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68 ISSN 1981-7231 Dezembro, 2008 Corumbá, MS Foto: Daniel De Granvile (http//www.pantanalecoturismo.tur.br) Estoques de Carbono do Estrato Arbóreo de Cerrados no Pantanal da Nhecolândia Ana Helena B. Marozzi Fernandes 1 Suzana Maria de Salis 2 Fernando Antonio Fernandes 3 Sandra Mara Araújo Crispim 4 Introdução A biomassa aérea das florestas desempenha importante papel no ciclo global do carbono, por ser um reservatório dinâmico desse elemento dentro da biosfera terrestre. Através da fotossíntese, as plantas convertem o dióxido de carbono (CO2) atmosférico em tecidos vegetais, fixando carbono na sua biomassa. O desmatamento e queima dessa biomassa promove o retorno desse carbono estocado para a atmosfera, aumentando a concentração de CO2 e monóxido de carbono (CO) na atmosfera. Em termos globais, as emissões de CO2 associadas às mudanças de uso do solo (entre as quais a substituição de florestas nativas por atividades agropastoris, sobretudo nas regiões tropicais), constituem a segunda maior causa do aumento da concentração de CO2 atmosférico, atrás somente das emissões originadas do uso de combustíveis fósseis (IPCC, 2007). Para o caso do Brasil, 55% das emissões são derivadas das atividades de supressão e queima de vegetação de áreas florestadas (Brasil, 2004). A necessidade de se reduzir as emissões de CO2 para atmosfera para tentar diminuir os efeitos do aquecimento global do planeta tem despertado o interesse em estudos sobre o papel das florestas na retenção de CO2 atmosférico e o potencial de ecossistemas florestais na mitigação biológica desse processo (Schlesinger e Lichter, 2001). Entretanto, ainda são poucos os trabalhos sobre estoques e dinâmica de carbono em florestas, sobretudo para espécies florestais brasileiras (Sanquetta et al., 2003), especialmente em áreas de cerrado (Paiva e Faria, 2007). No Pantanal da Nhecolândia, as áreas florestadas situam-se predominantemente nos pontos mais elevados do mesorrelevo, em áreas não sujeita às inundações periódicas. Regionalmente essas áreas são conhecidas por cordilheiras, sendo cobertas por vegetação de cerrado, cerradão e mata semidecídua (Salis, 2004). Segundo Abdon et al. (2007), as áreas cobertas por vegetação de cerrado e cerradão apresentaram uma dominância absoluta em termos de supressão de vegetação até o ano de 2002. Essas áreas são utilizadas para implantação de pastagens cultivadas. O objetivo deste trabalho foi estimar a biomassa aérea e o estoque de carbono do estrato arbóreo em duas áreas (um cerrado e um cerradão), localizadas no Pantanal da Nhecolândia, realizadas a partir de fórmula proposta por Brown et al. (1989) para florestas tropicais. 1 Engenheira Agrônoma, MSc, Embrapa Pantanal, Caixa Postal 109, 79320-900, Corumbá, MS. amarozzi@cpap.embrapa.br 2 Bióloga, PhD, Embrapa Pantanal, Caixa Postal 109, 79320-900, Corumbá, MS. smsalis@cpap.embrapa.br 3 Engenheiro Agrônomo, MSc., Embrapa Pantanal, Caixa Postal 109, 79320-900, Corumbá, MS. fafernan@cpap.embrapa.br 4 Engenheira Agrônoma, MSc., Embrapa Pantanal, Caixa Postal 109, 79320-900, Corumbá, MS. scrispim@cpap.embrapa.br

2 Estoques de Carbono do Estrato Arbóreo de Cerrados no Pantanal da Nhecolândia Estimativa da Biomassa Aérea e Estoques de Carbono A biomassa do estrato arbustivo e os estoques de carbono correspondentes foram estimados para uma área sob vegetação de cerradão e outra de cerrado, ambas localizadas na fazenda Rancharia (18 o 34 S e 55 o 48 W), Pantanal da Nhecolândia. O levantamento da vegetação foi realizado pelo método de quadrantes (Brower e Zar, 1984), com amostragem de 30 pontos do terreno. Foram amostrados os indivíduos do estrato arbóreo com DAP (diâmetro à altura do peito ou a 1,30 m do solo) 5cm, anotando-se o mesmo, além da altura total (Ht). Para cada um dos locais foi amostrada uma área total de 0,25 ha. Segundo Anderson e Ingram (1993), a estimativa da biomassa em florestas nativas que possuem grande número de espécies pode ser obtida de modo indireto por meio de equações de regressões, baseadas nos atributos das árvores. Quando não existem equações específicas para a área estudada, as estimativas podem ser obtidas a partir de equações gerais para florestas tropicais, como as obtidas por Brown et al. (1989). No presente estudo, o cálculo da biomassa foi realizado para cada indivíduo, através da equação de Brown et al. (1989), também utilizada por Castro e Kauffman (1998) para áreas de cerrado, por ser a mais robusta (R 2 =0,97): B=exp[-3,1441+0,9719*ln(DAP 2 *Ht)], onde B=biomassa; DAP= diâmetro á altura do peito ou a 1,30 cm do solo, e Ht= altura total Os estoques de carbono foram calculados considerando se que este representa 50% da biomassa seca (Schlesinger, 1997). Na área de cerradão (Tabela 1) foram identificadas 30 espécies diferentes, sendo Qualea grandiflora (pau-terra-macho), Caryocar brasiliense (pequi) e Lafoensia pacari (mangava-brava) as que apresentaram maiores freqüências (respectivamente 14, 11 e 10 indivíduos, entre os 120 amostrados). A biomassa estimada para a área foi de 97,882 Mg.ha -1, com um estoque de carbono de 48,941 Mg.ha -1. Para a área de cerrado (Tabela 2) também foram identificadas 30 espécies, sendo as mais freqüentes Xylopodia aromatica (pindaíva) e Protium heptaphyllum (almécega), respectivamente 24 e 14 indivíduos entre os 120 amostrados. A biomassa estimada foi de 58,695 Mg.ha -1, com estoque de carbono de 29,348 Mg.ha -1. Os diferentes valores de estimativa são atribuídas à variação da própria estrutura, pois são fisinomias distintas com porte e densidade de árvores diferentes. Mas numa mesma fisionomia podem ocorrer diferenças de biomassa e estoque devido a variações edafoclimáticas, composição florística, constituição dos estratos, distúrbios causados pela entrada de fogo, entre outras (Delitti et al. 2006). Os estoques de carbono estimados significam, de um modo geral, a quantidade de CO2 que foi retirada da atmosfera e que se encontra aprisionada na biomassa aérea, na forma de carbono orgânico. Considerando que 1 Megagrama (Mg) de carbono corresponde a 3,67 Mg de CO2 (Ronquim, 2007), a supressão da vegetação nas áreas estudadas corresponderia à emissão de 181,6 e 85,7 Mg de CO2 por hectare desmatado, respectivamente para as áreas de cerradão e cerrado. Porém, esses valores podem ser bem maiores. Segundo Fearnside (2008), a contabilização das emissões provocadas pelo desmatamento deve contemplar, além desta originada pela derrubada e queima das árvores, outras que o autor chama de atrasadas, que se referem às emissões que acontecerão em virtude da decomposição da madeira, liberação do carbono do solo, etc. Conservar as áreas florestadas em pé significa evitar que essas emissões ocorram. Florestas e Mitigação do Aquecimento Global Manter o carbono incorporado na biomassa de florestas naturais representa uma opção na mitigação do efeito estufa importante para o Brasil, porém não é reconhecida atualmente pelo Protocolo de Kyoto (Fearnside, 2004). Esse protovolo definiu, para o primeiro período de compromisso (2008-2012), esse protocolo definiu que, para a obtenção de créditos de carbono, os projetos do setor florestal somente contemplariam atividades de reflorestamento de áreas degradadas ou plantio de novas áreas, excluindo projetos de desmatamento evitado e manejo florestal. Entretanto, existe uma forte pressão internacional para que a conservação florestal seja incluída nesse esquema de obtenção de créditos de carbono. O último relatório de IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas) publicado em 2007 (IPCC, 2007) salienta que reduzir e/ou prevenir o desmatamento, e consequentemente a liberação de gases de efeito estufa para atmosfera, consiste na forma de mitigação com maior e mais imediato impacto sobre os estoques de carbono globais no curto prazo. Além disso, a Convenção Quadro das

Estoques de Carbono do Estrato Arbóreo de Cerrados no Pantanal da Nhecolândia 3 Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CQNUMD ou UNFCCC, em inglês) reconheceram a importância da contribuição das emissões de gases de efeito estufa originárias do desmatamento em países em desenvolvimentos para a mudança de clima e a necessidade de se tomar medidas para reduzi-las. Depois de um processo de dois anos, a Conferência das Partes 13 (COP 13), realizada no ano de 2008, tomou a decisão de "reduzir emissões de desmatamento em países em desenvolvimento e apontar caminho para estimular ações". (UNFCCC, 2008). Umas das propostas em discussão é o mecanismo de Redução de Emissões para o Desmatamento e Degradação (REED). Através desse mecanismo, países como o Brasil poderão obter créditos pelo desmatamento evitado com a conservação de florestas nativas (Domingos, 2008). Para transformar esse potencial de obtenção de créditos por conservação do carbono armazenado na floresta numa realidade há muito trabalho a ser feito para diminuir as incertezas quanto à real capacidade das florestas em acumular carbono (Fearnside, 2008). Desse modo, pesquisas relativas à quantificação da biomassa e dos estoques de carbono ganham cada vez mais espaço. Este trabalho pretendeu apresentar uma idéia inicial sobre a quantificação da biomassa aérea e dos estoques de carbono em áreas florestadas no Pantanal. Representa um ponto de partida para estudos futuros, onde essas quantificações sejam mais precisas. Algumas iniciativas nesse sentido já existem nos trabalhos de Haase e Haase (1995); Salis (2004) e Schöngart et al. (2008), onde os autores desenvolveram equações de regressão para cálculo de biomassa, desenvolvidas especificamente para espécies da flora pantaneira. Pesquisas que considerem outros componentes do ecossistema florestal, tais como os solos, a serrapilheira e o sistema radicular, também são importantes para estimar o potencial desses ecossistemas em seqüestrar carbono. Considerações Finais No Brasil, quando se trata de temas como desmatamento, destruição de florestas e alternativas para incentivar a sua conservação, as atenções todas se voltam para a Amazônia. Obviamente, não se pode comparar com outras regiões do país (inclusive o Pantanal) o impacto das emissões de CO2 oriundas do desmatamento da Amazônia, nem tampouco o potencial de mitigação do aquecimento global que ela representa. Porém, é importante lembrar que a conservação de áreas florestadas não pode ser vista somente sob a ótica do aquecimento global. Além do armazenamento de carbono, os demais serviços ambientais prestados pelas florestas, tais como manutenção da biodiversidade e regulação do ciclo hidrológico, entre outros, são fundamentais para a manutenção da vida no planeta e não podem (nem devem) ser relegados a um segundo plano. A remuneração pela manutenção dos serviços ambientais em propriedades rurais do Pantanal, a exemplo do que vem ocorrendo em outras regiões do país, pode se tornar um incentivo adicional aos proprietários para a conservação ambiental. Tabela 1. Biomassa aérea e estoques de carbono em área de cerradão, fazenda Rancharia (18 o 34 S e 55 o 48 W Gr), Pantanal da Nhecolândia. Área amostrada de 0,25 ha. Espécie N de indivíduos Biomassa aérea Estoque de Carbono Mg.ha _1 Qualea grandiflora 14 7,599 3,800 Caryocar brasiliense 11 29,269 14,635 Lafoensia pacari 10 3,199 1,600 Astronium fraxinifolium 8 5,306 2,653 Terminalia argentea 8 3,354 1,677 Vatairea macrocarpa 8 6,890 3,445 Magonia pubescens 6 14,257 7,129 Diptychandra aurantiaca 4 1,922 0,961 Protium heptaphyllum 4 0,985 0,493 Tabebuia aurea 4 3,677 1,839 Aspidosperma tomentosum 3 1,520 0,760 Diospyros hispida 3 1,774 0,887 Erioteca gracipiles 3 0,791 0,396 Gomidesia palustris 3 0,122 0,061 Mouriri elliptica 3 0,378 0,189 Qualea parviflora 3 1,217 0,609 Rourea induta 3 2,045 1,023 Bowdichia virgerlioides 2 2,737 1,369 Buchenavia tomentosa 2 3,609 1,805 Copaifera martii 2 0,245 0,123 Luehea paniculata 2 0,324 0,162 Salvertia convallariodora 2 1,196 0,598 Outras 12 espécies com um indivíduo cada 12 5,466 2,733 Total 120 97,882 48,941

4 Estoques de Carbono do Estrato Arbóreo de Cerrados no Pantanal da Nhecolândia Tabela 2. Biomassa aérea e estoques de carbono em área de cerrado, fazenda Rancharia (18 o 34 S e 55 o 48 W Gr), Pantanal da Nhecolândia. Área amostrada de 0,25 ha. Espécie N de indivíduos Biomassa aérea Estoque de Carbono Mg.ha _1 Xylopia aromatica 24 2,611 1,306 Protium heptaphyllum 14 10,410 5,205 Astronium fraxinifolium 9 4,914 2,457 Curatella americana 9 3,404 1,702 Caryocar brasiliensis 6 6,061 3,031 Dipteryx alata 6 6,652 3,326 Lafoensia pacari 6 0,567 0,284 Qualea parvioflora 6 0,253 0,127 Mouriri elliptica 4 0,414 0,207 Tabebuia aurea 4 1,261 0,631 Alibertia edulis 3 0,062 0,031 Chrysophyllum marginatum 3 4,095 2,048 Couepia grandiflora 3 2,002 1,001 Hymenaea stignocarpa 3 4,832 2,416 Terminalia argentea 3 0,858 0,429 Cecropia pachystachya 2 2,492 1,246 Zanthoxylim hasslerianum 2 1,012 0,506 Outras 13 espécies com um indivíduo cada 13 6,795 3,399 Total 120 58,695 29,348 Literatura Citada ABDON, M.M.; SILVA, J. S.V. da; SOUZA, I.M.; ROMON, V.T.; RAMPAZZO, J.; FERRARI, D.. Desmatamento no bioma Pantanal até o ano de 2002: relações com a fitofisionomia e limites municipais. Revista Brasileira de Cartografia, v. 59, p. 18-24, 2007. ANDERSON, J.M. & INGRAM, J.S.I. (eds.). Tropical soil biology and fertility: a handbook of methods. 2nd edition. Oxon: CAB Internacional, 1993. 221p. BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. Comunicação nacional inicial do Brasil à Convenção Quadro nas nações Unidas sobre Mudança Climática. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2004. 274p. BROWER, J.E.; ZAR, J.H. Field and laboratory methods for general ecology. 2nd ed., Iowa: C. Brown, 1984. BROWN, S., GILLESPIE, A.J.R.; LUGO, A.E.. Biomass estimation for tropical forests with applications to forest inventory data. Forest Science v. 35, p. 881-902, 1989. CASTRO, E.A.; KAUFFMAN, J.B. Ecosystem structure in the Brazilian Cerrado: a vegetation gradient of aboveground biomass, root mass and consumption by fire. Journal of Tropical Ecology, v. 14, p. 263-283, 1998. DELITTI,W.B.C.; MEGURA, M.; PAUSAS, J.G.. Biomass and mineralomass estimates in a cerrado ecosystem. Revista Brasileira de Botânica, v. 29, p. 531-540, 2006. DOMINGOS, S.. Brasil poderá ter proposta pra crédito de carbono. 2008. Disponível em: <http://www.carbonobrasil.com/#reportagens_car bonobrasil/noticia=719658>. Acesso em 05 dez. 2008. FEARNSIDE, P.M.. As florestas e a mitigação do efeito estufa no Brasil: oportunidades no setor florestal para a mitigação do efeito estufa sob o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. In: FEARNSIDE, P.M. (Ed.). A floresta amazônica nas mudanças globais. Manaus: INPA, 2003. 134p. FEARNSIDE, P.M.. Quantificação do serviço ambiental do carbono nas florestas amazônicas brasileiras. Oecologia Brasileira, v. 12, p.743-756, 2008. HAASE, R.; HAASE, P. Aboveground biomass estimates for invasive trees and shrubs in the Pantanal of Mato-Grosso, Brazil. Forest Ecology and Management, v. 73, pp. 29-35, 1995. IPCC. Technical Summary. In: IPCC. Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. p.19-91. PAIVA, A.O.; FARIA, G.E.. Estoques de carbono do solo sob cerado sensu stricto no Distrito Federal, Brasil. Revista Trópica-Ciências Agrárias e Biológicas, v.1, p. 60-65, 2007. RONQUIM, C.C.. Dinâmica espaço temporal do carbono aprisionado na fitomassa dos agroecossistemas no nordeste do Estado de São Paulo. Campinas: Embrapa Monitoramento por Satélite, 2007. 52p. (Embrapa Monitoramento por Satélite. Documentos, 63). SALIS, S.M.. Distribuição das espécies arbóreas e estimativa da biomassa aérea em savana florestada, Pantanal da Nhecolândia, Estado do Mato Grosso do Sul. 2004. 63m f. Tese (Doutorado em Ciências Biológicas, área de concentração: biologia vegetal) - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho". Campus de Rio Claro, Rio Claro, SP.

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