FORMULAÇÃO DE MATERIAIS VÍTREOS A PARTIR DE CINZA PESADA DE CARVÃO MINERAL PARA O DESENVOLVIMENTO DE FRASCOS

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Transcrição:

FORMULAÇÃO DE MATERIAIS VÍTREOS A PARTIR DE CINZA PESADA DE CARVÃO MINERAL PARA O DESENVOLVIMENTO DE FRASCOS Camila GONÇALVES 1 ; Adriano BERNADIM 2 ; Geraldo MARTINS 3 ; Rozineide BOCA SANTA 4 ; Cassio LEONI 5 ; Claudia KNIESS 6 e Humberto RIELLA 7. 1 Universidade Federal de Santa Catarina, goncalvesscamila@gmail.com; 2 Universidade do Extremo Sul Catarinense, amb@unesc.net; 3 Universidade Federal de Santa Catarina, geraldojmmartins@hotmail.com; 4 Universidade Federal de Santa Catarina, roosebs@yahoo.com.br; 5 Universidade Federal de Santa Catarina, cassio-leoni@hotmail.com; 6 Universidade Nove de Julho, kniesscl@gmail.com; 7 Universidade Federal de Santa Catarina, riella@enq.ufsc.br. RESUMO A cinza pesada do carvão mineral apresenta uma vasta quantidade de compostos, e entre eles, metais pesados. A presença de metais pesados e outros componentes tóxicos tornam indesejada e incorreta a disposição deste resíduo no meio ambiente, ainda que em local específico. Tendo em vista este problema, o trabalho propõe o desenvolvimento de materiais vítreos utilizando a cinza pesada do carvão mineral como fonte de sílica e alumina. Através das análises de caracterização, a cinza mostrou-se rica em sílica, componente principal que constitui a matriz vítrea. Foram formados vidros com diferentes formulações, sendo os componentes utilizados cinza pesada e óxido de cálcio. Os materiais obtidos foram caracterizados a partir das técnicas de difração de raios X (DRX), calorimetria exploratória diferencial (DSC) e espectroscopia de infravermelho por transformada de Fourrier (FTIR). Fez-se também uma análise estatística dos fatores que influenciaram no ponto de fusão dos materiais, análise esta extremamente importante na obtenção de um vidro. Vidros com maiores teores de CaO tiveram menores temperaturas de fusão. Os resultados obtidos foram satisfatórios, pois obteve-se vidros escuros, devido ao alto teor de ferro na cinza, com alto brilho e resistência. Neste trabalho é apresentado a melhor amostra de vidro obtida após os estudos. Palavras-chave: Cinza pesada de carvão mineral. Vidros. Resíduos sólidos. Reciclagem. Frascos vítreos. ABSTRACT The bottom ash of coal contains a vast amount of compounds, including heavy metals. The presence of heavy metals and other toxic components make the disposal of this waste in the environment undesirable and incorrect, even if in a specific place. In view of this problem, this work proposes the development of vitreous materials using coal bottom ash as a source of silica and alumina. Through the characterization analyzes, the ash was rich in silica, the main component constituting the vitreous matrix. Glasses with different formulations were formed, the components being used bottom ash and calcium oxide. The obtained materials were characterized by X-ray diffraction (XRD) techniques, differential scanning calorimetry (DSC) and infrared spectroscopy (FTIR). A statistical analysis was carried out of the factors that influenced the melting point of the materials, an extremely important analysis in obtaining a glass. Glasses with higher CaO contents had lower melting temperatures. The results obtained were satisfactory, because dark glasses were obtained, due to the high content of iron in the ash, with high brightness and resistance. In this work the best glass sample obtained after the studies is presented. Key-Words: Coal bottom ash. Glasses. Solid waste. Recycling. Glass flasks. 1 INTRODUÇÃO A geração de resíduos tem-se tornado cada vez maior com o passar dos anos e com o caminhar da evolução industrial. A necessidade por técnicas aprimoradas, produtos inovadores e principalmente energia contribui consideravelmente para a geração de resíduos. Em contrapartida, a conscientização ambiental vêm crescendo, existindo hoje normativas e leis que regem o descarte e tratamento adequado para todos os resíduos gerados. A crescente demanda para a geração de energia elétrica resultou na construção de usinas térmicas a carvão. As usinas térmicas geram grandes quantidades de resíduos queimados sob a

forma de cinzas, cinzas volantes ou escórias. A crescente produção de cinzas há muito tem causado problemas ambientais gerando efeitos tecnológicos e econômicos no mundo todo (EROL, M, S. KÜÇÜKBAYRAK, A. ERSOY-MERIÇBOYU, 2008). As cinzas geradas podem ser aproveitadas como um material/componente que dará origem à outros produtos comercializáveis, eliminando assim seu descarte no meio ambiente. As cinzas pesadas são ricas em sílica e é um material de difícil degradação. Se não for devidamente descartada, pode causar poluição da água e do solo, interromper ciclos ecológicos e apresentar riscos ambientais (ZT YAO et al 2015). As cinzas pesadas geradas pela combustão do carvão mineral, em usinas termelétricas, apresentam na sua composição características constitucionais propícias para a utilização como matéria prima na obtenção de materiais vítreos e cerâmicos (KNIESS et al 2002; EROL et al 2007). A cinza, isoladamente, forma uma massa vítrea quando submetida a altas temperaturas, próximas aos 1600 C. Os vidros assim formados são susceptíveis à nucleação interna, mesmo sem a adição de quaisquer agentes nucleantes (NEVES, E. et al 1998). No entanto, dentro do contexto da utilização da cinza na confecção de novos materiais, tem-se a elaboração de vidros (embalagens). A cinza proveniente da Tractebel Energia, localizada em Capivari de Baixo, SC, foi destinada para a produção de materiais vítreos para embalagens, sendo os responsáveis por esta etapa a equipe da Universidade Federal de Santa Catarina, seguindo as normas específicas para tal elaboração. 2 MATERIAIS E MÉTODOS 2.1 PLANEJAMENTO EXPERIMENTAL A mistura de matérias-primas é de fundamental importância para diversos setores tecnológicos, podendo-se otimizar as propriedades do produto final pela adequada combinação das matérias-primas. Nesse sentido, a utilização de planejamentos experimentais para o estudo de misturas tem encontrado larga aplicação tanto em pesquisas laboratoriais como em desenvolvimentos industriais (CAMPOS et al., 2007). Portanto, por tratar-se de uma mistura de matérias-primas, optou-se por realizar este tipo de planejamento, cuja somatória das frações é igual a 1. A Tabela 1 mostra o planejamento experimental realizado para cinza e um material fundente: Tabela 1. Formulação das amostras vítreas considerando a fração mássica de cada componente. Amostra Cinza (%) CaO (%) 1 90,00 10,00 2 87,00 13,00 3 85,00 15,00 4 82,00 18,00 5 80,00 20,00 6 78,00 22,00 7 75,00 25,00 8 73,00 27,00 9 70,00 30,00 2.2 FUSÃO DO VIDRO As formulações, definidas no planejamento de mistura, foram fundidas em um forno Schally vertical à temperatura de 1500 C. A matéria-prima (cinza pesada) foi mesclada em um moinho a seco, por 48 horas. Posteriormente, a cinza moída foi misturada com o CaO obedecendo as proporções determinadas no planejamento, e transferida para um cadinho de alumina de 70 ml de volume. Em seguida, os cadinhos contendo cada mistura foram introduzidos no forno e permaneceram por 4 horas, até completa fusão dos componentes, com máxima temperatura de fusão de 1500 C. A Figura 1 ilustra os passos realizados após a fusão. Figura 1. Processo de fusão dos vidros: (a) Remoção do cadinho do forno após ciclo de fusão de 4 horas; (b) Vazamento do vidro em recipiente metálico resistente à alta temperatura; (c) Solidificação do vidro fundido. Nota: O centro ainda permanece em estado líquido. a b c

2.3 TÉCNICAS DE CARACTERIZAÇÃO Para a caracterização dos materiais vítreos, foram utilizadas as técnicas de Difração por Raios X (DRX), Espectroscopia de Infravermelho por Transformada de Fourier (FTIR) e Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC). Para a caracterização da cinza pesada, foi utilizada a técnica de Fluorescência por Raios X (FRX). A técnica de difração de raios X é utilizada na determinação das fases cristalinas ou amorfas presentes nos materiais. As análises foram feitas pelo método do pó, em difratômetro Philips X Pert, com radiação cobre (1,5418 Å). A técnica de FTIR foi utilizada para análise do comportamento quanto a ligações Si-O, Al-O, Mg-O, na vitrificação dos materiais em estudo. Conforme Salla (1996), quando um átomo está coordenado por certo número de oxigênios, o espectro de FTIR fornece informações sobre a natureza do átomo central. De forma geral, quanto menor o número de coordenação, mais próximo o oxigênio está do cátion, estando esta ligação associada a uma maior frequência de vibração. Os materiais obtidos apresentaram as características físicas de um vidro, como alto brilho (não medido). A coloração preta é devida a grande quantidade de óxido de ferro contido na cinza pesada (KNIESS; CABRAL; RIELLA, 2002). Todos os 9 vidros apresentaram o mesmo aspecto, porém o vidro da formulação 9 foi tomado como exemplo para a elaboração deste trabalho, pois apresentou os melhores resultados em relação à temperatura de fusão, que é o principal parâmetro a ser medido. Deseja-se uma temperatura de fusão baixa, para economia de energia. 3.2 ANÁLISES DE CARACTERIZAÇÃO 3.2.1 DIFRAÇÃO POR RAIOS X A amostra de vidro analisada apresentou-se amorfa. O difratograma correspondente está exposto na Figura 3. A ausência de picos bem definidos denota a estrutura desordenada das amostras, típica de vidros. Figura 3 Difratograma identificado da formulação 9. A técnica de DSC permite medir a diferença de energia fornecida à amostra e a um material de referência em função da temperatura, enquanto a substância em análise e o material de referência são submetidos a uma programação controlada de temperatura (IONASHIRO, 2004). A técnica de FRX foi utilizada para quantificar e identificar os elementos presentes na composição da cinza. Intensidade (cps) 70 60 50 40 30 20 10 Vidro de cinza pesada 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 0 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 2 ( ) 3.1 OBTENÇÃO DOS VIDROS Foram obtidos 9 tipos de vidro, cada um com teor de cinza e óxido de cálcio. A Figura 2 ilustra alguns vidros obtidos a partir da formulação exposta na Tabela 1. Figura 2 Vidro conforme composição 9 definida no planejamento experimental. 3.2.2 ESPECTROSCOPIA DE INFRAVERMELHO POR TRANSFORMADA DE FOURIER (FTIR) A Figura 4 mostra os resultados da análise de espectroscopia de infravermelho para amostra de vidro 9. Em todos os espectros três regiões podem ser distintas, cada uma caracterizada por máximos de absorção devido a diferentes tipos de vibração.

Figura 4- FTIR para as dez amostras de vidros. Tabela 2 Resultados da análise de DSC para a temperatura de transição vítrea (Tg) e de fusão (Tf). 110 Vidro Tg (ºC) Tf (ºC) 100 90 O-H 1 1278 1305 Transmitancia (%) 80 70 60 50 O-Si-O O-Al-O O-Si-O-Al-O 2 1210 1289 3 1034 1061 4 1105 1152 40 30 4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 500 Numero de Onda (cm -1 ) 5 1076 1152 6 1043 1158 A região que compreende a faixa de 800-1200 cm -1, representa vibrações de alongamento de Si-O-Si e Si-O-M (M = Al, Mg, Fe) (KARAKASSIDES, 1999 apud FARMER & RUSSELL, 1964). A região que compreende a faixa de 3450-3670 cm -1, as faixas compreendidas entre 3450 e 3670 cm -1 são atribuídas ao modo de alongamento OH (SAIKIA; PARTHASARATHY, 2010). As regiões destacadas são os elementos majoritários da composição da cinza pesada. 3.2.3 CALORIMETRIA EXPLORATÓRIA DIFERENCIAL (DSC) A Tabela 2 mostra a relação entre as composições e as temperaturas de transição vítrea e fusão dos vidros. Percebe-se que quanto maior o teor de CaO, menor são estas temperaturas. O óxido de cálcio age como um fundente, isto é, contribui para a redução da temperatura de fusão da sílica e alumina presentes na cinza (componentes majoritários). O cálcio se une aos oxigênios liberando ligações entre este e a sílica, e devido à sua bivalência, cada átomo de cálcio se une a dois átomos de oxigênio. Este óxido não é tão eficiente como o sódio no processo de redução da temperatura de fusão, porém, por ser pouco solúvel em água, torna o vidro mais resistente à solubilidade. 7 942 1062 8 918 1033 9 828 931 3.2.4 FLUORESCÊNCIA POR RAIOS X A Tabela 3 mostra todos os elementos químicos presentes na composição da cinza pesada de carvão mineral. Tabela 3 Composição química da cinza pesada Óxidos SiO 2 Al 2 O 3 Fe 2 O 3 K 2 O Teor (%) 53,3 22,9 15,1 3,08 O elevado percentual de sílica justifica a utilização da cinza como um material formador da rede vítrea. A alumina, conforme Akermamm (2000) e Navarro (2003) aumenta a durabilidade química e a resistência mecânica. O óxido de ferro atua como corante, fornecendo ao material uma coloração preta (para elevados teores de ferro) ou amarelada (para quantidades menores de ferro) (KNIESS; CABRAL; RIELLA, 2002). O óxido de potássio, conforme Navarro (2003) interfere na composição dos vidros em quantidades menores que 1%, aumentando a viscosidade e, consequentemente, sua temperatura de trabalho. A cinza apresenta 3,08% de K 2 O e portanto não apresenta necessidade de adicionar este elemento à parte na composição.

4 APLICAÇÃO: VIDRO PARA EMBALAGENS O processo produtivo do vidro é simples, e além disso, utiliza matérias-primas baratas e, como visto, essas matérias-primas podem ser um resíduo que apresente uma composição química propícia à formação do material, tornando ainda mais atrativa a produção de um frasco, que será ecologicamente correto. Os testes preliminares, como demonstrados ao longo deste trabalho, mostraram que é possível obter um material vítreo. Porém, para a aplicação em embalagens, é necessário ainda outros testes, como toxicidade e viscosidade. A viscosidade é um importante parâmetro na produção de vidros, pois há uma faixa ideal para a conhecida técnica de sopro, no qual o objeto vítreo adquire o formato de interesse. O teste de toxicidade permite verificar se algum componente da matriz vítrea, como os metais pesados, por exemplo, migrarão do material para o produto, podendo ser prejudicial à saúde humana. Tais testes serão elaborados nas etapas seguintes a este estudo. 5 CONCLUSÃO A obtenção de vidro a partir da cinza pesada mostrou-se viável e totalmente satisfatória, visto que a matéria-prima é considerada um resíduo e até um problema ambiental, devido à falta de lugar adequado para o descarte. A análise de DRX mostrou que o material testado é vítreo, devido à ausência de picos, característicos de estrutura amorfa, nos resultados da análise. Amostras cristalinas apresentam picos bem definidos. As análises de DSC/TG mostraram que as misturas vítreas fundem em temperaturas inferior a da cinza pura (1700ºC), devido ao efeito dos fundentes, evidenciando então uma economia de energia, além da melhora das propriedades do material. A menor temperatura de fusão observada foi no Vidro 9 (70,0 % cinza, 30,0 % CaO), sendo esta de 931 ºC e a maior, no Vidro 1 (90,0% cinza, 10% CaO),sendo esta de 1305 ºC. De acordo com a análise estatística, em função da temperatura de fusão (Tf), foi possível verificar a significância da contribuição dos fatores (componentes do vidro) em virtude destas grandezas. Para a Tf, o fator mais significativo para o seu aumento foi a cinza pesada. Composições com maiores teores de cinza pesada, apresentaram maior temperatura de fusão. O óxido de cálcio age como um fundente na estrutura vítrea, contribuindo para uma menor temperatura de fusão do material. As análises de FTIR comprovaram a existência dos elementos prováveis nas amostras vítreas, sendo evidenciadas as ligações Si-O-Si e Si-O-M (M = A1, Mg, Fe), e vibrações de OH. Os produtos formados, em princípio, atenderam às expectativas em relação às características de um material vítreo. As análises confirmaram a existência de um material amorfo, e as características físicas destes materiais atenderam também os quesitos estéticos. 6 REFERÊNCIAS AKERMAN, M. Introduçao ao vidro e sua produção. ABIVIDRO - Escola do Vidro, p. 53, 2013. CAMPOS, L. F. A.; MENEZES, R. R.; LISBOA, D.; et al. Planejamento experimental no estudo da maximização do teor de resíduos em blocos e revestimentos cerâmicos. Cerâmica 53 (2007). EROL, M.; KUÇUKBAYRAK, S.; ERSOY- MERIÇBOYU, A. Characterization of coal fly ash for possible utilization in glass production. Fuel, v. 86, n. 5-6, p. 706 714, 2007. EROL, M.; KUÇUKBAYRAK, S.; ERSOY- MERIÇBOYU, A. Comparison of the properties of glass, glass ceramic and ceramic materials produced from coal fly ash. Journal of Hazardous Materials 153 (2008) 418 425. IONASHIRO, M. Giolito - Fundamentos da Termogravimetria Análise Térmica Diferencial Calorimetria Exploratória Diferencial. Giz Editorial, p. 10 45, 2004. KNIESS, C. T.; CABRAL, N.; GRACHER, H. Estudo do efeito da quantidade de óxido de ferro em cinzas pesadas de carvão mineral na obtenção de vitrocerâmicos. Química Nova, 2002. NAVARRO, J. M. F. El vidrio. 3 ed. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2003. 667p. NEVES, E.; POFFO, E. RIELLA, H. G. Efeito da adição de Na2O na viscosidade e devitrificação do vidro de cinza volante + Li2O. Química Nova Jul/Agos, n.4, v.21, 1998.

YAO, Z. T. et al. A comprehensive review on the applications of coal fly ash. Earth-Science Reviews, v. 141, p. 105 121, 2015.