DIMENSIONAMENTO SUSTENTÁVEL DA CAPTAÇÃO DE ÁGUA DE CHUVA Paulo Frasinete de Araújo Filho 1 Resumo - A escassez de água para o consumo humano é um drama social vivido pela população de regiões onde a disponibilidade hídrica não é suficiente. O semi-árido Nordestino apresenta elevadas evaporação provocando sérios problemas de armazenamento de água. A precipitação pluviométrica tem comportamento irregular e o total anual é inferior a 900 mm. A distribuição espacial da população é homogênea. Esta dispersão dos habitantes dificulta o atendimento de água para as necessidades mínimas da população. Tendo em vista o contexto da região, é preciso criar alternativas de melhoria das condições de vida dos cidadãos levando em consideração as suas peculiaridades. Uma forma de armazenamento que vem sendo utilizada há alguns séculos é a utilização de cisterna para armazenar a água da chuva. As cisternas representam a solução de melhor custo-benefício em relação a outras alternativas de combate à escassez de água na região. Nos anos de seca é uma alternativa eficaz, do ponto de vista da segurança hídrica. A cisterna propicia o acesso descentralizado à água para consumo humano e a convivência sustentável e solidária com o semi-árido. O volume da cisterna é função da precipitação pluviométrica, da área de captação e das perdas ocorridas no sistema de captação. As perdas podem ser reduzidas, mas não aumentar significativamente o volume. Já a área de captação é a variável mais significativa do sistema que poderá viabilizar a utilização da cisterna para todo o período de estiagem e que pode sofre alterações em suas dimensões. Como a demanda, a probabilidade da precipitação e as perdas são parâmetros, pode-se relaciona estes parâmetros com a área de captação para que se tenha um sistema sustentável. A metodologia foi aplicada a 18 postos do estado de Pernambuco onde mostra que mesmo com baixa precipitação a cisterna pode ser uma alternativa viável. Palavra chaves: Cisterna, desenvolvimento sustentável, precipitação. 1 Professor Adjunto do Núcleo de Tecnologia, Centro Acadêmico do Agreste, Universidade Federal de Pernambuco, Rodovia BR-104, Km 59, Sitio Juriti - Zona Rural, 55.002-970 Caruaru, PE. Fone: (81) 2126-7773. C-Elet.: pfaf@ufpe.br
INTRODUÇÃO A Região Nordeste ocupa 18,27 % do território brasileiro, com uma área de 1.561.178 km 2. O Semi-Árido ocupa 841.261 km 2 de área no Nordeste e 54.670 km 2 em Minas Gerais e caracteriza-se por apresentar reservas insuficientes de água em seus mananciais. Esta região é conhecida como o polígono da seca. O semi-árido apresenta forte insolação e elevadas taxas de evaporação. A precipitação pluviométrica tem comportamento irregular e o total anual é inferior a 900 mm. A irregularidade das chuvas pode chegar a condições extremas que configuram os anos de seca. O período chuvoso tem uma duração de poucos meses, em torno de 4 a 5 meses, e caracteriza-se por registrar mais de 60 % da precipitação pluviométrica anual. A precipitação pluviométrica é má distribuída espacialmente e temporalmente, mas sua média é suficiente para atender as necessidades da região. O problema grave da região é o armazenamento de água devido ao alto índice de evaporação. Um aspecto que difere a região semi-árida do Nordeste das outras zonas semi-áridas do mundo é o seu alto grau de povoamento (sendo considerada a região semi-árida mais povoada do mundo, aproximadamente 18 milhões de pessoas), e a distribuição espacial da população que se espalha por toda região de modo mais ou menos homogêneo, excetuando-se os grandes aglomerados urbanos. Esta dispersão dos habitantes dentro da região dificulta o atendimento de água para satisfazer as necessidades mínimas da população. A situação é mais crítica na zona rural e nos pequenos municípios, em que o abastecimento de água, nas épocas de estiagem mais severa, só é garantido através de carros-pipa. Tendo em vista o contexto da região, é preciso criar alternativas de melhoria das condições de vida dos cidadãos levando em consideração as suas peculiaridades, (ANA, 2004). A sustentabilidade de uma região, no que tange aos recursos hídricos, está diretamente associada à disponibilidade do recurso, em termos de quantidade e qualidade, e à capacidade de suporte permanente que pode oferecer às atividades humanas em geral. (ANA, 2004) Uma forma de armazenamento que vem sendo utilizada há alguns séculos e que vêem sendo objeto de ação do governo é a utilização de cisterna para armazenar a água da chuva. As cisternas representam a solução de melhor custo-benefício em relação a outras alternativas de combate à escassez de água na região (poços, micro-barragens, barragens subterrâneas). Do ponto de vista da segurança hídrica nos anos de seca, é uma alternativa eficaz.
A cisterna rural propicia o acesso descentralizado à água para consumo humano garantindo a quantidade de água mínima necessária à sobrevivência da população nos períodos de estiagem prolongada e a convivência sustentável e solidária com o ecossistema do semi-árido. A Cisterna Rural de Placas é conhecida como um tanque de alvenaria para armazenar a água de chuva que escoa dos telhados das casas e é canalizada através de calhas (Netto, 2005). O Governo Federal criou o programa de 1 milhão de cisternas (P1MC) para construir 1 milhão de cisternas na região semi-árida do nordeste brasileiro. Este programa realizou um estudo levando em consideração uma precipitação pluviométrica de 400 mm, uma área de telhado (captação) de 40 m 2 e que deveria atender a uma família de 5 pessoas, 9 l/pessoa. O P1MC determinou que a cisterna a ser construída deveria ter capacidade para armazenar 16 m 3 (ANA, 2007). Para que a cisterna atenda as expectativas é necessário que o volume que chegue a mesma seja suficiente para encher o volume máximo armazenado pela cisterna, ou seja, o volume que a população irá consumir durante a estiagem. A capacidade da cisterna, volume máximo armazenado, é função da população a ser atendida. O volume que chega a cisterna é função da precipitação pluviométrica, da área de captação e das perdas ocorridas no sistema de captação. As perdas podem ocorre por absorção da água pelas telhas, vazamentos no telhado ou sistema de calhas e desvio das primeiras águas. Como a precipitação pluviométrica é função da localidade onde fica a área de captação e as perdas como variáveis que irão influenciar o volume de água que chega a cisterna. MATERIAL E MÉTODOS Para o cálculo do volume que chega a cisterna deve-se considerar a chuva que cai sobre uma área de captação e as perdas no sistema de captação. Para cada localidade existe uma distribuição de probabilidade para precipitação pluviométrica. A distribuição probabilística utilizada foi a distribuição Normal (Naghettini, 2007 e Benjamin & Cornell, 1970). A série utilizada no estudo probabilístico foi a do total pluviométrico ocorrido em 12 meses, para isto foram somadas as precipitações diárias a partir do mês anterior ao início do período chuvoso. Este procedimento deve-se ao fato que a cisterna acumula água no período chuvoso e tem que armazenar água suficiente para até o próximo período chuvoso. Devido a irregularidade do início do período chuvoso optou-se por iniciar os 12 meses de acumulação no mês anterior ao início do mesmo. Como o volume que chega a cisterna é menor que o volume precipitado na área de captação, foi feito uma correlação entre a série precipitada na área de captação e a que chega a cisterna. A série
que chega a cisterna foi criada a partir da série precipitada na área de captação menos as perdas. Para isto foram somados os volumes diários onde a diferença entre a precipitação e as perdas fossem positiva. Com isto pode-se estimar para uma determinada probabilidade de precipitação o volume que chega a cisterna para cada valor de perdas do sistema de captação. O volume máximo de armazenamento da cisterna é função da demanda, tornando-se invariável para uma determinada população. A precipitação é função da localidade, portanto não muda para a localidade. Portanto o volume máximo de armazenamento da cisterna e a precipitação são considerados com parâmetro. Restando somente as perdas e a área de captação para serem consideradas como variáveis para que o volume que chegue a cisterna alcance o volume máximo de armazenamento da mesma. As perdas podem ser reduzidas, mas mesmo assim podem não aumentar significativamente o volume de água que chega a cisterna. Já a área de captação é a variável mais significativa do sistema que poderá viabilizar a utilização da cisterna para todo o período de estiagem. Com a determinação do volume que chega a cisterna em função da precipitação na área de captação (probabilidade) e do valor das perdas pode-se determinar a área mínima de captação para que o volume que chegue a cisterna seja igual ao armazenamento máximo da mesma. Este valor é obtido dividindo o volume máximo de armazenamento da cisterna pela precipitação pluviométrica associada a uma determinada probabilidade. Portanto para uma determinada probabilidade de precipitação em uma localidade e conhecendo as perdas no sistema de captação pode-se determinar a área mínima para que a cisterna consiga armazenar água suficiente para 12 meses. RESULTADOS A metodologia de determinação da área mínima de captação foi testada em localidades do estado de Pernambuco onde existem dados de precipitação pluviométrica com mais de 50 anos consecutivos segundo o critério de início dos 12 meses, figura 1 e tabela 1, totalizando 18 postos.
Figura 1 - Localização dos postos pluviométricos com mais de 50 anos. Tabela 1 - Postos pluviométricos com mais de 50 anos. Posto Anos São José Egito 84 Timbaúba 82 Salgueiro 78 Serra Talhada 76 Tacaratu 76 São Jose Belmonte 74 Ouricuri 72 Petrolina 72 Afogados da Ingazeira 71 Águas Belas 70 Surubim 69 Parnamirim 68 Vitória de Santo Antão 68 Sertânia 66 Brejo da Madre de Deus 64 São Caetano 55 Santa Cruz da Venerada 54
Flores 52 Foi realizado o ajuste da série de precipitação pluviométrica através da distribuição Normal para os 18 postos. Nas figuras de 2 a 4 é mostrada o ajuste da distribuição Normal para os postos de Petrolina, Afogados da Ingazeira e Vitória de Santo Antão, respectivamente. Figura 2 - Distribuição de probabilidade em Petrolina. Figura 3 - Distribuição de probabilidade em Afogados da Ingazeira.
Figura 4 - Distribuição de probabilidade em Vitória de Santo Antão. Após ajustar a distribuição para os 18 postos estudados obteve a curva de probabilidade para cada posto, figura 5. Segundo o ajuste, a probabilidade de precipitar mais que 200 mm é de 85,5 % em Petrolina, 93 % em Afogados da Ingazeira e 98,5 % em Vitória de Santo Antão, conforme figura 5. Já a probabilidade de precipitar mais que 300 mm é de 76 % em Petrolina, 87 % em Afogados da Ingazeira e 97,5 % em Vitória de Santo Antão. A correlação entre a precipitação na área de captação e o volume que chega na cisterna descontando as perdas no sistema de captação foi ajustado para os 18 postos com perdas de 1,0 mm e 2,0 mm, figura 6 e 7.
Figura 5 - Distribuição de probabilidade para todos os 18 postos. Figura - Correlação entre a precipitação pluviométrica e o volume que chega na cisterna em Petrolina.
Admitindo a capacidade máxima da cisterna em 16 m 3, conforme o programa P1MC, pode-se montar uma relação entre a probabilidade da precipitação pluviométrica e a área mínima de captação, conforme figura 8 e 9, para cada valor de perdas no sistema de captação. Por exemplo, para encher uma cisterna de 16 m 3 em uma localidade com uma probabilidade de 85 % da precipitação pluviométrica precisasse de uma área de captação de 71 m 2 em Petrolina, 53 m 2 em Afogados da Ingazeira e 30 m 2 em Vitória de Santo Antão, com perdas no sistema de captação de 1,0 mm, conforme figura 10. Já para perdas no sistema de captação de 2,0 mm, tem-se uma área de captação de 78 m 2 em Petrolina, 57 m 2 em Afogados da Ingazeira e 35 m 2 em Vitória de Santo Antão. Figura - Correlação entre a precipitação pluviométrica e o volume que chega na cisterna em Afogados da Ingazeira.
Figura 8 - Relação entre a probabilidade de precipitação e a área mínima de captação para 1,0 mm de perdas no sistema de captação. Figura 9 - Relação entre a probabilidade de precipitação e a área mínima de captação para 2,0 mm de perdas no sistema de captação.
Figura 10 - Relação entre a probabilidade e a área mínima de captação. CONCLUSÃO Como em muitos casos não existe outra fonte de água no período seco, é essencial que a cisterna consiga armazenar água suficiente para que a população consiga ter segurança alimentar até que o próximo período chuvoso chegue. Fica constatado que para uma determinada localidade a única variável significativa que vai proporcionar um aumento do volume armazenado na cisterna é a área de captação. Esta metodologia vai auxiliar na viabilidade sustentável da cisterna proporcionando confiança a população neste tipo de sistema simples de armazenamento de água potável. A cisterna é entendida como uma necessidade básica e que antecede a qualquer outra iniciativa de desenvolvimento sustentável. AGRADECIMENTOS Ao CT-Hidro e a FINEP pelo apoio financeiro ao projeto Melhoramentos Tecnológicos e Educação Ambiental para a Sustentabilidade dos Projetos de Armazenamento de Água de Chuva em Cisternas do Nordeste Semi-Árido. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANA. (2004) Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. ANA. www.ana.gov.br, consultado em 10 de junho de 2007. BENJAMIN, J. R. & CORNELL, C. A. (1970) Probability, Statistics, and Decision for Civil Engineers. 673 p. NAGHETTINI, M. & PINTO, É. J. A. (2007) Hidrologia estatística. CPRM Belo Horizonte, 552 p. NETTO, OSCAR M. C. (2005) Água: Um Problema de Segurança Alimentar. VIII Congresso Brasileiro de Higienistas de Alimentos. Armação de Búzios, RJ.