Revisitando o acento do Português Arcaico a partir de uma abordagem otimalista: o padrão dos verbos

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Transcrição:

Revisitando o acento do Português Arcaico a partir de uma abordagem otimalista: o padrão dos verbos Gladis Massini-Cagliari Departamento de Lingüística, Faculdade de Ciências e Letras - UNESP Rod. Araraquara-Jaú km 1, 14800-901 Araraquara SP gladis@fclar.unesp.br Abstract. Optimalistic analysis of Medieval Portuguese verbs stress pattern. The corpus is composed of religious and secular cantigas. Keywords. stress; Optimality Theory; Medieval Portuguese; Galician- Portuguese medieval cantigas; Alfonso X s Cantigas de Santa Maria. Resumo. Análise otimalista do acento dos verbos em Português Arcaico a partir de um corpus de cantigas profanas e religiosas. Palavras-chave. acento; Teoria da Otimalidade; Português Arcaico; cantigas medievais galego-portuguesas; Cantigas de Santa Maria. 0. Introdução O objetivo desta comunicação é discutir um dos aspectos da prosódia do Português Arcaico (de agora em diante, PA), período trovadoresco: o acento dos verbos. O corpus da pesquisa se compõe de cantigas provenientes da produção lírica medieval profana e religiosa redigida em galego-português. São consideradas na análise as 503 cantigas de amigo do Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa, as 310 cantigas de amor do Cancioneiro da Ajuda e as 420 Cantigas de Santa Maria, de Afonso X. A virtude e o diferencial desta pesquisa residem, justamente, neste recorte da produção lírica disponível em português medieval: é a primeira vez que um estudo do acento da língua leva em consideração a vertente religiosa da produção dos trovadores, além da lírica profana. Assim, é também a primeira vez que a lírica medieval em galego-português produzida para além de Portugal e Galiza (no caso, em Castela, como língua de cultura) é levada em consideração. Devido à maior riqueza lexical encontrada nas cantigas medievais religiosas (em comparação com as cantigas palacianas de amor e de amigo), padrões excepcionais de acentuação (proparoxítonas e oxítonas terminadas em sílaba leve) puderam ser mais freqüentemente mapeados o que constitui um fator facilitador da análise. 1. O padrão acentual dos nomes e demais itens lexicais não-verbais Em trabalhos anteriores (Massini-Cagliari, 1995, 1999), foi possível mostrar que, em posição de foco rítmico (isto é, em posição de rima, no corpus em questão), o PA considera apenas dois padrões: versos graves (terminados em paroxítonas) e versos agudos (terminados em oxítonas). Com base na possibilidade de alternância desses dois padrões em uma mesma cantiga, chegou-se à conclusão de que apenas um ritmo de base trocaica seria capaz de dar sustentação lingüística a versos dessa natureza. Mostrou-se Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 1248-1253, 2005. [ 1248 / 1253 ]

também que a grande maioria das palavras do PA possuem, de fato, terminação grave (paroxítona) o que reforça a consideração de um ritmo trocaico. Além disso, a grande maioria das palavras do PA recebe o acento na segunda mora, do início para o final da palavra, o que gera dois padrões básicos de acentuação: paroxítonas terminadas em sílaba leve e oxítonas terminadas em sílaba pesada. Para dar conta de todos os padrões acentuais dos nomes e demais itens lexicais não-verbais presentes no PA, é possível propor uma hierarquia de restrições, em (1), que explica de forma bastante satisfatória as interações entre as pressões exercidas pelas tendências a um ritmo trocaico e à marcação da fronteira morfológica entre o radical e as desinências, ao mesmo tempo que evidencia o papel (menos importante do que essas duas tendências, mas também relevante) da consideração do peso silábico, no processo de posicionamento da proeminência acentual, no nível da palavra. Não se trata, pois, de negar a importância do peso silábico na atribuição do acento do PA, mas de relativizar a sua relevância. (1) ALINHE(ac.,D, Rad.,D) >> TROQUEU >> ALL-FT-R >> BIN >> PARSE-σ >> WSP ALINHE (ac.,d, Rad.,D): alinhe o acento com a borda direita do radical. TROQUEU: os pés têm proeminência inicial PARSE-σ (segmente a sílaba): As sílabas são segmentadas em pés. WSP - WEIGHT-TO-STRESS PRINCIPLE: Sílabas pesadas são acentuadas BIN (binaridade do pé): Os pés são binários em algum nível de análise (µ, σ) ALLFT-RIGHT (todos os pés à direita) = Alinhe (Pé, direita, Palavra prosódica, direita): Todo pé permanece na borda direita da palavra prosódica. Pode-se perceber, com relação ao PA, que o alinhamento do acento com a última vogal do radical (radical derivacional, no caso de palavras não-primitivas) é uma tendência relevante. Tanto em amór, como em amíga, ou amígas, o acento se posiciona sobre a última vogal do radical, não recaindo sobre vogais portadoras de status gramatical, ou seja, desinências. É por este motivo que, em amigas, o acento não retrocede para a última sílaba, cujo núcleo contém a vogal que marca o gênero e que é travada pela consoante que carreia a marca de número, mas cai na última sílaba de soláz, uma vez que, nessa palavra, a consoante final não é desinência de número, integrando o radical. A partir da hierarquia em (1), ao mesmo tempo em que se preserva a intuição de que o acento do PA nunca pode ultrapassar a barreira de três moras, contadas do final para o início da palavra, releva-se o fato de que esta tendência é menos importante do que a marcação da última vogal do radical com uma proeminência. A existência de oxítonas terminadas em sílaba leve comprova, também, que a marcação de fronteira silábica é uma tendência ainda mais forte do que a binaridade dos pés, na construção do ritmo do PA. Ocorrências como amígo, amór, coytáda, salvadór, Portugál, coraçón, entre outras, mais do que comprovar a sensibilidade do PA à quantidade da última sílaba, na atribuição do acento, mostram que a binaridade é um fator importante na construção dos pés trocaicos, uma vez que se busca construir pés com dois elementos, no nível moraico: o PA forma pés bimoraicos, com duas sílabas leves ou com uma pesada. Entretanto, a comparação entre cóyta e coytáda mostra que a binaridade no nível moraico é menos importante do que o tipo do pé construído (trocaico, isto é, com proeminência inicial), haja visto a acentuação em cóyta. Também o tipo e a binaridade Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 1248-1253, 2005. [ 1249 / 1253 ]

do pé são mais importantes do que a consideração da quantidade silábica (WSP), porque em palavras do tipo coytádo, o acento se mantém na penúltima leve, não retrocedendo para a antepenúltima, só porque esta é pesada - o que comprova a dominância de ALL- FT-R sobre BIN e WSP. Conclui-se disto que a binaridade dos pés não é tão importante no PA quanto a marcação da fronteira do radical, o tipo de pé a ser construído e a borda em que é construído. Pode-se comprovar isto a partir da análise dos casos de oxítonas terminadas em sílaba leve, como rubi e javali. Nessas palavras, tanto a binaridade dos pés como a segmentação das sílabas são sacrificadas para que o acento recaia sobre a última vogal do radical tabelau (2): (2) /rubi+ + / ALINHE TROQUEU ALL-FT-R BIN PARSE-σ WSP AC, D, RAD., D a. ru.(bí) * * b. (ru.bí) * c. (rú.bi) * A dificuldade com relação à abordagem do acento dos nomes e demais itens não-verbais no PA consiste em explicar e prever o padrão das proparoxítonas e das paroxítonas terminadas em sílaba pesada. Para dar conta desses padrões marginais de acentuação, propomos a consideração da restrição NÃO-FINALIDADE (=Nas palavras marcadas como contendo radicais especiais, a proeminência é não-final, com relação ao domínio do radical), hierarquizada acima de todas as outras, exclusivamente para as proparoxítonas e paroxítonas terminadas em sílaba pesada. A solução aqui proposta faz com que seja escolhida como forma ótima aquela em que é construído um pé (padrão) de proeminência inicial (trocaico), mas com três sílabas (não-padrão) tableau (3) -, muito semelhante aos pés datílicos propostos para o PB por Wetzels (1992). PARSE- (3) /dicipol+o+ / *FIN(rad) ALINHE TROQUEU ALL-FT- BIN AC, D, RAD., D R σ a. di.ci(pó.lo) * ** b. di.(cí.po)lo * * **! c. di.(cí.po.lo) * * * WSP 2. O padrão acentual dos verbos a partir da TO Com relação às formas verbais do PA, os padrões mapeados no corpus são os mesmos encontrados para os nomes e demais itens lexicais não-verbais. Isto quer dizer que foram encontrados os mesmos tipos de pauta acentual manifestos nos nomes, e na mesma proporção, quanto à recorrência: predominância de paroxítonos, mas com incidência significativa de oxítonos e raros proparoxítonos. Nada faz crer, portanto, que verbos e não-verbos tenham um comportamento diferenciado, quanto à colocação do acento, no PA. De fato, a hierarquia de restrições estabelecida para dar conta do padrão de acentuação dos itens não-verbais explica e prevê perfeitamente bem o padrão dos verbos paroxítonos terminados em sílaba leve e em sílaba travada, além dos oxítonos terminados em sílaba travada e em ditongo. Em todas essas formas, percebe-se o mesmo jogo das forças conflitantes que agem sobre a localização do acento que pôde ser deduzida da análise dos nomes e outros itens lexicais não-verbais: tendências concomitantes em direção à produção de um ritmo trocaico e à marcação com a Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 1248-1253, 2005. [ 1250 / 1253 ]

proeminência acentual da fronteira morfológica do radical. No entanto, no caso dos verbos, o domínio morfológico a ser ressaltado não é exatamente o radical, mas o tema verbal, que consiste na soma do radical com a vogal temática. Já com relação à 1 a pessoa do singular do Pretérito Perfeito do Indicativo na 2 a e na 3 a conjugações (defendi, parti), a situação é um pouco mais complicada. É preciso lembrar que, a exemplo do que acontece em todas as formas verbais do PA, a vogal temática verbal está sempre presente na forma no input. Nessas formas verbais específicas, a vogal temática e a vogal da desinência número-pessoal são de natureza idêntica. Faz-se necessário, então, explicar por que não há o apagamento da vogal temática, como acontece nas formas do presente (veja adiante), nem a formação de um hiato, como seria o padrão do PA para seqüências de vogais desse tipo nos nomes (Massini-Cagliari, 2003). Para tal, faz sentido recorrer à mesma restrição formulada em Massini-Cagliari (2003: 329) para dar conta desse mesmo fenômeno - *HIATO (=Hiatos entre VT e V(desinência), nas formas do pretérito, são proibidos). Essa restrição atua em conjunto com MAX(VT,des.)-Pret. (= Maximize VT e V(desinência) nos verbos do pretérito ), que impede o apagamento da vogal temática nos tempos do pretérito, como ocorre nas formas do presente. A partir da ação conjunta dessas duas restrições, hierarquizadas acima de todas as outras, é possível verificar, no tableau (4), que a forma ótima escolhida corresponde àquela que preserva as moras provenientes de ambas as vogais. Este fato comprova que, embora de menos importância, quando comparada às tendências à produção de ritmo trocaico e à marcação de fronteira morfológica, a tendência à preservação das moras e à consideração do peso silábico na localização do acento em PA não deve ser menosprezada. A operação conjunta das restrições *HIATO e MAX(VT,des.)-Pret. explica também a pauta acentual das formas do Pretérito Imperfeito do Indicativo, na 2 a e na 3 a conjugações, em que a vogal temática i se funde com a vogal inicial da desinência modo-temporal ia. (4) /part+i 1 + +i 2 / *HIAT O MAX(VT, DES)-Pret. ALINHE AC, D, TEMA, D TROQUEU ALL- FT-R BIN PARSE -σ WS P a. par. (ti:) * * b. par.(tí 1 ) * * * * c. par.(t í 2 ) * * * * d. par.(tí.i) * * Ao contrário do que ocorre com os nomes proparoxítonos, nos verbos dessa pauta acentual o acento recai invariavelmente sobre a VT. Ora, como mostra o tableau (5), isto é resultado da atuação de ALINHE (ac.,d, Radical/Tema,D), que pressiona no sentido a marcar a fronteira morfológica da base invariável, à qual se adjungem as flexões, tanto nos verbos como nos não-verbos. (5) /cant+a+va+mos/ ALINHE AC, D, TEMA, D TROQUEU ALL-FT-R BIN PARSE-σ WSP a. can.(tá.va.mos) * * ** b. can.(tá.va).mos * ** ** c. (can.tá).va.mos * ** ** ** d. can.ta.(vá.mos) * ** ** Para os tempos do Futuro, o problema está na identificação da estrutura morfológica desses tempos como formas simples ou compostas. Já há algum tempo Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 1248-1253, 2005. [ 1251 / 1253 ]

estudiosos vêm apontando essas formas do Futuro no Português Europeu (Mateus, 1983 e Mateus & d Andrade, 2000) e no PB (Bisol, 1992 e Massini-Cagliari, 1995 e 1999) como compostas. Em trabalhos anteriores (Massini-Cagliari 1995, 1999), as formas do Futuro do Presente e do Futuro do Pretérito do PA foram consideradas como compostas: do infinitivo do verbo principal e, no Futuro do Presente, as formas do verbo haver no presente do indicativo, ou do pretérito imperfeito do verbo ir, no Futuro do Pretérito. Em uma abordagem otimalista, o fato de considerar como compostos esses tempos verbais muda o input dessas formas, uma vez que são constituídas por duas bases, cada qual com a sua estrutura morfológica interna. Assim, a restrição ALINHE(ac,D,Rad./ Tema,D) não é violada fatalmente, já que o acento recai sobre a última vogal do tema nas duas bases componentes das formas do Futuro, tanto as do Futuro do Presente, como as do Futuro do Pretérito (ou Condicional). Os únicos tempos verbais que trazem problemas para a proposta de análise que ora se apresenta são os do Presente, cujas formas não podem ser geradas apenas através da hierarquia até agora considerada. Para resolver o problema, adota-se, aqui, a restrição NÃO-FINALIDADE(Presente) (= as formas do Presente (Indicativo e Subjuntivo) não têm acento final, no domínio da palavra fonológica). Como fica demonstrado no tableau (6), o efeito da ação dessa restrição é fazer com que o acento não se posicione na sílaba final da palavra nas formas do presente, ou seja, nas formas do Presente do Indicativo e do Subjuntivo. Estabelece-se, portanto, uma clara tensão entre *FIN(Pres.) e ALINHE(ac.,D, Rad./Tema,D), uma vez que a ação desta vai no sentido de posicionar o acento na última sílaba, nas formas da 2 a pessoa do singular (cantas) e da 3 a pessoa do plural (cantan) do Presente do Indicativo e da 2 a pessoa do singular do Imperativo (canta), à qual pertence a vogal temática verbal. No entanto, a ação isolada de *FIN(Pres.) não é capaz de explicar e prever a queda da vogal temática, sempre presente no input, nas formas da 1 a pessoa do singular do Presente do Indicativo (canto) e das 1 a, 2 a e 3 a pessoas do singular e da 3 a pessoa do plural do Presente do Subjuntivo (respectivamente, cante, cantes, cante, canten). Para tal, formulou-se PCO(VT)-Pres. (=Princípio do Contorno Obrigatório com relação à vogal temática nas formas do Presente). No momento da avaliação dos candidatos (tableau 7), sua ação faz com que sejam descartados os outputs que contenham a vogal temática expressa nas formas do presente, ou seja, faz com que não sejam escolhidos os outpus em que se forma uma seqüência de duas vogais, a VT e uma V(desinência) (tanto número-pessoal, como no Indicativo, como modo-temporal, como no Subjuntivo). (6) /cant+a+ +s/ *FIN(Pres.) TROQUEU ALINHE ALL-FT- BIN PARSEσ WSP AC, D, RAD., D R a. (cán.tas) * * b. (cán).tas * * * * c. can.(tás) * * * (7) /cant+a+e PCO(VT) *FIN TROQUEU ALINHE ALL- BIN PARSE WSP +s/ -Pres. (Pres.) AC, D, RAD., D FT-R -σ a. (cán.tes) * b. (cán).tes * * * c. can.(tés) * * * * d. can.(tá.es) * Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 1248-1253, 2005. [ 1252 / 1253 ]

A partir da ação conjunta de PCO(VT)-Pres. e de *FIN(Pres.), ficam previstos os padrões acentuais das formas da 1 a e da 2 a pessoas do plural do Presente do Subjuntivo (ex. cantemos, cantedes). No caso dessas pessoas específicas do Presente do Subjuntivo, a tensão entre as forças que vão no sentido do apagamento da vogal temática e da nãoatribuição do acento à última sílaba da palavra e, contrariamente, à delimitação do tema como constituinte morfológico importante acaba por fazer com que, nesse caso, o acento recaia, excepcionalmente, sobre uma vogal que carreia status de desinência verbal. Apesar de excepcional, por receberem essas formas acento sobre a desinência, a pauta acentual da 1 a e da 2 a pessoas do plural do Presente do Subjuntivo, num outro sentido, reforçam a tendência rítmica trocaica do PA, garantida a partir desse padrão excepcional. Referências: BISOL, L. O acento e o pé métrico binário. Cadernos de Estudos Lingüísticos, Campinas, 1992. (22): 69-80. CANCIONEIRO da Ajuda - Edição Fac-similada do códice existente na Biblioteca da Ajuda. Lisboa: Edições Távola Redonda, 1994. CANCIONEIRO da Biblioteca Nacional (Colocci-Brancuti). Cod. 10991. Reprodução fac-similada. Lisboa: Biblioteca Nacional/Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1982. MASSINI-CAGLIARI, Gladis. Cantigas de amigo: do ritmo poético ao lingüístico. Um estudo do percurso histórico da acentuação em Português. Tese de doutorado. Campinas, UNICAMP, 1995.. Do poético ao lingüístico no ritmo dos trovadores: três momentos da história do acento. Araraquara: FCL, Laboratório Editorial, UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 1999.. Ditongos e hiatos em Português Arcaico: uma abordagem otimalista. Letras de Hoje. Porto Alegre: v. 38, n o 4, p. 319-338, dezembro, 2003. MATEUS, Maria Helena M. O acento de palavra em português: uma nova proposta. Boletim de Filologia. Tomo XXVIII. Lisboa: Centro de Lingüística da Universidade de Lisboa, 1983. pp. 211-229. ; d ANDRADE, Ernesto. The Phonology of Portuguese. Oxford: Oxford University Press, 2000. METTMANN, Walter (ed.) Alfonso X, el Sabio. Cantigas de Santa Maria. Madrid: Castalia, 1986-1988-1989. WETZELS, W. L. Mid Vowel Neutralization in Brazilian Portuguese. Cadernos de Estudos Lingüísticos, Campinas, (23): 19-55, jul./dez. 1992. Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 1248-1253, 2005. [ 1253 / 1253 ]