ÉTICA E ESTÉTICA DOS FILHOS: A LITERATURA DA GERAÇÃO DA TERRA

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Transcrição:

ÉTICA E ESTÉTICA DOS FILHOS: A LITERATURA DA GERAÇÃO DA TERRA Prof. Dr. Leopoldo O. C. de Oliveira 1 (UFRJ) Resumo: Ao fazer referência em seu título à Ética dos Pais, coletânea mishnaica de ditos e anedotas dos primeiros rabinos de Israel, esta comunicação tenciona analisar as opções, atitudes e dilemas éticos dos primeiros escritores falantes nativos de hebraico da moderna literatura israelense frente à longa tradição literária judaica da diáspora e em relação ao ambiente sócio-político efervescente da Palestina do Mandato Britânico e dos primeiros anos da fundação do Estado de Israel. Neste sentido, procurar-se-á analisar em que medida e de que modos sua atuação literária e política, na condição de intelectuais e artistas, impactou a tessitura estética de suas obras. Palavras-chave: literatura, tradição, ideologia, nacionalismo O grupo de escritores israelenses que desponta para o público no final dos anos de 1930 é formado, em sua maioria, pelos filhos dos primeiros imigrantes judeus para a Palestina. Nascidos no país e tendo como língua materna o hebraico, a primeira geração a falar a língua desde o berço em dois mil anos, estes escritores tiveram sua consciência político-social e artística moldada; por um lado, pela educação sionista do lar paterno, dos ginásios e dos movimentos juvenis, e por outro, pelo ambiente efervescente da Palestina pós-guerra sob o mandato britânico (1918-1948). A educação sionista recebida dos pais, professores e monitores, imigrantes europeus oriundos principalmente dos países do centro-leste do continente e que ali chegaram em sucessivas levas a parir das últimas décadas do século XIX, baseava-se em princípios ideológicos rígidos do coletivismo, socialismo e trabalhismo; segundo os quais o país só seria reconstruído como lar nacional para os judeus através de trabalho físico árduo, abnegação e o colocar os interesses coletivos acima de qualquer consideração pessoal. A formação humanística desses jovens escritores, se comparada ao cosmopolitismo e erudição da de seus pais ou mesmo a da geração anterior dos grandes mestres hebreus, que abandonaram a Europa para produzir literatura em hebraico na Palestina, era bastante restrita. A Bíblia era o livro por excelência dessa nova geração; não em sua dimensão religiosa, mas como documento histórico-literário dos períodos de independência do povo hebreu, os quais serviam de inspiração para o alcance do ideário sionista de um estado hebreu livre e 1Autor Leopoldo O. C. de OLIVEIRA, Prof. Dr. Universidade federal do Rio de Janeiro (UFRJ) leoariehil@letras.ufrj.br

independente. Por outro lado, as poucas influências alienígenas configuravam-se na leitura dos romances e contos realistas soviéticos e, pelo contato com os ingleses, dos escritos de um Normam Mayler, por exemplo. O clima cultural e sócio-político da comunidade judaica da Palestina dos anos de 1920 e 1930 era a de um ambiente que exigia esperança, trabalho e, sobretudo, comprometimento ideológico. Os mandatários ingleses, por um lado, deveriam assegurar e garantir plenas condições para que os judeus se organizassem política, econômica e estruturalmente a fim de no futuro estabelecerem ali seu lar nacional, como reconhecido em 1917 pelo governo de Sua Majestade através da Declaração Balfour. Neste período, os imigrantes judeus forjaram a base material e institucional do que viria a ser o futuro Estado de Israel, com a fundação de vilas, colônias e comunas agrícolas (os kibutzim); construção de estradas, ferrovias e portos e sobretudo a organização de instituições comunitárias que formaram as bases para a administração, manutenção e defesa do futuro estado (como o conselho comunitário superior, a rede educacional, o exército e entidades financeiras e sindicais). Por outro lado, era de responsabilidade da administração britânica também assegurar e salvaguardar os direitos da população árabe nativa, que cada vez mais se inquietava e insurgia contra a crescente imigração judaica. Assim, de 1938 a 1948, os ingleses estabeleceram quotas anuais que restringiam cada vez mais o número de imigrantes judeus aos quais permitia-se a entrada no país. Tal medida, oficialmente, tencionava acalmar a população árabe e suas lideranças, que na década anterior haviam sido protagonistas de vários distúrbios isolados contra os judeus. A resposta a isso não tardou. Vários grupos paramilitares clandestinos judaicos organizaram ações que visavam trazer ilegalmente para a Palestina judeus europeus fugidos da perseguição nazista. Ações terroristas de grupos armados judaicos contra alvos da administração britânica também se tornaram freqüentes, como a explosão do Hotel Rei David, em Jerusalém, 1944. Todos esses acontecimentos e as pressões dos vários grupos populacionais e políticos, armados e não armados, tornaram a Palestina uma panela de pressão prestes a explodir; inviabilizando de vez a administração mandatária. Em maio de 1948, os britânicos se retiram de vez do país. Imediatamente os judeus proclamam a independência da região com a denominação de Estado de Israel. Tinha início a Guerra de Independência contra os países árabes vizinhos. Quanto à atitude do novo ishuv para com a diáspora e aos novos imigrantes, grosso modo, caracterizava-se não só por uma forte rejeição à diáspora e sua cultura, mas também por uma negação da mesma, de sua importância na construção da consciência nacional. Seus seguidores consideravam que os autóctones não tinham qualquer ligação com o judaísmo mundial, tanto o contemporâneo quanto o de qualquer período diaspórico, e que, desse modo, eram o elo perdido entre Israel soberano dos períodos do Primeiro e Segundo Templos e a modernidade. Como observa Guershon Shaked, mencionando uma idéia de Kurzweil, por um curto período de tempo, essa corrente de pensamento exerceu maior influência na vida do país do que o reduzido número de seus simpatizantes, principalmente no que diz respeito à literatura (SHAKED, 1998, p. 49). Esta é a visão do sistema cultural sabra que estaria na base do esquema do programa literário canaanita, nas palavras de seu próprio fundador, Yonatan

Ratosh, em 1948, citado em artigo de Dan Miron: Culturalmente, o problema é se no centro da nova cultura hebraica surge o judeu, o imigrante com seus problemas de aculturação, enquanto os israelenses nativos, no que diz respeito a esta cultura, são simples filhos de imigrantes, já aculturados, ou se no centro estão os nativos, os hebreus, os filhos da terra dos hebreus. Se se trata deste último caso então aqueles que chegam ao país são meramente imigrantes, cujo problema não é de aculturação, mas de assimilação e que, falando de modo geral, não serão bem sucedidos numa assimilação completa. Somente os seus filhos, eles próprios filhos da terra dos hebreus, serão hebreus. Esta perspectiva se coloca, é claro, em oposição total àquela da literatura de imigrantes, e a maior tarefa cultural que ela postula é a da libertação dos hebreus, os filhos da pátria, do sistema de valores da geração judaica de imigrantes. Esta guerra, a guerra hebraica da independência, é tanto uma luta pelo passado quanto uma luta pela formação do presente e da visão de futuro (MIRON, 1998, p.108). Muitos escritores desta geração não tinham uma opinião tão radical quanto os canaanitas, mas, de qualquer modo, procuravam afastar-se de temas e tons que pudessem ser considerados judaicos, na acepção tradicional do termo. Posteriormente, o contexto cultural do país mudou muito em relação às atitudes e pensamentos sobre a diáspora, mas o que se quer ressaltar aqui é que esta atitude anti-diásporica está eminentemente ligada à visão negativa que os israelenses passaram a ter da vida judaica tradicional da Galut, como consequência, em uma instância mais imediata, da suposta passividade com que os judeus se deixaram aniquilar pelos nazistas Entretanto, como ressalta Itamar Even-Zohar, as inovações em um sistema cultural não se dão no vácuo, não são criadas a partir do nada, mas que se procuram elementos materiais de cultura (alimentação, vestuário, linguagem etc.) em um repertório já conhecido para preencher novas funções culturais (diferenciação de um grupo em relação a outro, reorganização de padrões familiares, sociais etc.), trazendo-os da periferia da cultura (isto é, elementos que não eram considerados primordiais na caracterização desta cultura) para seu centro (EVEN-ZOHAR, 1998, disperso). Dessa forma, todo um cabedal de elementos da cultura diaspórica, especificamente judaicos ou da cultura dos países de exílio, foi selecionado e manipulado, desde os princípios da nova colonização judaica na Palestina, para preencher novas funções culturais, criadas ou sentidas como necessárias por causa do novo contexto sócio histórico que os judeus passaram a vivenciar. É nesse contexto que os escritores da chamada Geração da Terra, debutam na literatura. O mercado editorial da época ainda tinha como figuras centrais grandes nomes como Agnon, Bialik, Brener e Tchernichovsky. Praticantes de um estilo ainda bastante europeizado, estes escritores cultivavam um hebraico literário altamente sofisticado na tematização, principalmente, dos primeiros anos da imigração judaica para a Palestina, as dificuldades de adaptação dos imigrantes e a absoluta falta de infra-estrutura do país. A crítica literária de então, de tendência marcadamente marxista, clamava por uma literatura que se voltasse para o presente e que representasse as características, as realizações

e os desafios de uma nação em seus primeiros estágios de formação. Tal literatura deveria ter funções sociais, dentre as quais se destacava a formação da imagem de um novo hebreu, não mais judeu, mas sabra, modelo este que deveria inspirar a realidade em sua formação ideológica, ética e nacional. A literatura deveria ser uma literatura do aqui e agora, que apreendesse a dinâmica dos processos correntes de institucionalização nacional e de formação do caráter de seu povo e, sobretudo, que educasse o leitor para os corretos modos de reagir e interagir com tal nascente realidade. Neste sentido, parecia que a nova geração tinha todas as armas e instrumentos para tornar realidade uma nova literatura de uma nova época, de um novo homem e de novos modos de relações sociais. O primeiro texto que prometia corresponder a estes anseios e que hoje é considerado o marco inaugural da produção desta geração de ficcionistas é o conto de S. Izahar Efraim Volta para a Alfafa, de 1938. Realmente, trata-se de um texto modelar e que, em sua essência representa as preocupações literárias e ideológicas dos autores deste momento; que viam a si mesmos como produtores de uma literatura realista. No geral, trata-se de uma literatura bastante linear e praticamente monotemática e, para o leitor de hoje, às vezes enfadonha. As personagens são personagens-tipo e as situações são situações-típicas. Os enredos não se afastam muito das situações e das personagens dos movimentos juvenis, dos kibutzim e dos movimentos paramilitares clandestinos da Haganá e do Palmach, com descrições muito pormenorizadas de seus ambientes e das relações de camaradagem, lealdade e senso de responsabilidade coletiva. Após 1948, a temática central é a experiência culminante desta geração, a Guerra de Independência. A ideologia que subjaz às narrativas não são verbalizadas nem pelas personagens nem pelo narrador, mas expostas nas ações e reações das personagens principais às circunstâncias em que se vêem envolvidas que, via de regra, representam uma escolha entre os desejos individuais e os interesses do coletivo, prevalecendo estes últimos. O hebraico utilizado nestes contos e romances, surpreendentemente, é um idioma bastante elevado e altissonante, com acentuada tendência para as repetições e paralelismos (umas das características do texto bíblico) e do uso de estruturas consagradas do hebraico europeu pelos mestres da geração anterior, apenas com algumas e quase imperceptíveis adaptações. O idioma do dia-a-dia não é parte integrante do estilo de cada autor e da narrativa em si e quando é utilizado, majoritariamente, recorre-se a gírias e expressões tipicizantes, ou seja, utilizadas nos diálogos para caracterizar determinada personagem como oriunda de determinado grupo, reconhecível por sua gíria específica (a gíria do kibutz, a gíria do palmach etc), eivada de termos árabes. Respondendo aos anseios da crítica literária e imbuída do espírito de construção da identidade nacional e de seu etos social e político através da literatura, esta geração acabou por decepcioná-la. Tão logo romances e contos foram lançados em quantidade suficiente para que se pudesse ter uma visão de conjunto dos escritores da Geração da Terra, sua ficção passou a ser avaliada, mais do que analisada, de uma forma bastante negativa. No que concerne à realidade do momento histórico em questão, a crítica considerou que a descrição do mesmo tendia a ser bastante idealizada, tanto em suas situações como em seus tipos; dando relevo ao que deveria ser, ao resultado almejado, em detrimento do que realmente se passava nas relações sociais e inter-pessoais nos ambientes descritos.

Esta idealização levava a que as narrativas fossem falhas do ponto de vista ideológico, uma vez que inexistiam descrições e avaliações, fossem negativas ou positivas da escolhas tomadas pelas personagens e, fundamentalmente, dos processos sociais e psicológicos que levavam às mesmas, disso resultando a falta de um confronto artístico com a realidade. O conflito e a tensão entre o indivíduo e o coletivo, segundo ainda os críticos, seriam postiços e ideologicamente inaceitáveis, uma vez que os anseios individuais não nasciam da profundidade psicológica das personagens ou de aspectos inerentes à condição humana nem sua capitulação aos ditames do grupo eram oriundas de uma conscientização ideológica que resultasse de um processo de educação para uma revolução social positiva. Encurralados entre a crítica, sua formação ideológica e as realidades sociais de sua época, os primeiros autores nativos da literatura israelense se viram presos inexoravelmente à uma década (1938-1948), que continuou influenciando sua escrita mesmo após a fundação do Estado e a despeito das radicais mudanças em todas as estruturas da vida nacional que tal fato trouxe consigo. A reação a isso se dá na escrita desses autores nas décadas de 1950 e 1960, quando partem para a tematização de grupos, circunstâncias e mentalidades que estavam à margem de suas preocupações éticas e ideológicas na década precedente, como as antigas comunidades tradicionais pré-novo ishuv (sefarditas), a relação entre eles e os pioneiros, as comunidades orientais e até mesmo a tematização da vida das comunidades judaicas da diáspora e o Holocausto. Referências Bibliográficas BEREZIN, Rifka (org). A geração da terra. São Paulo: Summus, 1983. EVEN-ZOHAR, Itamar. O Surgimento de uma Cultura Hebraica Nativa na Palestina (1882-1948). Cadernos de língua e literatura hebraica. São Paulo: Humanitas, 1998, nº 1, pp. 13-32. MIRON, Dan. Literatura hebraica moderna: perspectivas sionistas e realidades israelenses. Cadernos de língua e literatura hebraica. São Paulo: Humanitas, 1998, nº 1, pp. 93-120. SHAKED, Guershon. A vida por um fio. Cadernos de língua e literatura hebraica. São Paulo: Humanitas, 1998, nº 1, pp. 47-92.