POR UMA NOVA REGRA DE ELISÃO (FOR A NEW RULE OF ELISION) Milca Veloso Nogueira (FFLCH USP) * ABSTRACT: This paper discusses the definition of elision in Brazilian Portuguese. For Bisol, elision deletes the [+low] vowel. Other authors show examples of elision of [+back high] vowels. Nevertheless, neither approach explains the reason why elision seems to be possible with the first vowel being [+high] and [-back] in some contexts. We investigate the influence of consonants and in the process. KEYWORDS: elision, back vowel, front vowel 0. Introdução Neste trabalho, analisamos as propostas de definição da elisão no Português Brasileiro (doravante PB) e apresentamos um problema na descrição do mesmo. Nosso objetivo é mostrar que há alguns tipos de apagamento de vogal que não se enquadram e não são explicados na descrição clássica da elisão no PB proposta por Bisol (1992, 1996, 2003). Essa descrição é apresentada na seção 1. Na seção 2, apresentamos outras análises para a regra de elisão: Abaurre et alii (1999), Veloso (2003), Komatsu & Santos (2005) e Santos (prep.). Na terceira seção, apresentamos exemplos de apagamento de vogal que não foram explicados pelas abordagens existentes e o papel das consoantes fricativas no processo. 1. Análise Clássica para o PB: Bisol Processos de sândi externo acontecem quando, no nível pós-lexical, houver uma seqüência de duas vogais adjacentes em fronteira de palavra. Segundo Bisol (2003), a elisão fica restrita ao apagamento da vogal /a/ 1 em posição não-acentuada de final de palavra, quando a palavra seguinte começa por vogal de qualidade diferente. No artigo de 1992, Bisol analisa a degeminação e a elisão. A autora afirma que, sob a condição de não ser acentuada a segunda vogal, a elisão se aplica: a) de modo geral quando a vogal seguinte for posterior e b) opcionalmente quando a vogal seguinte for anterior. A autora menciona o fato de as regras de sândi externo serem opcionais, já que o hiato pode ser mantido em fala mais cuidadosa, porém formula as condições supracitadas, tornando, ao que parece no texto, um tipo de elisão mais opcional que o Agradeço à audiência do ENAPOL e à professora Raquel Santana Santos pela discussão. Os erros que restam são de minha responsabilidade. * Agradeço ao financiamento do CNPq dado à minha pesquisa. 1 Em 1992, a autora afirma, em nota, que elisões de outras vogais podem ocorrer, mas não têm o caráter geral que a vogal /a/ apresenta. Em 2003, o texto é: "Elision is restricted to the deletion of a word final // " (p. 181, grifo meu).
outro. Abaixo, observamos os exemplos dados por Bisol de elisão aplicando-se quando a vogal seguinte for posterior (cf. (1)) e quando a vogal seguinte for anterior (cf. (2)) 2 : (1) Eu estava hospitalizado Eu estavspitalizado (2) casa escura ca cura ou cacura Bisol (1992) considera que se a segunda sílaba do contexto for acentuada, a elisão será bloqueada. Em (2003), a autora passa a falar da relevância do sintagma fonológico, já que o processo é bloqueado, de fato, quando a segunda vogal do contexto portar um acento que seja o mais forte no sintagma fonológico a que pertence, como observamos nos exemplos abaixo: 3 (3) Mastigava [ervas amargas] Mastigav[]rvas amargas (4) Mastigava [ERvas] *Mastigav[]rvas Em (3), apesar de a primeira sílaba de ervas portar o acento primário de palavra, o acento principal do sintagma fonológico () não está em ervas, mas sim em amargas, por isso a elisão do /a/ final em mastigava diante de ervas amargas é possível. Em (4), por outro lado, observamos que ervas recebe o acento principal do sintagma, por isso há o bloqueio da elisão. No artigo de 1996, Bisol considera a elisão como sendo um processo motivado pelo choque de dois núcleos silábicos e licenciado por princípios universais: o princípio de licenciamento prosódico (todas as unidades fonológicas devem pertencer à estrutura prosódica superior), o princípio da seqüência de sonoridade (a sonoridade dos segmentos deve ser crescente, do ataque até o núcleo da sílaba) e a regra universal de apagamento do elemento extraviado (quando um elemento não estiver licenciado em um domínio superior, ele é apagado). Em 2003, à luz da TO, Bisol considera que a elisão e a degeminação sejam bloqueadas quando a segunda vogal do contexto carrega o acento principal do sintagma, porém a ditongação é permitida no mesmo contexto. A autora propõe, então, as restrições que regem essa diferença. A elisão e a degeminação são marcadas com relação a uma restrição de fidelidade que bloqueia o apagamento de vogal em final de palavra. Já a ditongação, que não envolve apagamento, não é marcada com relação ao sândi. Resumindo as análises de Bisol, na tabela 1, apresentamos os contextos para a elisão: /a/ átono em final de palavra diante de vogal átona e diante de vogal acentuada que não seja portadora do acento principal de sintagma. 4 2 A transcrição (IPA) da parte relevante está entre colchetes (aqui e em todo o artigo). 3 As letras maiúsculas indicam a sílaba que recebe o acento do sintagma fonológico. 4 Os exemplos são de Bisol, com exceção dos que estão em itálico. A autora não menciona a previsão de elisão diante de vogais pretônicas abertas, que ocorrem em alguns dialetos, porém de acordo com o julgamento de falantes desses dialetos, ela é possível nesses contextos também.
tabela 1 elisão de /a/ átono em final de palavra 5 a + vogal átona a + vogal tônica sem acento de sintagma a+e merenda escolar ele compra esse livro ele compr[]sse livro merend[]colar a+i casa escura ca[]cura ou ele canta hinos sacros ele cant[]nos sacros ca[]cura a+o menina orgulhosa meni[]gulhosa a+u era usado e[]sado a+ menina []ducada menin[]ducada a+ Caiçara h[]tel Caiçar[]tel não tinha outra solução não tinh[]utra solução foi feita uma peça foi feit[]ma peça bonita mastigava ervas amargas mastigav[ ]vas amargas cantava óperas italianas canta[]peras italianas Como é possível observar, a elisão de /a/ é possível nos dois casos: quando a vogal inicial do vocábulo seguinte for átona e quando portar acento primário de palavra sem que coincida com o acento principal do sintagma. Na tabela 2, observamos o contexto em que a segunda vogal recebe o acento principal de sintagma : tabela 2 bloqueio da elisão de /a/ átono em final de palavra a + vogal com acento principal do sintagma a+e ele compra esse ele *compr[]sse a+i a+o a+u fala isto *fal[]sto ele compra ostras ele *compr[]stras ele compra uvas ele *compr[]vas a+ ele mastigava ervas ele *mastigav[ ]vas a+ ele cantava óperas ele *canta[]peras Como observamos, a elisão de /a/ é bloqueada já que a sílaba que segue, pertencente a outra palavra, recebe o acento principal do seu sintagma fonológico. 5 A análise da elisão de /a/ pretende dar conta do PB de uma forma geral, incluindo dialetos que neutralizam a distinção das vogais médias fechadas (como no sul e no sudeste) e dialetos que favorecem as médias abertas (como no norte e no nordeste).
2. Outros contextos Abaurre, Galves & Scarpa (1999) não discutem a regra de elisão, mas apresentam dados com elisão e bloqueio de elisão de /u/ átono final diante de vogais acentuadas, segmento não considerado por Bisol. tabela 3 elisão e bloqueio de elisão de /u/ átono em final de palavra u + vogal tônica sem acento de sintagma u + vogal com acento principal de sintagma u+e eu compro esse livro eu compr[]sse eu compro esse eu *compr[]sse livro u+o eu como ostras caras eu com[]stras eu como ostras eu *com[]stras caras u+i eu canto hinos sacros eu cant[]nos eu canto hinos eu *cant[]nos sacros u+ eu compro essa casa eu compr[ ]ssa eu compro essa eu *compr[ ]ssa casa u+a eu bebo água tônica eu beb[a]gua eu bebo água eu *beb[a]gua tônica u+eu como ovos frescos eu com[]vos eu como ovos eu *com[]vos frescos Como observamos na tabela 3, o /u/ átono em final de palavra pode ser elidido quando a vogal seguinte não receber o acento principal de sintagma fonológico, caso contrário, a elisão será bloqueada. Os casos em que a segunda vogal é átona também permitem a elisão, como vemos na tabela 4, abaixo: tabela 4 elisão de /u/ diante de vogal não-acentuada u + vogal não-acentuada u+a aluno atento alun[a]tento u+i aluno esperto alun[]sperto u+o aluno honesto alun[]nesto u+e aluno educado alun[e]ducado Veloso (2003), apresentando exemplos de seu corpus, afirma que "é permitida a elisão de vogais posteriores, mas não da vogal anterior [i]" (p. 35). Komatsu & Santos (2005) e Santos (prep.) também argumentam a favor de elisão de outras vogais. Santos (prep.), discutindo a regra de elisão, propõe que a regra deva explicitar o apagamento de vogal com o traço [+ posterior]. Sendo o quadro de vogais do PB como mostrado na tabela 5, Santos argumenta que a elisão se aplicaria para o conjunto das vogais com o traço [+ posterior]. Com isso, a elisão pode, em princípio, aplicar-se com as vogais /,,, /. As vogais // e // neutralizam-se em []. Exemplos dos casos de elisão das
vogais // e // estão nas tabelas 1, 2 e 3. A vogal [], embora [+ posterior], não sofre elisão por não ocorrer em posição pós-tônica em final de palavra. tabela 5 conjunto das vogais anteriores e posteriores do PB + anterior + posterior Embora estas análises apontem para o fato de que a elisão ocorre em um leque muito maior do que o previsto por Bisol, elas não consideram um outro tipo de apagamento, conforme mostro na seção que segue. 3. Apagamento de [] pós-tônico em final de palavra Abaurre et alii (1999), Veloso (2003) e Santos (prep.) consideram que não seja permitida a elisão da vogal anterior [] pós-tônica em final de palavra diante de [ ]. Os exemplos na tabela 6 estão em conformidade com a previsão das autoras: tabela 6 bloqueio de elisão de [] pós-tônico em final de palavra []+a []+u []+u []+u []+o quibe assado *quib[]ssado [i] + vogal átona (bloqueio de elisão) calhambeque usado *calhambe[]sado prece humilde *pre[]milde nave usada *nav[]asda xerife honesto *xerif[]nesto Na tabela acima, notamos que a vogal do primeiro vocábulo é [] (portanto [+ anterior]) e a vogal inicial do vocábulo seguinte é átona. Porém, a elisão não é permitida, diferentemente dos casos apresentados com as vogais [] e []. Porém, na tabela 7 a seguir, observamos o possível apagamento de [] átono em final de palavra, contrariando a afirmação das autoras supracitadas:
tabela 7 elisão de [] pós-tônico em final de palavra 6 []+o []+a []+a []+a []+u [] + vogal átona (ocorrência de elisão) Eu tinha um peixe ornamental Eu tinha um pei[]rnamental Minha mãe fez peixe assado Minha mãe fez pei[]ssado Ele criou uma charge animada Ele criou uma char[]nimada Este é o livro de Jorge Amado Este é o livro de Jor[]mado feixe usado fei[]sado Os exemplos da tabela 7 mostram que o apagamento é possível quando a vogal [] for precedida pelas consoantes alvéolo-palatais e. 7 Minha análise é que as consoantes e contêm a informação de ponto necessária para que a produção da vogal [] não seja obrigatória e por isso ela pode ser elidida. Porém, a diferença entre os contextos contendo vogal [+ posterior] vs. vogal [- posterior] não se restringe às características articulatórias dos segmentos adjacentes. Há, também, diferenças nos contextos prosódicos. Enquanto nos exemplos de elisão de vogais posteriores era possível elidir a vogal que estivesse diante de vogal acentuada que não fosse portadora do acento principal de sintagma, o mesmo não é possível com []. Na tabela 8, observamos os contextos em que parece haver bloqueio do apagamento de []. tabela 8 bloqueio do apagamento de [] [] + vogal tônica [] + vogal sem acento principal de sintagma []+a Jorge Átila *Jor[]tila monge ávido por santidade *mon[]vido por santidade []+o encaixe outra *encai[]tra encaixe outra peça *encai[]tra peça []+ peixe ótimo *pei[]timo []+u laje úmida *la[]mida comi um peixe ótimo demais *pei[]timo demais laje úmida demais *la[]mida demais 6 Em dialetos que possuam vogal pretônica aberta, a elisão seria igualmente possível (peixe[]rnamental pei[]rnamental). 7 A elisão de [] precedido por // e // parece ficar restrita ao tipo de vogal que vem em seguida. Em exemplos como 1.a.detalhe azul e 1.b.é possível que ela falhe uma vez e 2.a. espero que você ganhe aquele prêmio e 2.b. espero que você ganhe um prêmio a elisão soa melhor nos exemplos 1b e 2b, em que a vogal seguinte é [+alta]. Como a diferença é bem sutil, é necessário verificar com gravações, o que deixo para trabalhos futuros.
Resumindo, a elisão de [] pode ocorrer apenas se esta vogal for precedida por uma consoante alvéolo-palatal, devendo ser átona a sílaba seguinte. Na tabela 8, observamos o bloqueio de elisão dessa vogal quando seguida por vogal portadora de acento primário de palavra, recebendo ou não acento principal do sintagma fonológico. 4. Considerações finais e questões a serem perscrutadas Pudemos observar que para Bisol, independentemente da teoria utilizada, a elisão se restringe ao apagamento da vogal /a/, sendo bloqueada quando a vogal seguinte receber acento principal de sintagma fonológico (cf. tabelas 1 e 2). Abaurre, Galves & Scarpa (1999), Veloso (2003), Komatsu & Santos (2005) e Santos (prep.) apresentam dados com elisão de [] átono final, com os mesmos contextos prosódicos observados na elisão de /a/ (cf. tabelas 3 e 4), porém não consideram possível a elisão da vogal anterior []. Já minha análise propõe uma nova discussão, apresentando dados com o apagamento da vogal anterior [], átona, em final de palavra quando for precedida por consoantes alvéolo-palatais (cf. tabela 7). Além disso, há uma diferença com relação ao contexto prosódico entre a elisão de [] e a elisão das vogais posteriores: para ocorrer a elisão de [], a vogal seguinte, pertencente a outro vocábulo, deve ser necessariamente átona, caso contrário, a elisão será bloqueada mesmo que a segunda vogal do contexto não receba o acento principal do sintagma fonológico (cf. tabela 8). Na tabela 9, a seguir, observamos a comparação das condições necessárias para a ocorrência de elisão de vogais posteriores vs. vogais anteriores. tabela 9 condições e contextos de aplicação Vogal a ser elidida Condições e Contextos de Aplicação 8 [+ posteriores] a. a vogal a ser elidida deve ser átona b. v [+ posterior] # v átona c. v [+ posterior] # v tônica (sem acento principal de sintagma) [i] a. a vogal a ser elidida deve ser átona b. a vogal deve ser antecedida por consoante alvéolo-palatal c. [i] # v átona A partir dos dados analisados até agora, duas questões se colocam para a contribuição desta pesquisa: seria a regra de elisão uma regra fonológica que determina o apagamento de vogal com o traço [+ posterior], sendo o apagamento de [i], em casos específicos, uma regra fonética? 8 Agradeço a discussão do Prof. Dr. Jairo Nunes. Por falta de espaço, não poderei acrescentar a discussão a este artigo. Os erros que ficam por causa desta decisão são de minha responsabilidade.
seria o bloqueio da elisão de [i] uma evidência de que o apagamento de [i] seja uma regra diferente da elisão de vogais posteriores? RESUMO: Este artigo discute a definição de elisão no Português Brasileiro. Para Bisol, a elisão apaga a vogal [+ baixa]. Outros autores apresentam exemplos de elisão de vogais altas posteriores. Entretanto, nenhuma abordagem explica porque a elisão parece possível com a primeira vogal do contexto sendo [+alta] e [- posterior] em alguns contextos. Investigamos, então, a influência das consoantes. no processo. PALAVRAS-CHAVE: elisão, vogal posterior, vogal anterior Referências bibliográficas ABAURRE, M. B. M.; C. GALVES & E. SCARPA (1999). A interface fonologiasintaxe. Evidências do português brasileiro para uma hipótese top-down na aquisição da linguagem. In: SCARPA, E. (Org.). Estudos de Prosódia. Campinas: Editora da Unicamp, p. 285-323. BISOL, L. (2003). Sandhi in Brazilian Portuguese. Probus. v.15, n.2. (1996). Sândi externo: o processo e a variação. Gramática do Português Falado, v. 5, p. 55-96. Campinas: Editora da Unicamp. (1992). Sândi vocálico externo: degeminação e elisão. Cadernos de Estudos Lingüísticos, n. 23, p. 83-101. KOMATSU, M. O & R. S. SANTOS (2005). A variação na aquisição de regras de sândi externo em Português Brasileiro. SANTOS, R. S (prep.). Revisitando a regra de elisão. VELOSO, B. S. (2003). O sândi vocálico externo e os monomorfemas em três variedades do português. Dissertação de mestrado. Unicamp, SP.