Revestimento cerâmico com granito e argila caulinítica. (Ceramic tile with granite and kaolinitic clay)

Documentos relacionados
Massas cerâmicas para telhas: características e comportamento de queima (Ceramic bodies for roofing tiles: characteristics and firing behavior)

Reciclagem de resíduo proveniente da produção de papel em cerâmica vermelha. Recycling of waste from the paper production into red ceramic

IV Seminário de Iniciação Científica

O cimento CP V ARI PLUS teve sua caracterização físico-químico realizada na Fábrica Ciminas Holcim (Tab. A.I.1).

INFLUÊNCIA DA GRANULOMETRIA DAS MATÉRIAS-PRIMAS NA MICROESTRUTURA E NAS PROPRIEDADES DE ESPUMAS VÍTREAS

INFLUÊNCIA DA GRANULOMETRIA E TEMPERATURA DE QUEIMA SOBRE O GRAU DE DENSIFICAÇÃO DE ARGILAS DA REGIÃO DE MARTINÓPÓLIS SP

Substituição de areia de quartzo por finos de gnaisse em massa cerâmica para telhas: Teste industrial

DOSAGEM DE MASSA CERÂMICA PARA BLOCOS PRENSADOS COM ADIÇÃO DE RESÍDUO DE GRANITO ATRAVÉS DO MÉTODO SIMPLEX

VII JORNDAS TÉCNICAS INTERNACIONAIS SOBRE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NA INDÚSTRIA DE REVESTIMENTOS CERÂMICOS.

CARACTERIZAÇÃO DA ARGILA PARA CONFECÇÃO DE BLOCOS PRENSADOS E QUEIMADOS

Reciclagem do Lodo da Estação de Tratamento de Efluentes de uma Indústria de Revestimentos Cerâmicos. Parte 2: Ensaios Industriais

TM703 Ciência dos Materiais PIPE Pós - Graduação em Engenharia e Ciências de Materiais

UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE Curso de Tecnologia em Cerâmica Trabalho de Conclusão de Curso

Substâncias puras e misturas; análise imediata

USO DE LODO DE ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ÁGUA PARA PRODUÇÃO DE BLOCOS CERÂMICOS

AVALIAÇÃO DA DURABILIDADE DE CERÂMICOS ADITIVADOS COM RESIDUO DE GRANITO ATRAVÉS DE ENSAIO DE DESGASTE

A INCORPORAÇÃO DE PÓ DE EXAUSTÃO EM MASSA CERÂMICA ATOMIZADA TIPO SEMIGRÊS

AVALIAÇÃO DA POTENCIALIDADE DE ARGILAS DO RN QUANDO SUBMETIDAS A ELEVADAS TAXAS DE AQUECIMENTO

FABRICAÇÃO DE PORCELANATOS NO POLO DE SANTA GERTRUDES: BARREIRAS, OPORTUNIDADES E TENDÊNCIAS

USO DE PÓ DE VIDRO COMO FUNDENTE NA PRODUÇÃO DE GRÊS PORCELANATO

Desenvolvimento de Esmalte Brilhante para Porcelanato

1 ESTRUTURAS DE CONCRETO ARMANDO 1.1 INTRODUÇÃO

USO DE MATÉRIAS PRIMAS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE PARA FORMULAÇÃO DE FAIANÇA PARA APLICAÇÃO DE ESMALTE

INFLUÊNCIA DA TEMPERATURA DE QUEIMA NA MICROESTRUTURA DE ESPUMAS VÍTREAS OBTIDAS A PARTIR DE RESÍDUOS DE VIDRO

PRODUÇÃO E FUNDIÇÃO DO COBRE

A INFLUÊNCIA DO SISTEMA DE VÁCUO NAS PROPRIEDADES FÍSICAS DOS PRODUTOS DE CERÂMICA VERMELHA.

REAPROVEITAMENTO DE ARGILA CONTAMINADA COM HIDROCARBONETOS NA OBTENÇÃO DE MATERIAIS CERÂMICOS.

RECICLAGEM DE RESÍDUO DE VIDRO PLANO EM CERÂMICA VERMELHA

CARACTERIZAÇÃO QUÍMICA E MINERALÓGICA DE RESÍDUOS DE QUARTZITOS PARA UTILIZAÇÃO EM REVESTIMENTO CERÂMICO

REUTILIZAÇÃO DE BORRACHA DE PNEUS INSERVÍVEIS EM OBRAS DE PAVIMENTAÇÃO ASFÁLTICA

IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 Serra Negra SP - Brasil

Propriedades Térmicas. DEMEC TM229 Prof. Adriano Scheid Callister Cap. 19

ARGILA CAULINÍTICA CALCINADA DA MINERAÇÃO DE AREIAS PRIMÁRIAS E SUA APLICAÇÃO EM CONCRETO DE ALTO DESEMPENHO(CAD) João Batista

2 03/11 Relatório Final R.A. O.S. O.A. PU. 1 30/09 Alterado Endereço do Terreno R.A. O.S. O.A. PU

AZULEJOS HISTÓRICOS EUROPEUS PRODUZIDOS NO FINAL DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX: CARACTERIZAÇÃO MINERALÓGICA E QUÍMICA DE BISCOITOS

Análise dos gases poluentes liberados durante a queima de cerâmica vermelha incorporada com lodo de estação de tratamento de água

PRODUÇÃO DE VIDRADO A PARTIR DE RESÍDUO DE ROCHAS ORNAMENTAIS.

TIJOLOS DE ADOBE ESCOLA DE MINAS / 2015 / PROF. RICARDO FIOROTTO / MARTHA HOPPE / PAULA MATIAS

Utilização de planejamento em rede Simplex na previsão de propriedades mecânicas de peças cerâmicas vermelhas

Certificação do Controlo da Produção

CARACTERIZAÇÃO MICROESTRUTURAL DE ARGILA EXPANDIDA PARA APLICAÇÃO COMO AGREGADO EM CONCRETO ESTRUTURAL LEVE

III Congresso Nacional de Meio Ambiente

VERIFICAÇÃO DA RESISTÊNCIA DE UM CONCRETO DE CIMENTO PORTLAND DO TIPO CPII-Z-32 PREPARADO COM ADIÇÃO DE UM RESÍDUO CERÂMICO

Cerâmica 50 (2004)

CONHECENDO ALGUNS PIGMENTOS MINERAIS DE MINAS GERAIS PARTE II

Propriedades Geotécnicas das Argilas Moles da Estrada de Transporte de Equipamentos Pesados do COMPERJ

INFLUÊNCIA DOS AGREGADOS GRAÚDOS RECICLADOS DE RESÍDUOS DA CONSTRUÇÃO PREDIAL NAS PROPRIEDADES DO CONCRETO FRESCO E ENDURECIDO

REQUERIMENTO. (Do Sr. Vittorio Medioli) Senhor Presidente:

CARACTERIZAÇÕES FÍSICAS E POZOLÂNICAS DAS ARGILAS DE IVINHEMA/MS

Introdução. Palavras-chave: Poliestireno; radiação gama; stress cracking; propriedades mecânicas

Efeitos da adubação nitrogenada de liberação lenta sobre a qualidade de mudas de café

FUNGOS: UMA ANÁLISE EXPERIMENTAL SOBRE OS AGENTES CAUSADORES DE PROBLEMAS AOS PRODUTOS TÊXTEIS

ENSAIO DE FRATURA EM CONCRETO: PARTE 2

No contexto das ações de Pesquisa e Desenvolvimento

UTILIZAÇÃO DO RESÍDUO PROVENIENTE DO DESDOBRAMENTO DE ROCHAS ORNAMENTAIS NA CONFECÇÃO DE TIJOLOS ECOLOGICOS DE SOLO-CIMENTO

Aproveitamento de resíduos oriundos do beneficiamento de quartzito na produção de vidros e cerâmica

UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR CURSO DE BACHARELADO EM INFORMÁTICA DEPARTAMENTO DE INFORMÁTICA

CARACTERIZAÇÃO DA GRANALHA DE AÇO RECUPERADA DO RESÍDUO DE ROCHAS ORNAMENTAIS POR SEPARAÇÃO MAGNÉTICA

ESTUDO DA OCORRÊNCIA DA CORROSÃO EM AÇOS INOXIDÁVEIS AISI 316L E 444 UTILIZADOS NA INDÚSTRIA PETROQUÍMICA

PREPARAÇÃO DE AMOSTRAS DE CERÂMICAS PARA OBSERVAÇÃO MICROESTRUTURAL

Nailsondas Perfurações de Solo Ltda

CONSUMO MÉDIO DO CONCRETO APLICADO NAS ESTRUTURAS DA EXPANSÃO DA USINA HIDRELÉTRICA DE TUCURUÍ

PROCESSAMENTO DE MASSAS CERÂMICAS A BASE DE RESÍDUOS VÍTREOS PARA USO EM CONCRETOS

Resolução Comentada Unesp

Apresentação dos Requisitos Do Edital Inmetro nº 01/2011

Departamento de Química Analítica e Físico-Química Universidade Federal do Ceará Campus do Pici, Bloco 940, Fortaleza, CE, lena@ufc.

O êxito na preparação de defumados, não depende unicamente da aplicação da fumaça e sim, da combinação de fatores físicos e químicos, sendo

Avaliação da Secagem de Cerâmica Vermelha Através da Curva de Bigot

14 de maio de 2013 Belo Horizonte (MG)

XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO

DESENVOLVIMENTO DE FERRAMENTA CERÂMICA COM TECNOLOGIA NACIONAL PARA MANUFATURA DE MATERIAIS ESPACIAIS

Materiais cerâmicos e vítreos vítreos

ESTUDO DE RESÍDUOS DE ROCHAS ORNAMENTAIS PARA A PRODUÇÃO DE MATERIAIS VÍTREOS

Reciclagem do Lodo da Estação de Tratamento de Efluentes de uma Indústria de Revestimentos Cerâmicos. Parte 1: Ensaios Laboratoriais

Influência da Gipsita no Surgimento de Eflorescência em Telhas Cerâmicas

DIMENSIONAMENTO DE ELEMENTOS DE ESTRUTURAS DE AÇO USANDO MÉTODOS

Principais resultados do estudo de avaliação do nível de satisfação dos turistas no Município de Bragança

O cimento é um aglomerante hidráulico produzido a partir de uma mistura de rocha calcária e argila.

ESTUDO DAS RESISTÊNCIAS DE CONCRETOS DOSADOS COM RESÍDUO OLEOSO DE PETRÓLEO

Camilo Mizumoto (1); Flávio Moreira Salles (2) (1) Engenheiro da Leonardi Construção Industrializada Ltda

SÍNTESE DE ZEÓLITAS DO TIPO 4A A PARTIR DE CINZAS VOLANTES: QUANTIFICAÇÃO DE METAIS TRAÇOS NA MATÉRIA-PRIMA E NO PRODUTO FINAL

Identificação da RAA e monitoramento de estrutura afetada pela reação

Disciplina: Mineralogia e Tratamento de Minérios. Prof. Gustavo Baldi de Carvalho

ANÁLISE DE FALHA EM VIRABREQUIM DE MOTOR V8

CARACTERIZAÇÃO DE RESÍDUOS DE ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ÁGUA E ESTUDO DE REAPROVEITAMENTO NA INDÚSTRIA DE CERÂMICA VERMELHA

PLANILHA ELETRÔNICA PARA PREDIÇÃO DE DESEMPENHO OPERACIONAL DE UM CONJUNTO TRATOR-ENLEIRADOR NO RECOLHIMENTO DO PALHIÇO DA CANA-DE-AÇÚCAR

. INFLUÊNCIA DA TEMPERATURA NA EVOLUÇÃO DA RESISTÊNCIA À COMPRESSÃO DO CIMENTO PORTLAND

ESTUDO PARA O APROVEITAMENTO ECONÔMICO DA LAMA-ARGILOSA GERADA NO BENEFICIAMENTO DE AREIA INDUSTRIAL

Tratamentos Térmicos

Rastreabilidade e Certificação de produtos Agro-industriais

III-072 CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTUDO E AVALIAÇÃO DA RELAÇÃO CARBONO NITROGÊNIO NA COMPOSTAGEM

Sistema de Isolamento Térmico pelo Exterior. Reboco Delgado Armado sobre Poliestireno Expandido - ETICS

O JOVEM COMERCIÁRIO: TRABALHO E ESTUDO

Tabela 1 Taxa de Crescimento do Produto Interno Bruto no Brasil e em Goiás: (%)

ESTUDO DA INFLUÊNCIA DA UTILIZAÇÃO DE CINZA DE CALDEIRA A COQUE COMO ESTABILIZANTE DE SOLOS EM CAMADA DE PAVIMENTOS

O irmão do aço. Obtendo o ferro fundido

Materiais / Materiais I. Guia para Trabalho Laboratorial

Artigo. Resumo. Abstract. Introdução. Materiais e Métodos. 64 Revista Analytica Agosto/Setembro 2013 nº 66

Instituto de Pesquisas Enérgicas Nucleares IPEN-CNEN/SP

Prof. Dr. ENIO PAZINI FIGUEIREDO UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS CURSO DE MESTRADO EM ENGENHARIA CIVIL

Transcrição:

Cerâmica 50 (2004) 122-127 122 Revestimento cerâmico com granito e argila caulinítica (Ceramic tile with granite and kaolinitic clay) E. T. A. de Souza, S. N. Monteiro, C. M. F. Vieira Laboratório de Materiais Avançados - LAMAV. Universidade Estadual do Norte Fluminense - UENF Av. Alberto Lamego, 2000, Campos dos Goytacazes, RJ, 28013-602 vieira@uenf.br Resumo Este trabalho teve por objetivo a obtenção de revestimento cerâmico prensado do tipo semiporoso por meio da mistura de argila plástica caulinítica e granito. Foram preparadas misturas com 0%, 20%, 30% e 40% em peso de granito. Para um estudo comparativo, avaliou-se também uma massa cerâmica industrial proveniente da região de Santa Gertrudes. Foram preparados corpos-de-prova por prensagem uniaxial para queima em temperaturas variando de 1000 a 1200 o C. Nas amostras queimadas foram realizados ensaios tecnológicos para determinação da retração linear, resistência mecânica (flexão em 3 pontos) e absorção de água. Análise microestrutural foi realizada por microscopia eletrônica de varredura. Os resultados mostraram que a incorporação de granito à argila caulinítica não possibilitou uma redução da temperatura de queima necessária para se alcançar o patamar de 10% de absorção de água requerido por norma. Também foi observado um decréscimo da resistência mecânica com o aumento de granito incorporado. Em comparação com a massa industrial, tanto a argila caulinítica quanto as misturas elaboradas apresentaram uma composição química com menor teor de fundentes e maior perda ao fogo e comportamento refratário durante a queima. Palavras-chave: argila, caulinita, granito, microestrutura, revestimento cerâmico. Abstract This work had for objective to obtain a pressed ceramic tile, of semiporous type, through mixtures of granite and kaolinitic plastic clay. Mixtures were prepared with addition of 0, 20, 30 e 40wt% of granite to kaolinitic clay. For comparison, an industrial ceramic body from Santa Gertrudes, State of S. Paulo, was also evaluated. Specimens were prepared by uniaxial pressing followed by firing at temperatures varying from 1000 o C to 1200 o C. The fired specimens were submitted to the following tests: linear shrinkage, mechanical strength (three point bending) and water absorption. Microstructural analysis was carried out by scanning electron microscopy. The results showed that the granite incorporation did not decrease the specified firing temperature to reach 10% of water absorption required by Brazilian standards. It was also observed that the mechanical strength was reduced with increasing granite incorporation. In comparison with the industrial body, both, the kaolinitic clay and the elaborated mixtures presented a chemical composition with lower flux content and higher loss on ignition as well as a refractory behavior during firing. Keywords: clay, kaolinite, granite, microstructure, ceramic tile. INTRODUÇÃO Tradicionalmente no Brasil os revestimentos cerâmicos prensados, produzidos pela rota de preparação de massa a seco, são obtidos a partir de uma mistura de argilas fundentes conhecidas como taguá [1-3]. O pólo cerâmico de Santa Gertrudes, Estado de S. Paulo, é o grande produtor de revestimentos cerâmicos por esta rota, obtendo principalmente a tipologia referente ao grupo BIIb, semiporoso, de acordo com norma técnica NBR 13818 [4]. Estas argilas fundentes apresentam composições química e mineralógica bastante adequadas para as características de processamento atualmente empregadas pelas indústrias. A grande vantagem da rota de preparação de massa a seco em relação à via úmida é o menor custo de produção [5]. Para comercialização no mercado interno brasileiro, o fator custo é bastante relevante face ao baixo poder aquisitivo da maior parte do mercado consumidor. O emprego de argilas cauliníticas como únicos componentes de massa para revestimento cerâmico não é adequado devido, sobretudo, ao seu comportamento refratário durante a queima o que dificulta a obtenção do nível de porosidade especificado por norma [6]. Em algumas regiões do país, os revestimentos cerâmicos por via seca são obtidos a partir de mistura de argilas plásticas de predominância caulinítica e argilas fundentes. As argilas cauliníticas, utilizadas em pequenas proporções 20-30% em massa, são extraídas de jazidas próximas às indústrias. Já as argilas fundentes são transportadas por longas distâncias o que acarreta aumento de custo. Além disso, para compensar a menor fundência da massa, é necessário um aumento da pressão de compactação e da temperatura de queima em

123 E.T. A. de Souza et al. / Cerâmica 50 (2004) 122-127 comparação com os parâmetros tradicionalmente utilizados pelas indústrias da região de Santa Gertrudes. Em trabalho reportado na literatura [7] com amostras de 10 x 20 cm 2 de misturas de argila plástica caulinítica de Campos dos Goytacazes e argila fundente queimadas em forno industrial foi concluído que, para a obtenção de revestimento cerâmico semiporoso, deve ser adicionada à argila caulinítica pelo menos 60% em massa de argila fundente. Misturas com percentuais menores de argila fundente apresentaram problemas de compactação. O Estado do Rio de Janeiro é tradicionalmente um grande produtor de cerâmica vermelha [8]. Apesar de possuir um dos maiores mercados consumidor do país, não há produção de revestimentos cerâmicos. Há abundância de argilas plásticas cauliníticas, sobretudo nas regiões dos pólos de cerâmica vermelha. Entretanto, em relação às argilas fundentes, até o momento há apenas indícios de sua existência. Uma alternativa para substituição de argilas fundentes na composição de massa de revestimentos cerâmicos elaborados por via seca, pode ser a mistura entre argilas plásticas cauliníticas e fundente não plástico como granito, fonolito, feldspatóide, etc. Neste sentido, o presente trabalho teve como objetivo verificar, em escala laboratorial, a possibilidade de obtenção de revestimento cerâmico semiporoso através da mistura de argila plástica caulinítica e granito. MATERIAIS E MÉTODOS Materiais Para realização deste trabalho foram utilizados os seguintes materiais: argila plástica caulinítica, granito e massa industrial de revestimento cerâmico. A argila é empregada em composição de massa de cerâmica vermelha pelas indústrias do pólo cerâmico de Campos dos Goytacazes-RJ. A massa de revestimento cerâmico é composta por argilas fundentes Tabela I - Composição química dos materiais (% em peso). [Table I - Chemical composition of the materials (wt.%).] Componentes Argila Massa Granito caulinítica industrial SiO 2 44,07 66,40 63,51 Al 2 29,97 15,50 18,81 Fe 2 9,15 5,92 4,44 TiO 2 1,36 0,55 0,59 CaO 0,22 0,35 3,48 MgO 1,04 1,80 1,24 Na 2 O 0,47 1,07 3,14 K 2 O 1,44 3,48 3,78 PF 12,03 4,50 0,59 conhecidas como taguá e utilizadas por indústrias do pólo cerâmico de Santa Gertrudes-SP. O granito foi adquirido de uma mineradora de brita e pó de pedra da região de Campos. Na composição mineralógica deste granito há predomínio de plagioclásios (andesina e oligoclásio), quartzo e ortoclásio [9]. A Tabela I apresenta a composição química, obtida por fluorescência de raios X (Philips PW 2400), destes materiais. Foram preparadas quatro misturas com incorporação de granito à argila caulinítica nas seguintes proporções: 10, 20, 30 e 40% em peso. As composições estudadas estão apresentadas na Tabela II. Nesta Tabela a sigla MI representa massa industrial enquanto A, representa argila caulinítica e G granito. Tabela II - Composições estudadas (% em peso). [Table II - Studied compositions (wt.%).] Materiais Composições MI A A10G A20G A30G A40G Massa industrial 100 - - - - - Argila caulinítica - 100 90 80 70 60 Granito - - 10 20 30 40 Métodos Inicialmente foi realizada uma trituração a seco do granito em moinho de bolas até obter-se resíduo de 20% retido em malha ABNT 200 (abertura de 75 µm). A argila caulinítica foi triturada em almofariz de porcelana até total passagem em malha ABNT 40 (abertura de 425 µm). Em seguida, as composições elaboradas foram homogeneizadas a seco em moinho de bolas, com revestimento de porcelana, durante 60 min. Para realização dos ensaios tecnológicos foram preparados corpos-de-prova retangulares (11,43 x 2,54 x 0,8 cm 3 ) por prensagem uniaxial a 25 MPa e 8% de umidade. Em seguida, os corpos-de-prova foram secos em estufa a 110 o C por 24 h. A etapa de queima foi realizada em forno de laboratório nas temperaturas de 1000 a 1200 o C, com intervalos de 50 o C. A taxa de aquecimento empregada foi de 8 o C/min, com 6 min na temperatura de patamar. O resfriamento foi realizado desligando-se o forno. Após queima, as amostras foram submetidas aos seguintes ensaios tecnológicos: retração linear, absorção de água e tensão de ruptura à flexão (3 pontos). A análise microestrutural foi realizada através da observação da superfície de fratura de misturas selecionadas em microscópio eletrônico de varredura ZEISS, modelo DSM 962. RESULTADOS E DISCUSSÃO A Tabela III apresenta a composição química das misturas elaboradas com granito e argila caulinítica. À medida que se aumenta o percentual de granito incorporado à argila, observa-

E.T. A. de Souza et al. / Cerâmica 50 (2004) 122-127 124 se uma redução no teor de Al 2 e na perda ao fogo, bem como aumento do teor dos fundentes alcalinos, K 2 O e Na 2 O. Ocorre também um incremento no teor dos óxidos alcalinoterrosos, CaO e MgO. Entretanto, a composição com o maior teor de granito incorporado à argila A40G apresenta diferenças significativas quando comparada com a massa industrial MI. O teor de SiO 2 é ligeiramente menor e o teor de Al 2 é muito elevado. A mistura A40G apresenta teores de óxidos alcalinoterrosos (CaO + MgO) pouco superiores à MI. Este resultado é devido ao elevado teor de CaO do granito proveniente dos feldspatos plagioclásios. O teor de óxidos alcalinos é inferior ao da massa MI. Já a perda ao fogo (PF) da mistura A40G com 7,45% é bem superior ao da massa MI com 4,5%. Isto acarreta maior eliminação de gases e vapor d água, exigindo uma queima mais cuidadosa. Além disso, a maior perda de massa durante a queima contribui para o incremento da retração. baixo percentual de óxidos fundentes. Já a retração linear apresenta um comportamento similar para a argila caulinítica e massa industrial. Entretanto, a 1200 o C enquanto a argila caulinítica ainda apresenta retração, a massa industrial se expande. A argila caulinítica só alcança o patamar máximo de absorção de água para revestimento semiporoso (10%) a 1178 o C. Nesta temperatura a retração linear obtida foi bastante elevada, 9,6%. A comparação de parâmetros de processamento laboratoriais com industriais, como a temperatura de queima, deve ser vista com restrição. Nas condições laboratoriais utilizadas, a temperatura de 1178 o C é significativamente superior à temperatura industrial utilizada no Brasil para obtenção de revestimento semiporoso, que é em torno de 1100 o C. Tabela III - Composição química das misturas elaboradas com argila caulinítica e granito (% em peso). [Table III - Chemical composition of the mixtures elaborated with kaolinitic clay and granite (wt.%).] Componentes Misturas A10G A20G A30G A40G SiO 2 46,01 47,96 49,90 51,85 Al 2 28,85 27,74 26,62 25,51 Fe 2 8,68 8,21 7,74 7,27 TiO 2 1,28 1,21 1,13 1,05 CaO 0,55 0,87 1,20 1,52 MgO 1,06 1,08 1,1 1,12 Na 2 O 0,74 1,00 1,27 1,54 K 2 O 1,67 1,91 2,14 2,38 PF 10,89 9,74 8,60 7,45 No diagrama de gresificação da Fig. 1, é mostrado o comportamento da absorção de água e da retração linear com o aumento da temperatura de queima para a argila caulinítica A e para a massa industrial de revestimento cerâmico MI. Pode-se observar que é nítida a diferença de comportamento da absorção de água entre a massa industrial e a argila caulinítica. A massa industrial apresenta um comportamento bastante fundente, com rápido decréscimo da porosidade a partir da temperatura inicial empregada (1000 o C). Já a 1050 o C a MI apresenta total vitrificação com absorção de água praticamente nula. A 1200 o C foi observado um pequeno incremento da absorção de água devido provavelmente à eliminação de gás proveniente da redução de compostos de ferro [10]. Por outro lado, a argila caulinítica apresenta um comportamento refratário, com redução da porosidade (absorção de água) em função do aumento gradual da temperatura de queima. Este comportamento é devido ao elevado percentual de alumina e Figura 1: Diagrama de gresificação da argila caulinítica A e da massa industrial MI. [Figure 1: Gresification diagram of the kaolinitic clay A and the industrial body MI.] A Fig. 2 apresenta os diagramas de gresificação das misturas elaboradas com argila caulinítica e granito. Pode-se observar que o incremento da adição de granito à argila caulinítica não possibilitou uma redução da temperatura necessária para alcançar o valor de absorção de água de 10%. Estas temperaturas variaram de 1163 o C para a mistura A20G a 1141 o C para a mistura A40G. Com relação à retração linear, observa-se que a incorporação de granito à argila caulinítica possibilitou uma significativa redução em comparação com os valores obtidos para a argila caulinítica. Este comportamento é devido à redução da perda de massa durante a queima e do aumento no teor de quartzo. A Fig. 3 mostra o comportamento da tensão de ruptura à flexão das misturas elaboradas com o aumento da temperatura de queima. Observa-se que ocorre um incremento dos valores obtidos para todas as composições estudadas com o aumento da temperatura de queima. Este comportamento é devido à redução da porosidade e à maior consolidação microestrutural associada à sinterização que ocorre. A massa industrial MI apresenta valores de tensão de ruptura à flexão bem superior

125 E.T. A. de Souza et al. / Cerâmica 50 (2004) 122-127 Figura 2: Diagrama de gresificação das misturas com argila caulinítica e granito. [Figure 2: Gresification diagram of the mixtures with kaolinitic clay and granite.] às demais composições, em virtude de sua maior fundência e conseqüentemente menor porosidade. Observa-se também que as composições elaboradas com granito apresentam valores de tensão de ruptura à flexão menor que a argila caulinítica pura. Isto é devido provavelmente ao incremento de quartzo que pode contribuir para o aparecimento de defeitos microestruturais devido à sua diferença de comportamento dilatométrico em comparação com os demais constituintes. Valor de tensão de ruptura à flexão superior a 18 MPa [4], mínimo recomendado para revestimento semiporoso, é alcançado pela massa industrial MI em todas as temperaturas avaliadas. Para a argila caulinítica sem incorporação de resíduo, este patamar é alcançado a 1210 o C. A mistura A40G não atingiu o mínimo necessário. Já as misturas A10G, A20G e A30G, alcançaram o patamar de 18 MPa a 1145, 1180 e 1175 o C, respectivamente. As Figs. 4 a 6 exemplificam micrografias da superfícies de fratura da argila caulinítica, da mistura A40G e da massa industrial queimadas a 1100 o C, respectivamente. Analisando as Figs. 4 e 5 verifica-se que tanto a argila caulinítica A quanto Figura 3: Tensão de ruptura à flexão das composições estudadas em função da temperatura de queima. [Figure 3: Flexural rupture strength of the studied compositions as a function of the fired temperature.]

E.T. A. de Souza et al. / Cerâmica 50 (2004) 122-127 126 a mistura com 40% de granito A40G apresentam uma superfície de fratura com textura rugosa, poros de grande tamanho e fissuras. Na Fig. 6, que mostra a superfície de fratura da massa industrial MI, observa-se uma textura lisa, indicando um alto grau de vitrificação. Nota-se a presença de poros, de pequeno tamanho, e bolhas. O aparecimento de bolhas é, possivelmente, conseqüência do aprisionamento de gases provenientes da redução de compostos de ferro. Tanto a argila caulinítica A quanto a mistura A40G, a textura rugosa e o nível de porosidade observado estão associados ao baixo poder de fundência e à elevada perda de massa durante a queima. Estes fatores dificultam o processo de vitrificação devido à baixa quantidade de fase líquida e formação de poros provenientes, sobretudo, da perda de água de constituição dos minerais argilosos. A incorporação de granito à argila caulinítica não contribuiu para a redução na temperatura de queima necessária para se alcançar o valor máximo de absorção de água requerido por norma. O comportamento de queima das misturas elaboradas é ainda bastante refratário quando comparado com uma massa industrial. Como a granulometria do granito está relativamente fina, uma alternativa seria aumentar o seu teor incorporado à argila caulinítica. No entanto, isto pode comprometer a plasticidade da mistura e, conseqüentemente, ocasionar problemas de compactação levando à baixa resistência mecânica a seco das peças. A alternativa mais viável seria testar outros materiais com potencial fundente maior que o granito e buscar uma formulação com características mais próximas ao da massa industrial utilizada neste trabalho. Figura 5: Micrografia obtida por MEV da superfície de fratura da mistura A40G queimada a 1100 o C. [Figure 5: SEM micrograph of the fracture surface of the mixture A40G fired at 1100 o C.] Figura 6: Micrografia obtida por MEV da superfície de fratura da massa industrial MI queimada a 1100 o C. [Figure 6: SEM micrograph of the fracture surface of the industrial body MI fired at 1100 o C.] CONCLUSÕES Figura 4: Micrografia obtida por MEV da superfície de fratura da argila caulinítica A queimada a 1100 o C. [Figure 4: SEM micrograph of the fracture surface of the kaolinitic clay A fired at 1100 o C.] A argila caulinítica apresenta um comportamento refratário durante a queima. Os valores de absorção de água e tensão de ruptura à flexão, recomendados para revestimento semiporoso, somente foram alcançados na temperatura de 1175 o C. Entretanto, a retração linear obtida foi elevada, 9,6%. A incorporação de granito à argila caulinítica contribuiu para

127 E.T. A. de Souza et al. / Cerâmica 50 (2004) 122-127 reduzir o teor de alumina e aumentar o teor de fundentes. Entretanto, durante a queima não houve redução de temperatura para se alcançar o patamar desejado de 10% de absorção de água. Houve também uma redução da resistência mecânica, causada possivelmente pelo incremento de grãos de quartzo nas massas. A melhor composição obtida visando à obtenção de revestimento semiporoso foi com 10% de incorporação de granito à argila caulinitica. Esta composição alcançou os valores de absorção de água e tensão de ruptura à flexão, recomendados para revestimento semiporoso, em temperatura 30 o C menor que a argila pura. Além disso, a retração linear também foi reduzida. Por fim, observou-se que a incorporação de até 40% de granito à argila caulinítica estudada ainda apresenta diferenças significativas tanto na composição química quanto no comportamento de queima de uma típica massa industrial de revestimento cerâmico semiporoso. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à FAPERJ pelo apoio para realização deste trabalho, Processo n o E-26151.544/2001. REFERÊNCIAS [1] J. F. M. Motta, A. Zanardo, M. C. Junior, Cerâmica Industrial 6, 2 (2001) 28. [2] C. V. Santos, A. A. P. Chagas, J. Castral Jr., Anais do 43 o Congresso Brasileiro de Cerâmica, Florianópolis, SC (2001) p. 7701. [3] L. A. Gaspar Jr., M. H. O. Souza, M. M. T. Moreno, Anais do 45 o Congresso Brasileiro de Cerâmica, Florianópolis, SC, (2001) p. 201801. [4] NBR 13818 - Ensaios para quantificação das características físicoquímicas das Placas Cerâmicas. ABNT, Rio de Janeiro. (1997) 78 p. [5] L. Lolli, G. Nassetti, L. F. B. Marino, Cerâmica Industrial 5, 2 (2000) 23. [6] J. E. E. Navarro, A. Albaro, Técnica Cerámica 91 (1981) 119. [7] C. M. F. Vieira, S. N. Monteiro, J. Duailibi Filho, Cerâmica Industrial 6, 6 (2001) 43. [8] SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, Projeto Estratégico SD 011-S - Estudo do Setor de Cerâmica Vermelha Região Sudeste (1997). [9] IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas, Ensaios Tecnológicos em Amostra de Rocha, Certificado n o 787100 (1991) p.8. [10] A. E. Benlloch, J. L. A. Albaro, J. E. E. Navarro, Bol. Soc. Esp. Ceram. Vidr. 20, 1 (1986) 17. (Rec. 03/09/03, Rev. 11/12/03, Ac. 02/04/04)