Determinação do limiar anaeróbio em jogadores de futebol com paralisia cerebral e nadadores participantes da Paraolimpíada de Sidney 2000

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ARTIGO ORIGINAL Determinação do limiar anaeróbio em jogadores de futebol com paralisia cerebral e nadadores participantes da Paraolimpíada de Sidney 2000 Benedito Sérgio Denadai 1 RESUMO Os objetivos desse estudo foram: a) determinar o limiar anaeróbio (LAn) em jogadores de futebol com paralisia cerebral e nadadores participantes da Paraolimpíada de Sidney 2000 e; b) analisar o comportamento do LAn em função das classes dos paratletas. Participaram do estudo, 28 atletas portadores de deficiência, sendo 11 jogadores de futebol com paralisia cerebral (classes: F36, F37 e F38) e 17 nadadores (14 homens e três mulheres) (classes: S1 a S10 e B1). Nos jogadores de futebol, o LAn foi determinado em um protocolo progressivo e intermitente na esteira rolante. O LAn foi identificado como sendo a velocidade correspondente a 3,5mM de lactato sanguíneo. Na natação o LAn foi determinado por um protocolo incremental e intermitente de 3 x 200m. Após cada tiro houve coleta de sangue e por interpolação linear, foi calculada a velocidade correspondente a 4mM (LAn). A velocidade aeróbia máxima (Vamax) e a correspondente ao LAn apresentaram uma tendência de melhora com o aumento da classe do jogador de futebol com paralisia cerebral. Entretanto, a proporção entre a velocidade do LAn e a Vamax (aproximadamente 80%) foi bastante semelhante entre as classes. Na natação, a velocidade correspondente a 4mM aumentou em função do aumento das classes, indicando a limitação da capacidade funcional das classes mais baixas. Por outro lado, as concentrações de lactato em cada percentual da velocidade máxima de 200m foram muito semelhantes entre as classes, e também às obtidas em nadadores não portadores de 1. Doutor em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo-Unifesp. Submetido em: 4/4/02 Versão revisada recebida em: 1/5/02 Aceito em: 19/5/02 Endereço para correspondência: Benedito Sérgio Denadai Laboratório de Avaliação da Performance Humana Instituto de Biociências Av. 24 A, 1.515 13506-900 Rio Claro, SP Brasil E-mail: bdenadai@rc.unesp.br deficiência. Com base nos resultados obtidos, podemos concluir que a classe (e portanto o nível de deficiência) interfere na capacidade funcional aeróbia dos paratletas. Entretanto, a resposta de lactato ao exercício submáximo é semelhante entre as classes e também aos atletas não portadores de deficiência, sugerindo a validade do LAn para a avaliação aeróbia dos nadadores e dos jogadores de futebol com paralisia cerebral. Palavras-chave: Limiar anaeróbio. Natação. Futebol. Paratleta. ABSTRACT Determination of the anaerobic threshold in soccer players with cerebral palsy and swimmers participant in the Sidney 2000 Paralympic Games The objectives of this study were: a) to determine the anaerobic threshold (AnT) in soccer players with cerebral palsy and swimmers participant in the Sidney 2000 Paralympic Games and; b) to analyze the behavior of the AnT according to the class of the disabled athletes. 28 disabled athletes participated in the study: 11 soccer players with cerebral palsy (class: F36, F37 and F38) and 17 swimmers (14 men and three women) (class: S1 to S10 and B1). In soccer players, the AnT was determined by an incremental and intermittent protocol in a treadmill. The AnT was identified as the speed corresponding to 3.5 mm of blood lactate. In swimming, the AnT was determined by an incremental and intermittent protocol of 3 x 200 m. After each bout, there was blood collection, and by linear interpolation, the speed corresponding to 4 mm (AnT) was calculated. The maximal aerobic speed (Vamax) and the speed corresponding to the AnT presented a trend of improvement as of the class of the soccer player with cerebral palsy increased. However, the ratio between the speed of AnT/Vamax (approximately 80%) was similar between the classes. In swimming, the speed corresponding to 4 mm increased along with the class, indicating the limitation of functional capacity of the lowest class. However, the lactate concentrations in each percentage of maximal speed of 200 m was Rev Bras Med Esporte _ Vol. 8, Nº 3 Mai/Jun, 2002 117

very similar between classes, and also that observed in able-bodied swimmers. It can be concluded that the class (and therefore the disability level) interferes in the aerobic functional capacity of disabled athletes. However, the blood lactate response to the submaximal exercise is similar between classes and also to the able-bodied athletes, suggesting the validity of the AnT for aerobic evaluation of swimmers and soccer players with cerebral palsy. Key words: Anaerobic threshold. Swimming. Soccer. Disabled athletes. INTRODUÇÃO A resposta do lactato sanguíneo durante o exercício incremental, tem mostrado maior validade, inclusive em relação ao consumo máximo de oxigênio (VO 2 max) para a avaliação da capacidade aeróbia. Estudos têm apontado que a prescrição da intensidade relativa de esforço 1, o acompanhamento longitudinal dos efeitos do treinamento de caráter submáximo 2 e a explicação da variação da performance aeróbia 4, são realizados de modo mais preciso e individualizado, quando se utiliza a resposta do lactato ao exercício. Em nosso laboratório 4,5, assim como outros 6,7, temos procurado determinar a máxima fase estável de lactato (MLACSS), que pode ser definida como a máxima intensidade de exercício de carga constante, onde ainda se observa equilíbrio entre a taxa de liberação e remoção do lactato sanguíneo. Esta intensidade parece ser o limite superior onde ainda se observa estabilidade nas respostas metabólicas e nas trocas gasosas pulmonares 8, sendo freqüentemente indicada para a prescrição do treinamento aeróbio, particularmente em atletas 9. A identificação da MLACSS apresenta em princípio uma desvantagem, pois exige a realização de 4-6 séries de exercícios de carga constante, com aproximadamente 30min de duração, obrigando a vinda do indivíduo ao laboratório, por vários dias. Para tentar eliminar esta desvantagem, Heck et al. 6 propuseram a identificação da MLACSS com base em um único protocolo de carga progressiva, empregando uma concentração fixa de 4mM. Diversos estudos têm confirmado que a MLACSS corresponde em média a 4mM 7,10, embora outros tenham verificado uma variabilidade individual relativamente grande nestas concentrações (3-6mM) 11. A quase totalidade dos estudos que têm determinado a resposta de lactato durante o exercício, tem empregado atletas de diferentes esportes 12, indivíduos aparentemente saudáveis 13 ou com doenças cardiovasculares e/ou respiratórias 14. Em relação aos atletas portadores de deficiência, poucos ainda são os estudos que procuraram investigar a resposta do lactato neste grupo de indivíduos 15. Isto se deve em parte à falta de incentivo e de uma estrutura adequada para se trabalhar com este grupo especial. Deve-se considerar também, as dificuldades de se estabelecer protocolos de avaliação, e principalmente ao grande número de deficiências, o que impede quase sempre que se obtenha um número suficiente de atletas para um resultado mais representativo. É importante destacar, que o número de indivíduos portadores de deficiência que participam de competições regionais, nacionais e internacionais, tem crescido ano a ano. Com isso, tem-se notado um aumento do nível de competitividade, obrigando que os métodos de avaliação e prescrição do treinamento para esta população, sejam cada vez mais estudados e aprimorados. Com isso, os objetivos desse estudo foram: a) determinar o LAn em jogadores de futebol com paralisia cerebral e nadadores participantes da Paraolimpíada de Sidney 2000 e; b) analisar o comportamento do LAn em função das classes dos paratletas. MATERIAL E MÉTODOS Sujeitos Participaram desse estudo, 28 atletas portadores de deficiência, que participaram das Paraolimpíadas de Sidney em 2000. Deste total, 11 eram jogadores de futebol com paralisia cerebral (24,5 ± 5,7 anos; 66,9 ± 5,4kg e; 177,7 ± 3,7cm), pertencentes às classes F36, F37 e F38. Participaram também 17 nadadores, sendo 14 homens (27,2 ± 6,0 anos; 59,6 ± 11,0kg e; 164,7 ± 13,1cm) e 3 mulheres (26,5 ± 7,5 anos; 46,6 ± 4,0kg e; 152,1 ± 4,0cm), pertencentes às classes de S1 a S10 e B1. Antes de iniciarem a participação nos testes, os paratletas foram submetidos a exames clínicos em repouso e esforço. Determinação do limiar anaeróbio Natação Os paratletas nadaram 3 x 200m, respectivamente a 85, 90 e 95% da velocidade média obtida em um teste máximo de 200m, com pelo menos 20min. de pausa entre cada tiro. Após 1, 3 e 5min. do final de cada tiro foram coletados do lóbulo da orelha, sem hiperemia, 25µl de sangue para a determinação do lactato sanguíneo (YSI 1500). Para a determinação do LAn, foi considerado apenas a mais alta concentração de lactato entre a três amostras de cada tiro. Deste modo, para cada tiro foi determinada a velocidade média e sua respectiva concentração de lactato e por interpolação linear, foi calculada a velocidade correspondente a 4mM (LAn). Futebol de paralisados cerebral O LAn foi determinado em um teste laboratorial em esteira rolante (Inbramed Super ATL) utilizando-se para isto, 118 Rev Bras Med Esporte _ Vol. 8, Nº 3 Mai/Jun, 2002

um protocolo progressivo e intermitente. A velocidade inicial foi de 8km/h, mantendo-se durante todo o teste 1% de inclinação na esteira rolante. A cada três minutos a velocidade aumentou em 1km/h, até a exaustão voluntária. Entre cada estágio houve uma pausa de 30 segundos para a coleta de 25ml de sangue do lóbulo da orelha, para a determinação do lactato sanguíneo (YSI 1500). O LAn foi identificado como sendo a velocidade correspondente a 3,5mM de lactato sanguíneo 6. Foi utilizada esta concentração, e não 4mM, em função da duração do estágio (3min). A maior velocidade atingida durante o teste e mantida por pelo menos 1 minuto foi considerada como a velocidade aeróbia máxima (Vamax) 16. RESULTADOS Na tabela 1 encontram-se os valores médios da Vamax, da velocidade correspondente ao LAn e do lactato pico após o teste incremental, dos jogadores de futebol com paralisia cerebral divididos por classes. A Vamax e a correspondente ao LAn, apresentaram nitidamente uma tendência de melhora com o aumento da classe do jogador. Entretanto, a proporção entre a velocidade do LAn e a Vamax (aproximadamente 80%), foi bastante semelhante entre as classes e também à encontrada em jogadores de esportes coletivos não portadores de deficiência. Na tabela 2 encontram-se os valores médios para a velocidade de nado crawl correspondente ao LAn. Pode-se verificar o aumento da velocidade correspondente a 4mM em função do aumento das classes, indicando a limitação da capacidade funcional das classes mais baixas. Por outro lado, as concentrações de lactato em cada percentual da velocidade máxima de 200m foram muito semelhantes entre as classes, e também às obtidas em nadadores não portadores de deficiência (tabela 3). TABELA 1 Valores médios (mínimo e máximo) das velocidades aeróbia máxima (Vamax) e equivalente a 4mM (LAn) e do pico de lactato (Lacpico) obtidos durante um teste incremental, em jogadores de futebol com paralisia cerebral divididos por classes Classes F-36 (N = 2) F-37 (N = 6) F-38 (N = 3) Vamax (km/h) 13,5 (13-14) 13,5 (12-16) 16,0 (16) LAn (km/h) 11,0 (10-12) 11,0 (9-14) 12,5 (11,5-14) LAn/Vamax (%) 81 (77-85) 78 (62-92) 78 (72-88) Lacpico (mm) 7,8 (6,4-9,1) 9,0 (5,7-12,1) 9,6 (6,4-13,0) TABELA 2 Valores de velocidade (m/s) de nado crawl correspondentes a 4mM (LAn) dos nadadores divididos por classes Classes S1-S2 S3-S4 S5-S6 S7-S8 S9-S10 B1 Média 0,51 0,72 0,85 1,15 1,14 1,01 Variação 0,62-0,86 0,65-0,98 1,15 1,06-1,29 N 1 4 5 2 4 1 TABELA 3 Valores médios das concentrações de lactato (mm) obtidas após os tiros de 200m realizados a 85, 90 e 95% da melhor velocidade para a distância, dos nadadores divididos por classes Classes S1-S2 S3-S4 S5-S6 S7-S8 S9-S10 B1 (N = 1) (N = 4) (N = 5) (N = 2) (N = 4) (N = 1) 85% 4,5 3,5 3,4 3,3 3,1 2,7 90% 6,3 5,1 6,7 7,3 5,4 4,6 95% 9,2 7,7 8,6 9,5 8,2 6,4 Rev Bras Med Esporte _ Vol. 8, Nº 3 Mai/Jun, 2002 119

DISCUSSÃO Futebol de paralisados cerebrais O futebol pode ser caracterizado como um exercício intermitente, onde se alternam períodos de esforço de alta intensidade (sprints deslocamento médio = 15m) com períodos de esforço com intensidades de baixa a moderada (trotando ou correndo) ou mesmo de recuperação quase total (parado ou caminhando). Na maioria das vezes, esta proporção é de 1:2, ou seja, para cada um período de alta intensidade, existem 2 de intensidade baixa/moderada ou de recuperação total. Em função disso, os sistemas energéticos que predominam são o ATP-CP (durante os sprints) e o sistema aeróbio nos demais momentos. Nestas condições os atletas percorrem cerca de 10.000m durante uma partida, com a seguinte distribuição percentual em relação às intensidades: 35% parado ou caminhando; 54% trotando ou correndo em intensidade submáxima e; 11% de sprints. A concentração sanguínea de lactato varia entre 3 e 6mM, embora alguns estudos já tenham encontrado valores maiores (7 a 9mM) 17. Estas concentrações tendem a ser menores quanto maior for o LAn (capacidade aeróbia) do jogador, ou seja, menor poderá ser a fadiga desenvolvida pelo atleta em função do lactato. Se a este aspecto somarmos a distância percorrida e a intensidade destes deslocamentos durante as partidas, podemos verificar a importância que a capacidade aeróbia pode apresentar para o jogador de futebol e conseqüentemente a avaliação e o treinamento do LAn. Dados recentes de Helgerud et al. 18 confirmam esta importância da aptidão aeróbia sobre a performance (distância percorrida, número de sprints e o número de ações com a bola) durante a partida de jogadores de futebol. Pode-se notar na tabela 1, que as velocidades de corrida máxima e correspondente a 4mM (LAn), apresentaram nitidamente uma tendência de melhora com o aumento da classe do jogador. Entretanto, a proporção entre a velocidade do LAn e a velocidade máxima durante o teste incremental (aproximadamente 80%), foi bastante semelhante entre as classes e também à encontrada em jogadores profissionais de futebol 18. Este comportamento sugere que a paralisia cerebral compromete mais a velocidade máxima, e portanto o VO 2 max, do que a capacidade de utilizar frações deste índice, ou seja, o LAn expresso em relação ao VO 2 max. Note-se que os valores de lactato ao final do teste incremental, são semelhantes entre as classes e aos valores encontrados após este tipo de protocolo em indivíduos não portadores de deficiência. Além disso, sugerem que realmente os jogadores de futebol atingiram o esforço máximo 19, indicando mais uma vez que o nível de deficiência destes jogadores não interfere nas respostas de lactato durante os exercícios submáximo e máximo. Os jogadores de futebol PC, quando comparados a jogadores de futebol profissional, apresentam uma velocidade de LAn que é em média 20% menor. Estas diferenças podem ser atribuídas não só ao comprometimento neuromuscular dos membros inferiores, mas também dos membros superiores, pois estes interferem na coordenação e equilíbrio durante a corrida, podendo interferir na economia de movimento do paralisado cerebral. Não se pode excluir também, a necessidade e possibilidade de um maior direcionamento para o treinamento da capacidade aeróbia dos jogadores PC, sem esperar que eles possam atingir os mesmos valores dos jogadores profissionais, mas que desenvolvam a capacidade aeróbia e possam apresentar um melhor desempenho físico durante as partidas. Natação O gasto energético obtido durante uma determinada intensidade de esforço, pode variar bastante entre os indivíduos, sendo esta variação dependente do tipo de exercício realizado. Para a corrida e o ciclismo, é comum encontrarse em indivíduos altamente treinados uma variação de até 15% 19. Para a natação, entretanto, a variação pode ser muito maior, podendo chegar até a 50% 19. Isso faz com que a intensidade correspondente ao VO 2 max (IVO 2 max) possa ser bem diferente entre indivíduos com níveis similares de VO 2 max durante a natação. Como a resposta do lactato sanguíneo sofre influência da taxa de produção de lactato e, portanto, do gasto total de energia (anaeróbia + aeróbia), indivíduos mais econômicos (menor gasto energético), terão menor produção de lactato, menor concentração de lactato para uma dada velocidade e conseqüentemente maior intensidade correspondente a um determinado critério para determinar a resposta do lactato sanguíneo. Em função disto, é comum encontrar-se maiores níveis de correlação entre os índices associados à resposta do lactato (LAn) com a performance nas distâncias de 200 a 1.500m, do que com o VO 2 max 20. Pode-se verificar na tabela 2 o aumento da velocidade de nado crawl correspondente a 4mM em função do aumento das classes, indicando a limitação da capacidade funcional aeróbia das classes mais baixas. Estas diferenças ficam ainda mais nítidas, quando comparamos os nadadores portadores de deficiência com um nadador nacional de elite, que atinge valores entre 1,40 a 1,50m/s na velocidade de nado crawl correspondente a 4mM (LAn) 21. O protocolo utilizado para a determinação do LAn durante a natação, empregou três tiros de 200m, respectivamente a 85, 90 e 95% do melhor tempo para esta distância. Após os tiros foram coletadas amostras de sangue para a dosagem do lactato sanguíneo. As concentrações em cada percentual da velocidade máxima de 200m foram muito 120 Rev Bras Med Esporte _ Vol. 8, Nº 3 Mai/Jun, 2002

semelhantes entre as classes e às obtidas em nadadores não portadores de deficiência 21, mostrando pelo menos neste aspecto, a validade da resposta de lactato para avaliar os nadadores portadores de deficiência. CONCLUSÃO Com base nos resultados obtidos, podemos concluir que a classe (e portanto o nível de deficiência) interfere na capacidade funcional aeróbia dos paratletas analisados neste estudo. Entretanto, a resposta de lactato ao exercício submáximo é semelhante entre as classes e também aos atletas não portadores de deficiência, sugerindo a validade do LAn para a avaliação aeróbia dos nadadores e dos jogadores de futebol com paralisia cerebral. AGRADECIMENTOS Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB) Secretaria Nacional de Esportes Rede Cenesp/Unifesp Associação Fundo de Incentivo à Psicofarmacologia (Afip) Unesp/Rio Claro REFERÊNCIAS 1. Denadai BS. Determinação da intensidade relativa de esforço: consumo máximo de oxigênio ou resposta do lactato sanguíneo. Rev Bras Ativ Fis Saúde 1999;4:77-81. 2. Weltman A, Seip RL, Snead D, Weltman JY, Haskvitz EM, Evans WS, Veldhuis JD, Rogol AD. Exercise training at and above the lactate threshold in previously untrained women. Int J Sports Med 1992;13:257-63. 3. Coyle EF. Integration of the physiological factors determining endurance performance ability. Exerc Sport Sci Rev 1995;23:25-63. 4. Denadai BS, Balikian Júnior P. Relação entre limiar anaeróbio e performance no short triathlon. Rev Paul Ed Física 1995;9:10-5. 5. Campbell CSG, Simões HG, Denadai BS. Influence of glucose and caffeine administration on identification of maximal lactate steady state. Med Sci Sports Exerc 1998;30:S327. 6. Heck H, Mader A, Hess G, Mucke S, Muller R, Hollmann W. Justification of the 4 mmol/l lactate threshold. Int J Sports Med 1985;6:117-30. 7. Jones AM, Doust JH. The validity of the lactate minimum test for determination of the maximal lactate steady state. Med Sci Sports Exerc 1998; 30:1304-13. 8. Gaesser GA, Poole DC. The slow component of oxygen uptake kinetics in human. Exerc Sport Sci Rev 1996;24:35-70. 9. Londeree BR. Effect of training on lactate/ventilatory thresholds: a metaanalysis. Med Sci Sports Exerc 1997;29:837-43. 10. Simões HG, Campbell CSG, Kokubun E, Denadai BS, Baldissera V. Blood glucose responses in humans mirror lactate responses for individual anaerobic threshold and for lactate minimum in track tests. Eur J Appl Physiol 1999;80:34-40. 11. Stegmann H, Kindermann W, Schnabel A. Lactate kinetics and individual anaerobic threshold. Int J Sports Med 1981;2:160-5. 12. De Lucas RD, Rocha R, Burini RC, Denadai BS. Comparação das intensidades correspondentes ao lactato mínimo, limiar de lactato e limiar anaeróbio durante o ciclismo em atletas de endurance. Rev Bras Med Esporte 2000;6:172-9. 13. Higino WP, Denadai BS. Efeitos da utilização de diferentes tipos de exercício para indução do acúmulo de lactato na determinação da intensidade de esforço correspondente ao lactato mínimo. Rev Bras Med Esporte 1998;4:143-6. 14. Tegtbur U, Machold H, Meyer H, Storp D, Busse MW. Determining the extent of intensive physical performance in patients with coronary heart disease. Z Kardiol 2001;9:637-45. 15. Chin T, Sawamura S, Fujita H, Nakajima S, Ojima I, Oyabu H, Nagakura Y, Otsuka H, Nakagawa A. Effect of endurance training program based on anaerobic threshold (AT) for lower limb amputees. J Rehabil Res Dev 2001;38:7-11. 16. Noakes TD, Myburgh KH, Schall R. Peak treadmill running velocity during the VO 2 max test predicts running performance. J Sports Sci 1990; 8:35-45. 17. Eklebom B. Applied physiology of soccer. Sports Med 1986;3:50-60. 18. Helgerud J, Engen LC, Wisloff U, Hoff J. Aerobic endurance training improves soccer performance. Med Sci Sports Exerc 2001;33:1925-31. 19. Denadai BS. Índices fisiológicos de avaliação aeróbia. Conceitos e aplicações. Ribeirão Preto: BSD, 1999. 20. Wakayoshi K, Yoshida T, Udo M, Kasai T, Moritani T, Mutoh Y, et al. A simple method for determining critical speed as swimming fatigue threshold in competitive swimming. Int J Sports Med 1992;13:367-71. 21. De Lucas RD, Balikian JrP, Neiva CM, Greco CC, Denadai BS. The effects of wet suit on physiological and biomechanical indices during swimming. J Sci Med Sport 2000;3:1-8. Rev Bras Med Esporte _ Vol. 8, Nº 3 Mai/Jun, 2002 121