A LEITURA NA DISCIPLINA DE LÍNGUA INGLESA EM UMA ESCOLA PÚBLICA PAULISTA



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Transcrição:

A LEITURA NA DISCIPLINA DE LÍNGUA INGLESA EM UMA ESCOLA PÚBLICA PAULISTA ELIAS RIBEIRO DA SILVA (IEL/UNICAMP). Resumo Nos últimos anos, particularmente a partir da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira (PCNs de LE), um número cada vez maior de pesquisadores têm apontado o potencial formativo da leitura na sala de aula de língua estrangeira (LE). O trabalho com o texto na disciplina de LE facilita a abordagem, por exemplo, dos Temas Transversais, o que possibilita a discussão de questões importantes para a formação do aluno. Por meio de textos em LE, o estudante brasileiro pode entrar em contato com percepções diferentes desses temas. Contudo, os PCNs de LE alertam para a necessidade de se atentar para as especificidades dos contextos de produção e consumo textual, tendo em vista que os textos constituem se como amostras do discurso da comunidade linguística que os produziu, veiculando, portanto, a visão de mundo, a ideologia dessa comunidade. Partindo dessas considerações, objetivou se, neste trabalho, analisar as aulas de leitura de uma professora de Língua Inglesa de uma escola pública do interior do estado de São Paulo. A partir da análise dos dados coletados ao longo de um semestre de observações, pode se afirmar que a professora participante da pesquisa aborda o texto somente quanto ao seu conteúdo informativo (o nível do enredo), negligenciado os níveis mais profundos de significação. Não se verificou nenhum tipo de preocupação acerca das especificidades dos contextos de produção e consumo textual, como proposto pelo PCNs de LE. Pode se afirmar que a professora participante simplesmente reproduz o conteúdo dos textos, sem propor qualquer problematização das questões neles abordadas, o que implica uma exposição acrítica dos alunos aos discursos transmitidos por esses textos. Palavras-chave: Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira, Leitura em Língua Inglesa, Escola Pública. A leitura na sala de aula de língua estrangeira É consenso entre os profissionais da área de ensino/aprendizagem de línguas que a aprendizagem de uma língua estrangeira (LE) deve ou deveria englobar as quatro habilidades envolvidas no uso comunicativo da língua-alvo: produção oral e escrita e compreensão oral e escrita. Dessa forma, tem-se como desejável que o aprendiz de uma LE, após um período razoável de tempo, tenha desenvolvido essas quatro habilidades. Contudo, sabe-se que este não é o quadro que se verifica no contexto brasileiro, nem mesmo nos cursos particulares de idiomas. No que se refere à Escola Pública, foco deste artigo, o quadro é ainda menos animador. O que se verifica, na maioria dos casos, são alunos que, após sete anos de aprendizagem formal da língua inglesa, finalizam seus estudos apenas com noções rudimentares da gramática dessa língua. Quanto às demais disciplinas do currículo escolar, podese afirmar que a situação não é muito diferente. O quadro esboçado acima é bastante conhecido por todos aqueles que se ocupam com a educação no Brasil e tem motivado uma ampla discussão acerca da necessidade de reformulação do sistema educacional brasileiro. Nesse sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), publicados pelo Ministério da Educação em 1998, surgem como uma proposta do Ministério, juntamente com as universidades e demais instituições envolvidas com a educação, de revisão dos

caminhos que a Escola Brasileira deve tomar com vistas a se modernizar e, dessa forma, suprir as novas demandas sociais. Com relação à reformulação do ensino de LE, a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira (PCNs de LE) relaciona-se diretamente à dificuldade da maioria dos profissionais da área de levar seus alunos a desenvolver as quatro habilidades envolvidas no uso de uma língua, pois, como se apontou anteriormente, a Escola Brasileira não tem conseguido atingir esse que se acredita ser o objetivo de se ensinar uma LE. Assim, partindo da realidade da maioria das escolas públicas brasileiras (classes numerosas, falta de instalações e materiais didáticos adequados, alunos desmotivados e professores pouco proficientes na língua que ensinam), os PCNs de LE propõem o foco na leitura como a prerrogativa do ensino de LE no Brasil. A opção pela leitura deve-se ao que os autores dos PCNs de LE definem como "critério de relevância social" para a aprendizagem de LE na rede oficial de ensino. Basicamente, argumenta-se que considerar o desenvolvimento das quatro habilidades e, particularmente, das habilidades orais (produção e compreensão oral) como central no ensino de LE não condiz com o critério da relevância social (Brasil, 1998: 20). Essa posição baseia-se no fato de que apenas uma parcela muito pequena da população, excetuando os habitantes de regiões de fronteira e daqueles que vivem em comunidades de imigrantes, tem ou terá oportunidade de usar uma LE como instrumento de comunicação oral[i]. Considerando, então, que o uso da LE por parte da maioria dos estudantes associa-se à leitura (para exames de proficiência, como o vestibular e seleções para cursos de pós-graduação), os autores dos PCNs de LE julgam o foco na leitura como o mais adequado, pois "(...) a leitura atende, por um lado, às necessidades da educação formal, e, por outro, é a habilidade que o aluno pode usar em seu contexto social imediato" (Brasil, 1998: 20). Outro argumento em favor do foco na leitura relaciona-se ao potencial formativo do trabalho com o texto em sala de aula. Para os autores dos PCNs de LE, (...) a aprendizagem de leitura em Língua Estrangeira pode ajudar o desenvolvimento integral do letramento do aluno. A leitura tem função primordial na escola e aprender a ler em outra língua pode colaborar no desempenho do aluno como leitor em sua língua materna (Brasil, 1998: 20). Esse potencial formativo relaciona-se, ainda, ao fato de o texto ser um instrumento em potencial para o trabalho com os "temas transversais", o que possibilitaria a discussão de questões importantes para a formação do aluno, uma vez que ele teria contato com percepções diferentes desses temas veiculadas nos textos de língua estrangeira. É interessante observar que essa ênfase na leitura já foi absorvida pelo mercado editorial de livros didáticos, sendo evocada frequentemente pelos autores dessas obras. Ao mesmo tempo em que apontam o foco na leitura como o caminho socialmente justificável para o ensino de LE no Brasil, os PCNs de LE alertam para a necessidade de se abordar o texto de forma crítica em sala de aula. Os autores do documento argumentam que deve haver uma reflexão acerca das especificidades dos contextos de produção e consumo textual, tendo em vista que os textos constituem-se como amostras do discurso da comunidade linguística que os produziu. Considerando que a linguagem constitui-se como uma prática social, argumenta-se que se deve demonstrar para os alunos que a elaboração de um texto (oral ou escrito) envolve escolhas por parte de quem o produziu e que essas escolhas relacionam-se ao contexto cultural, histórico, institucional e ideológico de sua

produção. Como estratégia para explicitar essas "marcas" contextuais contidas no texto, propõe-se que a interpretação textual seja orientada por sete perguntas: "quem escreveu/falou, sobre o que, para quem, para que, quando, de que forma, onde?" (Brasil, 1998: 43). A partir da postulação dessa necessidade de um posicionamento crítico por parte dos professores frente aos textos trabalhados em sala de aula, observa-se que, fundamentando a proposta, encontra-se uma concepção de linguagem enquanto processo sociointeracional. Sob tal concepção, acredita-se que todo evento interacional é marcado pelo mundo social que o envolve e que a construção do significado resulta de um processo dialógico e, portanto, social. Análise de uma aula de leitura Conforme se apontou acima, os autores dos PCNs de LE pressupõem o uso da linguagem como sendo historicamente contextualizado. Assim, o texto consistiria em uma amostra historicamente situada do discurso da comunidade linguística que o produziu. Daí a preocupação dos autores em destacar a necessidade de o professor de LE compartilhar dessa visão de linguagem e implementar uma prática orientada por tal concepção. Com base nessas considerações, objetiva-se, nesta seção, analisar um evento de leitura implementado por uma professora de língua inglesa (LI), em uma segunda série do Ensino Médio de uma escola da rede pública do Estado de São Paulo, com vistas a verificar qual a sua concepção de linguagem, o reflexo dessa concepção em sua aula de leitura e as possíveis implicações de sua prática no que se refere à percepção, por parte dos alunos, das informações veiculadas no texto. A análise partirá do evento de leitura apresentado a seguir[ii]. Exemplo 01: Contextualização: A professora realiza a interpretação de um texto sobre o Dia das Bruxas.[iii] (...) Profa.: vamos lá então (+) na página cento e cinquenta e nove vamos ver se voceis têm alguma dúvida com o vocabulário que tem aí (tempo) "On the 31 st of October (+) many people in England (incompreensível) in the United States and even (+) here in Brazil prepare to celebrate the Halloween or the Witches' Day" (tempo) ((incompreensível)) even and? ((aguarda a participação dos alunos por alguns segundos)) even eu acho que isso daí é o único problema aí (+) né não? X: qual? Profa.: e aqui ((tradução de even here)) X: e aqui! ((tradução de even here)) Profa.: e até ((tradução final oferecida pela professora)) (tempo) ((alunos conversam sobre o significado de even here. Alguns parecem não ter entendido)) Profa.: e até!

((alunos continuam conversando sobre o significado de even here)) Profa.: tudo bem aí no vocabulário do (incompreensível)? ((alunos não respondem)) Profa.: "what is Halloween? (+) Halloween has pagan origin dating back (+) datando de Romans' and Celts' time" (+) datando da época dos romanos e (+++) Celtas (...) O excerto apresentado acima exemplifica como ocorriam as aulas de leitura no contexto de ensino observado. A análise revela que, nesse contexto, "ler" parece ser sinônimo de "traduzir". Os exercícios de tradução de textos, na maioria das vezes, eram realizados pelos alunos em casa, como tarefa para nota, anteriormente à atividade de leitura em sala de aula. Quando, por fim, ocorria o trabalho com o texto, a professora limitava-se a realizar uma leitura em voz alta, seguida pela tradução do texto para conferência dos alunos, como se pode notar no exemplo (1). Não havia, assim, nenhum tipo de discussão que levasse os alunos a uma reflexão mais crítica acerca do conteúdo geral e de informações mais específicas contidas nos textos. A professora limitava-se a verificar se os alunos "compreenderam" o enredo dos textos, sendo que compreender era equivalente a traduzir "corretamente". Nesse sentido, é importante destacar que as atividades de "compreensão" propostas pelo livro didático limitam-se à mera localização e cópia de informações pontuais. Não havia, portanto, uma preocupação, por parte dos autores do livro didático e mesmo da professora, com os processos de produção, distribuição e consumo textual, processos que intervêm de forma definitiva na construção do sentido de um texto, como propõe Fairclough (2001), entre outros. Nem mesmo a estratégia, sugerida pelos PCNs de LE, de direcionar a leitura por questões que conduziriam a uma compreensão mais ampliada e, provavelmente, mais crítica do texto, é adotada pela professora. Pode-se dizer, assim, que, nas atividades de leitura observadas, focalizava-se somente o nível superficial de significação, isto é, o nível do enredo. Os demais níveis de significação eram negligenciados mesmo quando havia "pistas" que apontavam para significados latentes no texto. Isso pode ser observado, por exemplo, logo no início do trecho em (1). A sequência even here in Brazil ("mesmo aqui no Brasil") serviria como indicador da questão da penetração de elementos culturais anglo-americanos no Brasil. Contudo, mesmo diante dessa pista, a professora limita-se a discutir qual seria a tradução correta da expressão even here. Assim, além de utilizar um livro didático cujas atividades de leitura não possibilitam uma compreensão efetiva do conteúdo dos textos, a professora, orientada, ao que parece, por uma concepção de leitura como decodificação de informações contidas no texto, não propõe uma reflexão mais ampla acerca da inserção de aspectos da cultura estrangeira no contexto brasileiro, discussão importante dadas às implicações ideológicas inerentes ao ensino de LI (Moita Lopes, 1996b; Phillipson,1992; Rajagopalan, 2005, 2006). O trecho abaixo, parte de uma entrevista feita com a professora, confirma essas considerações.

Exemplo 02: Entrevista com a professora - O pesquisador aborda a questão do conteúdo dos textos e da proposta de leitura do livro. P: tá bom! a décima prime/a décima segunda questão (+) é assim pensando Profa nessa oposição né de entre compreensão versus interpretação então compreensão se referindo à percepção dessas informações mais que (es)tão mais superficiais no texto (+) Profa.: certo! P: e interpretação essa coisa mais profunda digamos assim é:: você acha que as atividades propostas no livro tá é:: permitem essa interpretação desse/dos textos a forma com as unidades os exercícios de/ Profa.: não! poucos textos aqui ((coloca a mão sobre o livro didático)) dão pra: você fazê essa interpretação né a gente (+) o texto do/da AIDS por exemplo a gente trabalhô falô de outros aspectos né e deu pra gente dá uma interpretada melhor (+) né tem textos que eles são é:: (++) só só por informação cê entendeu eles são informativos então não tem muito o que trabalhá no texto informativo né? (...) Como se pode observar no exemplo (2), quando questionada se as atividades de leitura propostas no livro didático possibilitam uma interpretação ampla dos textos, a professora afirma, de forma categórica, que as atividades de leitura do livro didático não possibilitam esse nível de interpretação. Entretanto, ao mesmo tempo em que assume a ineficácia das atividades apresentadas pelo livro didático, a professora argumenta que a maior parte dos textos reunidos no livro são informativos e que não é possível realizar uma interpretação desse tipo de texto. Pode-se concluir, portanto, que a professora entrevistada não concebe a língua enquanto processo sociointeracional e o texto como uma amostra do discurso da comunidade que o produziu, como proposto nos PCNs de LE. Depreende-se da fala da professora que o texto apresentado no exemplo (1) teria como única função "informar" seus leitores potenciais acerca das origens do Dia das Bruxas. A partir dessa declaração da professora, pode-se afirmar que ela, na verdade, compartilha de uma concepção tradicional de linguagem e de leitura, segundo a qual a linguagem é transparente e ler equivale a decodificar informações contidas em um dado texto. Com base na análise apresentada acima, pode-se concluir, retomando o objetivo deste trabalho, que, se por um lado, a ênfase na leitura proposta pelos PCNs de LE apresenta-se como uma solução viável e promissora para o ensino de LE no Brasil, ela configura-se, por outro, como uma "armadilha" em potencial naqueles contextos de ensino em que ainda predominam concepções tradicionais de linguagem, de leitura e de ensino/aprendizagem de LE. Como se apontou acima, o ensino de leitura em LI orientado por tais concepções frequentemente implica a exposição acrítica de professores e alunos aos discursos hegemônicos que, como aponta Moita Lopes (2003, 2005), são produzidos e difundidos em LI no mundo contemporâneo. Referências bibliográficas

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental: Língua Estrangeira. Brasília: MEC/SEF, 1998. CANÇADO, M. Um estudo sobre a pesquisa etnográfica em sala de aula. In.: Trabalhos em Linguística Aplicada, (23):55-69, Jan./Jun. 1994. CAVALCANTI, M. C. e MOITA LOPES, L. P. da. Implementação de pesquisa em sala de aula de línguas no contexto brasileiro. In.: Trabalhos em Linguística Aplicada. Campinas, (17): 133-144, Janeiro/Junho, 1991. FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001. MOITA LOPES, L. P. Pesquisa interpretativista em Linguística Aplicada: a linguagem como condição e solução. Revista D.E.L.T.A. (São Paulo), v.10, n.2, 1994. MOITA LOPES, L. P. da. Tendências de pesquisa na sala de aula de língua no Brasil In.:. Oficina de Linguística Aplicada: A natureza do social e do educacional dos processos de ensino/aprendizagem de línguas. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1996a, p. 83-93. MOITA LOPES, L. P. da. Yes, nós temos bananas ou Paraíba não é Chicago não: Um estudo sobre a alienação e o ensino de inglês no Brasil. In:. Oficina de Linguística Aplicada: A natureza do social e do educacional dos processos de ensino/aprendizagem de línguas. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1996b. pp. 37-60. MOITA LOPES, L. P. da. A nova ordem mundial, os Parâmetros Curriculares Nacionais e o ensino de inglês no Brasil: a base intelectual para uma ação política. In: BÁRBARA, L.; RAMOS, R. de C. G. (Org.) Reflexões e ações no ensinoaprendizagem de línguas. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2003. pp. 29-57. MOITA LOPES, L. P. da. Ensino de inglês com espaço de embates culturais e de políticas da diferença. In: GIMENEZ, T.; JORDÃO, C. M.; ANDREOTTI, V. (Org.) Perspectivas educacionais e o ensino de inglês na escola pública. Pelotas, RS: EDUCAT, 2005, pp. 49-67. PHILLIPSON, R. Linguistic Imperialism. Oxford: Oxford University Press, 1992. RAJAGOPALAN, K. O ensino de línguas estrangeiras como uma questão política. In: MOTA, K. e SCHEYERL, D. (Orgs.) Espaços linguísticos: Resistências e Expansões. Salvador, BA: EDUFBA, 2006, pp. 16-24. RAJAGOPALAN, K. O grande desafio: aprender a dominar a língua inglesa sem ser dominado por ela. In: GIMENEZ, T.; JORDÃO, C. M.; ANDREOTTI, V. (Org.) Perspectivas educacionais e o ensino de inglês na escola pública. Pelotas, RS: EDUCAT, 2005, pp.37-48.

[i] A utilização do "critério da relevância social" para justificar o foco na leitura na sala de aula de LE nas escolas públicas motivou acirradas discussões em eventos científicos das áreas de Educação e Linguística Aplicada, em que se destacava a consideração de ser essa uma visão preconceituosa e determinista acerca do aluno que frequenta o sistema público de ensino. Entretanto, embora não tenhamos nos proposto a discutir essa questão no âmbito deste trabalho, é importante destacar que os autores dos PCNs de LE deixam claro que o trabalho com a leitura deve ser visto apenas como central no ensino de LE, e não como atividade exclusiva, sendo o foco nas quatro habilidades aconselhado e incentivado naqueles contextos em que as condições materiais e de pessoal viabilizam tal ênfase. [ii] Os dados analisados neste trabalho são parte de um corpus maior, envolvendo três contextos de ensino de inglês como língua estrangeira, constituído para uma pesquisa em que se buscou investigar possíveis implicações ideológicas do ensino de LI para estudantes brasileiros. A pesquisa em questão resultou na dissertação de mestrado do autor, que foi desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da UNESP de São José do Rio Preto, e contou com o auspício da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP/Proc. no. 01/00935-2). Neste trabalho, analisam-se os dados coletados em uma escola pública de uma cidade do interior do Estado de São Paulo. A coleta de dados foi orientada por uma metodologia etnográfica de investigação (Cançado, 1994; Cavalcante e Moita Lopes, 1991; Moita Lopes, 1994, 1996a, entre outros) e se estendeu por um período de seis meses. [iii] Na transcrição dos dados de sala de aula e das entrevistas, foi utilizado o sistema de transcrição proposto por Marcuschi (2001). Convenções de transcrição Falantes: Profa.: professora; Alunos: pseudônimos escolhidos pelos alunos; Vários: mais de um falante; X: aluno indeterminado; P: pesquisador. Sobreposição de vozes: [ Sobreposição localizada: [ ] Pausas: (+) - 0,5 segundo; (++) - 1.0 segundo; (+++) 1.5 segundo; e (tempo) - mais de 1.5 segundo Dúvidas e suposições: (incompreensível) Truncamentos bruscos: / Ênfase ou acento forte: MAIÚSCULA Alongamento de vogal: : Comentários do analista: (( )) Silabação: ----- Repetição: duplicação da letra ou sílaba Indicação de transcrição parcial ou de eliminação: (...)

Interrogação:? Exclamação:! Citações literais ou leituras, durante a gravação: " " Iniciais maiúsculas: somente para nomes próprios e siglas Fáticos: ah, éh, ahn, ehn, uhn, tá, né