Análise da preferência celular em diferentes superfícies de Ti exposta ao mesmo meio de cultura

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Transcrição:

ARTIGO ORIGINAL Análise da preferência celular em diferentes superfícies de Ti exposta ao mesmo meio de cultura Analysis of the cell preference in different Ti surfaces exposed to the same culture environment Michelle de Medeiros Aires Graduada em Ciências Biológicas pela UFRN Hugo Alexandre Oliveira Rocha Farmacêutico Professor Doutor de Bioquímica da UFRN Nierlly Karinni de Almeida Maribondo Galvão Doutora em Ciência e Engenharia de Materiais Custódio Leopoldino de Brito Guerra Neto Professor Doutor de Biomateriais da UFRN Clodomiro Alves Júnior Físico Professor Doutor de Biomateriais da UFRN Resumo Adesão e proliferação celular em superfícies de titânio comercialmente puro (Grau II) modificadas por plasma foram analisadas seguindo duas estratégias diferentes, a saber: (1) exposição de um tipo de superfície para cada cultivo celular e (2) exposição de duas superfícies diferentes num mesmo cultivo de células. Observou-se diferença estatisticamente significante em relação à proliferação e morfologia, entre as amostras nitretadas e as amostras sem tratamento. Para a primeira estratégia verificou-se uma preferência celular levemente superior nas superfícies nitretadas. Entretanto, quando exposta as duas superfícies num mesmo meio de cultura (estratégia 2) verificou-se que a preferência pela parte nitretada foi muito superior àquela verificada na estratégia 1. Isto significa que em situação de concorrência entre duas superfícies (tratada e não tratada), a preferência celular é intensificada. Palavras-chave: seletividade celular; preferência celular; biocompatibilidade; interação célula-biomateriais; tratamento por plasma. Abstract Adhesion and cellular proliferation in surfaces of Ti cp (Degree II) modified by plasma were analyzed following two different strategies: (1) Exposing of one type of surface to each cell cultivation and (2) Exposing of two different surfaces at the same cell cultivation. It was observed a statistical significant difference in relation to the proliferation and morphology, between samples nitrided and without treatment. In the first strategy, it was verified a discrete cell preference in nitrided samples. Although, when both surfaces were exposed to the same culture environment (strategy 2) it was verified that the preference to the nitrided samples was absolutely higher than that verified to the strategy 1. It means that in one situation of concurrence between two surfaces (treated and non-treated), the cell preference is intensified. Keywords: cell selectivity; cell preference; biocompatibility; interaction cell-biomaterial; plasma treatment. Introdução A resposta celular em superfícies de titânio é intensamente dependente do estado físico-químico que a mesma se encontra. As células osteoblásticas, por exemplo, respondem diferentemente, para rugosidades diferentes em superfícies de implantes dentais. Do mesmo modo, superfícies com diferentes graus de hidrofilicidade respondem diferentemente quando imerso num meio de cultura de células osteoblásticas. A interação das células com as superfícies dos biomateriais é de extrema importância na efetividade de implantes médicos (5), podendo definir o seu grau de rejeição. Assim, modificações de superfície de Ti podem modular as respostas das células junto ao biomaterial. Diversos estudos têm demonstrado que os implantes de titânio são altamente biocompatíveis e passíveis de osseointegrar; pois, para o seu sucesso, é necessário que haja uma forte interação entre esse biomaterial e o meio que o rodeia. Por este motivo, estes surgiram com a finalidade de encontrar um material que fosse isento de produzir resposta biológica adversa local ou sistêmica (1). Comportamentos celulares como adesão, mudanças morfológicas e proliferação são principalmente determinadas através de características de superfície, composição química, rugosidade, hidrofilicidade e textura do titânio (2, 12, 16). Então, com o intuito de modificar as propriedades da superfície do biomaterial e seus efeitos sobre o comportamento celular, utilizou-se o tratamento a plasma. A técnica selecionada para a realização deste trabalho foi a da nitretação iônica que é um processo de tratamento de superfícies usado para promover melhoria de propriedades física e mecânica de metais quando inseridas em plasma de nitrogênio. As alterações superficiais causadas pela formação de nitretos de titânio, através do uso de técnicas como nitretação em plasma têm levado ao desenvolvimento recente e progressivo de pesquisas que investigam suas propriedades biológicas. Portanto, este trabalho tem como objetivos modificar a superfície do titânio através do plasma, observar as alterações das propriedades da superfície após esse tratamento e relacionar essas novas propriedades obtidas com a adesão, proliferação, morfologia e preferência celular. Material e Método Preparação das Amostras Foram utilizados 18 discos de Ti cp (grau II) por experimento, com dimensão de 9 mm x 3 mm (diâmetro x espessura). Todos os discos foram inicialmente lixados com lixas de carbeto de silício com granulometria variando de 80 até 2000 mesh. O polimento foi executado com uma solução composta de sílica coloidal e peróxido de hidrogênio em um pano de polimento de neoprene poroso (OP-CHEM) por período de 30 minutos. Em seguida, os discos foram lavados em água destilada com agitação ultrassônica, por 10 minutos. Após a lavagem, 60 discos foram nitretados por plasma, sendo 40 com a superfície completamente exposta ao plasma e 20 com a superfície parcialmente exposta (com máscaras de proteção). Nesse último caso apenas as regiões não 110

Análise da preferência celular em diferentes superfícies de Ti exposta ao mesmo meio de cultura cobertas foram nitretadas. Esse procedimento foi utilizado para ensaios da preferência celular. Topografia A topografia da superfície dos discos, bem como a obtenção de valores de rugosidade, após o tratamento em plasma, foi avaliada utilizando Microscópio de Força Atômica (AFM), modelo SPM 9600 da Shimadzu. A AFM forneceu a topografia da superfície (em 2D e 3D) assim como 4 parâmetros de rugosidade (Ra, Rz, Rp e Rv). Fotomicrografias foram obtidas em três regiões diferentes de cada disco em 2D e em 3D. Em cada fotografia em 2D foram obtidas linhas para determinação dos perfis de rugosidade. Medição da Molhabilidade A técnica da gota séssil foi utilizada para caracterizar a molhabilidade das amostras. O ângulo de contato de gotas de água destilada foi medido em 6 discos de cada superfície (nitretada e não nitretada). Antes do ensaio, os discos foram colocados numa solução de 0,5% de detergente enzimático em água bidestilada e submetidos a tratamento de ultrassom por 10 min. Após duas lavagens, os discos foram lavados com etanol absoluto e, subsequentemente, com água bidestilada. Dois líquidos diferentes foram utilizados para realizar as medições do ângulo de contato: água bidestilada e glicerol. Usou-se o aparelho de molhabilidade desenvolvido no LabPlasma - Laboratório de processamento de matérias por plasma (UFRN, Brasil) (Costa, 2008), com o auxílio de uma pipeta graduada, 20 μl da solução foi gotejada sobre cada disco. Fotografias foram obtidas em diferentes tempos até a completa relaxação da gota, utilizando-se um programa de captação de imagens Pinnacle Studio 9.0. O teste de molhabilidade foi analisado por software desenvolvido no mesmo laboratório, no qual se mede o ângulo de contato entre a superfície sólida (disco) e o plano tangencial à superfície líquida (água). Os resultados de ângulo de contato com a superfície da tensão de cada superfície foram calculados. Cultura de Células As células osteoblásticas humanas, utilizadas neste trabalho, foram cultivadas em garrafas de 75 cm3, com o Dulbecco s Modified Eagle Medium (DMEM) suplementado com 10% de soro fetal bovino (SFB, Cultilab, SP, Brasil), 100 UI/ml de penicilina e 100 µg de estreptomicina (Cultilab, SP, Brasil). As células foram incubadas a 37 C, em atmosfera úmida com 5% de CO2 em volume, e as trocas do meio de cultura ocorreram a cada 72h, até a confluência de 70%. Uma vez estabelecida a cultura, alíquotas contendo 5x103 células foram transferidas para placas de 24 poços de 25 mm de diâmetro contendo os discos de titânio previamente esterilizados por autoclave a 120 C por 30 min. Para o controle, poços sem amostras foram utilizados. As células foram mantidas por um período de incubação em meio DMEM sem soro. A contagem das células para determinação da proliferação foi medida por duas técnicas: análise de imagem e ensaio de MTT que avalia a atividade mitocondrial da célula. Na aquisição e análise de imagem, foi utilizado o microscópio Olympus BX 60M com uma câmera digital acoplada e o software Image Pro Plus para contagem e caracterização da morfologia das células aderidas à superfície dos discos. Para cada amostra, foram obtidas imagens em cinco quadrantes, com referência ao ponto central (Quadrante 1 - Q1), ao longo de um raio de 750 µm da borda superior e inferior, direita e esquerda, gerando mais quatro quadrantes (Q2, Q3, Q4 e Q5). Posteriormente, as células aderidas nos cinco quadrantes foram quantificados e os resultados submetidos à análise de variância (Anova), seguido pelo teste de Kruskal-Wallis, utilizando o GraphPad Instat, versão 3.5 para Windows. Após um período de 24, 48 e 72 horas, as células foram quantificadas por espectrofotômetro a 570 nm. Adesão Celular O ensaio do cristal violeta foi escolhido para avaliar a adesão celular, já que este indica a densidade relativa das células aderidas à superfície de titânio, sendo estas avaliadas após 1h, 2h e 3h de incubação. Os discos foram colocados em placas de 24 poços, e adicionou-se 5x103 células/cm². Após a incubação, os poços foram lavados duas vezes com PBS e as células foram fixadas com metanol PA gelo por 5 min. Posteriormente, o metanol foi aspirado, os poços foram lavados com PBS e as células foram coradas com cristal violeta 0,2% em 2% etanol. Após 5 min, os poços foram lavados cinco vezes com PBS para remover o excesso de tinta, feito isso, utilizou-se uma solução de etanol 50% e 0,1 M citrato de sódio, que promoveu a lise e a subsequente liberação desse corante. A concentração de corante para cada amostra foi medida em leitor de Elisa (ASYS - Especialista modelo plus Eugendorf, Austria) em 570nm. Preferência Celular Para avaliar a preferência celular, utilizaram-se os discos parcialmente tratados por plasma. Células cultivadas em superfícies por 24h, 48h e 72h foram lavadas duas vezes em PBS para remoção das células não aderentes e, em seguida, fixadas em glutaraldeído a 2,5% por 2 horas. As imagens foram obtidas através de um microscópio Olympus BX 60M com uma câmera digital acoplada. Resultados Após a nitretação, as superfícies apresentaram alterações topográficas e de molhabilidade significativamente superiores aos discos não nitretados. Os discos nitretados apresentaram todos os parâmetros de rugosidade superiores como: a rugosidade média (Ra), a altura máxima dos picos do perfil em relação à linha média, no comprimento da amostragem (Rp), a profundidade máxima do vale do perfil em relação à linha média, no comprimento da amostragem e a soma da altura máxima dos picos (Rp) com a profundidade máxima dos vales (Rv), no comprimento da amostragem (Rz) em relação aos discos não nitretados. Verificou-se também que para superfície nitretada o ângulo de contato foi menor (maior molhabilidade) que a superfície não nitretada. Para 111

AIRES, Michelle de Medeiros et al. a exposição de uma única superfície exposta a um mesmo cultivo celular foi observado que a superfície não nitretada (hidrofóbica) possuiu maior quantidade de células aderidas (figura 1) embora após 2h esse resultado tenha se invertido. Após esse período, verifica-se a formação de um platô, onde o tempo não influiu mais no processo de adesão. Além disso, tanto a superfície tratada como a não tratada possuíram maior adesão inicial que o controle (plástico), indicando que este contribui de forma positiva na adesão celular. Quanto à morfologia celular, pôde-se observar que em superfícies tratadas a célula apresentou-se mais alongada, demonstrando que houve maior aderência que na superfície não tratada. A proliferação foi calculada através da quantificação das células em cinco regiões diferentes do disco de titânio. Com relação à exposição de duas superfícies diferentes num mesmo cultivo de células (discos tratados com máscaras de proteção), existe uma tendência maior de proliferação na parte tratada comparada à exposição dessas superfícies separadamente (Figura 2). Figura 1. Número de células aderidas sobre superfícies de titânio tradada por plasma comparado com superfície não tratadas e superfície controle Figura 2. Proliferação celular na superfície tratada e não tratada por plasma (a) com fotomicrografias correspondentes de células sobre faixas tratadas por plasma intercaladas por outra não tratada, após 24 horas (b) e 48 horas (c). Em (ST) se encontra a superfície não-tratada e em (T) a superfície tratada da mesma amostra 112

Análise da preferência celular em diferentes superfícies de Ti exposta ao mesmo meio de cultura Discussão O processo de nitretação provocou mais erosão que deposição, resultando numa superfície com rugosidade média (Ra) 20 vezes superior às superfícies não tratadas (Tabela I). Evidências da relação entre a resposta celular e a topografia da superfície já foram bastante estudadas na literatura (7, 8, 9, 11), mas não existe consenso sobre a real contribuição. Acredita-se que este evento é bastante influenciado por algumas propriedades da superfície dos biomateriais, tais como composição química, energia e textura da superfície, mas esses dados ainda são conflitantes (6, 15). Outros trabalhos mostram que tanto a molhabilidade quanto a rugosidade influenciam diretamente na resposta à cultura de células osteoblásticas, uma vez que estas estão relacionadas (14) como uma maior proliferação celular, uma vez que superfícies com essas características possuem um contato mais íntimo com o liquido biológico, o que proporciona uma maior interação com as proteínas e, consequentemente, com as células. Assim, as superfícies hidrofílicas apresentam, de maneira geral, uma melhor afinidade por células e proteínas do que superfícies hidrofóbicas (10), e este aumento no grau de molhabilidade melhora a interação entre a superfície do implante e o meio biológico (3). Quando superfícies diferentes foram expostas num mesmo cultivo de células (discos tratados com máscaras de proteção), existiu uma tendência maior de proliferação na parte tratada comparada à exposição dessas superfícies separadamente. Isto significa que em situação de competitividade entre as duas superfícies, a célula não só teve preferência pela parte tratada, mas esta foi mais intensa que no caso da exposição da superfície com superfície completamente tratada. Os testes mostraram que superfícies nitretadas permitiram um aumento significativo na proliferação celular, em comparação com os dados obtidos em superfícies não tratadas (figura 3). Figura 3. Proliferação celular sobre superfícies de titânio tradada por plasma comparado com superfície não tratadas e superfície controle Tabela I. Valores dos parâmetros de rugosidade e ângulo de contato da superfície de titânio antes e após nitretação por plasma Antes da nitretação Após nitretação Parâmetros de rugosidade (nm) Ra Rz 0,51 10,67 11,62 128,50 Rp 8,81 61,00 Rv 1,86 67,49 Ângulo de contato (graus) Θ 70,2 ±4 56,0 ±3 113

AIRES, Michelle de Medeiros et al. Conclusão Alterações na superfície de titânio por nitretação a plasma pode promover mudanças nas propriedades de sua superfície. Essas propriedades estão relacionadas com a resposta biológica da superfície. Neste trabalho, a avaliação da resposta biológica em relação à superfície do novo biomaterial demonstrou que o comportamento dos osteoblastos foi influenciado pela rugosidade, topografia e molhabilidade da superfície de titânio submetidos a este tratamento. Os valores de rugosidade obtidos foram significativamente diferentes entre os discos lisos e os discos tratados e em situação de concorrência entre as duas superfícies, a célula não só teve preferência pela parte tratada, mas esta foi mais intensa que no caso da exposição da superfície com superfície completamente tratada. Referências Bibliográficas 1. AMARANTE, E. S., LIMA, L. A. Otimização das superfícies dos implantes: plasma de titânio e jateamento com areia condicionado por ácido-estado atual. Pesqui. Odonto. Brás. 2001; 15 (2): 166-73. 2. ANSELME, K., BIGERELLE, M., NOEL, B. et al. Qualitative and quantitative study of human osteoblast adhesion on materials with various surface roughnesses. J. Biomed. Mater. Res. 2000a.; 49: 155-66. 3. BAIER, R. E., MEYER, A. E., NATIELLA, J. R. et al. Surface properties determining bioahesive outcome: methods and results. J. Biomed. Mater. Res. 1984; 18 (4): 337-55. 4. COSTA, T. H. C. et al. Caracterização de filmes de poliéster modificados por plasma de O2 a baixa pressão. Revista Matéria. 2008; 65-76. 5. CRAIGHEAD, H. G., JAMES, C. D., TURNER, A. M. P. Chemical and topographical patterning for direct cell attachment. Current Opinion in Solid State & Materials Science. 2001; 5 (2-3): 177-84. 6. DEN BRABER, E. T., DE RUIJTER, J. E., SMITS, H. T. J. et al. Effect of parallel surface microgrooves and surface energy on cell growth. J. Biomed. Mater. Res. 1995; 29 (4): 511-8. 7. GUERRA NETO, C. L. B., DA SILVA, M. A. M., ALVES JR., C. In vitro study of cell behaviour on plasma surface modified titanium. Surface Engineering. 2009, 146-50. 8. SÁ, J. C., DE BRITO, R. A., MOURA, C. E. et al. Influence of argonion bombardment of titanium surfaces on the cell behavior. Surface & Coatings Technology. 2008; 203: 1765-70. 9. KASEMO, B. Biological surface science. Surface Science. 2002; 500 (Issues 1-3): 656-77. 10. LAMPIN, M., WAROCQUIER-CLEROUT, R., LEGRIS, C. et al. Correlation between substratum roughness and wettability, cell adhesion and cell migration. J. Biomed. Mater. Res. 1997; 36 (1): 99-108. 11. LIU, X., CHU, P., DING, C. Surface modification of titanium alloys, and related materials for biomedical apllications. Materials Science and Engineering. 2004; 47: 49-121. 12. NEBE, J. G. B., LUETHEN, F., LANGE, R. et al. Cellular activity and biomaterial s surface topography. Mater. Sci. 2007; 539-43. 13. DE SOUSA, R. R. M. et al. Nitriding using cathodic cage technique of austenitic stainless steel AISI 316 with addition of CH4. Materials Science and Engineering A. 2007; 124-7. 14. RUPP, F., SCHEIDELER, L., REHBEIN, D. et al. Roughness induced dynamic changes of wettability of acid etched titanium implant modifications. Biomaterials. 2004; 25: 1429-38. 15. SCHWARTZ, Z., BOYAN, B. D. Underlying mechanisms at the bone-biomaterial interface. J. Cell Biochem. 1994; 56 (3): 340-7. 16. ZHU, X., CHEN, J., SCHEIDELER, L. et al. Effects of topography and composition of titanium surface oxides on osteoblast responses. Biomaterials. 2004; 25: 4087-103. Recebido em: 29/03/2011 / Aprovado em: 14/04/2011 Michelle de Medeiros Aires Rua Maçaranduba, 7863 Pitimbú Natal/RN, Brasil - CEP: 59067-610 E-mail: michellemaires@gmail.com 114