Ref: PA nº 1.16.000.001265/2007-94; Ofício MPF/PRDF/APM nº 320/2007



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Ref: PA nº 1.16.000.001265/2007-94; Ofício MPF/PRDF/APM nº 320/2007 Índice Páginas Respostas itens 1, 6-19 1-39 Anexo, Respostas a-d, 7.1 7.18 40-81 Bibliografia (134 referências) 82-88 Ref: PA nº 1.16.000.001265/2007-94; Ofício MPF/PRDF/APM nº 320/2007/PRINCIPAL RESPOSTAS ITENS 1 e 6-19 Antes de adentrarmos especificamente nos itens do ofício para os quais nos foi solicitada manifestação, é mister apresentarmos alguns esclarecimentos de ordem geral, em especial no tocante à forma de atuação da CTNBio, bem como sobre o Princípio da Precaução, evitando-se interpretações equivocadas e errôneas sobre a atuação desta Comissão. (A) Considerações gerais sobre a CTNBio e o Princípio da Precaução 1

A Constituição Federal vigente conferiu ao meio ambiente a dignidade de direito fundamental, estabelecendo, portanto, em seu Art. 225, normas para assegurar a todos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, tornando-o essencial à qualidade de vida e impondo ao Poder Público e à sociedade em geral o dever de preservá-lo e defendê-lo. Deste modo, dispõe o Art. 225, da Constituição Federal: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:... II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;... IV exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente. Além da preservação do meio ambiente, a Constituição Federal também estabelece a necessidade de se incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica, dispondo em seu Art. 218: Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas. 1º. A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências. 2º. A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional. Assim, buscou o legislador, por meio da Lei 11.105/05, bem como com a anterior lei de biossegurança (Lei 8.974/95), harmonizar a promoção do desenvolvimento científico e tecnológico com a obrigação de preservar a diversidade e a integridade do patrimônio 2

genético do País, fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético e de controlar a produção, comercialização e o emprego de técnicas que poderiam eventualmente comportar algum tipo de risco para o ambiente. Foi, portanto, visando regulamentar as obrigações previstas no Art. 225, 1º, incisos II, IV e V da Constituição Federal, que o Congresso Nacional, legitimamente constituído pelo voto popular, em juízo de valor político, por duas vezes (Lei 8.974/95 e Lei 11.105/05), outorgou à CTNBio a competência para avaliar a segurança humana, animal e ambiental dos organismos geneticamente modificados (OGM). Resta claro, portanto, que a Constituição Federal em momento algum restringe a utilização da biotecnologia ou a elimina do ordenamento jurídico nacional, mas, muito pelo contrário, autoriza o uso de OGM, apenas requerendo que o desenvolvimento tecnológico e científico se dê sempre com vistas à preservação do ambiente. Qual teria sido o motivo pelo qual o legislador teria optado pela criação de um novo órgão especialmente criado para avaliar a segurança de OGM? Entendeu o legislador que, por ser a biotecnologia uma atividade que contempla várias áreas de conhecimento, ou seja, uma ciência transversal, em cumprimento ao Princípio da Precaução, seria essencial que OGMs fossem avaliados por todas as áreas envolvidas, ou seja, vegetal, ambiental e saúde humana e animal, optando assim pela criação de uma comissão composta por especialistas das diversas áreas e por membros dos Ministérios envolvidos, bem assim por membros da sociedade civil. Assim, dispõe a Lei 11.105/05 que a CTNBio seja composta por 27 membros titulares e suplentes, cidadãos brasileiros de reconhecida competência técnica, com grau acadêmico de doutor e com destacada atuação nas áreas de biossegurança, biotecnologia, saúde humana, animal ou meio ambiente designados pelo Ministro da Ciência e Tecnologia, sendo: I - 12 especialistas de notório saber científico e técnico, em efetivo exercício profissional: (a) 03 da área de saúde humana; (b) 03 da área animal; (c) 03 da área vegetal; (d) 03 da área do meio ambiente; II um representante de cada um dos seguintes órgãos indicados pelos respectivos titulares: (a) Ministério da Ciência e Tecnologia; (b) Ministério da Agricultura; (c) Ministério da Saúde; (d) Ministério do Meio Ambiente; (e) Ministério do Desenvolvimento Agrário; (f) Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; (g) Ministério da Defesa; (h) Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República; (i) Ministério das Relações Exteriores; III - um especialista em defesa do consumidor, indicado pelo Ministro da Justiça; IV - um especialista na área de saúde, indicado pelo Ministro da Saúde; V um especialista em meio ambiente, indicado pelo Ministro do Meio Ambiente; VI um especialista em biotecnologia, indicado pelo Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; 3

VII um especialista em agricultura familiar, indicado pelo Ministro de Desenvolvimento Agrário; VIII um especialista em saúde de trabalhador, indicado pelo Ministro do Trabalho. Deste modo, como se pode verificar, cada OGM avaliado pela CTNBio passa pelo crivo de seus diversos membros e por especialistas de diversas áreas, sendo que para aprovar qualquer OGM para fins comerciais são necessários votos favoráveis da maioria absoluta dos membros da Comissão. Não resta dúvida, pois, que todo o arcabouço legal vigente tem por objetivo dar cumprimento ao Princípio da Precaução. Assim, cabe-nos informar este respeitável Ministério Público sobre a forma que os especialistas em biotecnologia, biossegurança, saúde humana, animal e ambiental, membros da CTNBio, avaliam os OGM. Antes, porém, devemos comentar sobre um pressuposto. Não nos parece que a representação da ínclita Procuradora se refira a transgênicos e derivados do tipo das vacinas de uso animal ou humano, como hepatite B, dengue, gripe aviária (H5N1), câncer de colo de útero (HPV), cinomose e hepatite canina, bem como com derivados de OGM como, dentre outros, insulina para diabéticos, hormônio de crescimento para deficientes de crescimento que, antes da tecnologia do ADN recombinante eram injetados com extratos de hipófises de cadáveres e contraiam a doença de Kreutzfeld-Jakob (doença da vaca louca), assim como os que necessitavam dos hormônios folículo estimulante, luteinizante e gonadotropina coriônica humana; fatores de coagulação ministrados a hemofílicos que, antes do aparecimento dessa tecnologia (anos 80), contraíam HIV e hepatite B nas transfusões; interleucinas, citocinas, interferon, fator de crescimento de granulócitos usado em disfunções imunológicas e leucemias; anticorpos monoclonais para tratamento de câncer e outras doenças; enzimas proteolíticas, lipolíticas ou nucleolíticas contidas no sabão usado nas máquinas de lavar roupa ou prato de milhões de lares brasileiros; quimosina para fabricar queijos, usada até pelos franceses. Parece-nos, pelo frasear da representação, que a douta Procuradora está preocupada apenas com plantas transgênicas e por isso nos permitimos, data venia, restringir nossa resposta a esse pequeno setor do universo dos OGM sem olvidar, todavia, que os acima descritos também são transgênicos ou deles derivados. A CTNBio, ao analisar um pedido de aprovação de OGM, no tocante à avaliação da segurança ambiental, acopla um ao outro os conceitos de familiaridade e de equivalência substancial, baseando-se no princípio de que plantas novas, geneticamente modificadas, podem ser comparadas àquelas não modificadas que foram utilizadas para sua geração e que possuem história incontestável de uso seguro. Este conceito, além de cientificamente correto, é mundialmente utilizado por outros órgãos reguladores. Ele tem por objetivo determinar se a planta nova, geneticamente modificada, apresenta algum risco novo ou maior que seu correspondente parental ou se com ele pode conviver sem afetar negativamente o ambiente em que é cultivada. Com tal 4

avaliação, pretende-se estabelecer um nível relativo de segurança para que, à luz do conhecimento atual e da experiência acumulada com as praticas agrícolas, se possa afirmar que nenhum risco indevido ao ambiente resultará do cultivo da nova planta, sob as condições de produção determinadas antecipadamente. Aqui, é de fundamental importância lembrar que a ciência não permite, em nenhuma área do conhecimento, estabelecer condições de risco zero. Ao contrário, ao lado do estabelecimento de normas para minimizar os riscos, a ciência permite a elaboração de planos de contingência, no caso do risco se mostrar maior do que aquele previsto nos estudos piloto. Outro procedimento que é fundamental para formar a convicção dos membros da CTNBio sobre um determinado pleito de aprovação de OGM é a análise da literatura científica pertinente. Trabalhos científicos são publicados no mundo todo e os cientistas têm critérios para atestar a veracidade do que lá se escreve: (1) a análise dos dados é feita pelos cientistas da CTNBio que, portanto, devem estar bem preparados para analisá-los; (2) a revista onde foram publicados os dados: por exemplo, revistas científicas altamente acreditadas com um corpo de assessores qualificado, com alto índice de impacto, são muito mais importantes na formação da convicção do que a declaração de cientista de um país remoto dada a um jornal local. Em outras palavras, a análise de um trabalho científico somente pode e deve ser feita por cientistas. O especialista da CTNBio forma convicção louvando-se não somente em sua capacidade, mas na de colegas altamente respeitados da comunidade a quem se solicitam pareceres ad hoc. Finalmente, é preciso explicar que esses últimos são escolhidos pelo que produziram na área em questão e cuja qualidade se afere pela avaliação de seus curricula vitae. Os OGMs são produto de uma tecnologia, a Engenharia Genética. A tecnologia decorre de um método. Não se pode ser a priori contra ou a favor de um método. Por isso, a CTNBio analisa os OGMs, CASO A CASO, como impõe a Lei 11.105/05, à luz da técnica da análise do risco (risk assessment), à vista do que fazem todos os demais órgãos regulatórios de todos os outros países quando instados a avaliar os riscos de um determinado OGM. Vale observar que estamos falando de análise de riscos e não do EIA/RIMA, até porque, frise-se, a Lei não obriga o EIA/RIMA em todos os casos de liberação de OGM. O simples fato de um organismo ser geneticamente modificado não o torna mais ou menos seguro que seu correspondente não modificado. A realização do EIA/RIMA somente será obrigatória caso a CTNBio entenda ser o OGM potencialmente poluidor do meio ambiente, nos termos da lei de biossegurança. Verificada tal situação, caberá à CTNBio encaminhar o OGM para o necessário licenciamento ambiental, este sim, de competência do Ministério do Meio Ambiente. Assim, para avaliar a segurança do OGM, a CTNBio aplica o conceito de equivalência com o que já existe, certo que os membros e especialistas que compõem o órgão avaliam a literatura de dados analíticos pré-existentes ou gerados por experimentação, permitindo assim a comparação efetiva entre a planta nova e sua correspondente tradicional. Com base em tais estudos, entre outros, a CTNBio delibera se o OGM é ou não potencialmente degradante do ambiente. 5

Por razões pedagógicas, é preciso enfatizar que aqueles que se manifestam indiscriminadamente contra essa tecnologia se valem de um sofisma que pode ser descrito através de uma consideração apriorística: já que todos os transgênicos são prejudiciais à saúde e ao meio ambiente devemos estabelecer um número infindável de normas que os segreguem de toda e qualquer atividade humana. Despiciendo afirmar que tal premissa é absolutamente equivocada e não se sustenta em estudos e evidências científicas existentes. Destacamos, por oportuno, o Encontro de trabalho de 1997 da OECD sobre Testes Toxicológicos e Nutricionais para Alimentos Novos (OECD, 1998), que reafirmou recomendações prévias formuladas pela própria OECD, pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação e pela Organização Mundial de Saúde (OECD, 1998) quanto ao uso da equivalência substancial no estabelecimento da segurança de alimentos e componentes alimentares derivados de organismos GM. O encontro sustentou o ponto de vista de que a demonstração de equivalência substancial proporciona confiança igual ou superior na segurança de alimentos derivados de plantas GM, quando a comparação é feita com alimentos obtidos por métodos convencionais. Portanto, o método científico utilizado pela CTNBio para avaliação dos OGMs é o mesmo utilizado pelos demais órgãos reguladores existentes em outras partes do mundo. O conceito da Equivalência Substancial e da Análise do Risco como método de avaliação de transgênicos inclusive já foi abordado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, como se pode verificar no Acórdão que julgou improcedente a Ação Civil Pública ajuizada pelo Idec e outros contra a União (caso da soja Roundup Ready Apelação cível nº 1998.34.00.027682-0/DF - Processo na Origem: 199834000276820) e cuja relatora foi a Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida in verbis: 53. Não é a Justiça Federal o locus para se deliberar, do ponto de vista estritamente científico, sobre a segurança alimentar e ambiental de todos os OGMs que são consumidos no mundo. Os órgãos jurisdicionais não são academias e não foram instituídos para se manifestarem ex cathedra sobre teses científicas. O juiz só se pronuncia sobre o fenômeno científico quando ele está implicado com o fato jurídico e dele decorre um conflito de interesse qualificado por uma pretensão resistida. 54. Os testes de Biossegurança devem ser realizados para cada uma das espécies transgênicas segundo as diretrizes de Biossegurança que estão sendo elaboradas no âmbito de organizações internacionais e adotadas pelos países importadores e exportadores. 55. Há conceitos estabelecidos de perigo de risco, conforme definições de duas organizações das Nações Unidas (FAO e OMS) voltados para a agricultura e a saúde. O perigo pode ser representado por um agente biológico, químico ou físico presente no alimento com potencial de causar efeitos adversos à saúde. Risco é a possibilidade de ocorrência de um efeito adverso à saúde, decorrente de um perigo. O risco depende do nível de exposição ao perigo. Um produto OGM é tido como seguro quando não causa dano à saúde e ao meio ambiente.... 6

62. O Comunicado da CTNBio tem por escopo resumir de forma clara as informações e dados técnico-científicos sobre a segurança alimentar (humana e animal) e ambiental da avaliação de risco do OGM. As informações do Comunicado, publicado para que a sociedade tenha conhecimento da deliberação do colegiado, deve ser um resumo com linguagem acessível a todos, na medida em que é possível simplificar os termos da engenharia genética 64. A avaliação de risco precede ao Comunicado da CTNBio, devendo existir entre ambos uma correlação, sob pena de não ter a avaliação nenhuma utilidade. 65. Após o desenvolvimento de um alimento OGM, ele é submetido a um processo de estudos moleculares, agronômicos, de toxicologia, de alergenicidade, de nutrição animal e de impacto ambiental. Desnecessário utilizar outras palavras para explicar o que faz a CTNBio. É exatamente isso: avalia cada OGM, caso a caso, segundo as diretrizes de Biossegurança que são elaboradas também no âmbito de organizações internacionais e adotadas pelos países importadores e exportadores e conforme normas vigentes no País. Fica claro, pois, que em momento algum o Princípio da Precaução deixa de ser cumprido, uma vez que cada OGM passa por uma criteriosa e científica avaliação por parte da CTNBio, que somente autoriza seu uso se este for considerado seguro, em todos os sentidos. Tão criterioso foi o legislador no cumprimento ao Princípio da Precaução que optou pela criação de uma comissão mista (27 membros), não deixando a avaliação dos OGMs submetida a um único profissional ou a um único Ministério, evitando com isso que uma interpretação errônea de uma só pessoa ou de um só órgão pudesse comprometer a credibilidade da avaliação. Além disso, optou ainda por uma comissão composta por especialistas, com grau de doutor nas diversas áreas, membros dos Ministérios envolvidos, membros da sociedade civil, que avaliam cada OGM, CASO A CASO e que por maioria absoluta de seus membros delibera sobre a segurança de cada OGM. Perguntamo-nos recorrentemente em face das afirmações reiteradas da douta Procuradora se tudo o que relatamos não é suficiente para dar cumprimento ao Princípio da Precaução? Neste sentido, pedimos vênia para citar trechos do acórdão da ação civil pública retromencionada (soja Roundup Ready), cuja relatora, Desembargadora Selene Maria de Almeida, elucida qualquer dúvida sobre o cumprimento do Princípio da Precaução por parte da CTNBio. É óbvio que a Desembargadora refere-se à Lei anterior de Biossegurança (Lei 8.974/95) porque seu magnífico parecer foi emitido antes da atual Lei 11.105/05. No entanto, esta última, incorporou os conceitos doutrinários da anterior e tornou mais claras as atribuições de competência da CTNBio. Assim se pronunciou a douta Desembargadora in verbis: 7

25. A Resolução 305, do CONAMA, ao pretender exigir, para toda liberação de OGMs no meio ambiente, realização de estudo prévio de impacto ambiental (ElA/RIMA) e não avaliação de risco, deve ser interpretada e aplicada de acordo com a Constituição Federal, com a Lei 8.974 de 1995 e a Medida Provisória 2.137 de 2000, sucedida pela MP 2.191/01, visto que a competência para dizer se os OGMs especificamente considerados causam ou não significativo impacto no meio ambiente foi atribuída legalmente à CTNBio. 26. O estudo comparado das legislações existentes e as recomendações de academias de ciência (internacionalmente reconhecidas) permitem a obtenção de subsídios que contribuem para avaliar se a legislação brasileira sobre biossegurança está de acordo com as exigências internacionais de qualidade de biossegurança. Daí a relevância de se conhecer: 1º) a legislação internacional sobre biossegurança; 2º) a recomendação das academias de ciência de notório reconhecimento na comunidade científica global; 3º) as recomendações de instituições internacionais não políticas sobre as metodologias e os critérios de avaliação de biossegurança. 27. Na atualidade do Direito Comparado, na maioria dos Estados, há relativa uniformidade das normas domésticas relacionadas à proteção do meio ambiente, incluindo-se nelas a regulamentação dos usos da engenharia genética e dos controles dos OGM, nos seus aspectos de construção, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte, nos respectivos territórios nacionais ou naqueles sob controle dos Estados. 28. Existem regulamentos técnicos, estabelecidos pela CTNBio, para assegurar a segurança no uso dos produtos provenientes de plantas geneticamente modificadas. As normas e disposições relativas às atividades e projetos relacionados a produtos originários da biotecnologia abrangem a constituição, cultivo e manipulação, e também o uso, transporte, armazenamento, comercialização, consumo, liberação e descarte dos mesmos. São informações públicas, que podem ser encontradas na internet. A Instrução Normativa 03, que dispõe sobre as normas para liberação planejada no meio ambiente de organismos geneticamente modificados (DOU de 13 de novembro de 1996; Instrução Normativa 04, que dispõe sobre as normas para o transporte de Organismos Geneticamente Modificados (DOU de 20 de dezembro de 1996); Instrução Normativa 08, que dispõe sobre a manipulação genética e sobre a clonagem de seres humanos (DOU 11 de julho de 1997); Instrução Normativa 10, que dispõe sobre as normas simplificadas para liberação planejada no meio ambiente de vegetais geneticamente modificados que já tenha sido anteriormente aprovada pela CTNBio (DOU de 20 de fevereiro de 1998); Instrução Normativa 16, que dispõe sobre as normas para a elaboração e a apresentação dos mapas e croquis solicitados para liberação planejada no meio ambiente de organismos geneticamente modificados OGM (DOU de 06 de novembro de 1998); Instrução Normativa 17, que dispõe sobre as normas que regulamentam as atividades de importação, comercialização, transporte, armazenamento, manipulação, consumo, liberação e descarte de produtos derivados de OGM (DOU de 23 de dezembro de 1998). 8

29. Além de dispor de uma regulamentação muito próxima à da União Européia no que tange aos métodos de avaliação de risco de OGMs, o Brasil também dispõe de legislação sobre os produtos químicos que são chamados defensivos agrícolas, pesticidas, praguicidas, produtos fitossanitários ou agrotóxicos (este último termo restrito ao Brasil, por força da Lei nº 7.802/89). 30. A CTNBio editou Instruções Normativas, referentes a distintos assuntos, tanto em referência às normas para se requerer o Certificado de Qualidade em Biossegurança - CQB, como em procedimentos para a importação de vegetais modificados geneticamente, destinados à pesquisa, realização de liberações planejadas no meio ambiente, transporte de OGMs, informações para a classificação de experimentos com vegetais geneticamente modificados, trabalho em contenção (laboratório) com OGMs e classificação de risco, manipulação genética, clonagem em seres humanos, etc. 31. As Resoluções 03/96 e 10/98 da CTNBio, que estabelecem normas genéricas para a liberação planejada no meio ambiente de células ou organismos geneticamente modificados e normas genéricas simplificadas para a liberação planejada no meio ambiente de vegetais geneticamente modificados da mesma espécie (cultivar, estirpe, etc.) que já tenha sido anteriormente aprovada pelo mesmo órgão colegiado, foram baixadas no exercício da competência atribuída pelos artigos 7º e 8º, inciso VI, da Lei 8.974/95 e também com o estatuído nos incisos II e V do 1º do art. 225 da Constituição Federal. 32. O parágrafo único do artigo 7º da Lei de Biossegurança, dispõe que o parecer técnico conclusivo da CTNBio vincula os demais órgãos da Administração, quanto aos aspectos de biossegurança do OGM por ela analisados, preservadas as competências dos órgãos de fiscalização de estabelecer exigências e procedimentos adicionais específicos às suas respectivas áreas de competência legal. 33. Como se trata de parecer técnico da área específica de biossegurança, tem eficácia vinculante aos demais órgãos da Administração Federal Pública, porque esses outros órgãos não têm competência científica para discutir o mérito do parecer técnico da CTNBio, que não é órgão consultivo, mas deliberativo quanto à segurança dos produtos que contenham OGM. 34. Na dicção de Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo, Malheiros, 21ª ed., p. 176/177): O parecer, embora contenha um enunciado opinativo, pode ser de existência obrigatória no procedimento administrativo e dá ensejo à nulidade do ato final se não constar do processo respectivo, como ocorre, p. ex., nos casos em que a lei exige prévia audiência de um órgão consultivo, antes da decisão terminativa da Administração. Nesta hipótese, a presença do parecer é necessária, embora seu conteúdo não seja vinculante para a Administração, salvo se a lei exigir o pronunciamento favorável do órgão consultado para a legitimidade do ato final, caso em que o parecer se torna impositivo para a Administração. 9

35. A Declaração do Rio/92 não foi recepcionada no direito interno brasileiro porque não é norma jurídica de direito internacional, não foi referendada na forma pretendida pelos constitucionalistas, isto é, ex vi do artigo 49, I, 84, VIII, com aprovação por decreto legislativo e promulgação pelo Presidente da República, nem foi internada na forma constitucionalmente prevista para os tratados de direitos humanos que prevê a incorporação imediata ao ordenamento jurídico, ex vi do artigo 5º, 1º da Constituição (doutrina internacionalista). 36. Segundo a recomendação da Declaração do Rio/92 o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios e irreversíveis a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. 37. O princípio de precaução passou a ser ius scriptum no Brasil porque o país assinou a Convenção sobre a Diversidade Biológica, por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - ECO/92, a qual foi aprovada pelo Congresso Nacional e promulgada pelo Decreto 2.519, de 16 de março de 1998. 38. A Convenção de Biodiversidade determina que os Estados estabeleçam a modalidade de avaliação de impacto ambiental na medida do possível e conforme o caso. Antes da assinatura da Convenção de Biodiversidade, o Constituinte brasileiro de 1988 já adotara o princípio da precaução quando, no caput do artigo 225 da CF, determinou que lei regulasse as normas dos incisos II e V do 1º, isto é, que se adotassem medidas para defender o meio ambiente ou prevenir a sua destruição. 39. A adoção expressa do princípio da precaução quanto à biodiversidade é anterior à incorporação do ius scriptum internacional. Se não fosse o Brasil signatário da Convenção da Biodiversidade, estaria obrigado a observar o principio por força do ordenamento jurídico interno. 40. Para dar eficácia ao princípio da precaução foi editada a Lei 8.974, de 5 de janeiro de 1995, que Regulamenta os incisos II e V do 1º do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados, autoriza o Poder Executivo a criar, no âmbito da Presidência da República, a Comissão Técnica de Biossegurança, e dá outras providências. 41. A Convenção sobre Diversidade Biológica e a Convenção sobre Mudança de Clima adotam o princípio segundo o qual a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas tendentes e evitar ou minimizar a ameaça de sensível redução ou perda de diversidade biológica, a prever, evitar ou minimizar as causas da mudança do clima e mitigar seus efeitos negativos, bem como medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. 10

42. Incerteza científica significa poucos conhecimentos, falta de prova científica ou ausência de certeza sobre os conhecimentos científicos atuais. O princípio da precaução significa que, se há incerteza científica, devem ser adotadas medidas técnicas e legais para prevenir e evitar perigo de dano à saúde, ao meio ambiente, ou a ambos. O princípio da precaução não implica na proibição de se utilizar tecnologia nova, ainda que tal compreenda a manipulação de OGMs. O princípio não pode ser interpretado, à luz da Constituição brasileira, como uma proibição do uso de tecnologia na agricultura porque o Constituinte de 1988 estabeleceu que a política agrícola levará em conta, principalmente, o incentivo à pesquisa e à tecnologia (art. 187, III, da CF/88). 43. Sob o enfoque da Epistemologia não há certeza científica absoluta. A exigência de certeza absoluta é algo utópico no âmbito das ciências. A questão da verdade científica é um tema recorrente em Epistemologia porque a ciência busca encontrar o fato real. Todavia, há muito se percebeu que o absoluto é incompatível com o espírito científico e que na área das ciências naturais as pretensões hão de ser mais modestas. 44. A legislação brasileira recepcionou o princípio da precaução com a obrigação que dele consta: não postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental, eis que constituiu obrigações aos Poderes Públicos de que, em qualquer atividade ou obra que possam representar algum risco para o meio ambiente, sejam necessariamente ser submetidas a procedimentos licenciatórios, nos quais, em graus apropriados a cada tipo de risco, são exigidos estudos e análises de impacto, como condição prévia de que as obras e atividades sejam encetadas. 45. A Lei de Biossegurança (8.794/95) arrola hipóteses que apontam para a ausência de certeza científica e nas quais precisa ser adotado o princípio da precaução: o artigo 2º, 3º, da Lei 8.974/95 dispõe que as organizações públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, financiadoras ou patrocinadoras de atividades ou projetos que envolvam OGM no território brasileiro, deverão se certificar da idoneidade técnico-científica e da plena adesão dos entes financiados, patrocinados, convencionados ou contratados às normas e mecanismos de salvaguarda previstos na lei, para o que deverão exigir a apresentação do Certificado de Qualidade em Biossegurança. 46. O artigo 8º, 1º, da Lei de Biossegurança estabelece que os produtos contendo OGM destinados à comercialização ou industrialização, provenientes de outros países, só poderão ser introduzidos no Brasil após o parecer prévio da CTNBio e a autorização do órgão de fiscalização competente, levando-se em consideração pareceres técnicos de outros países, quando disponíveis. Em que pese tais assertivas de caráter decisório tenham sido proferidas à luz da antiga legislação, Lei 8.974/95, certo é que a atual legislação, Lei 11.105/05, aprimorou a anterior e entre outras coisas, ampliou o número de membros da CTNBio, exigindo-lhes 11

grau de doutor, pelo que nos permitimos afirmar categoricamente que o Princípio da Precaução está sendo cumprido à exaustão pela CTNBio. Portanto, para responder aos questionamentos formulados por este respeitável Ministério Público é imperativo esclarecer que: 1 Na análise ambiental feita pela CTNBio a ferramenta utilizada é a Análise do Risco ou Risk Assessment, que é a forma adequada de análise ambiental para a biotecnologia, utilizada por todos os países que aprovaram OGMs, incluindo o Brasil, representado pela CTNBio. Esse método não contempla o EIA/RIMA, mais apropriado para grandes obras de engenharia, hidroelétricas, estradas, represas e termoelétricas, embora não o exclua se for identificado, em determinada atividade, potencial perigo de degradação do meio ambiente ou perigo à saúde. 2 A CTNBio, em cumprimento à atual Lei de Biossegurança, adota o método de análise caso a caso para verificar, no que concerne a OGMs, a existência de atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente e, neste caso sim, passíveis de exigência de EIA/RIMA. 3 Depreende-se daí que a CTNBio não trabalha com o conceito de risco presumido, estabelecendo de forma apriorística que tudo aquilo que envolve a liberação de OGMs no meio ambiente é poluidor, seja qual for a atividade. Essa postura é adotada em decorrência do fundamento de que afirmações apriorísticas não são acolhidas pela Ciência. 4 A CTNBio adota, por força de lei, e com base nos conhecimentos científicos existentes, o método de análise caso a caso, por ser este o método mais adequado para a situação dos organismos geneticamente modificados, pois garantirá que um órgão altamente especializado no tema, como é a CTNBio, identifique as atividades que possam oferecer significativo risco de degradação ambiental. (B) Respostas específicas aos quesitos formulados pela Procuradoria da República Partindo dessas premissas legais anteriormente analisadas, passamos aos esclarecimentos pertinentes com relação às questões levantadas no documento da ínclita Procuradora Cordioli e que se constituiriam em indícios de suposto descumprimento ao Princípio da Precaução no entendimento deste Ministério Público. Alegação nº 1 O Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) não estabeleceu uma política nacional de biossegurança para o país, Não estabeleceu um conjunto de diretrizes para todos os órgãos do Governo, cada Ministério atuando isoladamente. Em que pese o CNBS ainda não ter publicado normativa específica denominada Política Nacional de Biossegurança (PNB), certo é que o Brasil possui arcabouço legal suficiente para garantir que as questões envolvendo a segurança dos OGMs sejam devidamente operacionalizadas, sem jamais comprometer o cumprimento do Princípio da Precaução. Os princípios e diretrizes para o uso da biotecnologia no Brasil estão estabelecidos na Lei 11.105/05, no Decreto 5.591/05 e nas numerosas resoluções e instruções normativas 12

editadas pela CTNBio, convalidadas que foram pela Lei 11.105/05. Desde que a Lei de Biossegurança n o 11.105/2005 passou a vigorar, essa política está alicerçada na: (1) existência da CTNBio, que é a instância colegiada e multidisciplinar de caráter consultivo e deliberativo, para prestar apoio técnico e de assessoramento ao Governo Federal, para atualizar e implementar a PNB, para estabelecer normas técnicas de biossegurança e de pareceres técnicos para as autorizações de atividades que envolvam pesquisa e uso comercial de OGM e derivados, com base na avaliação de risco zoofitossanitário, à saúde humana e ao ambiente; (2) composição da CTNBio cujos especialistas foram arrolados no início deste documento, enfatizando-se que os ministérios cujos ministros compõem o CNBS possuem seus representantes no quadro de membros da CTNBio; (3) atribuição de cada órgão e entidade de registro e fiscalização do MS, do MMA, do MAPA e da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República, atribuições essas descritas no Capítulo IV da referida Lei, no âmbito das competências de cada órgão e entidade, observadas a decisão técnica da CTNBio, as deliberações do CNBS e os mecanismos estabelecidos na Lei e na sua regulamentação. Portanto as diretrizes para os órgãos de registro e fiscalização encontram-se na Lei e estão discriminadas por competência; (4) exigência de criação de uma Comissão Interna de Biossegurança (CIBio) em toda e qualquer instituição que utilizar técnicas e métodos de engenharia genética ou realizar pesquisas com OGM e derivados, com indicação de um técnico principal para cada projeto específico. Além disso, cada instituição deve obter da CTNBio o Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB) para que possa exercer atividade que envolva OGMs e derivados; (5) competência das CIBios e no fiel cumprimento da Lei e das normas estabelecidas pela CTNBio para que as instituições possam exercer suas atividades, estando estas sujeitas à fiscalização por parte dos órgãos e entidades de registro e fiscalização acima mencionados; (6) existência de Instruções Normativas (IN) e as sucedâneas Resoluções Normativas (RN), em fase de revisão, a regulamentar as atividades que envolvam OGMs e seus derivados; (7) atuação da CTNBio, discutindo, estudando, avaliando, revisando e deliberando sobre pedidos de liberação planejada no meio ambiente, importação, pesquisa, liberação comercial e outros; (8) constância das reuniões mensais do plenário da CTNBio e de suas comissões setoriais para que as discussões sejam realizadas e as decisões tomadas; (9) disposição de informações ao público e aos interessados através das publicações em Diário Oficial da União e em página eletrônica própria (www.ctnbio.mct.gov.br) das decisões técnicas, dos pareceres técnicos e outras resoluções; 13

(10) realização de eventos para informar e auscultar o público, como as Audiências Públicas do milho e do algodão realizadas com sucesso em 2007, consultas públicas e outras. Observação: Os itens 2 a 5 da representação da douta Procuradora não foram dirigidos à CTNBio conforme instruções da Procuradoria informadas pelo Analista Processual, matrícula 17.088-7, Eduardo Costa Resende. Eximimo-nos, pois, de respondê-los. Alegação nº 6 Ausência de interação e articulação do Conselho Nacional de Biossegurança e da CTNBio com as autoridades responsáveis pela execução do Programa Nacional da Diversidade Biológica PRONABIO, instituído pelo Decreto 1.354 de 29 de dezembro de 1994, para implementar os compromissos assumidos pelo Brasil perante a Convenção sobre a Diversidade Biológica, objetivando promover parceria entre o Poder Público e a sociedade civil na conservação da diversidade biológica, na utilização sustentável de seus componentes e na repartição justa e eqüitativa dos benefícios dela decorrentes. Alega este respeitável Órgão que está ausente a interação e articulação do Conselho Nacional de Biossegurança e da CTNBio com os responsáveis pela execução do Programa nacional de Diversidade Biológica- PRONABIO. Bem sabe a Procuradora que tal argumentação não se confunde com o Princípio da Precaução. Não é a interação e articulação com o PRONABIO que garante que um OGM liberado no meio ambiente não acarretará qualquer tipo de dano, mas sim, a criteriosa e científica análise feita pelo colegiado da CTNBio, através da metodologia de análise do risco. Interação e articulação com o PRONABIO nada mais são que atos administrativos e políticos que, de forma alguma, agregam valor à análise de risco feita pela CTNBio quando da avaliação de cada OGM a ela submetido. Alegação nº 7 Passados 12 anos a CTNBio não discutiu nem deliberou sobre o princípio da precaução. Quais certezas relevantes para a saúde humana e o meio ambiente? O tema princípio da precaução tem sido utilizado desde 1998 por atores contrários à aprovação de OGMs e pelo próprio Ministério Público e foi, inclusive, objeto da Ação Civil Pública ajuizada por Idec e Greenpeace quando da aprovação do primeiro produto transgênico (soja) pela CTNBio. A referida ACP, ainda em curso, foi julgada improcedente pela 5ª Turma do TRF da 1ª Região. O tema pode ser visto no respeitável Acórdão (páginas 14 e seguintes da ementa do Acórdão e 414 a 438 do Voto na Apelação Cível nº 1998.34.00027682-0/DF). Alguns segmentos contrários à biotecnologia querem a prova diabólica ou a chamada prova negativa: querem que seja provada eventual ausência de efeitos que poderiam ocorrer dentro de 50 anos! Se assim se procedesse, nada poderia 14

ser aprovado, em qualquer área da ciência. Fazendo um paralelo, à guisa de exemplificação, quando o Governo libera um medicamento, muitas vezes baseado apenas em informações fornecidas pela empresa, todo o sistema de saúde está preparado para monitorar sua segurança e em caso de necessidade suspender-lhe a licença. Não se exige nesses casos, para a liberação comercial do medicamento, prova absoluta de que ele seja isento de qualquer efeito colateral, mesmo os imprevisíveis e desconhecidos. Segundo o Acórdão, para dar eficácia ao princípio da precaução foi editada a Lei 8.974, de 5 de janeiro de 1995 (hoje substituída pela Lei 11.105/05), que Regulamenta os incisos II e V do 1º do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados, autoriza o Poder Executivo a criar, no âmbito da Presidência da República, a Comissão Técnica de Biossegurança, e dá outras providências. Para a corte, a Convenção sobre Diversidade Biológica e a Convenção sobre Mudança de Clima adotam o princípio segundo o qual a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas tendentes e evitar ou minimizar a ameaça de sensível redução ou perda de diversidade biológica, a prever, evitar ou minimizar as causas da mudança do clima e mitigar seus efeitos negativos, bem como medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. Os pontos altos da manifestação contida no Acórdão foram explicitados acima nos pontos 42 a 46. Vale à pena re-enfatizar que, em seu voto, a relatora da apelação afirma que: (i) O princípio da precaução significa que se há incerteza científica devem ser adotadas medidas técnicas e legais para prevenir e evitar perigo de dano à saúde e/ou ao meio ambiente. (ii) O princípio da precaução não significa a proibição de se utilizar uma nova tecnologia, ainda que tal compreenda a manipulação de OGMs. O princípio não pode ser interpretado, à luz da Constituição Brasileira, como uma proibição do uso de tecnologia na agricultura porque o Constituinte de 1988 estabeleceu que a política agrícola levará em conta, especialmente, o incentivo à pesquisa e à tecnologia (art. 187, III, da CF/88). Em parecer juntado na ação cautelar que precedeu a referida ACP o saudoso Professor Guido Fernando Silva Soares disserta com propriedade sobre o princípio da precaução: Conforme já dissemos, existe uma verdadeira obsessão no sistema jurídico brasileiro que regula a biossegurança, com a análise e avaliação dos riscos ambientais, dada a presença no meio ambiente nacional dos organismos geneticamente modificados. Assim, os diplomas legislativos brasileiros, ou seja, a Lei nº 8.977/95, o Decreto nº 1.752/95 e as Instruções Normativas da CTNBio de nºs. 01 a 08, o demonstram. O que se deve ser evitado, sob pena de uma leitura totalmente fora da realidade, é uma interpretação do referido Princípio da Precaução, conducente a atribuir à expressão nele contida, postergar medidas 15

eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental, a conotação de proibir-se uma atividade ou um empreendimento! Nosso entendimento de que medidas eficazes e economicamente viáveis não significa proibição de atividades ou obras, reside, inclusive na análise de outros campos de regulamentação do meio ambiente, onde sabidamente, o Princípio da Precaução tem sua efetividade. Trata-se, por exemplo, das duas Convenções relativas à poluição atmosférica: a Convenção de Proteção da Camada de Ozônio, e a referida Convenção- Quatro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Em ambas, não existe unanimidade científica, mas apenas alguns indícios, conquanto relevantes, sobre os efeitos dos gases CFCs e halônios nas geladeiras e aparelhos de ar condicionados ou ainda, nos sprays de uso generalizado pela população ao redor do mundo, mas têm mecanismo de substituição daqueles gases, por outros não ofensivos à camada de ozônio; de igual forma, a Convenção-Quadro sobre Modificação do Clima não ousaria proibir a queima de combustíveis fósseis, em qualquer parte da Terra, mas antes, tem todo um programa de medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental, como a redução da emissão dos mesmos, através de uma distribuição possível de cotas de emissão, entre os países industrializados e os países em vias de desenvolvimento, bem como o incentivo ao desenvolvimento e preservação da qualidade ambiental dos denominados sumidouros daqueles gases de efeito estufa: as florestas e o mar. Portanto, é nossa opinião que a legislação brasileira recepcionou o princípio da precaução com a obrigação que dele consta: não postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. Tanto assim, que constituiu obrigações aos Poderes Públicos de, qualquer atividade ou obra que possam representar algum risco para o meio ambiente, devam necessariamente ser submetidas a procedimentos licenciatórios, nos quais, em graus apropriados a cada tipo de risco, são exigidos estudos e análises de impacto, como condição prévia de que as obras e atividades sejam encetadas. Quanto à caracterização do que seja certeza científica, e dentro dos critérios da racionalidade, o melhor parâmetro é analisar a posição da comunidade científica internacional, e como qualquer decisão de um grande número de pessoas, a racionalidade tem indicado a maioria das opiniões, como uma garantia de haver aquela certeza. Isto posto, verifica-se que, no caso dos organismos geneticamente modificados, os cientistas de todos os países, nos quais a presença de produtos da biotecnologia, nos respectivos meios ambientes, foi discutida, deram seu aval, sob a responsabilidade ética e científica que deles se exige. Como já demonstramos, trata-se de 52 países que, contando-se o Brasil, já possuem leis específicas sobre biossegurança. Importa notar, sobretudo, que destes 52 países, 18 pertencem à Comunidade Européia, que ademais da própria legislação interna, ainda têm o dever de adequar suas decisões sobre OGM, a uma instância supranacional, a Comissão e ao 16

Conselho de Ministros, órgãos colegiados que espelham um consenso ainda mais exigente que um eventual consenso de cientistas reunidos em reuniões científicas esporádicas. Se existe, portanto, uma relativa homogeneidade dos dispositivos nas leis internas daqueles países com uma agricultura apreciável, em alguns dos quais se acha o mais elevado nível da Ciência e da Tecnologia, em particular voltadas para tudo quanto respeita à biotecnologia e aos riscos associados à introdução de seus produtos no meio ambiente, estamos autorizados a concluir que existe certeza científica, a ponto de, naqueles 52 países, Brasil inclusive, haver normas estritas sobre biossegurança, as quais não proíbem os transgênicos, nem postergam medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental de acordo com o princípio da precaução. Ainda segundo a Relatora, em relatório publicado no ano de 2000 pelo governo da Irlanda, o comitê encarregado do relatório sobre biotecnologia indicou as conclusões sobre o consenso referente à moderna tecnologia. Dois parágrafos das conclusões são particularmente adequados para a compreensão do princípio da precaução: Algumas interpretações dos princípios de segurança aparecem para sugerir que, onde há qualquer risco ou qualquer dano à saúde ou ao meio ambiente, um novo produto ou processo não deve ser aprovado. Em nossa opinião esta não é uma posição sensata. Deveria haver, com base em avaliação científica de riscos, razões para acreditar em risco real ou dano significativo. A precaução não deve ser comparada à prevenção, embora a aplicação de princípios de segurança seja especialmente relevante ao gerenciamento de riscos. Existem poucas atividades isentas de riscos. Como já vimos, a agricultura convencional e métodos de produção de alimentos incluindo, como alguns podem alegar, a agricultura orgânica também apresentam riscos à segurança dos alimentos e do meio ambiente. A menos que se prefira um mundo marcado pela estagnação, inovações e novas técnicas devem ser criadas, desenvolvidas e testadas. Parte das dificuldades evidentes no debate público sobre a modificação genética resulta de um fato: nesta, como em outras áreas, os cientistas não puderam oferecer garantias absolutas de que não há riscos ou efeitos adversos. Embora a ciência não trabalhe com certezas, ela continua a ser o meio melhor possível para avaliar a segurança de novos produtos e processos. Embora as evidências científicas disponíveis demonstrem que a atual aplicação da biotecnologia não apresenta perigos à saúde humana ou ao meio ambiente, isto não significa uma base para a complacência. Não há garantias de que futuras aplicações da biotecnologia não apresentem riscos mais sérios. No entanto, a probabilidade de ocorrência e exposição potencial a um risco há de ser demonstrada cientificamente. Por isto é essencial que tais aplicações sejam detalhadamente avaliadas, caso por caso, com princípios passo a passo, de acordo com códigos regulatórios. 17

A Lei nº 11.105/05 e o decreto que a regulamenta, têm normas para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados para a defesa do meio ambiente a preservá-lo para o presente e futuras gerações, na forma constitucionalmente prevista, ou seja, com a aplicação do princípio da precaução como estabelece seu Art. 1º: Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente. A existência de perigo de dano grave, para incidência do princípio da precaução, da legislação dos OGMs, deve ser examinada, nos casos concretos, pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, CTNBio, vinculada ao Gabinete do Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia. Esta competência foi atribuída à CTNBio. Para exercê-la, a CTNBio editou suas Instruções Normativas e outros regulamentos. Em matéria ambiental a precaução não é proibição de introduzir-se uma nova tecnologia, mesmo que ela comporte manipulação de OGMs. O princípio requer que a inserção da atividade no meio ambiente seja precedida de análise criteriosa e cientificamente fundamentada que permita, a quem tem competência, determinar a necessidade e a modalidade dos estudos que a atividade em questão requer, de forma a avaliar os eventuais riscos a pessoas e ao ecossistema e, mais importante, propor ações na eventualidade de ocorrência desses riscos. Na verdade, a forma pela qual o exercício de aludido princípio se realiza, isto é, as medidas que serão necessárias a esse respeito, dependem, inequivocamente, da análise, pelo órgão competente, do potencial lesivo da atividade a ser implantada. A CTNBio é o órgão competente para a análise da potencialidade danosa de um dado organismo transgênico; resta que ela tem competência e conhecimento técnico para adotar as medidas que entender convenientes e aplicáveis para garantir a preservação do meio ambiente e, em decorrência, respeitar o princípio da precaução. O EIA/RIMA não é garantia de segurança na questão da liberação de OGM ao meio ambiente. A CTNBio tem competência e autonomia para decidir se o EIA/RIMA é necessário e quando deve ser solicitado, mas está obrigada, isto sim, a fazer uma avaliação de risco, sob qualquer hipótese. O conhecimento científico, base das ações de organizações internacionais apontam que a metodologia adequada para avaliação de risco ambiental e alimentar dos OGMs é a avaliação de risco. As normas de biossegurança estabelecidas pela CTNBio contemplam um conjunto de requisitos técnicos em diferentes níveis para atender a avaliação de risco que a utilização de um organismo geneticamente modificado pode representar. Essas normas incluem desde a avaliação das estruturas físicas, capacitação profissional, adequação das 18

estruturas com a atividade que se está desenvolvendo (CQB) até eventualmente a comercialização de um produto transgênico. O estabelecimento de Comissões Internas de Biossegurança (CIBio), nas instituições e empresas que trabalham como organismos geneticamente modificados, é também um mecanismo de avaliação e revisão dos trabalhos a serem realizados. Em etapas de desenvolvimento de organismos geneticamente modificados existem salvaguardas claramente estabelecidas para evitar possíveis impactos nocivos ao meio ambiente, aos seres humanos ou animais. Essas normas contemplam medidas de precaução que devem ser obrigatoriamente seguidas para a manipulação dos organismos geneticamente modificados. Os critérios da avaliação de risco são mais exigentes que o EIA. Além de uma avaliação de risco, contemplam medidas práticas para mitigação de riscos eventuais. Legislações de biossegurança que estabelecem critérios para avaliação de risco de OGMs foram introduzidas em diversos países. Esses critérios para tomada de decisão possuem nuances que refletem a experiência científica e a legislação vigente no país. O Brasil desenvolveu um aparato legal através da Lei de Biossegurança 11.105/05 e seu decreto regulamentador (Decreto 5.591/05) para nortear os aspectos de biossegurança referentes a organismos geneticamente modificados. Com base neste aparato, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) foi criada e desenvolveu diversas normatizações que determinam como realizar os estudos de avaliação de risco de OGMs. O processo estabelecido no Brasil é baseado nos princípios desenvolvidos pelas organizações científicas e modelos adotados por agências regulamentadoras em vários países como EUA, Canadá, Austrália e União Européia. A leitura da legislação brasileira relativa à biossegurança e a sua comparação com a Convenção sobre a Biodiversidade provam a incorporação na legislação nacional do princípio da precaução e também a compatibilidade do sistema jurídico brasileiro, no tema da biossegurança, com as normas cogentes do Direito Internacional do Meio Ambiente, nomeadamente, a Convenção da Biodiversidade. O mais relevante é averiguar se, no plano dos fatos, o princípio da precaução foi observado pela metodologia denominada avaliação de risco ambiental e alimentar adotada pela CTNBio e pelas agências estrangeiras que anteriormente avaliaram o produto para liberação comercial. A questão é fática, caso a caso, e não comporta conclusões sem base na análise dos fatos, dos procedimentos, dos estudos científicos sobre segurança alimentar e ambiental do produto específico, realizados no Brasil e em outros países. Assim, entende-se que não compete à CTNBio discutir ou deliberar sobre o Princípio da Precaução, uma vez que é preceito base da Lei 11.105/05, que cria a CTNBio e estabelece suas competências. A existência da Lei é demonstração inequívoca da observância deste princípio. Em outras palavras, a Lei existe e é a forma de assegurar aos brasileiros que o princípio da precaução está sendo respeitado no que tange às avaliações e análises prévias dos processos de uso e liberação de OGMs no ambiente. Assim, como foi dito acima, que a legislação específica para biossegurança (Lei N o 11.105/2005), as normas (IN3, IN10, IN20 e outras), as resoluções (RNs 1 a 4) e as condicionantes (p.ex: Comunicado 513/05 do algodão Bollgard e Comunicado n o 54 da soja Roundup Ready ) para a comercialização de OGMs (como: monitoramento, zonas 19

de exclusão, práticas conservacionistas, refúgio) são medidas efetivas para a implantação prática de medidas de contingência, conseqüência da adoção do princípio da precaução. Destarte, a menos que a análise de risco identifique ameaça séria e irreversível baseada em pressupostos científicos, não existe amparo no Princípio da Precaução para impedir a avaliação e deliberação sobre requerimentos de liberação comercial de qualquer OGM, formalizados regularmente nos termos da Lei nº 11.105/05. Uma das interpretações mais extremas do Princípio da Precaução é: em caso de dúvida não faça, ou faça nada. Essa interpretação, implicitamente, reflete uma demanda por um mundo sem riscos, o que na prática, inexiste. De qualquer forma, fazer nada ou não fazer também são decisões, com suas próprias premissas e conseqüências. É comum partir do pressuposto que qualquer atividade com OGM seja causadora de degradação ambiental e representa perigo de dano grave e irreversível. Por conseqüência, o Princípio da Precaução é interpretado equivocadamente. O Princípio da Precaução inicia-se com QUANDO HOUVER, o que pressupõe uma análise prévia, que determinará se há ou não há perigo de dano grave ou irreversível. No Brasil, compete à CTNBio, em conformidade com o disposto na Lei 11.105/05, efetuar a análise de risco e identificar as atividades com OGM que ofereçam ou não ameaça de dano grave ou irreversível. A frase falta de certeza absoluta também é ponto-chave para a correta interpretação do Princípio da Precaução. Não existe verdade absoluta em Ciência e, por essa razão, sabiamente, o legislador entendeu que as deliberações da CTNBio deveriam ser tomadas por maioria dos votos de seus membros. Exemplifiquemos: o Brasil é o terceiro maior consumidor de defensivos agrícolas do mundo. Dados oficiais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MAPA mostram o uso crescente de agroquímicos e seu custo (Figura 1). VENDAS PESTICIDAS POR CATEGORIA Milhões de US$ 1800 1600 1400 1200 1000 800 600 400 200 0 Acaricidas Fungicidas Inseticidas Herbicidas 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005.Figura 1. Uso de pesticidas por categoria (dados obtidos em www.agricultura.gov.br ) 20