portanto, torna os papéis (temáticos) visíveis, ou definindo determinada posição numa sentença, ou disparando uma determinada marca morfológica, quando a língua o permite. Para ter um Caso estrutural, o NP/DP deve ser regido por núcleo que seja um atribuidor de Caso. Ora, se numa estrutura profunda um determinado constituinte não está em posição para receber um Caso (estrutural ou inerente), este constituinte tem que se mover para uma posição onde receba um Caso estrutural, desde que isso não viole outro princípio qualquer (como o critério temático, por exemplo). Se isso não acontecer, a derivação não é legítima, por não satisfazer ao filtro de Caso, que se aplica na estrutura de superfície. As posições de atribuição de Caso estrutural são: especificador de flexão com concordância (especificador é uma posição regida nuclearmente por seu núcleo), complemento de verbo transitivo e complemento de preposição. As posições de complemento de verbo transitivo e de complemento de preposição são também posições de atribuição de papel temático. Assim, na estrutura a seguir, as posições com +K são posições de atribuição de Caso estrutural; as posições com K são as que não recebem Caso estrutural. As posições com +θ são as de papel temático; as com θ são as que não o recebem.

Fazer uma estrutura com adjunto preposicional no quadro. Note-se que a posição de especificador de VP não é uma posição de Caso. Assim, se o constituinte nominal permanece ali, fará com que a derivação não seja legítima. Ele deve, pois, mover-se para o especificador do IP, que é uma posição de Caso estrutural nominativo. Esses movimentos são tais que os objetos movidos são categorias nominais. Ou seja, são casos de Mover NP/DP. A motivação gramatical dos movimentos de categorias nominais é o filtro de Caso. Importante dizer que os itens movidos deixam suas posições de origem ocupadas por uma entidade gramatical não pronunciada pois, entre outras coisas, não preservaríamos a estrutura ao longo da derivação se permitíssemos que partes dela fossem excluídas e também não conseguiríamos recuperar o papel temático do objeto movido ao fim da derivação. O nome genérico de entidades gramaticais não pronunciadas é categoria vazia; o nome específico para as categorias vazias envolvidas na operação de movimento é vestígio. Por não ser pronunciado, o vestígio pode ficar em posição sem atribuição de Caso estrutural sem violar o filtro de Caso acima. Os vestígios são inseridos, portanto, entre os níveis estrutura profunda (DS) e de superfície (SS), e entre os níveis estrutura de superfície (SS) e forma lógica (LF). Em se tratando do tipo de movimento acima, motivado pelo filtro de Caso, o vestígio inserido na posição de origem terá natureza anafórica, recuperando a referência do objeto movido para outra posição. Exercícios: 1) Em línguas de sistema de Caso nominativo-acusativo, em que posição na estrutura sintática os constituintes nominais devem adquirir Caso estrutural nominativo? Em que posição adquirem Caso estrutural acusativo? Em que posição devem adquirir Caso estrutural oblíquo? 2) Assumindo que em sentenças na voz passiva o VP tem a estrutura de um verbo inacusativo, que V é realizado pelo verbo no particípio, que I é realizado diretamente pelo auxiliar da passiva e que as posições desocupadas por constituintes que se deslocam sejam ocupadas por um vestígio, rotulado como t, construa a estrutura de superfície da sentença a bola foi chutada pelo craque.

Mas existem outros tipos de movimentos... Outro movimento é o movimento de núcleos. Vimos que, nas estruturas até o momento apresentadas, a representação da flexão e a do verbo estão em pontos distintos da estrutura. Mas a morfologia dos verbos em línguas como o português exige que radicais e suas flexões sejam pronunciados numa mesma palavra, definida morfofonologicamente. Assim, a maneira de salvar uma derivação em que o radical verbal está de um lado e sua flexão está em outro ponto é movendo um em direção ao outro. Assumindo que no português as flexões são fortes e atraem os radicais verbais, temos que os Vs sobem para os Is e se adjungem (adjunção em projeção mínima) a estes, formando uma palavra morfofonológica. Os movimentos de núcleo são sempre de núcleo a núcleo, nunca se podendo pular uma posição de núcleo no curso do movimento. De fato, todos os movimentos são mínimos, nunca passando por cima de posições nas quais os objetos movidos poderiam estar. Exercício: façamos a estrutura de superfície da frase: O João comeu uma gostosa maçã. Há ainda um terceiro tipo de movimento: o movimento de QU. Vejamos a frase: o que que o João comeu? Todos concordamos que a expressão o que é um complemento do verbo que não está em sua posição canônica, ainda que expressões dessa natureza (QUs interrogativos) costumeiramente ocupem a cabeça da sentença. Como lidamos com isso? A maneira de tratar a questão dentro da gramática gerativa é considerando a operação de movimento. O QU complemento move-se para uma posição mais alta na sentença. As perguntas então que restam responder são: (1) Para qual posição? (2) Por que há movimento? Respondendo (1): A posição para a qual o QU se move é a posição de especificador de CP. O CP é um dos locais onde encontramos posições de tópico e foco. Note-se que o QU pede por uma informação nova, estando, pois, ligado à noção de foco. Um detalhe importante é que, no português, é possível

encontrarmos um que entre o QU deslocado e o sujeito da sentença. Isso dá mais uma evidência de que a posição ocupada pelo QU deslocado é a posição de especificador de CP, pois o C, nesses casos, é ocupado pelo seu realizador típico, a conjunção que. Respondendo (2): Considerando que os QUs interrogativos são operadores como os operadores universal e existencial da lógica de predicados, e que estes operadores na forma lógica das sentenças devem ter escopo sobre as sentenças, e considerando que o último nível de representação sintática, FL, espelha sintaticamente as relações de escopo que expressamos nas formas lógicas das sentenças, então os operadores interrogativos devem estar numa posição sintática que corresponda ao escopo sobre a sentença inteira pelo menos em FL. Essa posição é o especificador do CP. Note-se que o movimento não é motivado pelo filtro de Caso: na sentença o que que o João comeu?, o DP o que recebe Caso acusativo em sua posição original. Portanto, o deslocamento do constituinte não pode ser explicado por razões relacionadas com Caso ou visibilidade do papel temático. O movimento, pois, é motivado pelas razões discutidas no parágrafo anterior. Vejam-se as formas lógicas das sentenças a seguir: O João comeu todas as maçãs: ( x)[maçã(x) comeu(joão)(x)] O que (que) o João comeu?: (Para que x)[comeu(joão)(x)] Isso significa que os operadores interrogativos devem mover-se para o especificador de CP para que a sentença seja interpretada. Esse movimento não precisa ser visível, mas é obrigatório. Uma conclusão ainda mais curiosa: ora, se todas as mentes são qualitativamente iguais, bem como suas faculdades lingüísticas, então, uma expressão com QU, em qualquer língua, deve ter este QU no especificador do CP no final da derivação (pelo menos em FL), para ser interpretável. Isso quer dizer que línguas com QU in situ devem realizar o movimento do QU entre a estrutura de superfície (SS) e a Forma Lógica (FL). Seria o caso do chinês e do japonês, por exemplo, e aqui teríamos mais uma diferença paramétrica: em que ponto da derivação um QU deve mover-se. Vejam-se os exemplos do japonês tirados de Haegeman (1992) SS: John-wa, Mary-ga dare-o kiratte-iru to sinzite-ita ka?

(Quem o João acredita que Maria odiava?) LF: [ CP Dare-o i [ IP John-wa, Mary-ga x i kiratte-iru to sinzite-ita ka]] É muito importante esclarecer que, como nos movimentos motivados pelo filtro de Caso e nos movimentos de núcleo, a posição desocupada pelo constituinte movido é ocupada por um vestígio coindexado com ele. No entanto, as naturezas dos vestígios são distintas. Enquanto o movimento motivado pelo filtro de Caso pede por um vestígio de natureza anafórica como se fosse um pronome reflexivo, por exemplo, o vestígio de um QU tem natureza referencial ou seja, funciona não como um refelxivo, mas como uma expressão com referência própria. De fato, dizemos que os vestígios de NP/DP (não QU) são anáforas não pronunciadas, mas os vestígios de QU são variáveis ligadas pelo operador definido pelo pronome interrogativo variáveis com propriedades referenciais. Veremos mais tarde que tem uma relação interessante com a teoria da ligação. Agora, à prática: como então representamos as estruturas profunda e de superfície da sentença: O que que o João comeu? Vamos exercitar mais: O que o caminhão atropelou? Quando Paulinho vomitou no chão da sala? Quem acredita em Papai Noel? Por que Paulinho brigou com a Namorada?