POR UMA NOVA REGRA DE ELISÃO (FOR A NEW RULE OF ELISION)

Documentos relacionados
REALIZAÇÕES DAS VOGAIS MÉDIAS ABERTAS NO DIALETO DE VITÓRIA DA CONQUISTA BA

Objetivo, programa e cronograma da disciplina: Fonética e Fonologia do Português FLC0275

AVALIAÇÃO INSTRUMENTAL DOS CORRELATOS ACÚSTICOS DE TONICIDADE DAS VOGAIS MÉDIAS BAIXAS EM POSIÇÃO PRETÔNICA E TÔNICA *

A ELISÃO DA VOGAL /o/ EM FLORIANÓPOLIS-SC RESULTADOS PRELIMINARES

Acento secundário, atribuição tonal e redução segmental em português brasileiro (PB)

VOGAIS NASAIS EM AMBIENTES NÃO NASAIS EM ALGUNS DIALETOS BAIANOS: DADOS PRELIMINARES 1

ANÁLISE DE ALGUNS PROCESSOS DE SÂNDI VOCÁLICO EXTERNO EM CRIANÇAS COM E SEM DESVIO FONOLÓGICO *

A elisão em São Borja

A ELISÃO NA FALA POPULAR DE SALVADOR THE ELISION IN POPULAR SPEECH OF SALVADOR

Fonêmica. CRISTÓFARO SILVA, Thaïs. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia de exercícios. 9. ed. São Paulo: Contexto, 2009.

Análise variacionista da ditongação crescente na fala popular de Salvador

AVALIAÇÃO DE OUTIVA DA QUALIDADE VOCÁLICA EM PALAVRAS DERIVADAS POR SUFIXAÇÃO

Análise das vogais átonas finais /e/ e /o/ em sândi vocálico externo em dados do Projeto NURC-Recife

A DITONGAÇÃO DECRESCENTE NA FALA POPULAR DE SALVADOR: análise variacionista

AS FRONTEIRAS ENTOACIONAIS DA ASSERÇÃO EM PORTUGUÊS (THE INTONATIONAL BOUNDARIES OF ASSERTION IN PORTUGUESE)

AVALIAÇÃO DA RELAÇÃO ENTRE TONICIDADE E DISTINÇÃO DE OCLUSIVAS SURDAS E SONORAS NO PB

PROCESSOS FONOLÓGICOS NA PRODUÇÃO ORAL DE INDIVÍDUOS COM SÍNDROME DE DOWN: UMA ANÁLISE DESCRITIVA

SÍNCOPE VOCÁLICA NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

ESTUDO FONÉTICO-EXPERIMENTAL DA INFLUÊNCIA DA PAUSA NA DURAÇÃO DE VOGAIS ACOMPANHADAS DE OCLUSIVAS SURDAS E SONORAS *

AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

Fonêmica do português

Características da duração do ruído das fricativas de uma amostra do Português Brasileiro

A DEGEMINAÇÃO NA FALA POPULAR DE SALVADOR

10 A CONSTRUÇÃO FONOLÓGICA DA PALAVRA

Estudo da fala conectada na região metropolitana do Rio de Janeiro

O COMPORTAMENTO DA VOGAL ÁTONA /E/ DE CLÍTICOS PRONOMINAIS E OS PROCESSOS DE SÂNDI

A harmonização vocálica nas vogais médias pretônicas dos verbos na

CONDICIONAMENTOS PROSÓDICOS AO PROCESSO DE ELISÃO DA VOGAL /A/EM PORTO ALEGRE E NO PORTO: EVIDÊNCIAS PARA A COMPARAÇÃO ENTRE PB E PE

KEYWORDS: Phonology; Haplology; Syllable reduction; Segmental approach.

O ALÇAMENTO VOCÁLICO NO FALAR BALSENSE

O sujeito pré-verbal focalizado informacionalmente em português: prosódia e posição sintática

INVESTIGAÇÃO ACERCA DOS PROCESSOS DE REESTRUTURAÇÃO SILÁBICA CVC NO PORTUGUÊS BRASILEIRO E NO INGLÊS: UMA ANÁLISE FONÉTICO-ACÚSTICA

RELAÇÃO ENTRE DURAÇÃO SEGMENTAL E PERCEPÇÃO DE FRICATIVAS SURDAS E SONORAS

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PAPEL DOS PROCESSOS FONOLÓGICOS LEXICAIS E PÓS-LEXICAIS NA CLASSIFICAÇÃO DE RITMO DO PORTUGUÊS BRASILEIRO INTRODUÇÃO

SÂNDI VOCÁLICO EXTERNO NA FALA DO RIO DE JANEIRO

REVISITANDO OS UNIVERSAIS FONOLÓGICOS DE JAKOBSON

RELAÇÃO ENTRE INVENTÁRIO SEGMENTAL E TEMPLATES: ESTUDO DE CASO DE UMA CRIANÇA COM SÍNDROME DE DOWN

VI SEMINÁRIO DE PESQUISA EM ESTUDOS LINGUÍSTICOS. Luiz Carlos da Silva Souza** (UESB) Priscila de Jesus Ribeiro*** (UESB) Vera Pacheco**** (UESB)

ANÁLISE DA ELEVAÇÃO DAS VOGAIS MÉDIAS PRETÔNICAS SEM MOTIVAÇÃO APARENTE 1. INTRODUÇÃO

REDUÇÃO DAS VOGAIS ÁTONAS FINAIS NO FALAR DE UM MANEZINHO

Milca Veloso Nogueira ASPECTOS SEGMENTAIS DOS PROCESSOS DE SÂNDI VOCÁLICO EXTERNO NO FALAR DE SÃO PAULO

IMPLICAÇÕES DA AMPLIAÇÃO E REDUÇÃO DO VOT NA PERCEPÇÃO DE CONSOANTES OCLUSIVAS 1

REFLEXÕES ACERCA DA REALIZAÇÃO DAS VOGAIS MÉDIAS ABERTAS EM POSIÇÃO PRETÔNICA EM CONTEXTO DE DERIVAÇÕES

O PAPEL DOS CONTEXTOS FONÉTICOS NA DELIMITAÇÃO DA TONICIDADE DE FALA ATÍPICA

REFLEXÕES SOBRE O APAGAMENTO DO RÓTICO EM CODA SILÁBICA NA ESCRITA

Disciplina: Língua Portuguesa (Nível Médio) Grupo 3

Variação prosódica no Português Europeu: análise comparada de fenómenos de sândi vocálico

PROCESSO DE NASALIZAÇÃO AUTOMÁTICA EM UMA VARIEDADE DO PORTUGUÊS FALADO NO RECIFE

Introdução à Fonologia: Traços Distintivos e Redundância

engatilhar o processo (Bisol 1981, para o Português Brasileiro);

Marisa Cruz & Sónia Frota. XXVII Encontro Nacional da APL

O status prosódico dos clíticos pronominais do português 1

ELEVAÇÃO DA VOGAL /E/ NOS CLÍTICOS PRONOMINAIS

Disciplina: Língua Portuguesa (Nível Superior) Grupo 1

Observações sobre sândi vocálico na região da grande Florianópolis

CONSIDERAÇÕES SOBRE A ESCRITA INICIAL DE SUJEITOS ATÍPICOS

VOWEL REDUCTION IN POSTONIC FINAL POSITION REDUÇÃO VOCÁLICA EM POSTÔNICA FINAL

A INFLUÊNCIA DE FATORES EXTRALINGUÍSTICOS NA SUPRESSÃO DAS SEMIVOGAIS DOS DITONGOS EI E OU NA ESCRITA INFANTIL 1. INTRODUÇÃO

Encontro de fricativas : estratégias fonéticas

Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Letras Comissão de Pós-Graduação e Pesquisa DO TRATAMENTO FORMAL DA FALA CONECTADA EM FRANCÊS

A FLEXÃO PORTUGUESA: ELEMENTOS QUE DESMISTIFICAM O CONCEITO DE QUE FLEXÃO E CONCORDÂNCIA SÃO CATEGORIAS SINTÁTICAS DEPENDENTES 27

2. Corpus e metodologia

Fonologia Gerativa. Traços distintivos Redundância Processos fonológicos APOIO PEDAGÓGICO. Prof. Cecília Toledo

AULA 3: ANÁLISE FONÊMICA EM PORTUGUÊS 1. Introdução Fonêmica

QUE ESTRATÉGIAS UTILIZAM CRIANÇAS DAS SÉRIES INICIAIS PARA A EVITAÇÃO DO HIATO? GRASSI, Luísa Hernandes¹; MIRANDA, Ana Ruth Moresco 2. 1.

VOGAL [A] PRETÔNICA X TÔNICA: O PAPEL DA FREQUÊNCIA FUNDAMENTAL E DA INTENSIDADE 86

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. Alessandra de Paula (FAPERJ/UFRJ)

O FENÔMENO DA DEGEMINAÇÃO NA FALA DE CRIANÇAS EM PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM 1

Conclusão. Juliana Simões Fonte

Trabalho laboratorial sobre Ritmo: produção

FUSÃO E ESPALHAMENTO NAS LÍNGUAS MATIS E MARUBO (PANO) (FUSION AND DISPERSION ON MATIS AND MARUBO (PANO) LANGUAGES)

COMPORTAMENTO DA FRICATIVA CORONAL EM POSIÇÃO DE CODA: UM ESTUDO VARIACIONISTA DA INTERFACE FALA E LEITURA DE ALUNOS DE DUAS ESCOLAS PESSOENSES

APRESENTAÇÃO: ENCONTRO COMEMORATIVO DO PROJETO VARSUL: VARSUL 30 ANOS

UMA PROPOSTA DE ANÁLISE DO RITMO DO PORTUGUÊS BRASILEIRO À LUZ DA FONOLOGIA LEXICAL

Web - Revista SOCIODIALETO

AQUISIÇÃO FONOLÓGICA EM CRIANÇAS DE 3 A 8 ANOS: A INFLUÊNCIA DO NÍVEL SÓCIO ECONÔMICO

O APAGAMENTO DO RÓTICO EM POSIÇÃO DE CODA SILÁBICA: INDICADORES LINGUÍSTICOS E SOCIAIS

As vogais médias pretônicas dos verbos no dialeto do noroeste paulista: análise sob a perspectiva da Teoria Autossegmental

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PELOTAS CENTRO DE EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS CURSO DE DOUTORADO

PRÓCLISE AO AUXILIAR NAS LOCUÇÕES VERBAIS SOB QUE CONDIÇÕES? (PROCLISIS TO THE AUXILIARY IN VERBAL LOCUTIONS UNDER WHAT CONDITIONS?

a) houve uma mudança na direção de cliticização do PB (NUNES, 1996); b) os pronomes retos estão sendo aceitos em função acusativa;

Sândi vocálico externo nas Cantigas de Santa Maria: ditongação

DISPERSÃO E HARMONIA VOCÁLICA EM DIALETOS DO PORTUGUÊS DO BRASIL DISPERSION AND VOWEL HARMONY IN BRAZILIAN PORTUGUESE DIALECTS

A importância da proeminência da frase fonológica no português brasileiro *

Fonologia. Sistemas e padrões sonoros na linguagem. Sónia Frota Universidade de Lisboa (FLUL)

Revisão para o simulado

ISSN: X COLÓQUIO DO MUSEU PEDAGÓGICO 28 a 30 de agosto de 2013

O PAPEL DACHILD-DIRECTED SPEECH NA FORMAÇÃO DOS TEMPLATES NO DESENVOLVIMENTO FONOLÓGICO

VOGAIS NASAIS E NASALIZADAS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO: PRELIMINARES DE UMA ANÁLISE DE CONFIGURAÇÃO FORMÂNTICA

APAGAMENTO DA VOGAL ÁTONA FINAL EM ITAÚNA/MG E ATUAÇÃO LEXICAL

APAGAMENTO DA VOGAL ÁTONA FINAL EM ITAÚNA/MG E ATUAÇÃO LEXICAL. Redução/apagamento. Vogal. Dialeto mineiro. Léxico. Variação fonético-fonológica.

TRANSCRIÇÃO FONÉTICA DO FADO. Ao escolher o tema fonético, não quero de forma alguma tentar explanar problemas

UNIOESTE PLANO DE ENSINO ANO DE 2017

A realização da preposição de na variedade dialetal da cidade de Bagé (RS) Taíse Simioni (UNIPAMPA) Bruna Ribeiro Viraqué (UCPEL)

ESTUDO PILOTO DA DURAÇÃO RELATIVA DE FRICATIVAS DE UM SUJEITO COM SÍNDROME DE DOWN. Carolina Lacorte Gruba 1 Marian Oliveira 2 Vera Pacheco 3

VOGAIS MÉDIAS POSTÔNICAS NÃO-FINAIS NA FALA CULTA CARIOCA

A VARIAÇÃO DO MODO SUBJUNTIVO: UMA RELAÇÃO COM O PROCESSO DE EXPRESSÃO DE MODALIDADES

TONICIDADE E COARTICULAÇÃO: UMA ANÁLISE INSTRUMENTAL

SÂNDI VOCÁLICO EXTERNO EM PORTUGUÊS COM BASE NA TEORIA DO GOVERNO

Transcrição:

POR UMA NOVA REGRA DE ELISÃO (FOR A NEW RULE OF ELISION) Milca Veloso Nogueira (FFLCH USP) * ABSTRACT: This paper discusses the definition of elision in Brazilian Portuguese. For Bisol, elision deletes the [+low] vowel. Other authors show examples of elision of [+back high] vowels. Nevertheless, neither approach explains the reason why elision seems to be possible with the first vowel being [+high] and [-back] in some contexts. We investigate the influence of consonants and in the process. KEYWORDS: elision, back vowel, front vowel 0. Introdução Neste trabalho, analisamos as propostas de definição da elisão no Português Brasileiro (doravante PB) e apresentamos um problema na descrição do mesmo. Nosso objetivo é mostrar que há alguns tipos de apagamento de vogal que não se enquadram e não são explicados na descrição clássica da elisão no PB proposta por Bisol (1992, 1996, 2003). Essa descrição é apresentada na seção 1. Na seção 2, apresentamos outras análises para a regra de elisão: Abaurre et alii (1999), Veloso (2003), Komatsu & Santos (2005) e Santos (prep.). Na terceira seção, apresentamos exemplos de apagamento de vogal que não foram explicados pelas abordagens existentes e o papel das consoantes fricativas no processo. 1. Análise Clássica para o PB: Bisol Processos de sândi externo acontecem quando, no nível pós-lexical, houver uma seqüência de duas vogais adjacentes em fronteira de palavra. Segundo Bisol (2003), a elisão fica restrita ao apagamento da vogal /a/ 1 em posição não-acentuada de final de palavra, quando a palavra seguinte começa por vogal de qualidade diferente. No artigo de 1992, Bisol analisa a degeminação e a elisão. A autora afirma que, sob a condição de não ser acentuada a segunda vogal, a elisão se aplica: a) de modo geral quando a vogal seguinte for posterior e b) opcionalmente quando a vogal seguinte for anterior. A autora menciona o fato de as regras de sândi externo serem opcionais, já que o hiato pode ser mantido em fala mais cuidadosa, porém formula as condições supracitadas, tornando, ao que parece no texto, um tipo de elisão mais opcional que o Agradeço à audiência do ENAPOL e à professora Raquel Santana Santos pela discussão. Os erros que restam são de minha responsabilidade. * Agradeço ao financiamento do CNPq dado à minha pesquisa. 1 Em 1992, a autora afirma, em nota, que elisões de outras vogais podem ocorrer, mas não têm o caráter geral que a vogal /a/ apresenta. Em 2003, o texto é: "Elision is restricted to the deletion of a word final // " (p. 181, grifo meu).

outro. Abaixo, observamos os exemplos dados por Bisol de elisão aplicando-se quando a vogal seguinte for posterior (cf. (1)) e quando a vogal seguinte for anterior (cf. (2)) 2 : (1) Eu estava hospitalizado Eu estavspitalizado (2) casa escura ca cura ou cacura Bisol (1992) considera que se a segunda sílaba do contexto for acentuada, a elisão será bloqueada. Em (2003), a autora passa a falar da relevância do sintagma fonológico, já que o processo é bloqueado, de fato, quando a segunda vogal do contexto portar um acento que seja o mais forte no sintagma fonológico a que pertence, como observamos nos exemplos abaixo: 3 (3) Mastigava [ervas amargas] Mastigav[]rvas amargas (4) Mastigava [ERvas] *Mastigav[]rvas Em (3), apesar de a primeira sílaba de ervas portar o acento primário de palavra, o acento principal do sintagma fonológico () não está em ervas, mas sim em amargas, por isso a elisão do /a/ final em mastigava diante de ervas amargas é possível. Em (4), por outro lado, observamos que ervas recebe o acento principal do sintagma, por isso há o bloqueio da elisão. No artigo de 1996, Bisol considera a elisão como sendo um processo motivado pelo choque de dois núcleos silábicos e licenciado por princípios universais: o princípio de licenciamento prosódico (todas as unidades fonológicas devem pertencer à estrutura prosódica superior), o princípio da seqüência de sonoridade (a sonoridade dos segmentos deve ser crescente, do ataque até o núcleo da sílaba) e a regra universal de apagamento do elemento extraviado (quando um elemento não estiver licenciado em um domínio superior, ele é apagado). Em 2003, à luz da TO, Bisol considera que a elisão e a degeminação sejam bloqueadas quando a segunda vogal do contexto carrega o acento principal do sintagma, porém a ditongação é permitida no mesmo contexto. A autora propõe, então, as restrições que regem essa diferença. A elisão e a degeminação são marcadas com relação a uma restrição de fidelidade que bloqueia o apagamento de vogal em final de palavra. Já a ditongação, que não envolve apagamento, não é marcada com relação ao sândi. Resumindo as análises de Bisol, na tabela 1, apresentamos os contextos para a elisão: /a/ átono em final de palavra diante de vogal átona e diante de vogal acentuada que não seja portadora do acento principal de sintagma. 4 2 A transcrição (IPA) da parte relevante está entre colchetes (aqui e em todo o artigo). 3 As letras maiúsculas indicam a sílaba que recebe o acento do sintagma fonológico. 4 Os exemplos são de Bisol, com exceção dos que estão em itálico. A autora não menciona a previsão de elisão diante de vogais pretônicas abertas, que ocorrem em alguns dialetos, porém de acordo com o julgamento de falantes desses dialetos, ela é possível nesses contextos também.

tabela 1 elisão de /a/ átono em final de palavra 5 a + vogal átona a + vogal tônica sem acento de sintagma a+e merenda escolar ele compra esse livro ele compr[]sse livro merend[]colar a+i casa escura ca[]cura ou ele canta hinos sacros ele cant[]nos sacros ca[]cura a+o menina orgulhosa meni[]gulhosa a+u era usado e[]sado a+ menina []ducada menin[]ducada a+ Caiçara h[]tel Caiçar[]tel não tinha outra solução não tinh[]utra solução foi feita uma peça foi feit[]ma peça bonita mastigava ervas amargas mastigav[ ]vas amargas cantava óperas italianas canta[]peras italianas Como é possível observar, a elisão de /a/ é possível nos dois casos: quando a vogal inicial do vocábulo seguinte for átona e quando portar acento primário de palavra sem que coincida com o acento principal do sintagma. Na tabela 2, observamos o contexto em que a segunda vogal recebe o acento principal de sintagma : tabela 2 bloqueio da elisão de /a/ átono em final de palavra a + vogal com acento principal do sintagma a+e ele compra esse ele *compr[]sse a+i a+o a+u fala isto *fal[]sto ele compra ostras ele *compr[]stras ele compra uvas ele *compr[]vas a+ ele mastigava ervas ele *mastigav[ ]vas a+ ele cantava óperas ele *canta[]peras Como observamos, a elisão de /a/ é bloqueada já que a sílaba que segue, pertencente a outra palavra, recebe o acento principal do seu sintagma fonológico. 5 A análise da elisão de /a/ pretende dar conta do PB de uma forma geral, incluindo dialetos que neutralizam a distinção das vogais médias fechadas (como no sul e no sudeste) e dialetos que favorecem as médias abertas (como no norte e no nordeste).

2. Outros contextos Abaurre, Galves & Scarpa (1999) não discutem a regra de elisão, mas apresentam dados com elisão e bloqueio de elisão de /u/ átono final diante de vogais acentuadas, segmento não considerado por Bisol. tabela 3 elisão e bloqueio de elisão de /u/ átono em final de palavra u + vogal tônica sem acento de sintagma u + vogal com acento principal de sintagma u+e eu compro esse livro eu compr[]sse eu compro esse eu *compr[]sse livro u+o eu como ostras caras eu com[]stras eu como ostras eu *com[]stras caras u+i eu canto hinos sacros eu cant[]nos eu canto hinos eu *cant[]nos sacros u+ eu compro essa casa eu compr[ ]ssa eu compro essa eu *compr[ ]ssa casa u+a eu bebo água tônica eu beb[a]gua eu bebo água eu *beb[a]gua tônica u+eu como ovos frescos eu com[]vos eu como ovos eu *com[]vos frescos Como observamos na tabela 3, o /u/ átono em final de palavra pode ser elidido quando a vogal seguinte não receber o acento principal de sintagma fonológico, caso contrário, a elisão será bloqueada. Os casos em que a segunda vogal é átona também permitem a elisão, como vemos na tabela 4, abaixo: tabela 4 elisão de /u/ diante de vogal não-acentuada u + vogal não-acentuada u+a aluno atento alun[a]tento u+i aluno esperto alun[]sperto u+o aluno honesto alun[]nesto u+e aluno educado alun[e]ducado Veloso (2003), apresentando exemplos de seu corpus, afirma que "é permitida a elisão de vogais posteriores, mas não da vogal anterior [i]" (p. 35). Komatsu & Santos (2005) e Santos (prep.) também argumentam a favor de elisão de outras vogais. Santos (prep.), discutindo a regra de elisão, propõe que a regra deva explicitar o apagamento de vogal com o traço [+ posterior]. Sendo o quadro de vogais do PB como mostrado na tabela 5, Santos argumenta que a elisão se aplicaria para o conjunto das vogais com o traço [+ posterior]. Com isso, a elisão pode, em princípio, aplicar-se com as vogais /,,, /. As vogais // e // neutralizam-se em []. Exemplos dos casos de elisão das

vogais // e // estão nas tabelas 1, 2 e 3. A vogal [], embora [+ posterior], não sofre elisão por não ocorrer em posição pós-tônica em final de palavra. tabela 5 conjunto das vogais anteriores e posteriores do PB + anterior + posterior Embora estas análises apontem para o fato de que a elisão ocorre em um leque muito maior do que o previsto por Bisol, elas não consideram um outro tipo de apagamento, conforme mostro na seção que segue. 3. Apagamento de [] pós-tônico em final de palavra Abaurre et alii (1999), Veloso (2003) e Santos (prep.) consideram que não seja permitida a elisão da vogal anterior [] pós-tônica em final de palavra diante de [ ]. Os exemplos na tabela 6 estão em conformidade com a previsão das autoras: tabela 6 bloqueio de elisão de [] pós-tônico em final de palavra []+a []+u []+u []+u []+o quibe assado *quib[]ssado [i] + vogal átona (bloqueio de elisão) calhambeque usado *calhambe[]sado prece humilde *pre[]milde nave usada *nav[]asda xerife honesto *xerif[]nesto Na tabela acima, notamos que a vogal do primeiro vocábulo é [] (portanto [+ anterior]) e a vogal inicial do vocábulo seguinte é átona. Porém, a elisão não é permitida, diferentemente dos casos apresentados com as vogais [] e []. Porém, na tabela 7 a seguir, observamos o possível apagamento de [] átono em final de palavra, contrariando a afirmação das autoras supracitadas:

tabela 7 elisão de [] pós-tônico em final de palavra 6 []+o []+a []+a []+a []+u [] + vogal átona (ocorrência de elisão) Eu tinha um peixe ornamental Eu tinha um pei[]rnamental Minha mãe fez peixe assado Minha mãe fez pei[]ssado Ele criou uma charge animada Ele criou uma char[]nimada Este é o livro de Jorge Amado Este é o livro de Jor[]mado feixe usado fei[]sado Os exemplos da tabela 7 mostram que o apagamento é possível quando a vogal [] for precedida pelas consoantes alvéolo-palatais e. 7 Minha análise é que as consoantes e contêm a informação de ponto necessária para que a produção da vogal [] não seja obrigatória e por isso ela pode ser elidida. Porém, a diferença entre os contextos contendo vogal [+ posterior] vs. vogal [- posterior] não se restringe às características articulatórias dos segmentos adjacentes. Há, também, diferenças nos contextos prosódicos. Enquanto nos exemplos de elisão de vogais posteriores era possível elidir a vogal que estivesse diante de vogal acentuada que não fosse portadora do acento principal de sintagma, o mesmo não é possível com []. Na tabela 8, observamos os contextos em que parece haver bloqueio do apagamento de []. tabela 8 bloqueio do apagamento de [] [] + vogal tônica [] + vogal sem acento principal de sintagma []+a Jorge Átila *Jor[]tila monge ávido por santidade *mon[]vido por santidade []+o encaixe outra *encai[]tra encaixe outra peça *encai[]tra peça []+ peixe ótimo *pei[]timo []+u laje úmida *la[]mida comi um peixe ótimo demais *pei[]timo demais laje úmida demais *la[]mida demais 6 Em dialetos que possuam vogal pretônica aberta, a elisão seria igualmente possível (peixe[]rnamental pei[]rnamental). 7 A elisão de [] precedido por // e // parece ficar restrita ao tipo de vogal que vem em seguida. Em exemplos como 1.a.detalhe azul e 1.b.é possível que ela falhe uma vez e 2.a. espero que você ganhe aquele prêmio e 2.b. espero que você ganhe um prêmio a elisão soa melhor nos exemplos 1b e 2b, em que a vogal seguinte é [+alta]. Como a diferença é bem sutil, é necessário verificar com gravações, o que deixo para trabalhos futuros.

Resumindo, a elisão de [] pode ocorrer apenas se esta vogal for precedida por uma consoante alvéolo-palatal, devendo ser átona a sílaba seguinte. Na tabela 8, observamos o bloqueio de elisão dessa vogal quando seguida por vogal portadora de acento primário de palavra, recebendo ou não acento principal do sintagma fonológico. 4. Considerações finais e questões a serem perscrutadas Pudemos observar que para Bisol, independentemente da teoria utilizada, a elisão se restringe ao apagamento da vogal /a/, sendo bloqueada quando a vogal seguinte receber acento principal de sintagma fonológico (cf. tabelas 1 e 2). Abaurre, Galves & Scarpa (1999), Veloso (2003), Komatsu & Santos (2005) e Santos (prep.) apresentam dados com elisão de [] átono final, com os mesmos contextos prosódicos observados na elisão de /a/ (cf. tabelas 3 e 4), porém não consideram possível a elisão da vogal anterior []. Já minha análise propõe uma nova discussão, apresentando dados com o apagamento da vogal anterior [], átona, em final de palavra quando for precedida por consoantes alvéolo-palatais (cf. tabela 7). Além disso, há uma diferença com relação ao contexto prosódico entre a elisão de [] e a elisão das vogais posteriores: para ocorrer a elisão de [], a vogal seguinte, pertencente a outro vocábulo, deve ser necessariamente átona, caso contrário, a elisão será bloqueada mesmo que a segunda vogal do contexto não receba o acento principal do sintagma fonológico (cf. tabela 8). Na tabela 9, a seguir, observamos a comparação das condições necessárias para a ocorrência de elisão de vogais posteriores vs. vogais anteriores. tabela 9 condições e contextos de aplicação Vogal a ser elidida Condições e Contextos de Aplicação 8 [+ posteriores] a. a vogal a ser elidida deve ser átona b. v [+ posterior] # v átona c. v [+ posterior] # v tônica (sem acento principal de sintagma) [i] a. a vogal a ser elidida deve ser átona b. a vogal deve ser antecedida por consoante alvéolo-palatal c. [i] # v átona A partir dos dados analisados até agora, duas questões se colocam para a contribuição desta pesquisa: seria a regra de elisão uma regra fonológica que determina o apagamento de vogal com o traço [+ posterior], sendo o apagamento de [i], em casos específicos, uma regra fonética? 8 Agradeço a discussão do Prof. Dr. Jairo Nunes. Por falta de espaço, não poderei acrescentar a discussão a este artigo. Os erros que ficam por causa desta decisão são de minha responsabilidade.

seria o bloqueio da elisão de [i] uma evidência de que o apagamento de [i] seja uma regra diferente da elisão de vogais posteriores? RESUMO: Este artigo discute a definição de elisão no Português Brasileiro. Para Bisol, a elisão apaga a vogal [+ baixa]. Outros autores apresentam exemplos de elisão de vogais altas posteriores. Entretanto, nenhuma abordagem explica porque a elisão parece possível com a primeira vogal do contexto sendo [+alta] e [- posterior] em alguns contextos. Investigamos, então, a influência das consoantes. no processo. PALAVRAS-CHAVE: elisão, vogal posterior, vogal anterior Referências bibliográficas ABAURRE, M. B. M.; C. GALVES & E. SCARPA (1999). A interface fonologiasintaxe. Evidências do português brasileiro para uma hipótese top-down na aquisição da linguagem. In: SCARPA, E. (Org.). Estudos de Prosódia. Campinas: Editora da Unicamp, p. 285-323. BISOL, L. (2003). Sandhi in Brazilian Portuguese. Probus. v.15, n.2. (1996). Sândi externo: o processo e a variação. Gramática do Português Falado, v. 5, p. 55-96. Campinas: Editora da Unicamp. (1992). Sândi vocálico externo: degeminação e elisão. Cadernos de Estudos Lingüísticos, n. 23, p. 83-101. KOMATSU, M. O & R. S. SANTOS (2005). A variação na aquisição de regras de sândi externo em Português Brasileiro. SANTOS, R. S (prep.). Revisitando a regra de elisão. VELOSO, B. S. (2003). O sândi vocálico externo e os monomorfemas em três variedades do português. Dissertação de mestrado. Unicamp, SP.