Influência do dimorfismo sexual sobre a morfologia da siringe de galinha d angola (Numida meleagris)

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Ciência 1424 Rural, Santa Maria, v.36, n.5, p.1424-1428, set-out, 2006 Baraldi-Artoni et al. ISSN 0103-8478 Influência do dimorfismo sexual sobre a morfologia da siringe de galinha d angola (Numida meleagris) Influence of the sexual dimorphism on the morphology of the syrinx of guinea fowl (Numida meleagris) Flávia Bottino 1 Silvana Martinez Baraldi Artoni 1* Daniela Oliveira 1 Vanessa Sobue Franzo 1 Maria Rita Pacheco 1 Antonio Marcos Orsi 2 Lizandra Amoroso 1 RESUMO Este estudo teve como objetivo realizar uma descrição morfológica e comparativa da siringe, órgão responsável pelo canto das aves, na espécie Numida meleagris. Para isso foram utilizados cinco machos e cinco fêmeas de galinha d angola, a fim de verificar a sintopia (traquéia, músculos traqueais) e o dimorfismo sexual da siringe. Verificouse que a siringe se localiza na bifurcação da traquéia e apresenta maior número de cartilagens nos machos. Nos machos, a inserção do músculo traqueal lateral bem como a origem do músculo esterno traqueal localizam-se mais caudalmente e são mais largos em relação às fêmeas. As diferenças existentes entre machos e fêmeas de galinha d angola revelam a elevada capacidade das fêmeas em produzir sons semelhantes a tô fraco enquanto que os machos emitem arrulhos e cacarejos. Palavras-chave: siringe, dimorfismo sexual, traquéia, galinha d angola. ABSTRACT This study was aimed at making a morphologic and comparative description of the syrinx, the organ that is responsable for the song of the birds in the species Numida meleagris. For that, five males and five females of guinea fowl were used in order to verify the sintopy (trachea, tracheal muscles) and the sexual dimorphism of the syrinx. It was verified that the syrinx is located in the bifurcation of the trachea and it presents larger number of cartilages in the males. The tracheal muscles attaches or origins more caudally in males and both are larger in relation to the females. The existent differences between males and females of Numida meleagris show the high capacity of females in producing sounds how to fraco while males emit coo and cackles. Key words: syrinx, sexual dimorphism, trachea, guinea fowl. INTRODUÇÃO A capacidade de utilização de sons e de sinais visuais na comunicação é uma característica típica dos animais, sendo que, nas aves, a visão e a audição se destacam por serem muito apuradas. O canto das aves apresenta ampla variedade e, em muitos casos, tem uma grande intensidade. As duas principais funções do canto são a delimitação de território e a atração da fêmea pelo macho, uma vez que, na maior parte das espécies, o canto é atributo do macho (SISSON & GROSSMAN, 1986). A diferenciação sexual da galinha d angola se dá pelos diferentes sons que os machos apresentam em relação às fêmeas, sendo que essas emitem o característico tô fraco, enquanto que os machos emitem arrulhos e cacarejos. Os hormônios sexuais desempenham um papel importantíssimo no desenvolvimento do canto, e este sofre influência da temperatura ambiente e da luz solar. A siringe é o órgão responsável pela fonação nas aves e apresenta diferentes formatos que permitem notáveis modificações na vocalização nas diferentes espécies. Ela é sustentada por um arcabouço esquelético modificado, geralmente para dar suporte às membranas que vibram com a passagem do ar, produzindo os sons e para servir de apoio à origem e ou à inserção da musculatura (SISSON & GROSSMAN, 1986). MYERS (1917), relata que a siringe da galinha comercial possui quatro componentes cartilaginosos. 1 Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal (FCAVJ), Rod. Acesso Paulo Donato Castellane, s/n, km 5, 14884-900, Jaboticabal, SP, Brasil. Fone: (16) 3209-2654, r. 239. E-mail: smbart@fcav.unesp.br. *Autor para correspondência. 2 Departamento. de Anatomia, Instituto de Biociências, UNESP, Campus Botucatu, SP, Brasil. Recebido para publicação 31.08.05 Aprovado em 19.04.06

Influência do dimorfismo sexual sobre a morfologia da siringe e da traquéia de galinha d angola (Numida meleagris). 1425 As cartilagens craniais (tímpano de Myers), compostas de quatro cartilagens nos machos e de três nas fêmeas, são ligeiramente maiores que as cartilagens traqueais precedentes e são de origem traqueal. O pessulo é uma cartilagem com formato de cunha, situada dorsoventralmente de forma que sua margem cranial afilada divide o lúmen da traquéia nos dois principais brônquios. As cartilagens intermediárias são em número de quatro a cada lado, todas em formato de C, afixadas ao pessulo em sua extremidade ventral e livres na extremidade dorsal. As três primeiras são semelhantes, porém a quarta tem sua extremidade dorsal aumentada. As cartilagens caudais são em número de três a cada lado e, de acordo com MYERS (1917), são de origem bronquial. BALLINTIJN & TEN CATE (1997) afirmam que a siringe de pombas (Streptopelia decaoto) fêmeas são cópias reduzidas das siringes de machos da mesma espécie. O tamanho da traquéia e o número de cartilagens traqueais e bronquiais mostraram diferenças significativas entre os sexos. Os autores concluem que as combinações de dados anatômicos e vocais fornecem evidências de que os aspectos morfológicos contribuem para o dimorfismo sexual das vocalizações. A siringe possui peculiaridades nas diferentes espécies de aves e em relação ao sexo, sendo que sua morfologia influencia na produção e qualidade do canto. O objetivo do presente estudo consiste em investigar as diferenças sexuais da morfologia da siringe de galinha d angola. MATERIAL E MÉTODOS Foram utilizados 10 exemplares de galinhas d angola (Numida meleagris), sendo cinco machos e cinco fêmeas, oriundos do Laboratório de Patologia da UNESP, Campus de Jaboticabal, SP. Após uma incisão longitudinal das regiões cervical ventral (a partir da inserção da mandíbula) e torácica das aves (circundando o esterno), a traquéia e a siringe foram localizadas, retiradas da cavidade e posteriormente dissecadas com o auxílio de uma lupa esteroscópia com lâmpada circular Ramsor. Foram avaliados o número de cartilagens da siringe; o número de cartilagens traqueais; o comprimento (com o auxílio de um paquímetro Norfol ), a origem e a inserção dos músculos traqueais (traqueal lateral e esternotraqueal). Os resultados foram expressos na forma de média. RESULTADOS E DISCUSSÃO Na última cartilagem da traquéia, observase a siringe, que se caracteriza como traqueobronquial (Figura 1), apresentando um leve afunilamento nas cartilagens intermediárias, em relação às cartilagens da traquéia e às cartilagens craniais da siringe. A siringe de galinha d angola possui as cartilagens craniais, as cartilagens intermediárias, o pessulo e as cartilagens caudais (Figuras 2 e 3). As cartilagens craniais são constituídas por oito anéis nos machos e por cinco nas fêmeas, sendo que estes são menos flexíveis que as cartilagens traqueais. No macho, as cartilagens intermediárias que precedem a bifurcação bronquial possuem formato ovalado e são em número de seis, enquanto que, nas fêmeas, são formadas por cinco cartilagens. NICKELL & SCHUMMER (1977), relatam que quanto maior o comprimento das cartilagens craniais, maior será a amplitude sonora da ave. A galinha d angola macho apresenta um número de cartilagens craniais e intermediárias mais elevado que as fêmeas, favorecendo uma amplificação do som nos machos, embora as fêmeas apresentem a vocalização característica da espécie. No entanto, em ambos os sexos, pode-se observar dorsalmente que as cartilagens intermediárias são incompletas, proporcionando maior flexibilidade destas cartilagens durante a produção de sons. O pessulo caracteriza-se por ser uma cartilagem que se localiza dorsoventralmente, dividindo o lúmen da traquéia em dois brônquios principais. O pessulo da galinha d angola é bem evidente e desenvolvido (Figura 1). As cartilagens caudais são em número de quatro a cada lado e apresentam constrição voltada para a região central da siringe. As cartilagens caudais, em ambos os sexos, apresentam ventralmente cartilagens incompletas e em forma de funil (Figuras 2 e 3). A siringe é um órgão no qual encontram-se diversas variações em muitas espécies e o dimorfismo sexual evidencia certas diferenças no canto das aves, como ocorre em patos e corujas (BROMAN, 1942; LEWIS & DOMM, 1948; MILLER, 1934; BIELLIER & TURNER, 1950). Por meio de um estudo da variação da siringe de aves domésticas e silvestres, MOREJOHN (1966) observou diferenças em relação ao sexo, dentre as quais se destacam o formato do primeiro anel bronquial, o tamanho das cartilagens craniais e a ossificação. A traquéia de galinha d angola possui, em média, 136 cartilagens nos machos e 134 nas fêmeas. Esta espécie apresenta dois músculos traqueais, denominados músculo traqueal lateral e músculo esternotraqueal. A origem e inserção do músculo traqueal lateral se diferenciam em relação ao sexo. Nos machos, origina-se no 1 o e se insere,

1426 Baraldi-Artoni et al. Figura 1 - Fotografia in situ da traquéia (E) e da siringe (A, B, C, D) de galinha d angola (Numida meleagris) macho. O músculo esternotraqueal (seta fina) localiza-se cranialmente às cartilagens craniais (A) da siringe traqueobronquial. O asterisco indica a última cartilagem traqueal. As cartilagens intermediárias (B) encontram-se adjacentes ao pessulo (C) e a bifurcação dos brônquios dá origem às cartilagens caudais (D). aproximadamente, no 127 o anel traqueal. Possui um comprimento de 97mm e 0,04mm de espessura. No entanto, nas fêmeas, o músculo traqueal lateral se origina, aproximadamente, no 1 o e se insere no 98 o anel traqueal, com comprimento de 92mm e 0,03mm de espessura. Já o músculo esternotraqueal (Figura 1), nos machos, origina-se no 132 o anel traqueal e se insere no osso esterno, com 20mm de comprimento e 0,03mm de espessura, em média. Nas fêmeas, origina-se no 104 o anel traqueal e se insere no osso esterno, apresentando 17mm de comprimento e 0,02mm de espessura. A produção de som, na grande maioria das aves, é controlada somente pelos músculos extrínsecos da siringe. O músculo esternotraqueal faz com que a siringe seja tracionada em direção caudal, diminuindo as tensões nas membranas. Funcionando de forma antagônica ao músculo esternotraqueal, o músculo traqueal lateral é considerado um músculo intrínseco por possuir, muitas vezes, sua inserção na siringe. Na maioria das vezes, é essa musculatura que controla as modulações do som (GAUNT & GAUNT, 1985; BRACKENBURY, 1989). A galinha d angola possui essas duas musculaturas desenvolvidas, assim como o papagaio, que possui músculos extrínsecos e intrínsecos, os quais desempenham papéis fundamentais no funcionamento da siringe (LARSEN & GOLLER, 2002). Em alguns grupos de aves, surgiu, aparentemente, a partir do músculo traqueal lateral, uma musculatura especializada, que possibilita a produção de sons com menor consumo de energia e modulações mais complexas (GAUNT & GAUNT, 1985). Essa musculatura é conhecida como musculatura siringeal ou intrínseca da siringe e surgiu em muitos grupos de passeriformes e em poucos grupos de nãopasseriformes (KING, 1989; LIMA & HÖFLING, 1998). Foi possível observar que os músculos siringeais são instrumentos na preparação da siringe para o processo de fonação e estão presentes na galinha d angola e também em papagaios, conforme observado por LARSEN & GOLLER (2002).

Influência do dimorfismo sexual sobre a morfologia da siringe e da traquéia de galinha d angola (Numida meleagris). 1427 Figura 2 - A. Desenho esquemático da vista dorsal da siringe de galinha d angola fêmea. B. Desenho esquemático da vista ventral da siringe de galinha d angola fêmea. Figura 3 - A. Desenho esquemático da vista dorsal da siringe de galinha d angola macho. B. Desenho esquemático da vista ventral da siringe de galinha d angola macho.

1428 Baraldi-Artoni et al. Conjuntamente, todas as características morfológicas da siringe, da traquéia e dos músculos deste sistema podem fazer com que as fêmeas diferenciem o seu canto em relação ao dos machos. CONCLUSÃO As diferenças morfológicas existentes entre machos e fêmeas de galinha d angola sugerem que as diferenças sonoras podem ser reflexo do dimorfismo sexual tanto da traquéia e da siringe como dos músculos envolvidos, que agem concomitantemente durante a produção dos sons. REFERÊNCIAS BALLINTIJN, M.R.; TEN CATE, C. Sex differences in the vocalizations and syrinx of the collared dove (Streptopelia decaoto). The Auk, Netherlands, v.114, n.1, p.22-39, 1997. BIELLIER, H.V.; TURNER, C.W. Sexual dimorphism in the syrinx of the Pekin duck. Poultry Science, Savoy, v.29, p.527-529, 1950. BRACKENBURY, J.H. Functions of the syrinx and the control of sound production. In: KING, A.S.; MCLELLAND J. (Eds). Form and function in birds. London: Academic, 1989. p.193-220. BROMAN, I. Über die Embryonalentwicklung der Enten-Syrinx. Anatomie Anzeiger, Berlim, v.93, p.241-251, 1942. CALDER, W.A. Respiration during song in the canary (Sus canaria). Compendium of Biochemistry and Physiology, Philadelphia, v.32, p.251-258, 1970. GAUNT, A.S.; GAUNT, S.L.L. Eletromiographic studies of the syrinx in parrots (Aves, Psittacidae). Zoomorphology, Nova York, v.105, n.1, p.1-11, 1985. GREENEWALT, C.H. How birds sing. Scientific American, Nova York, v.221, p.126-139, 1969. GROSS, W.B. Voice production by the chicken. Poultry Science, Savoy, v. 43, p. 1005-1008, 1964. HARTLEY, R.S.; SUTHERS, R.A. Lateralization of syringeal function during song production in the canary. Journal Neurobiology, Hoboken, v.21, n.8, p.1236-48, 1990. KING, A.S. Funtional anatomy of the sirynx. In: KING, S.; MCLELLAND J. (Eds). Form and function in birds. London: Academic, 1989. p.105-192. LARSEN, O.N.; GOLLER, F. Direct observation of syringeal muscle function in songbirds and a parrot. Journal of Experimental Biology, Cambridge, v.205 (Pt1), p.25-35, 2002. LEWIS, L.B.; DOMM, L.V. A sexual transformation of the osseus bulla in duck embryos following administration of estrogen. Physiology and Zoology, London, v.21, p.65-69, 1948. LIMA, R.G.; HÖFLING, E. Estudo anatômico da siringe de Aratinga leucophtalmus, Amazona aestiva, Amazona brasiliensis e Triclaria malachitacea (Aves, Psittacidae). In: SIMPÓSIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 6., 1998, Ribeirão Preto, SP. Anais... Ribeirão Preto: Edusp, 1998. p.273. MILLER, A.H. The vocal apparatus of the some North Americam owls. The Condor, Arcata, v.36, p.204-213, 1934. MOREJHON, G.V. Variations of the syrinx of the fowl. Poultry Science, Savoy, v.45, p.33-39, 1966. MYERS, J.A. Studies of the syrinx of Gallus domesticus. Journal of Morphology, Hoboken, v.29, p.165-215, 1917. NICKEL, A.; SCHUMMER, E.S. Anatomy of the domestic birds. Berlim: Verlage Paul Parey, 1977. p.202 SISSON, S.; GROSSMAN, J.D. Anatomia dos animais domésticos. 5.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1986. p.2000. WHITE, S.S. Moviments of the larynx during cowing in the domestic cock. Journal of Anatomy, Grã-Bretanha, v.103, p.390-392, 1968.