Efeito de dois sistemas de condução da videira (Vitis vinifera L., cv Tinta Roriz) nas trocas gasosas e eficiência do uso da água

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Transcrição:

Efeito de dois sistemas de condução da videira (Vitis vinifera L., cv Tinta Roriz) nas trocas gasosas e eficiência do uso da água A.C. Ribeiro, J.V. Andrade Centro de Investigação de Montanha, ESA, Instituto Politécnico de Bragança, Campus de Sta Apolónia, Apt 1172; 53 855 Bragança, Portugal. E-mail: antrib@ipb.pt Resumo Os sistemas de condução que permitem a mecanização, parcial ou total, e que facilitam as operações manuais, devido à simplicidade da sua estrutura e da poda, têm vindo a ser preferencialmente adoptados pelos viticultores. Na região de Trás-os-Montes (nordeste de Portugal) os sistemas de condução da vinha tradicionais (formas livres baixas sem qualquer sistema de suporte) tem vindo a ser reconvertidos para sistemas de condução em cordão unilateral ou bilateral ascendente e sem recurso à rega. Nesta região quente e seca as limitações de disponibilidade de água têm um grande impacto na produção e qualidade uma vez que a precipitação não é suficiente para satisfazer as necessidades hídricas da cultura e o défice hídrico desenvolve-se acentuadamente durante o verão. Neste trabalho compara-se o efeito de dois sistemas de condução (sistema tradicional em forma livre () e cordão bilateral ()), em condições de sequeiro, no desempenho fisiológico e na eficiência do uso da água em condições de clima mediterrânico. As experiências foram conduzidas na variedade Tinta Roriz, numa vinha comercial com vinte e cinco anos localizada na região de Trás-os-Montes (sub-região do Planalto Mirandês). Foram efectuadas medições, ao pintor e ao longo da maturação, das trocas gasosas (assimilação líquida de CO 2 (A) condutância estomática (g s ) e taxa de transpiração (E)) e do potencial hídrico foliar de base e do meio-dia, em folhas adultas e completamente expostas ao sol. As videiras conduzidas no sistema tradicional apresentaram um melhor estado hídrico (potencial hídrico foliar de base e do meio-dia superior às videiras conduzidas em cordão bilateral). Em relação às trocas gasosas, as videiras conduzidas nesse sistema apresentaram uma maior taxa de assimilação líquida de CO 2 e uma maior eficiência intrínseca do uso da água (A/g s ). Estes resultados preliminares mostram que o sistema de condução tradicional, sem rega, parece melhor adaptado a esta região quente e seca. Palavras-chave: Vitis vinífera L.; condutância estomática; potencial hídrico Effect of two grapevine (Vitis vinifera L., cv Tinta Roriz) trainning systems on leaf gas exchange and water use efficiency Abstract Training systems which allow partial or full mechanization and facilitate hand management due to their simpler structure and pruning are therefore becoming more appealing to growers. In Trás-os-Montes region (northeastern Portugal) grapevine traditional training system (small bush vines close to the ground with no foliage support wires) have been reconverted mainly to non-irrigated unilateral and bilateral cordon training systems with a typical upright shoot growth supported by catch wires. In this hot and dry region, limitations in water supply have a great impact on grape production and quality as the annual rainfall is not adequate to provide grapevines with their water requirements, and water deficits usually develop increasingly during summer. In this study two non-irrigated grapevine training systems (traditional small bush vines close to the ground () and bilateral cordon with vertical shoot positioned vines ()) were compared for their effects on physiological performance and water use efficiency in Mediterranean weather conditions. The trial was carried out in a 25-year old experimental vineyard planted with cv. Tinta Roriz in Trás-os- Montes region, Planalto Mirandês sub-region). Experimental layout consisted in the measurement, at the veraison and maturity, of physiological variables (net CO 2 assimilation rate (A), stomatal conductance (g s) and transpiration rate (E)) and pre-dawn and midday leaf water potential of fully mature, sun-exposed leaves. The grapevines trained in showed a higher water status (higher predawn and midday leaf water potential), higher net CO 2 assimilation rate and higher intrinsic water use efficiency (A/g s). These preliminary results show that grapevine traditional training system, with no irrigation, seems to be well adapted to this hot and dry region. Key Words:) Vitis vinífera L; stomatal conductance; leaf water potential Ref. Nº C51

Introdução A estrutura geométrica do coberto vegetal determina a sua interacção com os fluxos de energia (Schultz et al., 29). O sistema de condução da vinha, ao determinar o modo como ocorre a interacção com os fluxos de energia, vai actuar sobre importantes mecanismos da fisiologia da videira, em especial a actividade fotossintética global da folhagem (Carbonneau, 198; Schubert et al., 1995; Smart, 1974) e o estado hídrico (Katerji et al., 1994; Ollat and Carbonneau, 1992), que por sua vez têm enormes repercussões sobre o rendimento e qualidade do mosto (Moutinho-Pereira, 2). Ao longo do ciclo vegetativo, à medida que o teor de água do solo vai decrescendo, as plantas vão tendo cada vez menos capacidade para restabelecer o equilíbrio hídrico. Nestas circunstâncias, o crescimento cessa, a taxa fotossintética diminui e, em casos de extrema secura, muitas folhas, sobretudo as basais, tornam-se prematuramente senescentes (Moutinho-Pereira, 2). A assimilação líquida de CO 2 pode ser dificultada pelo fecho dos estomas, quer em resposta a um decréscimo do potencial hídrico das folhas quer devido ao aumento do gradiente de pressão de vapor de água entre a folha e o ar. Este tipo de limitação é estomática porque são os estomas que, através da regulação da sua abertura, controlam a saída de água dos espaços intercelulares para a atmosfera, em função do estado hídrico da planta, e, da mesma forma, permitem ou não a difusão de CO 2, em sentido inverso, para a síntese de fotoassimilados nas células do mesófilo clorofilino (Moutinho-Pereira, 2). Este processo de controlo em resposta ao stress hídrico faz aumentar a eficiência do uso da água, porque o fecho dos estomas inibe mais intensamente a transpiração do que o decréscimo da concentração de CO 2 intercelular (Chaves, 1991; Schulze, 1986). As formas de condução que proporcionam uma superfície foliar exposta mais reduzida permitem que a água disponível seja distribuída por menos folhas, assegurando assim um certo retardamento dos sintomas de stress hídrico (Baeza, 1994; Katerji et al., 1994; Moutinho-Pereira, 2). Em situações extremas, a menor senescência das folhas basais, que assim se pode obter, pode evitar o escaldão dos cachos provocado por exposição excessiva à radiação solar directa (Lopes, 1994). Neste trabalho apresentam-se alguns resultados preliminares sobre o comportamento fisiológico da variedade Tinta Roriz em dois sistemas de condução: sistema tradicional da região do Planalto Mirandês e o cordão bilateral. Material e Métodos As experiências foram conduzidas numa vinha comercial localizada na região de Trás-os-Montes, subregião do Planalto Mirandês, nordeste de Portugal. Os estudos foram realizados com a variedade Tinta Roriz (Vitis vinífera L.) enxertada no porta-enxerto 11 R e plantada em 1988 num compasso de 2,2 x 1,1 m (4132 videiras ha -1 ). As videiras conduzidas no sistema de cordão bilateral (), com orientação E-W, têm uma carga média de 12 gomos por videira e as conduzidas no sistema tradicional () 8 gomos por videira. O dispositivo experimental consistiu no estabelecimento de duas modalidades ( e )) em blocos casualizados com 3 repetições com 6 videiras cada. O potencial hídrico foliar ( f ) foi medido ao longo do período estival, nas duas modalidades em estudo. As medições do potencial hídrico foliar foram realizadas com uma câmara de pressão (Modelo 1, PMS Instrument Company, Albany, USA). As medições foram efectuadas imediatamente antes do nascer do sol (potencial de base) e ao meio dia solar (potencial do meio-dia). As folhas (sãs, adultas e bem expostas ao sol) foram colhidas em cada um dos blocos de cada modalidade e rapidamente colocadas na câmara para medição minimizando desta forma qualquer possibilidade de desidratação. Foram efectuadas medições em 4 videiras por bloco num total de 12 folhas por modalidade. As medições das trocas gasosas para o CO 2 e vapor de água foram efectuadas com um analisador de gás por radiação infravermelha (IRGA) funcionando em modo diferencial e em circuito aberto (modelo LCA-4, da Analytical Development Co.Ltd.). As medições das trocas gasosas foram Ref. Nº C51

efectuadas em dois períodos diários (1 horas e 14 horas) em 8 folhas expostas (duas por bloco) e em condições de luz saturantes para a fotossíntese (PPFD superior a 5 mol.m -2.s -1 ). Cada leitura era registada logo que a pressão parcial do CO 2 no interior da câmara estabilizasse, o que normalmente acontecia ao fim de 1 minuto, de forma a minimizar o chamado efeito estufa dentro da câmara foliar (Moutinho-Pereira, 2). A partir destas medições, designadamente o CO 2 do ar atmosférico, CO 2 do ar afectado pela folha, humidade relativa do ar à entrada e saída da câmara, temperatura do ar dentro da câmara, intensidade da radiação fotossinteticamente activa (PPFD) e caudais molares, de acordo com as fórmulas de von Caemmerer and Farquhar (1981), foram calculados os seguintes parâmetros: assimilação líquida de CO 2 (A), taxa de transpiração (E) e eficiência intrínseca do uso de água (A/g s ). A análise estatística dos dados foi efectuada no programa JMP 6 25 (SAS Institute Inc. Cary, NC, EUA). A comparação de médias foi efectuada pelo teste t de Student. Resultados e Discussão As condições climáticas no período em que decorreram as experiências caracterizaram-se pela elevada temperatura e precipitação escassa (Figura 1). Durante o período de maturação temperatura máxima foi superior a 3 ºC em muitos dias e a precipitação acumulada entre Abril e Setembro foi de apenas de 116 mm. Como consequência da extrema secura, a diminuição da reserva de água no solo ao longo do ciclo vegetativo acentuou-se drasticamente. Temperatura (ºC) 4 3 2 1 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Meses 18 16 14 12 1 8 6 4 2 Precipitação (mm) Figura 1 Evolução da temperatura máxima, mínima e precipitação (barras) no período Abril a Setembro de 26 Ao longo da maturação o potencial hídrico foliar de base diminui consistentemente atingindo valores próximos de -,8 MPa (Figura 2). As videiras conduzidas no sistema tradicional () apresentaram ao longo da maturação um melhor estado hídrico que as videiras conduzidas em cordão bilateral (). No entanto, em ambas as situações as videiras tenham estado submetidas a um stresse hídrico severo na parte final da maturação. O melhor estado hídrico das videiras conduzidas no parece dever-se à menor superfície foliar exposta (,68 m 2 m -2 ) relativamente ao (,81 m 2 m -2 ). Estes resultados estão de acordo com os resultados observados por Lopes (1994) que verificou que as videiras com menor área foliar total e exposta, por estarem podadas em Guyot, relativamente ao sistema Royat, apresentaram quase sempre potencial hídrico foliar de base mais favoráveis. Ref. Nº C51

. -.2 A. -.5 B base (MPa) -.4 -.6 meio-dia (MPa) -1. -.8-1.5-1. 28-7 5-9 2-9 -2. 28-7 5-9 2-9 Figura 2. Potencial hídrico foliar de base (A) e do meio-dia (B) medido, ao longo da maturação, nos dois sistemas de condução. Cada ponto representa a média de 12 valores com erro padrão. Na Figura 3 estão representadas trocas gasosas ao nível da folha para as videiras conduzidas em e. As videiras conduzidas em cordão bilateral e no sistema tradicional não apresentaram diferenças significativas na taxa de transpiração. A assimilação líquida de CO 2 (A) foi, ao pintor, superior nas folhas das videiras conduzidas no sistema tradicional. A diferença na condutância estomática entre os dois sistemas de condução não foi estatisticamente significativa (Figura 4). Contudo, no início da maturação, o melhor estado hídrico das videiras conduzidas no sistema tradicional traduziu-se numa maior eficiência intrínseca do uso da água (A/g s ) (Figura 4). 25 2 a * b 8 6 A ( mol m -2 s -1 ) 15 1 5 E (mmol m -2 s -1 ) 4 2 28 Jul 5 Set 28-Jul 5-Set Figura 3. Efeito do sistema de condução na assimilação líquida de CO2 (A) e taxa de transpiração (E). Letras diferentes indicam uma diferença significativa a P<,5 (*) pelo teste t de Student e uma diferença não significativa. Estes resultados indicam que a diminuição da assimilação líquida de CO 2 (A) nas videiras conduzidas em cordão bilateral pode ser devida a razões essencialmente não estomáticas. O efeito do stress hídrico tem como consequências a perda de rendimento quântico da fixação de CO 2, o menor declive da curva inicial de resposta da fotossíntese à concentração de CO 2 atmosférico e uma menor actividade das enzimas dos cloroplastos, em particular da Rubisco (Chaves, 1991; Flexas et al., 22). Schultz (1996) associaram estas limitações não estomáticas fundamentalmente à perda de actividade da Rubisco e à reduzida capacidade de regeneração da ribulose-1,5-bisfosfato. Ref. Nº C51

gs (mmol m -2 s -1 ) 3 25 2 15 1 5 A/gs (mmol mol -1 ) 16 14 12 1 8 6 4 2 a * b 28-7 5-9 28-7 5-9 Figura 4. Efeito do sistema de condução na condutância estomática (gs) e eficiência intrínseca do uso da água (A/g s ). Letras diferentes indicam uma diferença significativa a P<,5 (*) pelo teste t de Student e uma diferença não significativa. Conclusões Este estudo, apesar do caracter preliminar que representa mas que terá continuação nos próximos anos para consolidação de resultados, mostra que o sistema de condução tradicional em formas livres da região do Planalto Mirandês, sem rega, está, do ponto de vista fisiológico, melhor adaptado a esta região quente e seca, pelo melhor estado hídrico das videira e consequente efeito positivo na taxa fotossintética e na maior eficiência intrínseca do uso da água, em comparação com o sistema de cordão bilateral. Agradecimentos Os autores agradecem à Adega Cooperativa de Ribadouro pelas facilidades concedidas para o trabalho experimental. Bibliografía Baeza, P. (1994). Caracterización ecofisiológica y evaluación agronómica de diferentes sistemas de conducción del viñedo (Vitis vinifera L.) en regadío., Universidad Politécnica de Madrid, Madrid. Carbonneau, A. (198). Recherche sur les systèmes de conduite de la vigne: essai de maîtrise du microclimat et de la plante entière pour produire économiquement du raisin de qualité, Université de Bordeaux II. Chaves, M. M. (1991). Effects of water deficits on carbon assimilation. Journal of Exp. Bot. 42, 1-16. Flexas, J., Bota, J., J.M., E., Bartolomé, S., and Medrano, H. (22). Effects of drought on photosynthesis in grapevines under field conditions: an evaluation of stomatal and mesophyll limitations. Functional Plant Biology 29, 461-471. Katerji, N., Daudet, F. A., Carbonneau, A., and Ollat, N. (1994). Etude à l échelle de la plante entière du fonctionnement hydrique et photosynthétique de la vigne: comparaison des systèmes de conduite traditionnel et en Lyre. Vitis, 197-23. Lopes, C. M. (1994). Influência do sistema de condução no microclima do coberto, vigor e produtividade da Videira (Vitis vinifera L.). Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa. Moutinho-Pereira, J. M. (2). Caracterização Fisiológica e agronómica de diferentes estratégias culturais para minimizar o stress estival em Vitis vinifera L. na Região Demarcada do Douro, UTAD, Vila Real, Portugal. Ollat, N., and Carbonneau, A. (1992). Influence du système de conduite sur la régulation du régime hydrique et de la photosynthèse. In "Proceedings of the IV International Symposium on Grapevine Physiology", pp. 597-6, Torino, Italy. Ref. Nº C51

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