1 O DESIGN ÚTIL NO RESGATE DO ARTESANATO POPULAR BRASILEIRO Julia Figueiredo Cunha 1 RESUMO O objetivo deste artigo é apresentar uma reflexão sobre o projeto Design Útil, realizado pelo escritório de design e inovação Rosenbaum, o qual atua em parceira com comunidades de diversas regiões do país. O principal intuito do projeto é, ao resgatar conhecimentos ancestrais de artesanato popular, herdados pelos habitantes do local, adaptá-los a uma visão moderna e comercial. Deste modo, há uma inserção competitiva das peças no mercado, transformando essa atividade em uma fonte de renda e sustento de diversas famílias, após uma melhor capacitação. Entretanto, todo esse processo consiste na troca de conhecimentos entre ambas as partes, em que o conhecimento popular se integra a uma linguagem moderna de arte. Palavras-chave: Artesanato popular; Design útil; Capacitação ABSTRACT The aim of this paper is presenting a reflection about the project of Design Útil, created by Rosenbaum s office of design and innovation, which operates in association with communities from many regions of the country. The principal intention of this project is, while rescuing popular ancestral knowledge, inherited by the local habitants, adapt them to a modern and commercial point of view. Being that, there is a competitive insertion of the market pieces, transforming this activity into a source of income and into maintenance of many families, after a better training activity. However, all this process consists on the knowledge trade between both parts, where popular background integrates a language of modern art. Keywords: Popular hand-craft; Design útil; Capacitation. 1 Acadêmica do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Uberlândia.
2 INTRODUÇÃO O artesanato surgiu de uma interação entre um povo, o conhecimento de seus antepassados e toda a matéria-prima próxima provida pela natureza. A partir desse trabalho experimental, o produto foi criando forma, fazendo parte do cotidiano dessas pessoas e sendo apropriado como meio de sobrevivência. Segundo Lina Bo Bardi (1994), o artesanato popular corresponde a uma união de trabalhadores especializados reunidos por interesses em comum de trabalho e mútua defesa. É deste modo que surgiram as corporações no passado. Entretanto, essa estrutura de associação não é compatível ao sistema econômico e comercial vigente. Diante de novas técnicas avançadas de produção, materiais industrializados e forte trabalho de marketing de cultura capitalista ditando gostos, o que usar e como agir, artigos artesanais perdem o seu valor perante a sociedade. Deste modo, o artesanato popular deixa de ser artesanato popular quando se esgotam as condições sociais que o condicionam (BARDI, Lina Bo. 1994), esta atividade deixa de ser tão rentável e trabalhadores começam a buscar novas formas de sobrevivência. É preciso então resgatar o valor inerente a esta produção artística, que possui um histórico, sendo a raiz de um povo e que compreende a história de um país. Um país em cuja base está a cultura do povo é um país de enormes possibilidades (BARDI, Lina Bo. 1994) e é preciso saber utilizar-se disso sem recair em meras repetições com um sentido esvaziado. Procurar com atenção as bases culturais de um País, (sejam quais forem: pobres, míseras, populares) quando reais, não significa conservar as formas e os materiais, significa avaliar as possibilidades criativas originais. Os materiais modernos e os modernos sistemas de produção tomarão depois o lugar dos meios primitivos, conservando, não as formas, mas a estrutura profunda daquelas possibilidades. (BARDI, Lina Bo. Tempos de grossura: o design no impasse, 1994.) A arte popular continua sendo uma grande oportunidade de sobrevivência de comunidades isoladas ou de baixa condição econômica. Ela deve ser explorada assumindo esse papel de produto que se contrapõe a larga escala de industrializados padronizados disponíveis no mercado. Entretanto, é preciso também que se adapte a uma visão moderna e comercial, de modo a atrair o interesse de um público alvo.
3 O DESIGN ÚTIL DE MARCELO ROSENBAUM O Design Útil é um projeto do escritório Rosenbaum, do designer Marcelo Rosenbaum, que tem como objetivo trabalhar a produção e o artesanato já existente em uma comunidade, de modo a conferir a eles uma visão mais comercial e moderna. É a forma de agregar a esses produtos um caráter estético, necessário, útil e viável, tornando-os mais atrativos ao público. É um projeto realizado em diversas regiões do país, buscando sempre essa integração da linguagem popular e do conhecimento técnico. Todo o projeto é baseado na ideia de troca, em que os profissionais se alimentam de antigos conhecimentos já dominados pela comunidade e os aplica de acordo com uma visão mais moderna e novas técnicas de design, capacitando os produtores. É uma forma de dar maior visibilidade dos produtos ao mercado, aumentando o retorno para essas comunidades. A GENTE TRANSFORMA Projeto realizado em Várzea Queimada PI, na região do semiárido do nordeste brasileiro. O produto deste projeto gerou as coleções Toca de Palha e Toca de Borracha, geradas pelo redesenho de peças já tradicionalmente comercializadas nas pequenas feiras locais. São conhecimentos ancestrais dominados por homens e mulheres do local, que utilizam a palha da Carnaúba árvore típica da região e a borracha gerada da reciclagem de pneus para a confecção de acessórios. De acordo com os idealizadores do projeto, o AGT usa o design para expor a alma brasileira, sendo um mergulho na cultura dos povos que formam o Brasil. A coleção produzida a partir dessa parceria obteve uma grande visibilidade e reconhecimento, chegando a ter uma exposição em Milão Itália. (Imagens em Anexo A) COLEÇÃO JALAPA Em parceria com o SEBRAE-TO, esse projeto busca o resgate do capim dourado, uma palha característica da região do Jalapão TO. Se propondo a fomentar o segmento artesanal, os profissionais envolvidos buscaram aperfeiçoar a qualidade dos produtos já confeccionados pelos habitantes do local, trazendo um valor agregado e valorizando a mão-de-obra.
4 Esta iniciativa teve um impacto positivo na geração de emprego e renda, fortalecendo os pequenos negócios e promovendo uma inserção competitiva do artesanato da região do Jalapão no mercado nacional e internacional. Através de workshops, o escritório Rosenbaum capacitou os artesãos, de modo que eles possam dar continuidade a essa produção. (Imagens em Anexo B) IÇÁ BOLSAS Iniciado por uma parceria com o Grupo de Mães Amigas da Casa do Zezinho (GMACZ) no Parque Maria Helena SP, as designers Cristiane Rosenbaum e Roberta Crelier capacitaram às mulheres, dando assistência técnica na produção de artigos geradores de renda para as famílias. Utilizando-se como matéria-prima o atoalhado de plástico, são confeccionados bolsas e acessórios que fazem parte da marca solidária Içá. A comercialização das peças serve como sustento das famílias, contribuindo para o aumento da renda e melhora da condição de vida. Através de oficinas, as designers capacitaram as mães para fazer as modelagens e dão dicas de acabamento. É dada uma assistência na identidade visual da marca, trabalhando logomarca, catálogo, blog e os produtos a seres apresentados, agregando cada vez mais valor a essa produção. (Imagens em Anexo C) CONSIDERAÇÕES FINAIS Percebe-se então que em todos os projetos há uma preocupação de resgatar os conhecimentos ancestrais, retirando deles a sua essência, sem que sejam produzidas meras repetições. Procura-se uma inserção da herança popular na sociedade de hoje, através de uma linguagem moderna de como se apresentar, que é trabalhada por uma visão comercial, pelo marketing e por técnicas de design. Deste modo, a produção artesanal adquire um novo sentido para a comunidade, em que um conhecimento ancestral torna-se um meio de produção de vida hoje, servindo de sustento para diversas famílias. Não é só um olhar comercial, mas também uma atitude de resgate, preservação e valorização da cultura local. Esta é uma postura de respeito em relação a conhecimentos herdados, a história de um povo e gerações passadas.
5 Entretanto, não se pode analisar esse processo com uma visão hierárquica, na qual o conhecimento popular se submete a visão erudita, muitas vezes tida como mais sábia. Todo esse trabalho é um constante processo de troca, em que ambas as partes se colocam na posição de aprender e ensinar a todo o momento. É uma ampliação de repertório para ambos, em constante aprendizado com aquilo que o outro tem a oferecer. A visão moderna de produção artística se baseia no modelo de experimentação a partir de novas descobertas e possibilidades. Desta forma, há uma constante busca em direção a resgatar as raízes de uma cultura, outras formas de entender algo e a extração da essência daquilo que é valioso. A partir desse aprendizado, há uma reaplicação desses conceitos em uma linguagem que correlaciona um entendimento moderno a uma forma popular.
6 REFERÊNCIAS BARDI, Lina Bo. Tempos de grossura: o design no impasse. Ed. Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, São Paulo, 1994. Fonte Imagens: Rosenbaum. Disponível em: <http://www.rosenbaum.com.br>. Acesso em: 28 out. 2012.
7 ANEXO A A gente transforma Figura 1: Oficina com artesãos da comunidade e o escritório Rosenbaum Figura 2: Artesãs trabalhando com a palha de carnaúba Figura 4: Peça em exposição, Milão Figura 3: Anéis feitos com borracha reciclada Figura 5: Peça em exposição, Milão
8 Figura 6: Peça em exposição, Milão ANEXO B Coleção Jalapa Figura 7: Exposição em Milão, Itália Figura 8: Capim dourado Figura 9: Capim dourado Figura 10: Artesã fabricando peça Figura 11: Exposição de peça Figura 12: Peças feitas com capim dourado Figura 13: Imagem catálogo de peças Figura 14: Imagem catálogo de peças Figura 15: Imagem catálogo de peças
9 ANEXO C Içá Bolsas Figura 16: Produção das bolsas com atoalhado de mesa Figura 17: Material utilizado Figura 18: Peças em exposição Figura 19: Bolsa produzida