RÚSSIA E AS CRISES NA UCRÂNIA E NA TURQUIA

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Transcrição:

RÚSSIA E AS CRISES NA UCRÂNIA E NA TURQUIA RÚSSIA Se atualmente o mundo passa por uma nova crise hegemônica, ou seja, uma crise capaz de mudar toda a ordem internacional pré-estabelecida (ordem cujo maior representante são os Estados Unidos), certamente a Rússia é um dos atores responsáveis por essa instabilidade. A partir de uma análise da história russa, se percebe que essa reação se configura como uma continuidade da defesa dos interesses russos em seu entorno periférico, os quais serão responsáveis pela atual Crise da Crimeia e terão papel importantíssimo na atual conjuntura turca. HISTÓRIA Séc. IX: nascimento do povo russo na Rus de Kiev, localizada no que é hoje território da Ucrânia 1547: origem do Império Russo e significativa expansão territorial até meados do século XIX Séc. XIX: período de instabilidade interna no Império - fortes características feudais - pobreza extrema da população em geral - governo marcadamente autoritário - repressão dos movimentos populares - perdas significativas devido à derrota na guerra Russo-Japonesa Início do séc. XX: a soma dos fatores acima com a entrada na Primeira Guerra gera uma grande instabilidade interna, que leva à Revolução Russa em 1917, que resultou na formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas O ESTADO SOVIÉTICO FOI MUITO IMPORTANTE PARA O DESENVOLVIMENTO DO QUE A REPÚBLICA RUSSA É HOJE, CRIANDO UMA IDENTIDADE MULTIÉTNICA, EXPANDINDO SUAS FRONTEIRAS, CONSOLIDANDO ALIANÇAS, DESENVOLVENDO INDUSTRIAL E MILITARMENTE O PAÍS E MARCANDO PARA SEMPRE A SOCIEDADE E A IDENTIDADE DA RÚSSIA. Final do séc. XX: queda do regime soviético, que perdurou de 1922 a 1990 e fez com que o espaço hoje reservado à Federação Russa passasse por uma grande e grave crise 1991: o espaço geográfico ocupado por séculos pelo Império Russo e por 70 anos pela União Soviética havia se fragmentado em vários países independentes, que, em sua grande parte, não mais responderiam aos comandos de um governo centralizado em Moscou UCRÂNIA MAR NEGRO TURQUIA ENTORNO ESTRATÉGICO UMA DAS PERDAS MAIS CATASTRÓFICAS PARA O QUE VIRIA A SE TORNAR A RÚSSIA FOI A INDEPENDÊNCIA DA UCRÂNIA, POIS, ALÉM DE REPRESENTAR O BERÇO DA ETNIA RUSSA, ELA REPRESENTA TAMBÉM UMA ÁREA GEOPOLÍTICA FUNDAMENTAL PARA O ESTADO RUSSO, DETENTORA DE UMA ÁREA VASTAMENTE INDUSTRIALIZADA E DE SOLO FÉRTIL, ALÉM DE 52 MILHÕES DE PESSOAS ETNICAMENTE E RELIGIOSAMENTE LIGADAS À IDENTIDADE RUSSA. ADEMAIS, COM UMA UCRÂNIA INDEPENDENTE, A RÚSSIA PERDIA SUA POSIÇÃO DOMINANTE NO MAR NEGRO, O QUAL DESDE AS ÉPOCAS MAIS REMOTAS FOI USADO PELOS RUSSOS PARA COMERCIALIZAR COM O MEDITERRÂNEO E SE PROJETAR PARA ALÉM DESSA ÁREA. AS INDEPENDÊNCIAS DOS PAÍSES DO CÁUCASO TAMBÉM FORAM UM DURO GOLPE, UMA VEZ QUE AMPLIARAM AS OPORTUNIDADES DA TURQUIA DE REESTABELECER UM CONTROLE SOBRE ESSAS ÁREAS, AMEAÇANDO A ATUAÇÃO RUSSA NESSA REGIÃO E OCASIONANDO UMA DIVISÃO NA INFLUÊNCIA SOBRE O MAR CÁSPIO, ATÉ ENTÃO CONSIDERADO COMO UM LAGO PARA OS RUSSOS, RICO EM RECURSOS MINERAIS E DE PASSAGEM COMERCIAL IMPORTANTÍSSIMA. SOMANDO-SE A TUDO ISSO, A RÚSSIA TERIA AINDA QUE SE ACOSTUMAR COM UMA CHINA CADA VEZ MAIS AVANÇADA, DINÂMICA E DESENVOLVIDA NO EXTREMO LESTE, COM UMA POPULAÇÃO SUPERIOR A 1 BILHÃO DE INDIVÍDUOS.

PANORAMA DE SEGURANÇA A dissolução da União Soviética trouxe uma grande crise institucional para o Estado Russo. As relações com a China e o Irã estavam desgastadas devido a impasses internacionais. A Rússia se via pressionada pela OTAN e os EUA não viam os benefícios de uma aliança com ela, uma vez que o país estava debilitado nas áreas econômica, institucional, militar e tecnológica. Com a impossibilidade de parceria com os EUA por volta de 1995, a Rússia começou a voltar seus esforços para outra alternativa: a reconstrução dos laços entre Moscou e as repúblicas recém independentes da União Soviética. ESSA RECONSTRUÇÃO DOS LAÇOS ENTRE MOSCOU E AS EX-REPÚBLICAS SOVIÉTICAS SE MOSTROU VITAL PARA O PROJETO DE DESENVOLVIMENTO RUSSO. EXEMPLO DISSO FOI A CRIAÇÃO DA PARCERIA ECONÔMICA NA CEI (COMUNIDADE DOS ESTADOS INDEPENDENTES) QUE BUSCOU ALINHAR OS INTERESSES ECONÔMICOS, POLÍTICOS E GEOESTRATÉGICOS DA REGIÃO, COM UMA CHANCELARIA MAIOR DA RÚSSIA. ENTRETANTO, É IMPORTANTE NOTAR A DESASSOCIAÇÃO DA UCRÂNIA E DA GEÓRGIA DA CEI COMO DEMONSTRAÇÕES DE AFASTAMENTO POLÍTICO E IDEOLÓGICO DA RÚSSIA. A ASSOCIAÇÃO NA COMUNIDADE DOS ESTADOS INDEPENDENTES ESTAVA INTIMAMENTE LIGADA AO PAN-ESLAVISMO, NO QUAL TODA A ETNIA ESLAVA DEVERIA JUNTAR ESFORÇOS PARA CONSTRUIR UMA FORTE COMUNIDADE PRÓPRIA. Essa estratégia, porém, sofreu forte oposição de alguns países que não queriam mais se ver atrelados ou subordinados a Moscou, como a Ucrânia e o Uzbequistão, que desenvolviam progressivamente um forte sentimento nacionalista. Ademais, uma recusa da Ucrânia num aprofundamento das relações com a Rússia arruinou o argumento do pan-eslavismo, uma vez que o movimento só faria sentido se integrasse o berço da civilização eslava, a Ucrânia. Dados esses aspectos e o fato de que a Rússia não era forte o suficiente para impor sua vontade aos países vizinhos e muito menos atrativa economicamente para seduzir os novos Estados, o projeto de integração foi minado, mas não de todo modo excluído, e sua influência é grande e permanente sobre os países da CEI. Energia, o motor do Estado Russo A dinâmica de infraestrutura e fornecimento energético regional é muito importante para entender a atuação russa. Ao comparar com os dados do orçamento federal russo em 2012, por exemplo, 50% da arrecadação russa é derivada da venda de combustíveis - a qual correspondeu a 70% de toda pauta de exportação. Se considerarmos que a exportação para a Europa corresponde a cerca de 70% do total exportado, verificamos uma dependência altíssima deste país em relação a venda destas commodities para a Europa, e mais ainda em relação ao transporte dos combustíveis para o destino final passando por solo ucraniano. Afinal, a Ucrânia se localiza geograficamente entre esses grandes países consumidores de energia, localizados na Europa (e pertencentes à UE), e a Rússia (atualmente um dos maiores produtores e exportadores de gás natural e petróleo do mundo). Assim, o país é rota de passagem de diversos gasodutos e oleodutos (que são provenientes principalmente da Rússia) que levam combustíveis para a Europa, e também para a própria Ucrânia.

Cáucaso A região do Cáucaso é de grande importância para a Rússia pois esta considera tal região como sendo vital para seu projeto de inserção internacional. Os países da região fizeram parte da ex União Soviética e são a muito tempo palco da aspiração Russa de influenciar o Oriente Médio e chegar ao Mediterrâneo. A região é também um importante entreposto econômico e logístico no meio de 2 mares (Negro e Cáspio), e o controle da região é essencial para a garantia da presença da marinha russa nesses mares. A região também é responsável por abrigar canais de gás e petróleo que ligam a Rússia à Turquia (e a Europa através da Turquia) e Oriente Médio. As aspirações Turcas e a crescente tentativa de expansão da OTAN para a região causam enormes desconfortos internacionais. A Guerra de Nagorno-Karabakh (1988) e a Guerra da Geórgia (2008) são exemplos de uma tentativa de mudança de influências na região que foram contidas pelo Estado russo. Atualmente a crise da Geórgia ainda se estende, uma vez que essa tenta ingressar na UE e OTAN. UCRÂNIA O fim da Guerra Fria não levou a uma retração do poderio dos Estados Unidos, mas sim a uma nova projeção de poder norte-americano. A estratégia norte-americana era de assegurar o status de permanente superpotência unilateral e hegemônica e atribuir à OTAN o monopólio da violência internacional, e isso só seria possível com a integração das ex-repúblicas soviéticas ao sistema americano (BANDEIRA, 2014). Essa expansão se daria tanto econômica e politicamente, como militarmente. Com a expansão mostrada na figura, a Ucrânia situa-se atualmente entre a Rússia e os novos membros da OTAN (antiga área de influência da URSS), ganhando grande importância geoestratégica tanto para a Rússia, como para os Estados Unidos e Europa. O Ocidente, não só avançou além das fronteiras da Alemanha, como estabeleceu bases militares e programou a instalação de equipamentos e radares antimísseis pela Europa Leste. Sob a ótica da Rússia, a instalação desses dispositivos perto de suas fronteiras é uma grande ameaça, visto que os sistemas de defesa poderiam ser utilizados para neutralizar suas armas estratégicas e convencionais, e, ainda, serem adaptados para ações ofensivas. Mais recentemente, as intenções do governo ucraniano de entrar na OTAN e, mais importante, sediar sistemas de defesa antimísseis são vistas pela Rússia como altamente ameaçadoras, pois poderiam bloquear e ameaçar grande parte do território ocidental russo, incluindo Moscou, esgotando com a capacidade de dissuasão russa. A crise na Ucrânia, portanto, agrava a situação das relações da Rússia com a OTAN, levando a uma corrida armamentista entre os dois polos. Expansão da OTAN para a Europa Leste Similarmente, os EUA e a União Europeia (UE) buscam expandir sua influência econômica e institucional até a Ucrânia. A possível entrada da Ucrânia na UE é também um dos fatores da crise, pois afastariam ainda mais um Estado essencial para a sobrevivência econômica da Rússia. PODEMOS NOTAR, PORTANTO, QUE O OCIDENTE ESTÁ SE MOVENDO PARA AS FRONTEIRAS RUSSAS, AMEAÇANDO SEUS INTERESSES ESTRATÉGICOS: A UCRÂNIA SERVIU E SERVE AINDA COMO UM ESTADO-TAMPÃO DE ENORME IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA PARA A RÚSSIA. ESSA POLÍTICA DE CONTENÇÃO DA RÚSSIA, MESMO COM O FIM DA GUERRA FRIA, SEGUNDO MEARSHEIMER, FOI UM GRANDE ERRO DOS ESTADOS UNIDOS, E QUE ACABOU GERANDO A CRISE ATUAL. SEGUNDO O AUTOR AINDA, GRANDES POTÊNCIAS SÃO SEMPRE SENSÍVEIS A AMEAÇAS POTENCIAIS PERTO DE SEU TERRITÓRIO DE ORIGEM ; PORTANTO, O INGRESSO DA UCRÂNIA À OTAN REPRESENTARIA UMA AMEAÇA DIRETA À RÚSSIA. NESSE SENTIDO, DEVIDO AS INTENSAS RELAÇÕES HISTÓRICAS E CULTURAIS ENTRE RÚSSIA E UCRÂNIA, RELATADOS ANTERIORMENTE NESTE LIVRETO E, PRINCIPALMENTE, A RECUPERAÇÃO ECONÔMICA E A ESTABILIDADE POLÍTICA RUSSAS, DÃO A MOSCOU, NESTE MOMENTO, MAIS FORÇAS PARA BARRAR UMA POSSÍVEL INCORPORAÇÃO DA UCRÂNIA NA OTAN, CHEGANDO AOS ACONTECIMENTOS DA CRISE ATUAL.

Turquia A anexação da Crimeia pela Rússia alterou a balança de poder ao redor do Mar Negro, uma vez que Moscou reforçou sua capacidade naval na região. Dessa forma, a Turquia se viu mais uma vez ameaçada por forças russas perto de seu território. Existe um interesse russo muito forte ligado ao estreito de Bósforo e Dardanelos, saída do Mar Negro para o Mediterrâneo controlado pela Turquia. O estado turco sabe disso, e apesar de haver um canal de aproximação e apaziguamento entre os dois países em relação à economia e a energia, a OTAN tem na Turquia uma esperança que esta contenha a Rússia como no passado os Otomanos faziam, visto que o país é membro da organização desde 1953. O Estado turco, então, realiza uma relação de barganha entre Rússia e EUA, tentando extrair o máximo de benefícios dessa relação. Já a Síria é uma região importante para a Rússia, pois abriga o único porto naval aliado fora de suas fronteiras e que se encontra em uma região extremamente estratégica para a Rússia, e o governo da família Assad se mostra como um longo aliado do Estado russo. Entretanto, a Turquia, que vê a Síria como concorrente ao seu projeto de potência no Oriente Médio, não só deseja que o presidente eleito Bashar al-assad seja deposto do cargo como também apoia grupos rebeldes sunitas no território sírio, considerados terroristas por Moscou. Em 2015 um avião militar russo foi derrubado na Turquia e as relações entre os dois países foram abaladas. O presidente russo descreveu o ocorrido como uma facada nas costas. A partir de então, houve um crescimento das tensões turco-russas. A situação mudou em 2016, com a tentativa de golpe de Estado na Turquia afetou a relação do país com o ocidente, acusado de apoiar as forças contrárias ao presidente turco. Desde então, percebe-se uma aproximação entre o Estado turco e a Rússia, cuja relação é marcada por significativas instabilidades. Além disso, o relativo abandono dos países ocidentais em relação à Turquia, contribuiu para o estreitamento das relações turco-russas e para o estabelecimento de medidas mais repressivas pelo governo de Erdogan.

DE MODO GERAL, AS RELAÇÕES ENTRE RÚSSIA E O OCIDENTE NO SÉCULO XXI CONTRARIAM A IDEIA DE UM SISTEMA INTERNACIONAL MENOS CONFLITUOSO ENTRE MOSCOU E WASHINGTON, COMO ESPERADO POR MUITOS ESTUDIOSOS APÓS A DISSOLUÇÃO DA UNIÃO SOVIÉTICA. PORÉM, NÃO SE DEVE EXAGERAR A CAPACIDADE DE MOSCOU DE SUBVERTER TODA A ORDEM VIGENTE. SE A RÚSSIA IRÁ CONSEGUIR OU NÃO O RECONHECI- MENTO DE SUA ÁREA DE INFLUÊN- CIA OU SE IRÁ CONSEGUIR PRO- JETAR-SE PARA OUTRAS ÁREAS DO GLOBO PARECE DEPENDER MUITO DO NOVO GOVERNO DE DONALD TRUMP NOS ESTADOS UNIDOS, QUE MOSTRA-SE MUITO MAIS PRÓXIMO DE PUTIN DO QUE OS GOVERNOS AMERICANOS ANTERIORES. O QUE É UMA VERDADE INCONTESTÁVEL É QUE A RÚSSIA NO SÉCULO XXI RECONQUISTOU UMA CONFIANÇA QUE HAVIA PERDIDO NA DÉCADA DE 90, E ESTÁ CONSEGUINDO SE PRO- JETAR E DEFENDER, MESMO QUE DE FORMA MÍNIMA, ÁREAS DE SEU INTERESSE. TAMBÉM FICA BASTAN- TE CLARO QUE, PARA QUE SE POSSA ENTENDER OS CONFLITOS CONTEM- PORÂNEOS, É NECESSÁRIO PRIMEIRO QUE SE ENTENDA A HISTÓRIA. A política externa de Putin: uma nova Rússia? Já no final do século XX e especialmente na primeira década do século XXI sob a presidência de Vladimir Putin, a Rússia começou a reformular sua política externa. Muito ainda se discute sobre a nova política externa do país, sendo que alguns autores se arriscam a dizer que Moscou já se vê forte o suficiente para se projetar mais uma vez sobre as antigas repúblicas soviéticas. O que parece certo, porém, é a posição de Putin no que diz respeito à não necessidade de cooperação com os EUA para atingir seus objetivos. Essa conduta fica clara com a escalada das tensões na Ucrânia e o aumento das tropas russas perto da fronteira com os países do Báltico. Por outro lado, é evidente também que a expansão da OTAN ameaça e preocupa Putin. Nesse novo contexto, alguns interesses da Rússia Imperial e Soviética ressurgirão consolidados na política de Putin, demonstrando uma continuidade das estratégias geopolíticas mundiais independentemente do contexto social pelo qual ela passa, sendo somente moderadas pela força política do Estado e de seus governantes.

PARA SABER MAIS DICAS DE FILMES O Senhor das Armas - Mostra o contrabando de armamentos da ex-união Soviética (principalmente Ucrânia) para conflitos no terceiro mundo. O Encouraçado Potemkin (Bronenosets Potyomkin) de 1925 - Mostra o ocorrido durante o levante que antecedeu a Revolução Russa de 1917 ocorrido no navio de guerra Potemkin. Ukraine on Fire (Oliver Stone) - Acusa os EUA de serem os causadores da crise na Ucrânia. Winter on Fire (Netflix) - Acusa a Rússia de ser a responsável pela crise. O círculo do poder - Fala sobre o governo da época de Stalin (URSS) Doutor Jivago - um clássico, se passa na transição do governo czarista para o regime socialista. REDAÇÃO: ÁLISSON RODRIGUES E SOFIA PERUSSO DIAGRAMAÇÃO: VITÓRIA KRAMER